terça-feira, 14 de julho de 2009

Para brasileiros, país carece de 'valores'

Brasília, 10/07/2009

Pesquisa para definir tema do estudo do PNUD sobre o Brasil recebeu 500 mil respostas; maioria citou virtudes como respeito e justiça

MARIANA DESIDÉRIO

da PrimaPagina

Já está definido o assunto do próximo Relatório de Desenvolvimento Humano do Brasil. Por escolha da maior parte dos 500 mil brasileiros que responderam à pergunta “O que deve mudar no Brasil para sua vida melhorar de verdade?”, da pesquisa Brasil Ponto a Ponto, o tema do estudo será “valores”.

Nas respostas à consulta, a falta de respeito, honestidade, amor, responsabilidade e de virtudes similares foi mencionada mais vezes do que questões como educação, segurança, saúde ou emprego. Para o coordenador do relatório, Flávio Comim, o resultado é surpreendente e só foi possível porque a consulta tinha uma pergunta aberta. Segundo ele, é a primeira vez que uma pesquisa desse tipo é feita com questão aberta, que permite que as pessoas escrevam a resposta que quiserem. A iniciativa é inédita — em nenhum outro lugar do mundo, o tema do relatório nacional feito pelo PNUD foi decidido dessa forma.

“As respostas abertas permitiram que as pessoas falassem o que quisessem. Não só o que deveria mudar para suas vidas mudarem, mas também os comos e os porquês daquilo”, salienta Comim.“Nas respostas, você vai encontrar problemas relacionados a saúde, educação, emprego. As novidades foram os comos e porquês. Este é o diferencial.”

Os valores mais citados pelos participantes da consulta foram respeito, justiça, paz, ausência de preconceito, humanidade, amor, honestidade, valor espiritual, responsabilidade e consciência. Para o coordenador do relatório, isso “nos leva a um conceito novo de valores de vida: nem só morais ou éticos, nem só financeiros, são os valores praticados no dia-a-dia.”

Dentre os 500 mil que contribuíram com o projeto Brasil Ponto a Ponto estão moradores dos maiores municípios brasileiros e dos dez com menor IDH, estudantes dos ensinos fundamental e médio, além de pessoas que deixaram sua resposta registrada no site da campanha, dos clientes das empresas TIM (telefonia) e Natura (cosméticos) e de quem se manifestou pelos sites dos canais de televisão MTV (cabo) e Globo. As empresas parceiras foram as responsáveis pelo grande número de participações obtido pela consulta, diz Comim. A organização da Brasil Ponto a Ponto esperava, inicialmente, 50 mil respostas.

Apesar de a consulta ter alcançado grupos bem diversos, Comim conta que os principais pontos levantados foram basicamente os mesmos. Nos primeiros lugares das questões mais objetivas (os pontos compreendidos pelo PNUD como “valores” vieram muitas vezes acompanhados de outras questões) estão educação e violência. Esses dois temas terão destaque no relatório. Comim conta que o que mais apareceu em relação à educação não foi uma demanda por mais conteúdo nas escolas, mas uma carência de que o espaço escolar também transmita valores aos alunos.

Sobre a violência, o que mais apareceu foram reclamações sobre a violência contra a pessoa — agressões, violência doméstica — em detrimento da violência contra a propriedade, como roubos e furtos. A conclusão que se tira disso, para Comim, é de que “o problema é muito maior. Significa que a sociedade resolve seus conflitos de forma violenta.”

Terminada a pesquisa, que parou de receber contribuições em 15 de abril e teve os dados computados até meados de junho, o desafio agora é materializar o tema “valores”. O relatório deve ser publicado até o início de 2010 e seu primeiro caderno abordará a experiência da consulta.

domingo, 12 de julho de 2009

Serviços ambientais de florestas tropicais: quem conserva ainda vai ganhar muito dinheiro

Revista Opinioes

Antonio Donato Nobre

Diz-se em círculos financeiros que o melhor momento para adquirir um asset é quando este esteja sub-valorizado. A lógica simples neste tipo de aquisição é beneficiar-se de uma valorização iminente, antecipando-se aos movimentos lentos do mercado. As maiores fortunas do planeta, nas últimas décadas, surgiram deste tipo de aposta.

O segredo de sucesso parece estar na combinação de uma leitura pouco ortodoxa dos sinais que antecedem o novo mercado, com um senso de realismo para driblar as turbulências que sucedem seu surgimento. Apesar de seu valor inegável, os serviços ambientais de ecossistemas em geral, florestas tropicais em especial, tem, hoje, preço zero, já que o mercado para estes serviços ainda inexiste.

