quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Como eu sei que a China destruiu o acordo de Copenhaguem? Eu estava na sala


"Copenhague foi um fracasso abjeto. A justiça não foi feita. Ao adiar a ação, os países ricos condenaram milhões das pessoas mais pobres do mundo à fome, ao sofrimento e à perda da vida à medida que a mudança climática se acelera. A culpa desse resultado desastroso é honestamente das nações desenvolvidas."
Nnimmo Bassey, Amigos da Terra Internacional

"O encontro teve um resultado positivo, todos deveriam estar felizes. Após as negociações, ambos os lados conseguiram preservar seus interesses essenciais. Para nós, era nossa soberania e interesse nacional."
Xie Zhenhua, chefe da delegação chinesa






Enquanto
no pós-Copenhaguem as recriminações espirram para todo lado, um escritor oferece um relato de mosca-na-parede de como as negociações falharam
Copenhaguem foi um desastre. Nisso todos estão de acordo. Mas a verdade sobre o que realmente aconteceu está sob o risco de ser perdida no meio da confusão e das inevitáveis recriminações mútuas. A verdade é esta: a China destruiu as conversações, humilhando intencionalmente Barack Obama, e insistiu numa "barganha" horrorosa, de modo que os líderes ocidentais partissem carregando a culpa. Como eu sei disso? Porque eu estava na sala e vi o que aconteceu.

A estratégia da China era simples: bloquear as negociações por duas semanas e, em seguida, garantir que o negócio a portas fechadas fizesse parecer como se o Ocidente tivesse falhado aos pobres do mundo mais uma vez. E com certeza, as agências de desenvolvimento, os movimentos da sociedade civil e os grupos ambientalistas todos morderam a isca. O fracasso foi "o resultado inevitável de países ricos recusarem-se a honrar de forma adequada e justa sua imensa responsabilidade", disse a Christian Aid. "Os países ricos têm intimidado os países em desenvolvimento", irritou-se os Amigos da Terra Internacional.

Tudo muito previsível, mas o contrário da verdade. Mesmo George Monbiot, escrevendo no Guardian de ontem, cometeu o erro de culpar Obama individualmente. Mas eu vi Obama lutar desesperadamente para salvar um acordo, e o delegado chinês dizendo "não", de novo e de novo. Monbiot chegou mesmo a citar com aprovação o delegado sudanês Lumumba Di-Aping, que denunciou o acordo de Copenhague como "um pacto de suicídio, um pacto de incineração, a fim de manter o domínio economico de alguns países".

O Sudão se comportou nas negociações como um fantoche da China, um de uma série de países que aliviou a delegação chinesa de ter de lutar suas batalhas em sessões abertas. Foi uma costura perfeita. A China esquartejou o acordo nos bastidores, e então deixou seus representantes para esvicera-lo em público.

Agora conto o que realmente aconteceu tarde da noite na ultima sexta-feira, quando chefes de estado de duas dezenas de países se reuniram a portas fechadas. Obama estava na mesa por várias horas, sentado entre Gordon Brown e o primeiro-ministro etíope, Meles Zenawi. O primeiro-ministro dinamarquês presidiu, e à sua direita sentava Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU. Apenas 50 ou 60 pessoas estavam na sala provavelmente, incluindo os chefes de Estado. Eu estava ligado a uma das delegações, cujo chefe de Estado também esteve presente na maior parte do tempo.

O que vi foi profundamente chocante. O premier chinês, Wen Jinbao, não se dignou a participar nas reuniões pessoalmente, ao invés enviou um oficial de segundo escalao do seu Ministério das Relações Exteriores para se sentar na frente do proprio Obama. O desprezo diplomático era óbvio e brutal, como era sua implicação prática: várias vezes durante a sessão, os mais poderosos chefes de estado do mundo foram obrigados a esperar enquanto o delegado chinês saia para fazer chamadas de telefone aos seus "superiores".

Transferindo a culpa

Para aqueles que culpam Obama e os países ricos em geral, saibam disto: foi o representante da China que insistiu que as metas dos países industrializados, previamente acordada, uma redução de 80% até 2050, fosse removida do acordo. "Por que não podemos sequer mencionar os nossos próprios objetivos?" exigiu uma furiosa Angela Merkel. O Primeiro-ministro da Austrália, Kevin Rudd, estava irritado o suficiente para bater no seu microfone. O representante do Brasil também apontou a incoerência da posição da China. Por que países ricos não deveriam ainda anunciar este corte unilateral? O delegado chinês disse que não, e eu assisti, horrorizado, como Merkel levantou as mãos em desespero e jogou a toalha. Agora sabemos o porque - porque a China apostou, corretamente, que Obama levaria a culpa pela falta de ambicao no acordo de Copenhaguem.

A China em seguida, apoiada por vezes pela Índia, começou a remover todos os números que importavam. Um ano pico das emissões globais definido como 2020, meta essencial para conter a temperatura a 2C, foi removido e substituído por linguagem frouxa, sugerindo que o pico das emissões deveriam ocorrer "tao rapido quanto possível". A meta de longo prazo, de corte global de 50% em 2050, também foi extirpada. Ninguém mais, talvez com exceção da Índia e da Arábia Saudita, queria que isso acontecesse. Estou certo de que se os chineses não tivessem estado na sala, teríamos deixado Copenhaguem com um acordo que teria feito ambientalistas espoucar rolhas de champanhe em cada canto do mundo.

Posição forte

Então como é que a China conseguiu aplicar este golpe?

Primeiro, ela estava em uma posição extremamente forte de negociação. A China não precisava de um acordo. Como disse-me um ministro das Relacoes Estrangeiras de um país em desenvolvimento: "Os atenienses não tinham nada a oferecer para os espartanos. Por outro lado, os líderes ocidentais, em particular - mas também os presidentes Lula, do Brasil, Zuma, da África do Sul, Calderón, do México e muitos outros - estavam desesperados por um resultado positivo. Obama precisava de um acordo muito forte, talvez mais do que ninguém. Os USA confirmaram a oferta de US $ 100 bilhões aos países em desenvolvimento para a adaptação, e colocaram por primeira vez cortes serios na mesa (17% abaixo dos níveis de 2005 até 2020), e estavam, obviamente, preparados para aumentar sua oferta.

