As árvores na Amazônia emitem “cheiros” que fazem “cócegas” nas nuvens e provocam as chuvas sobre a floresta. Os cientistas do LBA descobriram também que onde há queimadas a chuva diminui.
EXCLUSIVO - EcoAgência de Notícias
05-set-2003
Rio Branco, AC - O governador Blairo Maggi, do Mato Grosso, deveria ser um aliado do Greenpeace, dos Amigos da Terra, do WWF-Brasil e das demais ONGs ecologistas, pois o celeiro do Brasil precisa da água da Amazônia e o aquecimento global pode acabar com a floresta.
O alerta é do cientista Antonio Nobre, do Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA), que iniciou há cinco anos e hoje conta com mais de mil pesquisadores do Brasil, Estados Unidos, Holanda, Inglaterra, Alemanha, Itália, França e Suécia. Nobre apresentou algumas das descobertas já feitas pelo LBA aos 183 jornalistas que participaram do Encontro Internacional de Jornalismo Ambiental da Amazônia, realizado pelo Sindicato dos Jornalistas do Acre, WWF-Brasil, Federação Nacional dos Jornalistas e Governo do Estado do Acre.
O pesquisador Antonio Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, investiga no LBA a troca de carbono na floresta. Formado em agronomia na Esalq/USP, ele fez mestrado em Ecologia Tropical, doutorado em Biogeoquímica da Terra e trabalha na região amazônica há mais de 20 anos.
“O projeto está formando uma geração de cientistas brasileiros em temas antes inéditos, como os estudos de fluxo de carbono com torres. Daqui a algum tempo nas discussões mundiais sobre contribuição do efeito estufa, a comunidade brasileira será capaz de fazer e defender as próprias medidas”, afirma.
A competição entre os cientistas, que marcou o início das pesquisas, está dando lugar a cooperação e integração dos trabalhos. A complexidade da floresta está ensinando os especialistas que não é possível tentar compreender a Amazônia em caixinhas. O Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia é a maior pesquisa já realizada na floresta amazônica.
O LBA tem um corpo científico que dá as direções e discute as questões fundamentais que precisam ser respondidas. Ele começou a ser elaborado em 1991, mas as pesquisas só iniciaram em 1998, depois de muita polêmica causada pelo envolvimento de pesquisadores estrangeiros.
Nesta entrevista exclusiva à EcoAgência, o cientista Antônio Nobre apresenta alguns dos resultados e explica como funciona o único projeto do mundo que mede mudanças globais e a relação da biosfera com a atmosfera de uma maneira colaborativa e integrada.
EcoAgência: Quais são as grandes linhas de pesquisa do LBA?
Antonio Nobre: Quanto mais a gente trabalha com a Amazônia, mais vê que na realidade todos os componentes são relacionados entre si. Antes se falava em clima, que é água e energia. Hoje, resultado do projeto LBA, já sabemos que a chuva não se forma se não há partículas na atmosfera. Estas partículas formam núcleos de condensação. Em volta da poeira forma uma gota d’água. E na Amazônia, onde o ar é muito limpo não tem partícula. Até foi criado o termo oceano verde porque o ar sobre a Amazônia é tão limpo quanto o ar sobre o oceano.
EcoAgência: Então como chove tanto neste oceano verde da Amazônia se não existem partículas no ar?
Antonio Nobre: Graças à arquitetura do projeto LBA, a comunidade biogeoquímica, de química da atmosfera, que é a minha área, começou a conversar com o pessoal do clima, da meteorologia. Descobrimos que as árvores na Amazônia emitem compostos orgânicos voláteis (terpenos, isoprenos).
EcoAgência: São os “cheiros” da floresta?
Antonio Nobre: Sim, são químicas que a planta põe pra fora. Estes compostos voláteis saem na atmosfera e quando chegam em uma certa altura são oxidados pela luz e resfriados. Eles formam gotículas de óleo, ou cristais orgânicos microscópicos que são absurdamente eficientes na nucleação de nuvens. A floresta gera a sua própria chuva. Ela vai lá e faz “cócegas” nas nuvens.
EcoAgência: Estes “cheiros” da floresta fazem “cócegas” nas nuvens?