Contudo, uma sucessão de desastres, associados a uma aceleração sem precedentes nas alterações climáticas, retratados de modo cientificamente digerível pelo documentário ganhador do Oscar, “Uma Verdade Inconveniente”, precipitou uma jornada inequívoca de conscientização sobre mudanças climáticas. Os relatórios do IPCC de 2007, pela primeira vez, trataram de mudanças climáticas em curso e não predições para um futuro distante. O impacto destas iniciativas do Al Gore e do IPCC recebeu o reconhecimento máximo no prêmio Nobel conjunto. Em paralelo, o massivo e exaustivo relatório do economista de renome mundial Nicholas Stern (A Economia das Mudanças Climáticas), baseado na montanha de evidências científicas, fez uma análise que “...avaliou uma gama extensiva de evidências nos impactos das mudanças no clima sobre os custos econômicos... De todas estas perspectivas, a evidência juntada conduz a uma conclusão simples: os benefícios de uma ação antecipada e resoluta, de longe excedem em valor os custos econômicos de não agir”. Um levantamento global de opinião, feito pela consultoria McKinsey, com executivos das maiores companhias, indicou que 82% esperam algum tipo de regulação para os assuntos relativos a mudanças climáticas, nos próximos 5 anos. Assim, a valorização econômica dos assets ambientais já está em curso acelerado, e o surgimento de novos mercados é, somente, uma questão de tempo. O extraordinariamente rápido surgimento de mercados para serviços ambientais, em relação ao carbono, serve como exemplo. Poucos anos atrás, ninguém sabia direito o que o CO2 da atmosfera tinha a ver com o crescimento de árvores.

Hoje, uma busca no Google, no tema carbon neutral, retorna mais de 3 milhões de hits, 400 mil somente em português. Neutralizar o carbono virou moda, fenômeno cultural. Como conseqüência, empresas especializadas no seqüestro de carbono, a maior parte delas plantando árvores, surgem em profusão. Uma externalidade da economia, até muito recentemente, o carbono passou a comandar fluxos financeiros imensos e crescentes.

Os maiores esforços e recursos na redução de emissões ainda são canalizados para os setores energético e de transportes, áreas cujos primeiros resultados concretos esperam-se, na escala de décadas. Contudo, a destruição de florestas em todo o mundo e, em especial, nas zonas tropicais, tem sido responsável por mais de 20% de todas as emissões ligadas a atividades humanas. O Brasil, com sua matriz energética relativamente limpa, aliada ao pioneirismo dos biocombustíveis e da tecnologia flex, ocupa um ingrato 4º lugar, como país mais poluidor, devido quase que exclusivamente à queima de suas magníficas florestas. Suspender completamente o desmatamento poderia, em um espaço de tempo incomparavelmente mais curto, reduzir as emissões em um montante mais significativo do que todo o setor de transportes mundiais gera hoje.

E o melhor, cada tonelada de carbono que deixa de ir para a atmosfera pode, potencialmente, valer dinheiro. Até a floresta nativa, que equivocadamente foi deixada de fora em Kyoto, voltará a valer, através da compensação por redução de desmatamento e degradação, novo mecanismo de pagamentos a quem não desmata, proposto e muito bem recebido em Bali. [Photo]Apesar deste admirável novo mercado de serviços ao clima, através do carbono, tudo que alcançamos nele, olhado pelo prisma do complexo sistema terrestre, ainda é muito pouco, realmente insuficiente, diz a comunidade científica, em consenso. A exemplo dos livros em uma biblioteca, cujo maior valor está na informação que portam e não na sua massa em carbono, os organismos de uma floresta têm nas toneladas de carbono a sua menor dimensão real de valor. Uma árvore viva, diferente do carbono morto no carvão ou no petróleo, provê uma série extraordinária de serviços ambientais.

Uma floresta nativa, com toda a sua biodiversidade, provê, multiplicadas vezes, os serviços da simples soma das suas árvores individuais. Uma árvore grande e frondosa na Amazônia pode bombear do solo para a atmosfera até 300 litros de água, em um dia. A Amazônia inteira, com 5,5 milhões de km2, transpira 20 bilhões de toneladas de água por dia, mais do que o portentoso rio Amazonas coloca no oceano. Evaporar toda esta água, consome energia solar equivalente à produção de energia de 50.000 Itaipus. Todas estas transferências de água e energia, mediadas pela floresta, aceleram a circulação atmosférica e promovem um bombeamento massivo de água do oceano atlântico, para o coração da América do Sul.

