quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O Novo Código e o Remendo Florestal

Autor: Raul do Valle(*), Instituto Socioambiental, 23.10.2012

Agora é lei, e tem inclusive número: 12.651/12, com alterações feitas pela Lei 12.727/12. Após três anos de intensa mobilização, que começou com a criação de uma comissão especial na Câmara dos Deputados, em 2009, e a nomeação do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) como relator, o agronegócio brasileiro finalmente tem uma lei florestal para chamar de sua.

Feita a sua imagem e semelhança, ela é cheia de contradições. Tem um lado moderno, que prevê a criação de um sistema georreferenciado de cadastramento de imóveis rurais para monitorar, por satélite, a derrubada de florestas. Mas tem também um lado arcaico, agarrado às raízes latifundiárias do Estado brasileiro, e que infelizmente suplanta, em muito, seu aspecto inovador. E é com esse lado que a sociedade brasileira terá de lidar daqui para frente.

Com a nova lei, agora temos dois padrões de cidadãos: os que respeitaram as regras até então vigentes (Código Florestal antigo) e os que não respeitaram. Os primeiros, independente do tamanho do imóvel, terão de manter 50 metros de florestas ao redor de nascentes (só as perenes, que têm água o ano inteiro, pois as demais ficaram sem proteção), 30 metros ao largo dos pequenos rios, respeitar as florestas dos topos de morro e encostas. Os outros não precisarão ter florestas em topos de morro e encostas, terão só 15 metros ao redor de nascentes e, dependendo do tamanho do imóvel, poderão nem ter mata ciliar ao largo dos pequenos rios (veja tabela). Para os primeiros não há qualquer compensação concreta que lhes premie por haver cumprido a lei. Para os demais não há qualquer incentivo concreto que lhes convença a ter uma árvore a mais do que o mínimo (bem mínimo) exigido em lei.

Uma das características mais marcantes da nova regra é sua complexidade e dificuldade para compreendê-la, o que, consequentemente, se transformará em dificuldade na hora de implementá-la. A lei anterior, com todos os problemas que generalizações podem trazer, pelo menos era pão-pão, queijo-queijo. Todo mundo tinha que ter mata ciliar do mesmo tamanho se estivesse na beira do mesmo rio. Todo mundo tinha que ter reserva legal, e por aí vai. Agora depende. Depende do que? Do tamanho do imóvel e, se houver desmatamento de áreas protegidas (Área de Preservação Permanente e reserva legal), de quando ele ocorreu.

Um pequeno proprietário que tinha todo seu imóvel desmatado antes de 2008 terá que recuperar muito pouco da vegetação original, mesmo aquela que há décadas era protegida por lei. Um médio proprietário na mesma situação terá que recuperar bem mais, mas mesmo assim bem menos do que na legislação anterior. Se o desmatamento ocorreu após 2008, no entanto, a situação será completamente diferente para ambos. Se parte do desmatamento foi antes e parte depois de 2008, a situação será outra ainda. Difícil imaginar como o proprietário rural, que acreditou que a lei feita por seus representantes traria “clareza” e “segurança jurídica”, vai entender essa confusão.

Tudo isso vai gerar um enorme problema de monitoramento. Primeiro porque não temos imagens de satélite, com a resolução necessária e cobertura para o país inteiro, para saber o que estava ou não desmatado em 2008. Portanto, é bastante possível que desmatamentos feitos após essa data acabem entrando no “pacotão”. Segundo, porque as imagens de satélites hoje utilizadas para monitorar o desmatamento em todo o país não têm a resolução adequada para verificar a restauração de 5 ou 8 metros de mata ciliar, como determina a lei para muitos casos. Para que isso seja possível, será necessário adquirir imagens de alta resolução, muito mais caras do que as atualmente disponíveis.

Com todas essas questões, demorará muitos anos até que sejamos capazes novamente de fazer análises da situação do desmatamento ilegal em determinado município ou bacia hidrográfica, por exemplo. Até há pouco tempo era possível, com imagens de satélite, identificar que pontos de determinado rio devem ser obrigatoriamente restaurados, por terem menos mata ciliar do que a lei mandava. Agora isso só poderá ocorrer quando todos os proprietários lindeiros desse rio tiverem cadastrado seus imóveis e assinado seus termos de compromisso de regularização. Não haverá mais análises no atacado, mas apenas no varejo, pois cada caso será um caso.