Antonio Nobre: É como se a floresta colocasse uma sementinha na nuvem para chover. E chove chuva baixa. Quando você queima e produz poluição, injeta uma quantidade absurda de partículas na atmosfera. Aí o efeito é diferente. A floresta naturalmente solta poucos compostos voláteis que sobem. O suficiente para iniciar o processo, como um catalisador. Aí você tem poucos núcleos de condensação e muito vapor de água, que formam em volta destes núcleos uma gota. Esta gota cresce rapidamente. Ela coalece, se junta, se mescla. Estes poucos núcleos de condensação formam gotas grandes, que ficam pesadas e caem. É a chuva tropical torrencial. Quando tem poluição, são introduzidas muitas partículas na atmosfera e cada uma forma uma gotinha. Acaba o vapor de água. Forma um monte de gotinhas pequenas, que não são pesadas o suficiente. Começam a cair, evaporam e sobem novamente. Existe um balanço muito delicado. Se não tiver alguma partícula não chove. Se tiver partículas de mais, diminui a chuva.
EcoAgência: Já houve discordância de dados entre pesquisadores brasileiros e norte-americanos?
Antonio Nobre: O nosso trabalho em Manaus, ligado mais aos pesquisadores da Comunidade Européia, mostrava que havia seqüestro de carbono na floresta nativa. Enquanto os norte-americanos afirmaram logo de cara que não havia seqüestro, era zero. E eles mediram em apenas um ponto da floresta, em Santarém. Tivemos conflitos de cara, pois nós temos três pontos medindo seqüestro pesado. O projeto LBA permitiu que fizéssemos comparações. Esta é a vantagem deste tipo de estrutura de pesquisa. A Amazônia é extremamente diversa em sua biofísica, biogeoquímica. Ela não é só rica em biodiversidade, é rica em processo. Em cada lugar a floresta funciona de um jeito um pouco diferente. Tem lugar que a floresta está crescendo. Em outros não está. Depende da história do local. É um mosaico. Aí os norte-americanos colocam uma torre em um lugar e afirmam que a Amazônia, que é do tamanho dos Estados Unidos, se comporta de determinada maneira.
EcoAgência: Os grupos de pesquisa do LBA estão trabalhando de forma integrada?
Antonio Nobre: Tem uma nova iniciativa dentro do projeto LBA visando a integração dos vários grupos em um todo harmônico. Estamos agora checando o trabalho de cada grupo. Mas para chegar neste ponto tivemos que desafiar a cultura individualista da comunidade acadêmica. A ciência é absurdamente disciplinar. E a floresta não tem nada de disciplinar. Tudo está interconectado. Química com chuva, gás carbônico com o balanço radioativo do planeta, a temperatura. A própria sociologia da ciência interfere no nosso entendimento da natureza. Eu sou um entusiasta do LBA porque eu estou vendo coisas que eu nunca imaginei que iria ver no projeto. Eu sempre vivi na Amazônia, eu sempre tive uma percepção da complexidade da floresta. E da demanda para uma visão multidisciplinar, holística. Mas na formação acadêmica ritualística - graduação, mestrado, doutorado, pós-doutorado, publicação etc. – você é cortado com faca. Publique na sua área. Se você vai tentar publicar alguma coisa interdisciplinar você toma bomba. Um cientista, por definição, é um ignorante de todas as áreas do conhecimento menos da dele. Não é uma frase minha. Então é muito difícil. Percebemos no LBA que o ganho com a troca de informações é maior do que anunciar uma descoberta sozinho. A troca de dados possibilita uma sinergia na pesquisa, que é o que tem dentro da floresta, onde tudo interage. Não podemos abordar uma entidade complexa como a floresta amazônica dividindo em fatias.Você não vai entender nada. Os norte-americanos tiveram esta experiência aqui. Eles vêm com aquela postura independente, individual, competitiva e aí não publicam nada significativo. Tudo na Amazônia é interativo.
EcoAgência: O que foi descoberto até agora sobre a capacidade da Amazônia seqüestrar carbono da atmosfera?