Sem esta água, o mais pujante cinturão produtivo de commodities agrícolas do planeta, no quadrante que vai de Cuiabá a Buenos Aires, e dos Andes até São Paulo, muito provavelmente minguaria até o colapso. Hidreletricidade sem água? Biocombustíveis sem água? Nem pensar. Este rápido exemplo dos serviços ambientais prestados ao continente por uma floresta nativa mostra o tipo e a dimensão dos valores em questão. Mas, os serviços de florestas nativas passam por todas as escalas geográficas. Pesquisas feitas em Minas Gerais demonstraram um aumento significativo da produtividade de cafezais, ao lado de uma reserva natural de floresta nativa, devido à polinização promovida por insetos silvestres e ao controle de pragas, promovido por predadores silvestres, que não estariam ali sem a floresta amiga. A ANA - Agência Nacional de Águas, faz um experimento muito bem-sucedido no manejo de duas bacias hidrográficas, dos Rios Paraíba do Sul e Piracicaba, ambas em SP. Começando a cobrar pelo bem, água, antes gratuito, os comitês de gestão têm recursos para investir na recuperação dos recursos hídricos, através da recomposição das matas de cabeceira e galeria. Vários estudos demonstram que é muito mais barato para uma municipalidade recompor florestas para limpar e aumentar a água, do que investir em caras estações de tratamento. Experimentos similares feitos na Costa Rica, com o pagamento a campesinos por serviços ambientais das florestas preservadas em suas propriedades, têm tido grande sucesso. Os cálculos ortodoxos sobre custo de oportunidade ainda não levam estes e outros valores dos serviços ambientais de florestas em consideração.

Para os agentes tradicionais de desenvolvimento nas fronteiras rurais, deixar uma área de floresta intocada, mesmo que seja dentro da área de reserva legal, apresenta-se como um passivo econômico que pesa. A inexistência de mercados difundidos para serviços ambientais de florestas nativas colabora para esta sensação de inutilidade da área com “mato”. Tudo isso está prestes a mudar radicalmente. Cálculos conservadores, feitos por investidores pioneiros de Londres, estimaram a conta anual para preservar todas as florestas tropicais do mundo, pagando um valor mínimo de US$ 30 por ha preservado, a US$ 45 bilhões. Este montante é irrisório, se comparado com o valor efetivo dos serviços prestados por estas florestas, mas é superior a média de todos os valores produzidos pela agropecuária, nestas regiões de solos e clima impróprios.

Colocado em perspectiva, dentro da magnitude da economia global, é quase incompreensível que as florestas ainda não estejam merecendo estes investimentos. Estudo feito há mais de 10 anos, por especialistas em economia ecológica, estimou em mais de US$ 30 trilhões o valor econômico prestado pela biosfera, para a humanidade. A indústria mundial de seguros, estimada em US$ 3 trilhões, é uma potência financeira, baseada exclusivamente no temor do risco de algum sinistro suceder. [Photo]O furacão Katrina, sozinho, custou mais de US$ 100 bilhões a esta indústria e, como decorrência, propriedades em áreas consideráveis da costa leste dos EUA não são mais “seguráveis”. Proteger as florestas nativas que sobraram, recompor as que foram danificadas e reconstruí-las, onde foram erradicadas, passa a ser a apólice de seguro mais sensata e visionária da atualidade.

Pagar por estes serviços ambientais de florestas brevemente estará em nosso cotidiano, não como custo, mas como valioso e rentável investimento, na mesma linha proposta pela análise do Relatório Stern.

Em Bali, um grupo de investidores de Londres anunciou o primeiro contrato de pagamento por serviços ambientais de florestas tropicais nativas na Indonésia. O modelo de negócio visionário inclui a formação de um trust fund, fundo tradicional de investimento, onde investidores interessados colocam seus bilhões.

Este pote de dinheiro, como qualquer outro no mercado financeiro, gera rendimentos que são divididos entre os investidores, mas com uma característica especial: quem tem a floresta é acionista principal no fundo, tendo entrado não com dinheiro, mas com a garantia da integridade dos serviços ambientais da floresta, objeto do fundo. O interesse pelo tema serviços ambientais, a exemplo da coqueluche com o carbono neutro, deve produzir uma rápida valorização deste novo tipo de asset, e uma demanda crescente pelas ações de quem tem os direitos a estes serviços, neste caso, o fundo de investimento criado para este fim.