Acima de tudo, Obama precisava ser capaz de demonstrar ao Senado que ele poderia controlar a China em qualquer quadro de regulação do clima global, de forma que os senadores conservadores não pudessem argumentar que as reduções de carbono dos USA iria resultar em ainda maior vantagem para a indústria chinesa. Com as eleições de meio termo se aproximando, Obama e sua equipe também sabiam que Copenhaguem seria provavelmente a única oportunidade de atender as negociações sobre as alterações climáticas com um mandato forte. Isso reforçou o poder de bardganha a China, assim como a completa falta de pressão política da sociedade civil tanto na China quanto na Índia. Grupos ativistas nunca culpam os países em desenvolvimento por fracassos; esta é uma regra de ferro, que nunca é quebrada. Os Indianos, em particular, tornaram-se mestres no passado em cooptar a língua da eqüidade ( "a igualdade de direitos pela atmosfera") no serviço do suicídio planetario - e nisso os militantes e articulistas de esquerda são feridos com seus próprios petardos.

Com o acordo esquartejado, a sessão dos chefes de estado concluiu com uma batalha final, com o delegado chinês insistindo em retirar o alvo 1.5C algo tão querido pelos pequenos Estados insulares e baixas nações que mais têm a perder com a elevação dos mares. O presidente Nasheed das Maldivas, apoiado por Brown, lutou bravamente para salvar esse número crucial. "Como você pode pedir ao meu país para se extinguir?" exigiu Nasheed. O delegado chinês fingiu grande ofensa - mas o número ficou, entretanto cercado de linguagem que fala tudo, menos lhe da sentido. O ato foi consumado.

O Jogo da China

Tudo isto levanta a questão: qual é o jogo da China? Por que a China, nas palavras de um analista sediado no Reino Unido, que também passou horas em reuniões de chefes de Estado, "não só rejeita metas para si, mas também se recusa a permitir que qualquer outro país assuma metas obrigatórias?" O analista, que participa das conferências de clima ha mais de 15 anos, conclui que a China quer enfraquecer o regime de regulação do clima agora", a fim de evitar o risco de vir a ser chamada a ser mais ambiciosa dentro de alguns anos".

Isso não significa que a China não seja séria sobre o aquecimento global. Ela é forte tanto nas indústrias de energia eolica quanto solar. Mas o crescimento da China, e sua crescente dominação política e economica mundial, baseia-se em grande medida no carvão barato. A China sabe que está se tornando uma superpotência inconteste, na verdade a sua recem descoberta confiança muscular estava em impressionante exibição em Copenhaguem. Sua economia baseada no carvão dobra a cada década, e aumenta seu poder de forma proporcional. Sua liderança não irá alterar essa fórmula mágica, a menos que seja absolutamente necessário.

Copenhague foi muito pior do que apenas outro mau negócio, porque ilustra uma profunda mudança na geopolítica global. Esse está se tornando rapidamente o século da China, entretanto sua liderança demonstrou que a governança ambiental multilateral não só não é uma prioridade, mas é vista como um empecilho para a liberdade de ação da nova superpotência. Deixei Copenhague mais desamparado do que me sentia em muito tempo. Depois de toda a esperança e toda a agitacao, a mobilização de milhares de pessoas, uma onda de otimismo espatifou-se contra a rocha do poder na política mundial, caiu para trás, e esvaziou-se.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Obama fazendo papel de vilão

Ao impor o acordo, ele assumiu uma responsabilidade muito grande na história


VALOR 22dez09 Jeffrey D. Sachs

Se os EUA não participarem de mais negociações, Obama terá sido ainda mais prejudicial ao ambiente do que George Bush foi

Os dois anos de negociações sobre mudanças climáticas acabaram em uma farsa em Copenhague. Em vez de enfrentar as questões complexas, o presidente Barack Obama decidiu declarar vitória com um comunicado vago de princípios acertado com outros quatro países. Os 187 países restantes receberam um "fait accompli", um fato consumado, que alguns aceitaram, outros denunciaram. Depois do fato, a Organização das Nações Unidas (ONU) argumentou que o documento, em geral, foi aceito, embora o teor para a maioria tenha sido de "pegar ou largar".

A responsabilidade desse desastre é ampla e a lista vai longe. Comecemos com George W. Bush, que ignorou as mudanças climáticas nos 8 anos de sua presidência, desperdiçando o precioso tempo do mundo. Ainda temos a ONU, por ter administrado o processo de negociação de forma tão lamentável durante esse período de 2 anos. A União Europeia também, por pressionar incansavelmente com uma visão obcecada por um sistema mundial de negociação de emissões, mesmo quando tal sistema não se adaptaria ao resto do mundo.

Temos o Senado dos Estados Unidos, que ignorou as mudanças climáticas por 15 anos consecutivos desde a ratificação da Convenção Básica das Nações Unidas Sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês). Por fim, está Obama, que na prática abandonou uma linha sistemática de ações sob a convenção da ONU, porque isso se mostrava incômodo para o poder e a política doméstica dos EUA.

A decisão de Obama de declarar uma falsa vitória nas negociações corrói o processo da ONU ao sinalizar que os países ricos farão o que bem entender e que não precisam mais ouvir as "inoportunas" preocupações de países mais pobres. Alguns podem ver isso como algo pragmático, que reflete a dificuldade de um acordo entre os 192 membros da ONU.

Mas é pior do que isso. A lei internacional foi substituída pela voz inconsistente, insincera e pouco convincente de algumas poucas potências, mais notavelmente os EUA. A América insistiu que os outros assinassem sob seus termos - deixando o processo na ONU pendurado por um fio -, sem nunca mostrar boa vontade com o resto do mundo nessa questão, nem a habilidade ou o interesse necessários para assumir a dianteira no assunto.

Quanto a uma redução real das emissões dos gases causadores do efeito estufa, é improvável que esse acordo consiga algo autêntico. Não é obrigatório e provavelmente fortalecerá as forças que se opõem à redução das emissões. Quem enfrentará seriamente os custos adicionais de reduzir as emissões ao ver como as promessas dos outros são complacentes?

A realidade é que o mundo agora vai esperar para ver se os EUA vão conseguir alguma redução significativa das emissões. Há sérias dúvidas quanta a isso. Obama não tem os votos no Senado, não mostrou a disposição de gastar capital político para conseguir um consenso no Senado e poderia nem ver uma votação na casa sobre a questão em 2010, a menos que pressione muito mais do que até agora.

O encontro em Copenhague também não conseguiu o compromisso de ajuda financeira dos países ricos aos pobres. Vários números foram apresentados, mas a maioria deles, como usual, eram promessas vazias. Além de alguns anúncios de gastos modestos para os próximos anos, que poderiam - apenas poderiam - somar poucos bilhões de dólares, a grande notícia foi o compromisso de US$ 100 bilhões por ano para os países em desenvolvimento em 2020. Essa quantia, no entanto, não veio acompanhada de detalhes sobre como seria obtida.