Antonio Nobre: As medidas de biomassa estão sendo feitas pelos ecólogos e pelos engenheiros florestais. Eles vêm acompanhando o crescimento de árvores em várias áreas da Amazônia. Como o método é idêntico, eles podem comparar o crescimento de árvores no Acre, no Peru, em Manaus ou São Gabriel da Cachoeira. E com isso dá para ter uma idéia de ano a ano do que está acontecendo. A maior parte destes estudos indica seqüestro de carbono. A floresta fica com mais do que ela emite. Os dados das medidas das torres de fluxo mostram um seqüestro muito grande. Nós chegamos a medir de 5 a 7 toneladas de carbono/ha por ano. É quase igual a uma floresta de eucalipto crescendo. Mas estas medidas têm problema. Tem escoamento de gás para um lado da floresta. Em 2004 vamos fazer experimentos conjuntos com os norte-americanos.
EcoAgência: O que acontece quando a floresta é queimada?
Antonio Nobre: Em algumas áreas, como em Alta Floresta, no Mato Grosso, a poluição atmosférica com poluentes extremamente prejudiciais à saúde humana tem níveis superiores aos observados na pior fase da cidade paulista de Cubatão. Quando a biomassa é queimada compostos tóxicos são produzidos. Na fotossíntese, a planta transforma gás carbônico em açúcar e libera oxigênio. O processo inverso, a combustão ou a respiração, transforma açúcar em gás carbônico e consome oxigênio. A fotossíntese consome energia do sol, e a combustão ou respiração libera energia. O fogo libera energia, consome oxigênio, quebra os compostos orgânicos, como açúcar e celulose e transforma em gás carbônico. Quando a combustão é incompleta, fica com um resíduo, a fuligem chamada de carbono preto. Estas queimadas produzem uma miríade de compostos químicos gasosos.
EcoAgência: Estes poluentes podem ser retirados da atmosfera?
Antonio Nobre: A atmosfera terrestre é um envelope muito delgado. Um espaço finito onde estes dejetos gasosos são jogados. Um gás poluente tóxico precisa ser processado para desaparecer da atmosfera. Não desaparece sozinho. Ou precisa ser quebrado pela luz solar, ou dissolvido pela gota de água ou tem que reagir com outros gases formando outras substâncias. E quem é que faz isso? Dentro de um prédio você coloca filtro, lavadores de coluna para limpar o ar removendo estes compostos. Quem faz isso na natureza? O oceano? As florestas? O próprio ar? A fronteira com o espaço? Estas perguntas não são feitas.
Ecoagência: Quem limpa o ar na natureza?
Antonio Nobre: É o que estamos começando a descobrir. Neste ponto a Amazônia começa a assumir uma nova perspectiva, uma espécie de "fígado" da atmosfera. O fígado é o laboratório químico do corpo, ele processa tudo e transforma as toxinas. A biosfera toda tem este papel, mas como a Amazônia tem uma concentração muito grande de biomassa, de floresta, tem esta interação muito forte bio-geo-química. Ela é um poderoso reator, que um deserto não é, e nem uma região coberta com gelo. Este “reator tropical” processa substâncias e a gente tem um ar respirável. Esta noção de que a floresta condiciona a respirabilidade do ar é verdadeira. Além da chuva que limpa tem ainda alguns destes compostos que chegam na atmosfera e reagem para remover ozônio, óxidos de nitrogênio e de enxofre. Esta remoção faz com que o ar fique limpo. É uma reação química.
EcoAgência: Quem é beneficiado por este serviço de “limpeza química”?
Antonio Nobre: Se você pensar o planeta como uma nave espacial com uma atmosfera finita, quem é que limpa o ar? Ainda não foi respondida esta pergunta. O vento que varre a poluição de cima de Porto Alegre, por exemplo, leva pra onde estes poluentes? Um rio tem um limite para depurar o esgoto, a biologia faz esta limpeza. Existe um processamento, como se fosse uma estação de tratamento. Na floresta, cai todo o tipo de detrito no chão. Mesmo assim se você colocar um copo a cinco centímetros sai água pura. Ao mesmo tempo que decompõe purifica. Os sistemas biológicos têm elaborado comunidades de filtragem, decomposição e reciclagem absurdamente sofisticados. Em um punhado de solo na floresta amazônica tem um número maior de microorganismos do que a população da China (1,2 bilhão de habitantes). É muito rico.
EcoAgência: De onde vem a floresta?