Se mesmo sem uma regulação jurídica específica, como Kyoto, investidores do mais vanguardista centro financeiro do mundo estão dispostos a arriscar neste novíssimo mercado, é seguramente porque a iminência do mercado sólido e difundido é evidente. A esperança manifesta destes investidores precoces é que seu mercado voluntário crie modelos e desperte o apetite de outros investidores. O excesso de liquidez nos mercados globais permite que fundos como este possam captar dezenas ou mesmo centenas de bilhões de dólares, em poucos anos.

Se o modelo funcionar como se espera, preservar florestas passará a ser uma questão de rendimento e lucro maior na propriedade rural. Mas, mesmo que este canal demore a vingar, outras fontes de pagamentos por serviços ambientais de florestas nativas virão, com certeza, a exemplo da experiência pelo pagamento da água pela ANA. A acelerada deterioração, em curso, do ambiente planetário vai forçar uma reação. Por que não se antecipar? No Brasil, cada município e cada proprietário rural, que for inteligente, de posse destas perspectivas, deveriam parar imediatamente de desmatar. Florestas tropicais nativas já são, hoje, um asset de valor incalculável. Preservá-las é investir em um retorno financeiro, em futuro não muito distante. Destruí-las é matar a galinha dos ovos de ouro.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Amazônia pede a Lula nova política para floresta

Herton Escobar

Governadores querem crédito de carbono para a conservação

Os governadores da região amazônica entraram oficialmente na briga pela aprovação do "desmatamento evitado" como mecanismo de combate ao aquecimento global. Em carta endereçada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os líderes dos nove Estados da Amazônia Legal pedem uma "revisão urgente" da posição brasileira com relação ao REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação) nas negociações do acordo climático que substituirá o Protocolo de Kyoto.

"Existe uma crescente convergência internacional para a inclusão das florestas no mercado de carbono regulado por Kyoto", diz a carta, assinada na sexta-feira em Palmas (TO), durante o 5º Fórum de Governadores da Amazônia Legal. "Para surpresa de todos, dentro e fora do País, o governo do Brasil vem fazendo oposição à inclusão das florestas neste promissor mercado. Esta posição deve ser revista com urgência."

Pelas regras atuais do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Kyoto, somente projetos de florestamento e reflorestamento são válidos para obtenção de créditos de carbono - que os países desenvolvidos podem comprar dos países em desenvolvimento para compensar suas emissões. A base científica para isso é que as plantas absorvem carbono da atmosfera ao crescer.

O modelo REDD, se adotado, criaria a opção de uma compensação adicional, pelo desmatamento evitado - ou seja, pelo carbono que deixou de ser emitido graças à preservação da floresta. A base científica para isso é que a vegetação, ao ser queimada, libera carbono para atmosfera. A base política é que, sem um incentivo econômico, o Brasil - e outros países em desenvolvimento - dificilmente conseguirão manter suas florestas em pé.

"Não há mais argumentos técnicos que justifiquem a exclusão do REDD", disse ao Estado Virgílio Viana, diretor da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), no Estado do Amazonas, que apoiou a formulação da carta.

Os governadores pedem a criação de uma "força-tarefa" de especialistas para formular, em 30 dias, um pacote de recomendações sobre o "posicionamento a ser adotado pelo governo do Brasil em Copenhague" - cidade na qual serão decididas, em dezembro, as regras do novo acordo climático pós-Kyoto.

Uma crítica frequente ao REDD é de que as pessoas seriam pagas para obedecer à lei, ou seja, para não desmatar. Segundo o secretário-chefe da Casa Militar de Mato Grosso, Alexander Maia, porém, os créditos de carbono valeriam só para os 20% de uma propriedade que podem ser desmatados legalmente na Amazônia.

"Quem já desmatou pode receber créditos (pelo reflorestamento), mas quem preserva a floresta nativa não pode. Por quê?", pergunta a governadora do Pará, Ana Júlia Carepa. "Temos de valorizar quem evita o desmatamento; não é só uma questão de cumprir a lei."

Para a especialista Thelma Krug, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), uma das representantes brasileiras nas negociações internacionais sobre clima, "há muita desinformação sobre o tema".

Segundo ela, o Brasil defende, sim, a adoção do REDD - só que na forma de um mecanismo complementar de apoio à conservação, não como uma forma de compensar as emissões dos países desenvolvidos. "Pode até ser uma mecanismo de mercado, mas que não seja compensatório", afirmou.