A experiência sobre a ajuda financeira para o desenvolvimento nos ensina que os anúncios sobre dinheiro para dez anos no futuro são, na maioria das vezes, palavras vazias. Não comprometem os países ricos de forma alguma. De fato, Obama não discutiu uma vez sequer com a população americana a responsabilidade desta sob a convenção da ONU para ajudar os países pobres na adaptação ao impacto das mudanças climáticas. Assim que a secretária de Estado, Hillary Clinton, mencionou o "objetivo" de US$ 100 bilhões, muitos parlamentares e a mídia conservadora condenaram a meta.

Uma das questões mais notáveis do documento liderado pelos EUA é que não menciona nenhuma intenção de continuar as negociações em 2010. Quase certamente, isso é deliberado. Obama quebrou as pernas da convenção da ONU sobre mudanças climáticas ao, na prática, declarar que os EUA farão o que quiserem e que não estarão mais envolvidos no confuso processo climático da ONU em 2010.

Essa posição poderia muito bem refletir a aproximação das eleições parlamentares de meio de mandato em 2010, nos EUA. Obama não quer ficar preso em meio a negociações internacionais impopulares quando a temporada de eleições chegar. Ele também pode estar sentindo que tais negociações não chegarão a muita coisa. Certo ou errado a respeito dessa questão, a intenção parece ser matar as negociações. Se os EUA não participarem de mais negociações, Obama terá mostrado ser ainda mais prejudicial ao sistema internacional de leis ambientais do que George Bush foi.

Para mim, a imagem que fica de Copenhague é a de Obama aparecendo na entrevista coletiva para anunciar um acordo que apenas cinco países haviam visto e depois ir às pressas ao aeroporto, para voltar a Washington, DC, a tempo de evitar uma tempestade de neve que se aproximava da capital. Ele assumiu uma séria responsabilidade na história. Se suas ações se mostrarem inadequadas, se os compromissos voluntários dos EUA e dos outros países se mostrarem insuficientes e se as negociações futuras saírem dos trilhos, terá sido Obama quem, sozinho, trocou a lei internacional pela política das grandes potências nas mudanças climáticas.

Talvez, a ONU se recuperará, para ficar mais bem organizada. Talvez, a aposta de Obama funcione e o Senado dos EUA aprove as leis e os outros países também façam a sua parte. Ou, talvez, tenhamos apenas testemunhado um importante passo em direção à ruína mundial, ao termos fracassado em cooperar em um desafio complexo e difícil que exige paciência, habilidade, boa vontade e respeito pela lei internacional - qualidades que estiveram em falta em Copenhague.

Jeffrey D. Sachs é professor de Economia e diretor do Instituto Terra, na Columbia University.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

ÁRVORE QUEIMADA NA FLORESTA AMAZÔNICA. AUMENTO DA TEMPERATURA PODE LEVAR À SAVANIZAÇÃO DA REGIÃO

20/12/2009


NOBRE: “Pode ser tarde demais”


Roberta Jansen

O acordo não estabelece metas obrigatórias de redução de emissões e, tampouco, tem valor de lei. O que o senhor achou?

CARLOS NOBRE: Estão todos jogando o problema para a frente, adiaram a tomada de decisões. Um acordo com valor legal seria importante para que todos assumissem sua responsabilidade, mas, agora, o que pode acontecer é todo mundo colocar o pé no freio. Existe o risco de cada um fazer o que quer e, mais à frente, quando os impactos mais graves das mudanças climáticas começarem a aparecer, terem que começar a fazer algo. Mas pode ser tarde demais.

Por quê?

NOBRE: Cada vez mais estudos mostram que, se a temperatura passar de um determinado ponto, os grandes reservatórios de CO2 do planeta, como o permafrost e grandes florestas, podem liberar um enorme volume de CO2 na atmosfera, e não vai ser possível fazer nada para evitar, porque se trata de um volume muito grande. E essa desestabilização pode ocorrer em décadas. Um outro risco é o rápido degelo da Groenlândia e da Antártica Ocidental, que poderia levar a uma elevação do nível do mar de 6 a 8 metros.

O acordo fala em limitar o aumento das temperaturas em 2 graus Celsius, mas não fala em metas globais de redução. Com as metas voluntárias apresentadas, é possível limitar esse aumento?

NOBRE: Essas metas apresentadas por todos são muito modestas, mas são de curto prazo. Teoricamente, seria possível que, a partir de 2020, todos tivessem cortes muito maiores, bem profundos, para poder limitar o aumento a 2 graus. Ou seja, o esforço terá que ser muito maior. E teria que ser global.

A meta global que apareceu em vários rascunhos, mas acabou não sendo incluída no texto final, era de cortar 50% das emissões até 2050. Isso seria suficiente para limitar o aumento a 2 graus Celsius?


NOBRE: Uma redução de 50% das emissões globais até 2050 não garante o limite de aumento da temperatura em 2 graus Celsius até o fim do século. Com essa redução de 50%, o aumento das temperaturas ficaria entre 2,6 graus Celsius e 2,8 graus Celsius até o fim do século.

E quais seriam os principais impactos globais desse aumento?


NOBRE: Trata-se de um processo lento, de séculos. Mas com um aumento de 2 graus Celsius, a elevação seria de um metro. Com 2,6 graus Celsius a 2,8 graus Celsius, essa elevação poderia chegar a 2,5 metros. Isso sem considerar os dados de um estudo publicado na revista “Nature”, segundo o qual, com uma elevação um pouco acima dos 2 graus Celsius existe o risco de uma desestabilização muito grande na Groenlândia e na Antártica Ocidental, que poderia levar a um aumento do nível do mar de 6 a 8 metros.

O que acontece com as nações insulares com um aumento das temperaturas entre 2,6 e 2,8 graus Celsius?

NOBRE: No cenário de uma elevação de 2 graus Celsius, elas tendem a desaparecer na escala de alguns séculos. Mas eu queria frisar também um outro ponto. Algumas dessas ilhas têm 500 mil habitantes. Se o mar subir um metro, desaparece também toda a Baixada Fluminense e de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, uma área muito carente, que também tem 500 mil habitantes. É claro que essa população do Rio pode ser transferida para uma área mais alta. No caso das ilhas, há a questão da nacionalidade, da cultura. Mas só estou tentando mostrar que uma elevação dessas afeta todo mundo, que seria importante considerar o aspecto absoluto e não apenas o simbólico, do desaparecimento de um país. É bem possível que em dois anos, voltemos a discutir o limite de 1,5 grau Celsius.