Antonio Nobre: Vem do ar, como já disse um colega da USP, Pedro Dias. Na nossa visão agrícola européia, tudo vem da terra. O material construtivo básico das plantas é o carbono. A planta transforma gás carbônico em açúcar, depois celulose e madeira. Então o corpo da planta vem do ar. Era CO2 e virou madeira. A água vem do ar, assim como as sementes. E também os nutrientes, os adubos. Estudos mostram que a poeira do deserto do Saara, que é rica em nutrientes, com as tempestades de areia são transportadas pelo Atlântico e caem em cima do Caribe. Não é à toa que aqueles recifes são super férteis. Em uma parte do ano vira pro Sul e cai também na Amazônia. Ao longo de milhares de anos vai acumulando fósforo, potássio, cálcio, materiais que não tem no solo amazônico, pois é uma região úmida. A umidade excessiva faz com que a rocha se decomponha. Quando se decompõe forma solo. Quando ele é lavado perde tudo isso. E vai para o mar, por isso o oceano é salgado. As regiões úmidas ficam pobres, com argila e quartzo, que é areia. Quando um colono corta a floresta e a transforma em cinza, o resto da queimada, no primeiro ano a planta cresce bem porque a cinza é o capital de nutrientes da terra que aquela floresta acumulou ao longo de milhares de anos. A manutenção de toda esta biomassa é um sistema super delicado.
EcoAgência: E a floresta é ou não um sumidouro de carbono?
Antonio Nobre: A resposta é muito fugaz. Hoje nós estamos medindo e é um sumidouro. Mas se você mudar este balanço e faltar água, por exemplo, morre a floresta. Ela vira fonte de carbono. No LBA já há evidências fortes mostrando que nas áreas onde houve queimadas diminuiu as chuvas. Onde tem floresta tem chuva. Mas ela produz de uma forma elaborada. Ela “sabe” que jogando uma sementinha lá produz chuva. Porque ela está perdendo carbono que poderia ser usado para fazer açúcar. Evaporou perdeu. Como botar dinheiro fora. Carbono que ela sintetizou e formou glicose é como se fosse um recurso para a floresta.
EcoAgência: E o nível de ozônio de baixa altitude?
Antonio Nobre: O ozônio é um oxidante muito poderoso, muito tóxico. Se você ficar respirando ozônio pode morrer. Nas áreas agrícolas próximas às regiões urbanas, cai muito a produtividade quando tem smog. O ozônio deprime a atividade fotossintética. Ele destrói as células dentro da folha. Na Amazônia descobriram os níveis mais baixos do mundo de ozônio. A floresta consome porque é ruim pra ela. Ela emite compostos que neutralizam o ozônio. Um anti-oxidante como a vitamina C que a gente toma para neutralizar os radicais livres. Aos poucos vamos descobrindo que há muito mais coisa entre o céu e a terra na Amazônia do que a gente imagina. A floresta amazônica é um sistema de uma complexidade e de uma “sapiência” espetacular.
EcoAgência: Tem um ponto de não-retorno quando este sistema espetacular não conseguirá mais se restabelecer do impacto da devastação?
Antonio Nobre: Ninguém tem coragem de afirmar categoricamente que isto vai acontecer. Um sistema vivo tem mecanismos de compensação. Mas estes sistemas podem falir. A Amazônia não é a salvação do mundo. Ela sem água morre. E o sistema climático está mudando. E a mudança do sistema climático pode mudar a circulação da atmosfera, como já ocorreu em fases históricas anteriores, tirando a chuva da Amazônia. Se isso acontecer acabou tudo. É muito sério. E isto está acontecendo porque estamos queimando milhões e milhões de barris de petróleo por dia.
EcoAgência: O aquecimento global está ameaçando também a floresta?
Antonio Nobre: Hoje a Amazônia está atenuando o problema, pois está removendo uma parte deste excesso de gás carbônico fóssil que a gente está tirando de baixo da terra e colocando na atmosfera. Estamos destruindo a floresta, acabando com este papel e ainda liberando o carbono que está na floresta. Além disso corremos o risco real de não mudando os padrões de consumo e de queima dos combustíveis fósseis a gente muda a circulação do planeta, aumenta a freqüência do El Niño, tornando as tempestades mais destrutivas. Se mudar a circulação, em ano de El Niño não chove no Norte da Amazônia, como vimos no incêndio de Roraima.
EcoAgência: Se este cenário realmente ocorrer, uma floresta como a Amazônia pode surgir em algum outro lugar do planeta?