Procurado pelo Estado, o Itamaraty não se pronunciou sobre o assunto.

O espectro de Lula

Já acreditei que o presidente Lula e o PT trariam mudanças positivas para o Brasil; depois, no auge do "mensalão" tive raiva; hoje sinto pena de nosso solerte líder. É patético vê-lo advogar por figuras do quilate de José Sarney e Mahmoud Ahmadinejad, para ficar em dois casos recentes de defesa do indefensável.

Olhando apenas para os resultados, a gestão de Lula pode ser considerada bastante boa. Enquanto o mundo amarga uma recessão sem precedentes, a crise por estas bandas veio suave. As projeções sugerem uma ligeira retração este ano seguida de recuperação já em 2010. Mais importante, foi sob Lula que o Brasil experimentou um surto de crescimento como não víamos desde os anos 70. E não foi um crescimento qualquer, mas acompanhado de significativa distribuição de renda. Ao final de 2007, o presidente comemorava o fato de mais de 14 milhões de brasileiros terem saltado das classes D e E para a C (renda mensal familiar entre R$ 1.115 e R$ 4.807). Tais mudanças não passaram despercebidas aos brasileiros, que dão a Lula índices generosos de aprovação popular (69% segundo o último Datafolha).

É claro que as políticas do governo petista têm algo a ver com esses êxitos, mas não são as únicas responsáveis. O aumento da classe média, por exemplo, não é um fato isolado do Brasil, mas faz parte de um movimento mais geral também observado na China e na Índia e que pode ser explicado pelo forte crescimento da demanda global (em especial pelas commodities) até o ano passado.

Outro fator frequentemente esquecido é o chamado bônus demográfico. A redução das taxas de natalidade e de mortalidade combinada com a forte entrada das mulheres no mercado de trabalho tende a concentrar o número de pessoas economicamente ativas nas famílias. O resultado é mais renda que precisa ser distribuída por menos pessoas --nos últimos 40 anos, a fecundidade caiu de seis filhos por mulher para menos de dois. Fica o lembrete de que, dentro de mais algumas décadas, os efeitos positivos da mudança no perfil populacional se atenuarão e enfrentaremos o problema do excesso de aposentados para uma PEA (população economicamente ativa) declinante.

Longe de mim, entretanto, roubar os méritos da administração. Além de programas como o bolsa família e o forte aumento do salário mínimo (que, desde 2003, foi reajustado em 46% acima da inflação), o governo teve a sabedoria de não pôr tudo a perder. Sei que não é o tipo de elogio com o qual os petistas se regozijam, mas isso não o torna menos real ou importante. É só ver o que acontece na vizinha Argentina, onde o desenfreado populismo econômico do casal Kirchner está levando o país, senão à ruína, pelo menos a uma série de dificuldades que teriam sido desnecessárias com uma administração mais sóbria.

Diante desse esboço de avaliação do governo Lula (que está mais para positiva do que para negativa), o leitor deve estar se perguntando por que raios sinto pena do presidente. Ele, afinal, é aplaudido por sete de cada dez brasileiros, goza de forte prestígio internacional e tem reais chances de eleger Dilma Rousseff como sucessora. Se isso não é sucesso, fica até difícil imaginar o que possa sê-lo.

Bem, receio que haja, sim, outros aspectos a considerar. Vale lembrar o Fausto, personagem da literatura alemã que logrou acumular riquezas e até conquistar a imortalidade. Mas o fez ao preço de vender a alma para o Diabo. Lula também sacrificou uma parte importante de sua "anima politica" para chegar aonde está: não há mais traço de coerência em sua trajetória.

Aqui é preciso muito cuidado. O conceito de coerência, que já é insidioso para o homem comum, torna-se especialmente traiçoeiro quando aplicado a políticos, gente que converteu em ganha pão a arte de compor com o adversário. A pior definição possível de "coerência política" é aquela reduz o termo à repetição, ao longo de toda a vida, dos mesmos slogans e palavras de ordem. Felizmente, é apenas uma minoria dos seres humanos que recai nesse comportamento mal adaptado. Pobre do Brasil se o Lula eleito em 2002 tivesse colocado em prática as ideias que defendia em 1989.

É bom que as pessoas estejam aptas a aprender e modificar suas ideias, seja porque o mundo mudou seja porque o próprio sujeito já não é mais o mesmo. Evidentemente, não há nenhuma garantia de que as teses defendidas na maturidade são melhores do que as da juventude. Elas apenas tendem a ser mais moderadas. E, na maioria das vezes, a moderação é boa conselheira, mas este não é em absoluto um teste de veracidade.