Como o senhor apontou, o aumento do nível do mar é um processo lento. É possível se adaptar?

NOBRE: Sim, mas o custo é muito alto. Vamos voltar ao exemplo da Baixada Fluminense e de Jacarepaguá. Lá vivem umas cem mil famílias. O custo para removê-las para uma área mais alta, dar a cada uma delas uma casa simples, seria de US$4 bilhões a US$5 bilhões. Estou falando de algo pequeno, numa região do Rio. Ninguém deve imaginar que adaptação é uma coisa simples.

Muitas pessoas apontam que um avanço do documento foi o REDD, o mecanismo que permite a contabilização da redução das emissões de CO2 por meio da diminuição do desmatamento e da preservação da floresta. O que o senhor achou?

NOBRE: Até onde vi, acho que isso foi o que mais avançou. E o Brasil tem tudo para liderar essa dinâmica do REDD, desse novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia e as regiões tropicais do planeta de forma geral, que terá que acompanhar o mecanismo. O Brasil pode assumir essa a liderança mundial da redução do desmatamento.


O REDD torna mais factível a meta brasileira de reduzir em 80% o desmatamento da Amazônia até 2020?

NOBRE: Bem, isso certamente deverá ser mais discutido adiante, mas, pelo que o presidente Lula falou na sexta-feira, em seu discurso, ele não vai usar os recursos de fora. Ele falou isso para o mundo, assumiu uma responsabilidade e é lógico que todos vão cobrar.

O documento não estabelece uma concentração de CO2, de cerca de 450 ppm, relacionada ao limite de 2 graus Celsius, como chegou a aparecer em alguns rascumhos. Houve alguma perda?

NOBRE: A um limite de temperatura, há que se apontar um máximo de emissões neste século. Para esse limite de 2 graus, teríamos, até o fim do século, 500 bilhões de toneladas de carbono emitidas. A grande discussão seria como alocar esse espaço de carbono entre as economias do mundo, mas ela aparece bem diluída no texto. Essa discussão não pode ser evitada por mais tempo.

Qual é o impacto sobre a Floresta Amazônica de uma elevação média da temperatura global de 2,6 graus a 2,8 graus Celsius?

NOBRE: Com um aumento da temperatura de 3,5 graus a 4 graus Celsius, tem início a savanização da Amazônia. Ficaríamos muito próximo do limite crítico.

O senhor vê outro impacto significativo para o Brasil com essa elevação média?

NOBRE: A agricultura brasileira precisara ser redefinida. As culturas não poderão estar onde estão hoje, várias políticas de adaptação serão necessárias. Haverá aumento de eventos extremos.
Jornal: O GLOBO Autor:
Editoria: Ciência
Caderno: Primeiro Caderno

Copenhague - O Discurso de Obama e o Jornalismo de Cabresto (com Grife)


Ao contrário da tendenciosa cobertura de O Globo, que superestimou o papel – até mesmo potencial – do Brasil na reunião de Copenhague e subestimou o discurso de Obama, este último merece alguns comentários.

Em primeiro lugar, Obama não é maluco falar em assinar acordos internacionais depois de aprovar um projeto de lei sobre emissões de carbono na Câmara e estar fazendo enormes esforços para driblar os lobbies do petróleo que ainda impedem a aprovação do projeto pelo Senado.

O discurso de Obama em Copenhague foi muito mais avançado do que os jornalistas mais tendenciosos – de grife – ou superficiais transmitiram para o público brasileiro.

Em primeiro lugar, há um imenso avanço na posição dos EUA com o reconhecimento de que as mudanças climáticas existem, são causadas pelo uso de combustíveis fósseis e colocam o mundo em risco.

O segundo ponto mais importante foi o reconhecimento da significativa parcela de responsabilidade dos EUA e o anúncio de que com ou sem acordos internacionais os EUA avançarão de maneira decisiva na área de energias renováveis e de eficiência energética. Trata-se de uma questão de segurança energética do país e de assegurar a sua presença entre as lideranças tecnológicas internacionais, com a resultante criação de emprego e renda.

Em terceiro lugar, enfatizou metas de redução de emissões norte-americanas em 17% até 2020 e em mais de 80% até 2050, de acordo com a legislação que espera que o Congresso aprove em breve. (O tendencioso jornalismo tupiniquim só ressaltou a meta inicial).

Prosseguindo, deixou claro que os EUA estão dispostos a dar acesso às informações sobre as suas emissões, e que essa deverá ser uma obrigação de todos que aderirem a um acordo sem que isso seja considerada uma intromissão nos negócios internos dos países.

Aí é que se dá a divergência com as posições da China, da Índia e do Brasil, que até falam em meta mas se recusam a aceitar metas obrigatórias e mecanismos de monitoramento, como definiu o Protocolo de Quioto para os paises em desenvolvimento.

“Eu não sei como se pode ter um acordo internacional sem que se tenha um mecanismo confiável de monitoramento que assegure que todas as partes envolvidas estão cumprindo com os compromissos assumidos.

“Nós nos comprometemos a nos engajar num esforço global de mobilização de recursos financeiros que cresçam até US$ 100 bilhões por ano em 2020 SE, E APENAS se isso for parte de um acordo maior que envolva os mecanismos de monitoramento antes mencionados.

“Redução das emissões, transparência e financiamento constituem-se numa fórmula clara que envolve os princípios de responsabilidades comuns ainda que diferenciadas em função da capacidade de cada um.

“Há países em desenvolvimento que querem ajuda financeira sem compromissos com a transparência em relação às responsabilidades assumidas. E há países desenvolvidos que acham que os países em desenvolvimento não têm condições de absorver o apoio financeiro.

“Todos nós sabemos as falhas da linha de acordos internacionais em vigor e que só levaram a uma aceleração das mudanças climáticas.

“Nós podemos aceitar esses fundamentos de um acordo global, refinar e construir esse acordo ou voltar à mesma situação que fez com que não ocorressem avanços efetivos até o presente.

“Os EUA fizeram a sua escolha, definiram a sua direção, assumiram os seus compromissos, nós faremos o que dizemos. Estamos prontos para fazer isso HOJE. Desde que as partes envolvidas assumam as suas responsabilidades com os seus povos e com o futuro do planeta.”


Veja o discurso completo de Obama - com o seu estilo tranquilo


Ele tem razão. O Protocolo de Kyoto foi um fracasso e repeti-lo seria muito ruim. Agora, as coisas estão claras. Os países que avançarem tecnologicamente e que formularem as melhores políticas públicas de adaptação as mudanças climáticas estarão muito melhor posicionados para enfrentá-las do que os demais.