Os grandes prejudicados com a nova legislação serão os que vivem nas regiões mais drasticamente desmatadas do país. Sim, porque apesar da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) viver martelando que o país tem mais de 50% de vegetação nativa preservada, ela se concentra sobretudo na Amazônia. Em determinadas bacias hidrográficas de São Paulo, a locomotiva do país, não há nem 5% de floresta em pé. Está faltando lenha, está faltando água. E justamente aí é onde haverá a menor restauração, pois a ocupação agropecuária é antiga e os imóveis, em sua grande maioria, são pequenos ou médios.

Mas mesmo na Amazônia o impacto será grande. Primeiro porque muitas das regras de proteção à floresta que ainda resiste ao avanço das pastagens foram flexibilizadas. Em mais de 90 municípios a reserva legal cairá de 80% para 50%. Todos os imensos igapós e várzeas (mais de 400 mil km2, ou um estado de São Paulo) deixaram de ser considerados Áreas de Preservação permanente e, assim, poderão ser derrubados. Todas as nascentes intermitentes, abundantes nas áreas de transição com o Cerrado, poderão ser desmatadas. Mas não é só isso. A anistia concedida ao desmatamento do Cerrado (49% da área total, concentrada no Sudeste e Centro-Oeste) e da Mata Atlântica (76% da área total) será seguramente um estímulo aos que gostariam de avançar um pouco além do que a nova lei permite. “Se eles puderam, por que eu não poderei?”

E assim abrimos um novo capítulo na história de nossa combalida política florestal. Com um novo marco legal que já nasce remendado, e traz como princípio a submissão da proteção de nossos biomas à “presença do País nos mercados nacional e internacional de alimentos e bioenergia” (art.1o – A, parágrafo único, inciso II), temos que seguir adiante e ver no que vai dar.

Parte dos estragos produzidos pela lei poderá ser amenizada em sua regulamentação. Por exemplo, será necessário evitar que grandes e médios proprietários cadastrem suas propriedades de forma fragmentada para ganhar o direito a uma “anistiazinha adicional”. Outra parte poderia ser resolvida com um conjunto coerente e robusto de incentivos econômicos que, por um lado, premiassem os que historicamente conservaram suas florestas e, por outro, estimulassem os proprietários a restaurar para além do mínimo estabelecido na nova lei. Não há, no entanto, nenhum sinal do Governo Federal de que esteja pensando seriamente em algo assim.

Resta saber qual o papel que será exercido pelos setores representativos do agronegócio. Se vão apostar em aprofundar as flexibilizações na regulamentação e empurrar a implementação da lei com a barriga, pra ver se liquidam a fatura daqui a alguns anos, ou se finalmente, agora que têm uma lei por eles elaborada, vão querer implementá-la. Essa é a incógnita que se desvendará a partir de agora.

(*)Raul do Valle é advogado, coordenador de Política e Direito Socioambiental do ISA

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Brasil, maior exportador de riquezas naturais

O Brasil não se reconhece como um país minerador, apesar de exportar um volume de minérios maior que a Bolívia e o Peru. 
 
Publicado em 09/10/2012 13:12 
por Edélcio Vigna, assessor do Inesc
 
 


A maioria da população brasileira não tem a menor noção da quantidade de minérios ou de grãos que são exportados a preços irrisórios. Não estamos exportando apenas produtos, mas recursos naturais e, principalmente, água. Ao associar a República da Banana com a República do Minério o Brasil aprofunda a “vocação” como o maior país exportador de produtos primários. Melhor, como o país mais explorado em suas e riquezas naturais.

O Brasil não se reconhece como um país minerador, apesar de exportar um volume de minérios maior que a Bolívia e o Peru. O Plano Nacional de Mineração identifica que o “segmento da mineração é o mais dinâmico nessa nova etapa, com crescimento médio anual de 10%, devido à intensidade das exportações”. A sociedade só reserva da mineração uma lembrança histórica dos séculos XVII e XVIII.