Voltando à coerência, parece-me mais útil compreendê-la como uma linearidade nas atitudes morais. Se a pessoa julga que a igualdade de direitos, por exemplo, é um valor elevado a preservar, não pode esquecê-la em troca de uma vantagem pessoal ou política. Poderia, evidentemente, mudar de opinião acerca do próprio conceito, mas apenas como resultado de novas reflexões e ponderações, para cuja reelaboração tenha havido a intervenção de outros valores morais. Redefinir princípios ao sabor de circunstâncias mais terrenas leva o nome de "oportunismo".

E eu receio que Lula em particular e o PT em geral tenham sucumbido aos encantos do poder e sacrificado os valores morais por monetários (caso do "mensalão") e por jogadas de cálculo político.

Infelizmente, é o que Lula está fazendo quando defende José Sarney e minimiza as barbaridades cometidas no Senado Federal. Neste caso, um pouco para facilitar a vida congressual do governo, um pouco para justificar retrospectivamente os descalabros de sua própria administração, Lula deixa de prestar reverência aos princípios mais elementares da democracia, que afastam como absurda a possibilidade de reger a vida pública por atos secretos institucionalizados.

Alguns políticos, é verdade, já nascem sem espinha dorsal e sem intuições morais. Este, entretanto, não parecia ser o caso de Luiz Inácio Lula da Silva. Na campanha de 1989, Lula oferecia um diagnóstico bastante diverso de José Sarney, o então presidente da República: "Nós sabemos que antigamente --os mais jovens não conhecem--, mas antigamente se dizia que o Adhemar de Barros era ladrão, que o Maluf era ladrão. Pois bem, Adhemar de Barros e Maluf poderiam ser ladrão (sic), mas eles são trombadinhas perto do grande ladrão que é o governante da Nova República, perto dos assaltos que se faz''. Bem, Lula se aliou a Sarney e Maluf. Aparentemente, só não juntou forças com Adhemar porque ele está morto.

Há quem afirme que a política que se erige em absolutos converte-se em fanatismo --como o governo conduzido pelo incorrigível Mahmoud Ahmadinejad, outro dos "protegés" de Lula. Pode ser, mas eu pelo menos não falei em absoluto nenhum. O que afirmei é que a mudanças em atitudes morais podem ocorrer, mas precisam ser racionalmente justificáveis no plano dos conceitos. Lula precisaria explicar por que deixou de considerar importante a transparência no trato da coisa pública, por exemplo.

Quando o presidente e o PT se comportam exatamente como os Sarneys, Renans e Malufs, dão um tiro de misericórdia no respeito a princípios que um dia, já longe no passado, parecia ser o diferencial e talvez até a essência do Partido dos Trabalhadores. Lula tornou-se um espectro do que já foi. E é isso que me entristece.

Hélio Schwartsman, 43, é articulista da Folha. Bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve para a Folha Online às quintas.

E-mail: helio@folhasp.com.br

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quarta-feira, 1 de julho de 2009

Governadores pedem a Lula políticas de REDD

01/07/2009

Local: São Paulo - SP
Fonte: Amazonia.org.br
Link: http://www.amazonia.org.br


Os nove governadores dos Estados da Amazônia Legal entraram oficialmente na briga pela aprovação do "desmatamento evitado" como mecanismo de combate ao aquecimento global. Em carta endereçada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os líderes pedem uma "revisão urgente" da posição brasileira com relação às políticas de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD) nas negociações do acordo climático que substituirá o Protocolo de Kyoto.

"Existe uma crescente convergência internacional para a inclusão das florestas no mercado de carbono regulado por Kyoto", diz a carta, assinada na sexta-feira em Palmas (TO), durante o 5º Fórum de Governadores da Amazônia Legal. "Para surpresa de todos, dentro e fora do País, o governo do Brasil vem fazendo oposição à inclusão das florestas neste promissor mercado. Esta posição deve ser revista com urgência." Pelas regras atuais do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Kyoto, somente projetos de florestamento e reflorestamento são válidos para obtenção de créditos de carbono.

O modelo REDD, se adotado, criaria a opção de uma compensação adicional, pelo desmatamento evitado - ou seja, pelo carbono que deixou de ser emitido graças à preservação da floresta. "Não há mais argumentos técnicos que justifiquem a exclusão do REDD", disse ao jornal O Estado de S. Paulo Virgílio Viana, diretor da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), no Estado do Amazonas, que apoiou a formulação da carta.