***

Só alguém totalmente desinformado chegou à Copenhague acreditando numa vaga possibilidade de acordo. Venderam a Lula a bandeira errada, a imprensa fez drama para vender notícia, mas o fato é que não havia chances de acordo.

Desde que minutas das propostas de acordo vazaram para a imprensa inglesa semanas antes, estava claro que os burocratas da ONU, do Banco Mundial e todos os demais que foram aos encontros preparatórios estavam MUITO longe de algum consenso. Sugere-se a leitura dos seguintes seguintes artigos sobre essa naufrágio antecipado publicados nas semanas anteriores à Copenhague.

www.luizprado.com.br/2009/09/29/mudancas-climaticas-minuta-de-novo-acordo-e-confusa-e-vaga-i

www.luizprado.com.br/2009/10/04/mudancas-climaticas-minuta-de-novo-acordo-e-confusa-e-vaga-ii

www.luizprado.com.br/2009/11/06/mudancas-climaticas-e-o-naufragio-antecipado-de-copenhaguem/

Conheça algumas reações ao “acordo de Copenhague”, texto que não tem nem 3 páginas :



"Copenhague foi um fracasso abjeto. A justiça não foi feita. Ao adiar a ação, os países ricos condenaram milhões das pessoas mais pobres do mundo à fome, ao sofrimento e à perda da vida à medida que a mudança climática se acelera. A culpa desse resultado desastroso é honestamente das nações desenvolvidas."
Nnimmo Bassey, Amigos da Terra Internacional

"O encontro teve um resultado positivo, todos deveriam estar felizes. Após as negociações, ambos os lados conseguiram preservar seus interesses essenciais. Para nós, era nossa soberania e interesse nacional."
Xie Zhenhua, chefe da delegação chinesa

A cidade de Copenhague é cenário de um crime"

"A cidade de Copenhague é cenário de um crime esta noite, com os culpados correndo para o aeroporto. Não há metas para cortes de carbono e não há acordo sobre um tratado com valor legal. Parece que há poucos políticos neste mundo capazes de enxergar além do horizonte de seus próprios interesses, muito menos de se importar com as milhões de pessoas que estão intimidadas pela ameaça da mudança climática."
John Sauven, Greenpeace britânico

"Nós teremos que dar continuidade ao trabalho realizado aqui em Copenhague para garantir que a ação internacional para reduzir significativamente as emissões seja sustentada e suficiente ao longo do tempo. Nós já percorremos um longo caminho, mas ainda temos de ir muito mais longe."
Barack Obama, presidente americano


"O Acordo de Copenhague pode não ser tudo o que todos esperavam, mas é um começo importante. [...] Vamos tentar chegar a um acordo obrigatório com valor legal até a COP 16, no México."
Ban Ki-Moon, secretário-geral das Nações Unidas

"Parece que estamos recebendo 30 peças de prata para trair nosso povo e nosso futuro."
Ian Fry, negociador-chefe de Tuvalu

O que devemos fazer agora rapidamente é garantir que o documento passe a ter valor legal"

"Conseguimos um começo. O que devemos fazer agora rapidamente é garantir que o documento passe a ter valor legal."

Gordon Brown, primeiro-ministro britânico

“(O texto) pede que a África assine um pacto suicida, um pacto de incineração de forma a manter a dominação econômica de alguns poucos países. É uma solução baseada em valores, os mesmos valores em nossa opinião que levaram 6 milhões de pessoas na Europa para fornalhas.”
Lumumba Stanislaus Di’Aping, chefe do G-77 (países pobres)


"Não vou esconder minha decepção em relação à natureza não vinculante deste acordo. Neste respeito, o documento fica muito abaixo de nossas expectativas."
José Manuel Barroso, presidente da Comissão Europeia

"Com qualquer coisa acima de 1,5°C, as Maldivas e várias outras ilhas desapareceriam. Por essa razão, tentamos seriamente durante os últimos dois dias colocar 1,5°C no documento. Sinto muito que isso tenha sido grosseiramente obstruído pelos grandes emissores."
Mohamed Nasheed, presidente das Ilhas Maldivas

Temos um grande trabalho pela frente para evitar a mudança climática através de metas efetivas de redução de emissões e isso não foi feito aqui"

"É muito decepcionante, eu diria, mas não é um fracasso... se concordarmos em nos encontrar novamente e lidar com os assuntos pendentes. Temos um grande trabalho pela frente para evitar a mudança climática através de metas efetivas de redução de emissões e isso não foi feito aqui."
Sérgio Serra, embaixador do Brasil para Mudança Climática

"O texto que temos não é perfeito... Se não tivéssemos acordo, isso significaria que dois países tão importantes como Índia e China estariam livres de qualquer tipo de contrato... Os Estados Unidos, que não assinaram Kyoto, estariam livres de qualquer tipo de contrato. Por isso, um contrato é absolutamente vital."
Nicolas Sarkozy, presidente da França

"Eu pergunto se, em plena vista do secretário-geral da ONU, vocês vão apoiar este golpe de Estado contra a autoridade das Nações Unidas."
Claudia Salerno Caldera, representante da Venezuela

"Levando-se em conta de onde começamos e as expectativas para essa conferência, qualquer resultado que não seja um acordo de valor legal não alcança o objetivo. Por outro lado... talvez nossas expectativas tenham sido muito altas e o fato de que agora há um acordo... talvez nos dê algo em que possamos nos apoiar."
John Ashe, chefe das negociações do Protocolo de Kyoto

Os 12 parágrafos que causaram as reações acima:


Era para os países assinarem cortes de gases-estufa segundo as recomendações científicas do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, explicadas em detalhes ao mundo em 2007. Mas o fruto de dois anos de preparativos e duas semanas de conferência foi um texto com duas páginas e meia (nem isso). Não tem as metas. Vem com algumas cifras, mas sem explicar como o dinheiro será captado e administrado.

"Acordo de Copenhague" (formato .pdf, 2,3 páginas, em inglês)

O texto disponível no link acima é uma declaração de intenções. Não tem efeito vinculante, mas mesmo que tivesse, não vincularia ninguém a nada muito decisivo. Os países admitem que de fato é bom evitar uma alta da temperatura em 2°C neste século, concordando com os cientistas (parágrafo 1).