O senso comum comprou a ideia que o Brasil é o “celeiro do mundo”. Que a vocação nacional é a agricultura. A monocultura do café, da República Velha, imprimiu uma visão de mundo dos coronéis que ainda está em vigor na vida social e política da Nação. Os modernos ciclos agrários, com o retorno da cultura do açúcar/etanol e o da soja, a velha ideologia se travestiu e se apresenta no discurso dos ruralistas com o nome de agronegócio ou agribusiness.

A pauta de exportação brasileira, mesmo diversificada, ainda se concentra em grãos e minérios. O ferro, por exemplo, representa cerca de 90% dos bens minerais exportados. Assim, a “vocação” de país exportador de bens primários vai sendo degradando as terras férteis e impactando sobre todas as dimensões da vida das comunidades locais e regionais.

Lúcio Flávio Pinto afirma que a Serra de Carajás poderá ser consumida em 80 anos. O trem de Carajás faz 24 viagens de ida e volta entre a mina de Carajás e o porto da Ponta da Madeira, no litoral do Maranhão, com 300 vagões, que transporta por dia “576 mil toneladas do melhor minério de ferro do mundo, com pureza de mais de 65% de hematita, sem igual na crosta terrestre” (http://www.justicanostrilhos.org/nota/1084).

Favorecidas pela invisibilidade as grandes empresas multinacionais e multilatinas, como a Vale, prosseguem exportando montanhas de minérios, em especial para a China, e afetando a vida das comunidades. Para facilitar esse saque legalizado a e a Advocacia Geral da União (AGU) publica uma portaria (303), que retira os direitos dos povos indígenas em dispor livremente do uso e dos benefícios de suas terras e o Congresso Nacional aprova um Código Florestal que estimula o desmatamento.

Essas medidas são uma série de procedimentos jurídicos e legislativos que compõem um mosaico de leis que flexibilizam a exploração predatória do solo e do subsolo nacional. Não importa que no inciso XI, do art. 20, da Constituição Federal, esteja escrito que nas terras ocupadas pelos índios são asseguradas a “participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território (...)”. Ou que o § 2º, do art. 231, garanta que as “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”. Como disse Getúlio Vargas, “Lei! Ora a Lei!”.

Os povos indígenas estão sobre o solo e o pragmatismo capitalista exige que a área seja desobstruída. É, por isso, que o povo Guajajara interditou o quilômetro 289 da Estrada de Ferro Carajás a 340 quilômetros de São Luís/MA. Esse povo, que é parte original da identidade brasileira, não está somente protestando contra a Portaria 303, da AGU, mas porque também sofrem os impactos negativos da Estrada de Ferro Carajás e da exportação de minérios.

Apesar dessas resistências sociais e políticas grande parte da população continua repetindo que o Brasil é um país agrícola. Com vocação agrícola. Que somos o celeiro do mundo.
Enquanto se olham para as monoculturas de grãos não veem as montanhas de minérios desaparecendo sobre os trilhos de Carajás.

domingo, 7 de outubro de 2012

SBPC e ABC mais uma vez alertam a Presidente Dilma sobre o Código Florestal

Senhora Presidenta,

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) vêm mais uma vez manifestar sua preocupação com o Código Florestal, desta vez por meio de alterações na MP 571/2012 aprovadas pelo Congresso Nacional, que representam mais retrocessos, e graves riscos para o País.

O Brasil deveria partir de premissas básicas que ele próprio aprovou em fóruns internacionais, como na Rio+20, Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. O documento aprovado na Rio+20, denominado “O Futuro que Queremos”, ressalta o compromisso com um futuro sustentável para o planeta de modo que haja a integração equilibrada das dimensões social, econômica e ambiental.

O documento reconhece a importância da colaboração da comunidade científica e tecnológica para o desenvolvimento sustentável e o fortalecimento da conexão entre a ciência e as políticas, mediante avaliações científicas confiáveis que facilitem a adoção de decisões informadas. Reafirma a necessidade de promover, fortalecer e apoiar uma agricultura mais sustentável, que melhore a segurança alimentar, erradique a fome e seja economicamente viável, ao mesmo tempo que conserva as terras, a água, os recursos genéticos vegetais e animais, a diversidade biológica e os ecossistemas e aumente a resiliência à mudança climática e aos desastres naturais.