Considerações
Composta por especialistas indicados pelos estados da Amazônia e com apoio do Governo Federal, coordenado pelo Fórum de Governadores da Amazônia, com o objetivo de propor, num prazo de 30 dias, recomendações para a Presidência da República quanto ao posicionamento a ser adotado pelo Governo do Brasil em Copenhague. , vinculado à Casa Civil da Presidência da República, para cuidar da formulação, implementação e gestão de um Sistema Nacional de Redução de Emissões, articulando e apoiando o papel dos governos federal, distrital, estaduais e municipais, assim como fomentando projetos de carbono não governamentais, envolvendo o setor privado, tanto empresarial, quanto familiar, comunitário e indígena. , para Copenhague, liderada pelo Presidente Lula, para apresentar a visão da Amazônia Brasileira sobre as diretrizes prioritárias para o novo regramento internacional sobre mudanças climáticas, em dezembro de 2009.

Veja a carta na íntegra:

À Sua Excelência o Senhor Luiz Inácio Lula da Silva

Presidente da República

Em mãos


Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

Os Governadores da Amazônia, signatários deste documento, reunidos em Palmas, Tocantins, em 26 de junho de 2009, vem, mui respeitosamente, fazer as seguintes considerações e propostas, abaixo relacionadas.

Considerações

  1. O Brasil tem aproveitado muito pouco as oportunidades do mercado global de carbono. Em 2008, este mercado movimentou cerca de US$ 120 bilhões[i]. Parte (18%)[ii] deste mercado é por meio do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), regulado pelo Protocolo de Quioto, do qual o Brasil participa com cerca de 3%[iii], enquanto a China tem uma participação de 84%[iv] (dados de 2008).
  2. A maior parte dos projetos do MDL é relacionada com a redução de emissões de projetos energéticos. Com isso a China e a Índia, cujas matrizes energéticas são predominantemente provenientes de carvão mineral, têm vantagem com relação a países como o Brasil. O mesmo projeto energético na China recebe cerca de 10 vezes mais créditos de carbono que um projeto no Brasil.
  3. O Protocolo de Quioto fechou as portas para a participação das florestas na nova economia do carbono. Florestas nativas como as da Amazônia foram excluídas. Por outro lado, o reflorestamento ficou com regras tão desfavoráveis, que atualmente representa uma fração irrisória do mercado e a previsão, para 2012, é uma participação inferior a 0,5%[v]. Copenhague poderia ser o marco de uma mudança histórica, colocando a conservação das florestas, o reflorestamento e o combate à pobreza como prioridades internacionais no combate às mudanças climáticas. O Brasil poderia liderar esta mudança em Copenhague.
  4. O mercado de carbono deve alcançar cerca de US$ 2,1 trilhões[vi] por ano em 2020 e 14,9 trilhões em 2050[vii]. Estas transações poderiam privilegiar projetos em países pobres e em desenvolvimento. Isto dependerá das novas regras do mercado internacional de carbono, que serão definidas, em Copenhague, em dezembro de 2009, durante a Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas. Esta é uma oportunidade de ouro que o Brasil não pode perder.
  5. Países como o Brasil poderiam ser parte da solução do problema das mudanças climáticas, que foram causadas principalmente pelos países ricos/industrializados. Além disso, poderíamos ajudar outros países da África, Ásia e América Latina a participar do mercado de carbono, mediante a transferência de tecnologias ecologicamente apropriadas. Ambas as iniciativas fortaleceriam a liderança internacional do Brasil na construção de um novo padrão internacional de desenvolvimento.
  6. O mercado de carbono é a melhor oportunidade para o financiamento do combate ao desmatamento e a promoção do desenvolvimento sustentável na Amazônia. As emissões de carbono pelas queimadas na Amazônia representaram cerca de 70%[viii] do total das emissões anuais brasileiras: 1,2 bilhões de toneladas de CO2e por ano[ix] (2006). Se isto fosse reduzido à zero, equivaleria a um potencial de mais de 20 bilhões de dólares por ano no mercado internacional, com base em preços de US$ 16,78[x] por tonelada de CO2e (preço médio do mercado regulado por Quioto ). Estimativas indicam que o mercado global de carbono deve chegar a um preço, em 2020, de US$ 61[xi] por tonelada de CO2e.
  7. Reduzir à zero o desmatamento é bom para a Amazônia e para o Brasil por várias razões. Manteria em funcionamento a mega “bomba d´água” que alimenta com chuvas boa parte do Brasil. Isto é bom para a produção agropecuária, a geração de energia elétrica e o abastecimento urbano de água. Manter a floresta em pé é também essencial para a vida das populações amazônicas. Por outro lado, se reduzíssemos a zero o desmatamento, nossa melhor ‘imagem ambiental’ favoreceria o comércio exterior e, com isso, nossas exportações de carne, soja, etanol etc., teriam melhor acesso aos mercados internacionais. Sairíamos da posição de 4º[xii] para a 17º lugar[xiii] no ranking internacional de emissões de gases efeito estufa. Deixaríamos a posição de “vilões” para a posição de “heróis” no combate às mudanças climáticas.
  8. Existe uma crescente convergência internacional para a inclusão das florestas no mercado de carbono regulado por Quioto. Ao contrário do que muitos pensam, não existem problemas metodológicos insuperáveis para a inclusão do mecanismo de redução das emissões por desmatamento e degradação (chamado de REDD). A Amazônia já tem projetos em andamento que mostram a viabilidade metodológica e os benefícios socioambientais do REDD. A inclusão do REDD no mercado de carbono não impede que sejam feitas, também, doações governamentais dos países poluidores para os países pobres ou em desenvolvimento, como no caso do Fundo Amazônia. Para surpresa de todos, dentro e fora do país, o Governo do Brasil vem fazendo oposição à inclusão das florestas neste promissor mercado! Esta posição deve ser revista com urgência!
  9. Existe também uma convergência dos grandes líderes internacionais e da população em geral sobre a gravidade do problema das mudanças climáticas e a urgência de soluções. As consequências da inação podem ser catastróficas para todos. A recente catástrofe de Santa Catarina e a atual cheia na Amazônia são apenas mostras do futuro que teremos pela frente... Temos não mais do que dez anos para fazer uma radical mudança na economia do mundo, na direção de uma “economia de baixo carbono”. O Brasil tem uma enorme oportunidade histórica para se beneficiar disso. Isto requer um esforço urgente para aumentar a eficácia das políticas públicas nesta área.
  10. Se as regras do Protocolo de Quioto forem alteradas e o Brasil passar a ser mais eficaz no apoio à implementação de projetos de carbono, poderiam surgir oportunidades com grandes potenciais, dentre as quais:
    1. Redução do desmatamento
    2. Amazônia = 1,2 bilhões de toneladas de CO2e por ano (tCO2e / ano) [xiv]
    3. Reflorestamento para recuperação de áreas degradadas