Antonio Nobre: Talvez daqui a 60 milhões de anos. Nós podemos produzir no planeta uma catástrofe de extinção em escala planetária. O aquecimento global faz com que os oceanos se aqueçam também. Existem depósitos gigantescos de um material no fundo dos oceanos, o hidrato de metano. É matéria orgânica que estava nos rios que saiu dos continentes. Os rios fazem depósitos quando chegam no mar, o material que está em suspensão na água do rio mistura com o oceano, flocula e sedimenta. O material é coberto pela areia, pelo barro. E aquilo fica lá no meio do sedimento. Muitas bactérias transformam este material ao longo de muito tempo em metano. A decomposição da matéria orgânica sem oxigênio produz metano, um gás estufa mais poderoso que o gás carbônico. Este gás fica lá embaixo devido à pressão, temperatura baixa de 4°C, combina com a água e forma uma roxa que parece um Cebion. São depósitos gigantescos. Aquecendo o oceano, solta este depósito de metano na atmosfera. Seria uma catástrofe. Já aconteceu há 55 milhões de anos este efeito estufa inflacionário. E a Terra levou 65 mil anos para voltar a condição de equilíbrio. Foi uma das extinções em massa. Hoje pela primeira vez uma espécie pode produzir este efeito.
EcoAgência: Por que o planeta depende da biosfera para manter a atmosfera como ela é?
Antonio Nobre: No início a Terra tinha uma atmosfera equivalente a de Vênus e Marte com mais de 90% de gás carbônico. E o Sol há 4 bilhões de anos era 30% mais frio do que é hoje. Se não fosse o efeito estufa, os oceanos teriam congelado e a vida não teria se desenvolvido. A vida se desenvolveu e de lá pra cá mudou muito. Saímos de 90% de CO2 e hoje temos 0,037%. Por que ocorreu esta mudança na Terra e não em Marte e Vênus? Pela vida. A fotossíntese remove gás carbônico e o transforma em material insolúvel, o açúcar, material orgânico. Parte deste material foi enterrado e virou petróleo e calcário nos oceanos. Este gás carbônico que estava na atmosfera do planeta no início foi progressivamente sendo removido e enterrado.
EcoAgência: Então é a biosfera que mantém o clima estável?
Antonio Nobre: Depois de centenas de milhões de anos, estamos revertendo este sistema que a gente nem entende. O sistema é auto-regulado. Aquece o sol, depois de milhões de anos. A vida na Terra responde. Aqueceu, melhorou as condições de vida, mais fotossíntese, remove mais gás carbônico. Aí esfria a atmosfera. É como tirar o cobertor. Quando esfria, diminui a fotossíntese. É um termostato. A biosfera regula a estabilidade do clima planetário como um termostato, através do carbono. Não só através dele, mas o carbono é o principal. Se começar a morrer muita planta, aumenta o carbono e aquece o planeta. Aí as plantas começam a crescer. Esta percepção que é importante ter hoje, pois estamos fazendo um experimento sem precedentes na história do planeta. Estamos fazendo algo que as plantas não desconhecem. Flutuação no nível do gás carbônico elas já viram antes, isto acontece, faz parte do ciclo natural do planeta. Mas nesta proporção e nesta velocidade não tem precedente. A biosfera está respondendo.
EcoAgência: Um sinal disto é o crescimento que está sendo observado na floresta amazônica?
Antonio Nobre: A floresta amazônica está fora do equilíbrio porque estamos jogando adubo, o gás carbônico. Se ela tem mais material, ela cresce. Mesmo coisa se ela tivesse mais água, mais luz. Ela responde. É matéria-prima pra floresta. E ela responde mais a este tipo de adubo gasoso do que ela responde ao Nitrogênio, Potássio, Fósforo. O principal é o carbono.
EcoAgência: A poluição é o adubo?
Antonio Nobre: Estamos aumentando a concentração de gás carbônico na atmosfera, e isto funciona como adubo. A floresta cresce mais rápido. É uma reação da biosfera para manter o equilíbrio. Se continuar subindo a concentração de CO2 na atmosfera vai ficar tão quente que vai mudar tudo, sem condições de vida, como em Vênus.