Também reconhece a necessidade de manter os processos ecológicos naturais que sustentam os sistemas de produção de alimentos. Além disto, ressalta os benefícios sociais, econômicos e ambientais que as florestas, seus produtos e serviços, podem proporcionar para as pessoas e para as economias. Para que isto ocorra, os países concordaram em envidar esforços para o manejo sustentável das florestas, a recomposição, a restauração e o florestamento, para aumentar as reservas florestais de carbono.

Com a aprovação da MP 571/2012 pelo Senado o Brasil deixará de cumprir os compromissos que assumiu com seus cidadãos e com o mundo, aprovando medidas que não privilegiam a agricultura sustentável e que não reconhecem a colaboração da ciência e da tecnologia nas tomadas de decisão.

A ABC e a SBPC são contra as seguintes alterações na MP 571/2012:

Definição de Pousio sem delimitação de área - Foi alterada a definição de pousio
incluída pela MP, retirando o limite de 25% da área produtiva da propriedade ou
posse (Art. 3o inciso XXIV). Para a ABC e SBPC as áreas de pousio deveriam ser
reconhecidas apenas à pequena propriedade ou posse rural familiar ou de população
tradicional, como foram até o presente, sem generalizações. Além disto, deveriam
manter na definição o percentual da área produtiva que pode ser considerada como
prática de interrupção temporária das atividades agrícolas.

Redução da obrigação de recomposição da vegetação às margens dos rios - O
texto aprovado pelo Senado Federal beneficiou as médias e grandes propriedades
rurais, alterando o Art. 61-A da MP 571/2012. Nele, a área mínima obrigatória de
recuperação de vegetação às margens dos rios desmatadas ilegalmente até julho de
2008 foi reduzida. As APPs não podem ser descaracterizadas sob pena de perder sua
natureza e sua função. A substituição do leito maior do rio pelo leito regular para a
definição das APPs torna vulneráveis amplas áreas úmidas em todo o país,
particularmente na Amazônia e no Pantanal, onde são importantes para a
conservação da biodiversidade, da manutenção da qualidade e quantidade de água, e
de prover serviços ambientais, pois elas protegem vidas humanas, o patrimônio
público e privado de desastres ambientais.

Redução das exigências legais para a recuperação de nascentes dos rios. A
medida provisória também consolidou a redução da extensão das áreas a serem
reflorestadas ao redor das nascentes. Apesar de que a MP considera como Área de
Preservação Permanente (APP) um raio de 50 metros ao redor de nascente, a MP
introduziu a expressão "perenes" (Art. 4o, inciso IV), com o intuito de excluir dessas
exigências as nascentes intermitentes que, frequentemente, ocorrem em regiões com
menor disponibilidade anual de água. Para fins de recuperação, nos casos de áreas
rurais consolidadas em Áreas de Preservação Permanente no entorno de nascentes e
olhos d’água perene, é admitida a manutenção de atividades agrossilvipastoris, de
ecoturismo ou de turismo rural, sendo obrigatória a recomposição do raio mínimo de
15 (quinze) metros (Art. 61-A § 5º).

Reflorestamento de nascentes e matas ciliares com espécies arbóreas frutíferas
exóticas.
É inaceitável permitir a recuperação de nascentes e matas ciliares
com árvores frutíferas exóticas, ainda mais sem ser consorciada com
vegetação nativa, em forma de monocultivos em grandes propriedades. Os
cultivos de frutíferas exóticas exigem em geral uso intensivo de agrotóxicos, o que
implicará contaminação direta dos cursos de água (Art. 61-A, inciso V).