i. Brasil = 1,6 bilhões tCO2e / ano[xv]

    1. Hidrelétricas

i. Belo Monte = 42 milhões tCO2e/ ano

ii. Jirau = 12 milhões de tCO2e / ano[xvi]

    1. Gasoduto

i. Coari – Manaus = 1, 3 milhões tCO2 e/ano[xvii]

Propostas

  1. Criação de uma Força Tarefa, composta por especialistas indicados pelos estados da Amazônia e com apoio do Governo Federal, coordenado pelo Fórum de Governadores da Amazônia, com o objetivo de propor, num prazo de 30 dias, recomendações para a Presidência da República quanto ao posicionamento a ser adotado pelo Governo do Brasil em Copenhague.
  2. Criação de um Órgão Governamental, vinculado à Casa Civil da Presidência da República, para cuidar da formulação, implementação e gestão de um Sistema Nacional de Redução de Emissões, articulando e apoiando o papel dos governos federal, distrital, estaduais e municipais, assim como fomentando projetos de carbono não governamentais, envolvendo o setor privado, tanto empresarial, quanto familiar, comunitário e indígena.
  3. Organização de uma Missão de Governadores da Amazônia, para Copenhague, liderada pelo Presidente Lula, para apresentar a visão da Amazônia Brasileira sobre as diretrizes prioritárias para o novo regramento internacional sobre mudanças climáticas, em dezembro de 2009.

Palmas, 26 de junho de 2009,

Ana Júlia de Vasconcelos Carepa
Governadora do Estado do Pará

Binho Marques
Governador do Estado do Acre

Blairo Maggi
Governador do Estado do Mato Grosso

Eduardo Braga
Governador do Estado do Amazonas

Ivo Narciso Cassol
Governador do Estado de Rondônia

José Anchieta Junior
Governador do Estado do Roraima

Marcelo Miranda
Governador do Estado de Tocantins

Roseana Sarney
Governador do Estado do Maranhão

Waldez Góes
Governador do Estado do Amapá