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Parágrafo 8 prevê US$ 30 bi para o período 2010 - 2012 (Foto: reprodução)

Daqui a cinco anos volta-se ao debate para ver se não é ainda melhor deixar escrito que é sensato tentar impedir uma alta de 1,5°C (12º e último parágrafo). É um afago para Tuvalu e outras ilhas, que podem desaparecer sob as águas com uma alta da temperatura superior a um grau centígrado e meio.

O “detalhe” da redução das emissões a médio prazo (2020) fica para mês que vem, mais precisamente até o dia 31 de janeiro. Os países deverão providenciar "informações nacionais" (o “nacionais” é para ressaltar a soberania das partes e aplacar a ira chinesa) contando para a ONU como estão combatendo o aquecimento global - ou não. Isso está no parágrafo 4.

Objetivos de longo prazo (2050) não foram mencionados.

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Rindo de quê? Delegados aplaudem encerramento dos trabalhos em Copenhague
(Foto: REUTERS/Bob Strong)

No papel não há metas, mas há menção a dinheiro (parágrafo 8). Não significa que ele vai de fato pingar, porque o texto, que não tem força legal, não explica quais mecanismos institucionais seriam responsáveis pela gestão dos recursos.

Está escrito que as nações ricas se comprometem a direcionar US$ 30 bilhões nos próximos três anos para ajudar nações pobres a lidar com as alterações climáticas.

Os EUA haviam anunciado que entrariam com US$ 3,6 bilhões; o Japão, com US$ 11 bilhões; a União Europeia, com US$ 10,6 bilhões. Os US$ 4,8 bilhões que faltam hão de ser financiados por alguém.

Entre 2013 e 2020, o aporte seria elevado para US$ 100 bilhões por ano.

O mundo assistiu ao fracasso em Copenhague e agora se pergunta: de quem é a culpa?


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Conferência de Mudanças Climáticas não alcançou o acordo esperado e mostrou que as negociações políticas e diplomáticas não acompanham a velocidade na qual avança o aquecimento global

Juliana Radler, especial de Copenhague

Esse 18 de dezembro de 2009 ficará marcado na história como o dia no qual os principais líderes mundiais falharam na tentativa de se chegar a um acordo capaz de salvar o planeta da maior ameaça pela qual nossa civilização já se defrontou: o aquecimento global. O presidente Lula na abertura de seu discurso na plenária resumiu o sentimento que tomava grande parte dos participantes da conferência: “sinto-me muito frustrado”.

O final da conferência terminou de forma dramática, neste sábado (19/12), após uma interminável sessão plenária durante a madrugada com falas veementes e muitas vezes passionais dos negociadores dos 193 países membros desta Convenção das Nações Unidas. E de quem é a culpa por esse histórico fracasso? Como os países foram capazes de negociar por dois anos – desde a conferência da ONU de Bali, em 2007 – e não chegar a um acordo a altura do problema climático, como era esperado por todo o mundo aqui em Copenhague? Agora, a decisão fica para 2010 e a expectativa transfere-se para a próxima conferência no México.

Sem dúvida, os Estados Unidos respondem pela maior fatia deste indigesto banquete de falsas promessas. Muita esperança foi depositada no presidente Barack Obama, que em sua campanha eleitoral mostrava-se totalmente comprometido com o problema do aquecimento global. Porém, aqui em Copenhague, o que assistimos foi um Obama muito preocupado com sua popularidade junto ao reacionário eleitorado norte-americano, que pouco acredita nas causas e consequencias do aquecimento global. A sobrevivência da humanidade ficou em segundo plano para o sr. Obama e sua secretária de Estado, Hillary Clinton.

Visivelmente abatido, Paulo Adário, diretor do Greenpeace Brasil e um veterano das negociações climáticas, ressaltou: “Isso é um fracasso, um desastre. Qual é o legado que vamos deixar com isso? Obama discursou não olhando para a opinião pública mundial e, sim, para Sara Pallin e para o seu eleitor. O mundo não pode ficar refém das decisões do Congresso americano. Sem os Estados Unidos fortemente engajados neste processo, não há acordo. A conta das emissões simplesmente não fecha”.

O membro do Parlamento alemão e porta-voz do Partido Verde, Hermann Ott, lamentou a perda de legitimidade que o processo de negociação de mudanças climáticas sofreu nesta conferência de Copenhague. “As decisões são tomadas por pequenos grupos de países e a sociedade civil foi totalmente colocada de lado do processo”, criticou referindo-se à restrição feita às ongs em participar da conferência. No último dia de negociações, apenas 90 representantes de organizações não governamentais foram autorizados a entrar no Bella Center. As duas semanas da conferência foram marcadas por protestos e prisões de ativistas.

(desa)Acordo de Copenhague

Durante toda a tarde do último dia de negociações, o presidente Obama costurou o que foi chamado de “Acordo de Copenhague”. Por algumas horas, o “Acordo” foi considerado o resultado final da Conferência. Os sites dos três principais jornais brasileiros informavam equivocadamente que a conferência estava encerrada e o o resultado final era o decepcionante “Acordo de Copenhague”. A delegação brasileira, incluindo o ministro do meio ambiente, Carlos Minc, concedeu entrevista, prematuramente, dando o fato como consolidado.

O que parecia ser o fim dessa ópera ainda não tinha chegado, como anunciado, ao seu último ato. O “Acordo de Copenhague” , que foi elaborado por um grupo de apenas 25 países, incluindo o grupo Basic (formado pela Índia, Brasil, China e África do Sul), além de Estados Unidos e outras grandes economias, não havia sido submetido à Plenária da Convenção de Mudanças Climáticas, na qual qualquer decisão precisa ser aprovada por consenso entre os 193 países participantes.

Ao invés de um documento com poder legal contendo metas de redução dos gases do efeito estufa para o período entre 2012 e 2020, o “Acordo de Copenhague” é uma espécie de “carta de intenções” sem nenhuma obrigação e, sobretudo, sem o esperado envolvimento dos Estados Unidos no processo. Como disse o consultor especial do Ministério do Meio Ambiente, Tasso Azevedo, foi melhor não chegarmos a nenhum acordo do que aceitarmos um acordo insuficiente como o proposto, no qual não havia menção ao item mais importante do processo: o percentual de redução global das emissões dos gases do efeito estufa.

Na submissão do “Acordo de Copenhague” à Plenária, vários países, começando por Tuvalu, criticaram e se negaram a aceitar o documento. Muitos acusaram que o documento foi formulado sem transparência. O negociador do Sudão afirmou: “Todo o princípio de transparência foi violado e é imoral pensar que esse documento foi elaborado no corpo de uma conferência da ONU. Ninguém, nem Obama, pode forçar a África a destruir a si própria”, ressaltou.