EcoAgência: Por que foi mais fácil implementar o Protocolo de Montreal, que proíbe os aerossóis que destroem a camada de ozônio, do que o Protocolo de Kyoto, que determina uma redução na emissão dos gases que aumentam o efeito estufa do planeta provocando o aquecimento global?
Antonio Nobre: Porque eram muito poucas as empresas produtoras de clorofluorcarbono. A radiação ultravioleta do sol é mais detectável em função do câncer de pele do que você falar que está aquecendo o planeta. Mesmo a comunidade científica não tendo mais dúvida de que o planeta está aquecendo devido à poluição atmosférica. Mandar três ou quatro empresas parar a produção é mais fácil. Como você pára de queimar combustível?
EcoAgência: É possível que a floresta amazônica regule a bagunça que estamos fazendo na atmosfera?
Antonio Nobre: Uma parte da poluição está sendo tirada da atmosfera. Medidas realizadas no Hemisfério Norte, apesar de ainda incertas, indicam que o sinal que vai do Sul para o Norte é zero. Ou seja, não tem nem sumidouro nem fonte de gás carbônico no Hemisfério Sul. Principalmente na zona tropical da América do Sul. Como tem poucos pontos de medida, agora que estamos começando uma rede, isto ainda é muito incerto. Mas não contradiz o que nós descobrimos aqui medindo diretamente em cima da floresta. Se o carbono que é emitido aqui não aparece em outras partes do planeta, tudo que é produzido na América do Sul também é consumido aqui. Se isto é verdade, significa que a floresta amazônica está removendo a poluição que a América do Sul está produzindo. Mas isto ainda é controverso.
EcoAgência: Quanto tempo seria necessário para conhecer o sistema amazônico?
Antonio Nobre: Com esforço, mais tempo do que a gente tem. Infelizmente. Eu estou descrevendo uma pesquisa que a gente chama de ecologia física, a relação da biosfera, da floresta com o funcionamento do clima, do planeta. Mas temos que pensar também toda relação da floresta com ela mesma. Trezentas espécies de árvore por hectare. Uma copa de árvore com 10 mil espécies diferentes de insetos. A complexidade da Amazônia é estonteante. O esforço de pesquisa colocado é patético. A Amazônia produz 7% do PIB brasileiro. Mas só recebe do orçamento brasileiro 0,2% para pesquisa. A pesquisa na Amazônia compete com os grandes centros desenvolvidos do Sudeste, que levam mais de 80% do dinheiro da pesquisa. E perde. É difícil competir com gente crescida como a USP. A regra do jogo é estabelecida em volta destes grandes centros que copiam centros mundiais. Um professor do Sudeste ou do Sul se formou em Harvard, Stanford, Cambridge aí volta com aquela mentalidade. Quando ele está em um comitê do CNPq a mentalidade dele é produção, produção, produção individual, competição etc. Este é o modus operandi da ciência no Brasil. Aí nós com instituições nascentes e subdesenvolvidas porque estamos começando temos que competir com os grandes centros.
EcoAgência: Quem ganha os recursos para pesquisa no atual sistema?
Antonio Nobre: Quem ganha é quem já tem currículo. Como ele ganha, o currículo dele melhora. O cara do Acre vai continuar na pior. É uma competição desleal. E não é feita por mal. Não estou acusando ninguém da Universidade de São Paulo. Eles são ótimos, gente maravilhosa. Quando começa a pensar uma política nacional, como é a atual proposta do Ministério de Ciência e Tecnologia, os centros de excelência chiam dizendo que tem que dar recurso pra quem tem competência. Mas como é que você se torna competente?
O LBA começa a quebrar esta história da pesquisa expedicionária de Humboldt no século 19, dos naturalistas que vinham até a Amazônia, a hiléia. O que o povo que mora na Amazônia aproveita disto? O povo da Amazônia quer saber o que estas pesquisas trazem de retorno para a região. A Marina Silva tem uma proposta maravilhosa. Existe uma agenda positiva no ar. Mas existe uma competição com o atual modelo de desenvolvimento da Amazônia. Não temos mais ditadura, temos uma democracia com Lula no poder, mas a sociedade brasileira ainda está de costas para a Amazônia. O deslumbramento dos naturalistas é importante. Mas não basta, pois a moto-serra canta dia e noite. É um processo que não pára porque a sociedade é complacente com isso.
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