Os negociadores boliviano, cubano e colombiano também criticaram a falta de transparência no processo de redação do documento. “Por que esse documento não foi discutido com todos nós? Por que nós temos apenas uma hora para aceitá-lo ou não?”, perguntou o diplomata boliviano, acrescentando que o processo da Onu está sendo conduzido de forma ditadorial, sem transparência e legitimidade. E o cubano acrescentou: “Não aceitamos esse documento e declaro que nessa conferência não existe consenso. O texto do documento só contém frases vagas e é incompatível com os critérios científicos”.

Alguns países que se opuseram ao “Acordo de Copenhague” defenderam o estabelecimento de uma meta que permita manter a temperatura abaixo dos 1,5 graus celsius, um limite mais seguro para garantir sua sobrevivência. O bispo sulafricano Desmond Tutu, Nobel da Paz, por exemplo, afirmou na conferência que a meta de 2 graus Celsius (proposta pelo “Acordo”) é fatal para a África e não será suficiente para evitar drásticas consequencias ao continente, como o aumento da desertificação, que causará fome, pobreza e tornará milhares de africanos em refugiados ambientais.

O “Acordo de Copenhague” foi, dessa forma, recusado como um documento final da conferência, sendo apenas incluido como uma nota a ser considerada nesta conferência. “Isso é o que de mais fraco poderia acontecer. A Convenção apenas toma nota da proposta”, explicou Tasso.

Investimentos

Diante da inércia das negociações, alguns passos foram dados em Copenhague. Do ponto de vista de financiamento para mitigação e adaptação aos efeitos das mudanças climáticas, foi acordado que serão investidos entre 2010 e 2012 o total de US$ 30 bilhões, alocados sobretudo nos países mais vulneráveis, como os Estados-Ilha e os países mais pobres da África. No longo prazo foi anunciado o objetivo de captar, tanto no mercado,quanto em financiamento público, o total de US$ 100 bilhões anuais até 2020 para serem investidos em países em desenvolvimento. Esses investimentos serão condicionados a verificação internacional que priorize a transparência dos dados para consulta e análise internacional, como foi requisitado pelos países desenvolvidos.

Ciência e Diplomacia: fora de compasso

Uma mensagem está clara nesta conferência da ONU: a velocidade das negociações diplomáticas e políticas não estão acompanhando a velocidade na qual avança o problema do aquecimento global, tal como relatam os seguidos estudos científicos divulgados. Mesmo diante de uma catástrofe ambiental anunciada, os líderes foram incapazes de chegar a um consenso capaz de construir um acordo com metas de redução para o período entre 2012 e 2020.

Se reduzirmos em 50% as emissões de gases do efeito estufa até 2050, a probabilidade de que a temperatura global não ultrapasse os 2 graus celsius é de apenas 15%, como informou o cientista do Inpe e presidente do Forum Brasileiro de Mudanças Climáticas, Carlos Nobre. Isso significa que mesmo as metas que vinham sendo colocadas na mesa e não foram alcançadas já eram, do ponto de vista científico, muito aquém do necessário para evitar, com margens seguras, os efeitos mais danosos ao clima. Para se chegar a um nível mais seguro seria preciso negociar reduções globais entre 70% e 80% nas emissões de gases do efeito estufa até 2050 em relação aos níveis de 1990, apontou Nobre.



Juliana Radler
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O velho e o novo




por Miriam Leitão

A COP-15 não mudou o mundo, mas mudou o Brasil. A Conferência do Clima e a competição eleitoral fizeram a posição do Brasil se mover na direção certa. Há três meses, o Brasil tinha um discurso velho. Hoje, tem metas e um caminho. Um erro foi nomear a ministra Dilma como chefe da delegação. Sem ter nada a ver com coisa alguma, ela se apagou na negociação.

COP não é palanque. Aqui, em Copenhague, travou-se uma batalha de sutilezas escorregadias, de detalhes técnicos complexos, de linguagem cifrada. Numa situação assim, é fundamental conhecer o terreno, a técnica e o tema. Dilma Rousseff é recém- chegada à questão climática. Na verdade, seu histórico é hostil à causa que motiva todo esse esforço. Ao ser escolhida, ela imprimiu à atuação brasileira um amadorismo insensato. Além disso, neutralizou alguns dos nossos mais bem treinados negociadores.

O patético final da Conferência deixou a confusão brasileira mais aparente. Todo mundo foi saindo, e o ministro Carlos Minc assumiu a negociação, apesar de ter sido expressamente afastado de outras etapas das conversas e destratado pela ministra Dilma na primeira entrevista em Copenhague. Foi Carlos Minc que tirou o Brasil da envelhecida posição de se negar a assumir compromissos de redução da emissão. E foi apenas por ter mudado sua posição que o Brasil não chegou a Copenhague em situação constrangedora.

Na noite da última sexta, no fim da Conferência, um dos remanescentes da equipe brasileira era o embaixador especial do Clima Sérgio Serra. Apesar do título do seu cargo, Serra para entrar na salas das conversas precisava do crachá deixado por Marco Aurélio Garcia, outro que não se sabe o que fazia em Copenhague.

Na noite da negociação entre os 25 chefes de Estado, de quinta-feira, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, veterano de COPs, subiu o elevador do hotel onde estava hospedado com rosto de desconsolo, depois de admitir a jornalistas que não sabia o que estava acontecendo. Celso Amorim foi, entre outras reuniões, o grande negociador de Bali, onde, junto com a então ministra Marina Silva, trabalhou na negociação do Mapa do Caminho.

Na noite do Bella Center, o presidente Lula foi para uma reunião dos chefes de Estado sem Amorim e sem o embaixador Luiz Alberto Figueiredo. Os dois têm experiência, são profissionais treinados.

Quando Dilma Rousseff chegou a Copenhague, Figueiredo teve que acompanhar a ministra em reuniões que não tinham nada a ver com o andamento da negociação. Visivelmente constrangido.

Dilma, nos primeiros dias, se dedicou a atividades políticas para a delegação brasileira, que tinha o extravagante número de 700 pessoas. Fez discursos políticos para os aplausos dos áulicos em que confundia conceitos elementares do mundo climático, ou tropeçava nos atos falhos. A atividade formal à qual tinha que ter ido era a abertura oficial do segmento ministerial. Ela era a $brasileira nesse segmento. Na hora da reunião com o secretário-geral da ONU, Ban Ki Moon, o príncipe Charles e a Nobel Wangari Maathai, Dilma convocou uma coletiva, na qual se dedicou a criticar a proposta feita pela senadora Marina Silva e pelo governador José Serra, seus prováveis competidores nas eleições de 2010. Aliás, a proposta de doação brasileira para um fundo foi defendida depois pelo próprio presidente da República.

Houve momentos constrangedores. Quando chegou à primeira reunião, para ser informada do que estava acontecendo na negociação cuja chefia ela iria assumir, a pergunta feita por Dilma Rousseff foi:

? Qual é a agenda da Marina e do Serra?

De Copenhague, também ela se mobilizou para adiar a votação de um projeto que poderia desafinar com o discurso feito pelo Brasil aqui. Era o projeto chamado "Floresta Zero". Outro foi aprovado com o apoio e mobilização da base parlamentar, o que reduziu os poderes do Ibama e deixou aos estados o poder de decisão sobre a reserva legal.

O governo brasileiro começou a mudar tão recentemente que os sinais da velha forma de pensar estão em todos os lugares. Por isso, a lei de mudança climática aprovada no Congresso tem escrita a seguinte sandice: diz que as metas são voluntárias. Alguém já viu uma lei que estabelece que aquilo que legislou é voluntário? Se está na lei, é lei.

A participação brasileira ganhou musculatura quando o presidente Lula chegou e estabeleceu seu contato direto com os outros chefes de Estado, mas ter ido embora, antes do fim, levando a chefe da delegação, já mostrava como foi sem sentido sua decisão de nomeá-la.

A estratégia político-eleitoral do Planalto era aproveitar a COP e pôr a ministra-candidata em contato com grandes líderes, produzir declarações e imagens para ser usadas na campanha. Em outros eventos está sendo feito isso. Mas numa negociação como essa a decisão foi a mais sem sentido que poderia ter sido tomada. Com o aumento da tensão negociadora, o Brasil foi se apagando na mesa de negociação, em parte porque os especialistas foram afastados e em parte porque ela não tinha condições de chefiar o grupo.

A reunião de Copenhague ficará na História como um momento de insensatez das lideranças do mundo. Em que se desperdiçou uma oportunidade de ousar e construir o futuro. Em que se escolheu uma resposta medíocre diante de um vasto desafio. Para o Brasil, ficou este outro sinal assustador: de que o governo quer usar qualquer momento, mesmo o mais inadequado, para montar palanques para a sua candidata.

Coluna, O Globo 20 dez 2009












sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

O momento está chegando quando será tarde demais

HE Patriarca Bartholomeu

Observando como os líderes do nosso mundo se reúnem em Copenhague, oramos e esperamos que eles percebam o quão atrasados nos deixamos ficar para restaurar a saúde da nossa casa terrestre.

Chegará um ponto, e pode ser muito em breve, quando será demasiado tarde.

Nossos cientistas falam de "pontos de não-retorno" e "mudanças climáticas bruscas". Nossos líderes políticos falam dos desafios que se avizinham. A Bíblia fala da graça de Deus em dar-nos muitas, muitas chances. Mas deixa claro que o tempo virá para todos nós quando teremos que enfrentar as conseqüências de nossos erros.
O bem-alimentado homem rico em suas vestes finas, que ignorou o pedinte Lázaro à sua porta, no Evangelho de São Lucas, foi terrivelmente castigado após sua morte por sua indiferença e inação. Quando ele pediu para ser liberado do tormento, lhe foi dito que era tarde demais.

De acordo com o Evangelho de São Mateus, as perguntas que serão feitas a todos nós no Juízo Final não serão sobre nossa observância religiosa. Nós vamos ser perguntados se alimentamos o faminto, se demos de beber ao sedento, se vestimos o nu e se confortamos o enfermo e o cativo.

Temos de fazer da sacralidade da vida a nossa prioridade.
É a vida na Terra que está ameaçada, não apenas um certo modo de viver.
Esta é a mesma Terra que não estamos apenas incumbidos de 'arar', mas também de "preservar".
Nosso consumo irresponsável de recursos - combustíveis, água, florestas ... nos ameaça com o apocalipse climático. Ao queimar mais combustível do que precisamos em uma cidade movimentada, podemos estar contribuindo para uma seca ou inundação em um lugar a milhares de quilômetros de distância. Os cientistas estimam que os mais prejudicados pelo aquecimento global nos próximos anos serão aqueles que menos podem arcar com isso.
Em nosso entendimento, não pode haver distinção entre a preocupação com o bem-estar humano e a preocupação com a preservação ecológica.
Para restaurar o planeta, precisamos de Espiritualidade que traz humildade e respeito, nos leva a indagar mais profundamente e nos leva a pensar no impacto de nossas ações em toda a Criação.

Temos sido privilegiados nos últimos anos, ao levar nossos simpósios da série Religião, Ciência e Ambiente, de encontrar muitas pessoas cujas vidas estão ameaçadas por forças distantes que elas não podem entender nem controlar. Das margens do rio Amazonas testemunhamos a destruição da floresta em nome de fornecer alimentos baratos para os bem-alimentados. De pé assistimos a uma grande geleira da Groenlândia derreter com o seu mundo sendo aquecido por gases estufa. Um mês atrás, em Nova Orleans, ouvimos evidências de como a arrogância transformou um evento natural em uma catástrofe humana.

Devemos dirigir nosso foco para longe do que queremos e para perto do que o planeta precisa. Devemos escolher o cuidar da Criação; caso contrário, nós realmente não nos importamos com nada.
A Natureza nos une e, embora possamos diferir em nossa concepção sobre as origens do nosso mundo, estamos todos de acordo sobre a necessidade de proteger o seu futuro, o nosso futuro. Vamos oferecer a Terra uma oportunidade de se curar e continuar a apoiar-nos.

Não podemos mais nos dar ao luxo de esperar, a indecisão ea inércia não são opções

Vivemos todos dentro da Misericórdia e da Graça de Deus.
Nossa fé deixa claro que nós temos uma escolha. A hora de escolher é agora.

Biographical Note: His All Holiness Ecumenical Patriarch Bartholomew, spiritual leader of the world’s 300 million Orthodox Christians, is 270th successor of St. Andrew the apostle, who founded the 2000-year-old church of Constantinople. He has worked for reconciliation among Christian Churches and for religious understanding among the faith communities. His efforts to promote human rights and religious tolerance, together with his pioneering work for international peace and environmental protection, have placed him at the forefront of global visionaries and earned him the title “Green Patriarch.” He was named by Time magazine as one of the world’s 100 most influential people and has been honoured with the US Congressional Gold Medal. He is the author of Encountering the Mystery (Doubleday) and In the World, Yet Not of the World (Fordham)