Áreas de Preservação Permanente no Cômputo das Reservas Legais - As Áreas
de Preservação Permanente não podem ser incluídas no cômputo das Reservas
Legais do imóvel. As comunidades biológicas, as estruturas e as funções
ecossistêmicas das APPs e das reservas legais (RLs) são distintas. O texto ainda
considera que no referido cômputo se poderá considerar todas as modalidades de
cumprimento da Reserva Legal, ou seja, regeneração, recomposição e compensação
(Art. 15 § 3o ). A ABC e a SBPC sempre defenderam que a eventual compensação
de déficit de RL fosse feita nas áreas mais próximas possíveis da propriedade,
dentro do mesmo ecossistema, de preferência na mesma microbacia ou bacia
hidrográfica. No entanto, as alterações na MP 571/2012 mantêm mais ampla a
possibilidade de compensação de RL no âmbito do mesmo bioma, o que não
assegura a equivalência ecológica de composição, de estrutura e de função. Mantido
esse dispositivo, sua regulamentação deveria exigir tal equivalência e estipular uma
distância máxima da área a ser compensada, para que se mantenham os serviços
ecossistêmicos regionais. A principal motivação que justifica a RL é o uso
sustentável dos recursos naturais nas áreas de menor aptidão agrícola, o que
possibilita conservação da biodiversidade nativa com aproveitamento econômico,
além da diversificação da produção.

Redução da área de recomposição no Cerrado Amazônico - O Art. 61-B,
introduziu a mudança que permite que proprietários possuidores dos imóveis rurais,
que em 22 de julho de 2008, detinham até 10 (dez) módulos fiscais e desenvolviam
atividades agrossilvipastoris nas áreas consolidadas em Áreas de Preservação
Permanente, recomponham até o limite de 25% da área total do imóvel, para
imóveis rurais com área superior a 4 (quatro) e até 10 (dez) módulos fiscais,
excetuados aqueles localizados em áreas de floresta na Amazônia Legal. Este
dispositivo permitirá a redução da área de recomposição no Cerrado Amazônico.
Toda a Amazônia Legal seguia regras mais rígidas. Com a mudança, apenas áreas
de florestas da Amazônia Legal ficam excluídas do limite de 25%

Delegação aos Estados para definir, caso a caso, quanto os grandes
proprietários devem recuperar de Áreas de Preservação Permanente (APPs)
ilegalmente desmatadas
. A delimitação de áreas de recuperação, mantidos os
parâmetros mínimos e máximos definidos pela União, foi remetida para o Programa
de Regularização Ambiental (PRA) a delimitação de áreas de recuperação.
Atualmente esta competência é compartilhada entre municípios, Estados e governo
federal. Determinar que cada estado defina o quanto os grandes
proprietários terão de recuperar das áreas de preservação irregularmente
desmatadas, pode incentivar uma “guerra ambiental”.

Diminuição da proteção das veredas - O texto até agora aprovado
diminuiu a proteção às veredas. A proposta determina ainda que as veredas só
estarão protegidas numa faixa marginal, em projeção horizontal, de 50 metros a
partir do “espaço permanentemente brejoso e encharcado” (Art. 4o, inciso XI), o que
diminui muito sua área de proteção. Antes, a área alagada durante a época das
chuvas era resguardada. Além desse limite, o desmatamento será permitido. As
veredas são fundamentais para o fornecimento de água, pois são responsáveis pela
infiltração de água que alimenta as nascentes da Caatinga e do Cerrado,
justamente as que secam durante alguns meses do ano em função do
estresse hídrico.

Regularização das atividades e empreendimentos nos manguezais - O artigo 11-
A, incluído pela MP, permite que haja nos manguezais atividades de carcincultura e
salinas, bem como a regularização das atividades e empreendimentos de
carcinicultura e salinas cuja ocupação e implantação tenham ocorrido antes de 22 de
julho de 2008 (§§ 1o 6º). Os manguezais estão indiretamente protegidos pelo Código
Florestal desde 1965, e diretamente desde 1993, na Mata Atlântica, e 2002, na
Amazônia. Esse artigo, além de promover a regularização de áreas desmatadas
irregularmente, permite que novas áreas sejam abertas para instalação de criações de
camarões.

Senhora Presidenta, se queremos um futuro sustentável para o País, se queremos promover o desenvolvimento do Brasil, se queremos que a agricultura brasileira perdure ao longo do tempo com grande produtividade, que minimizemos os efeitos das mudanças climáticas, que mantenhamos nosso estoque de água, essencial para a vida e para a agricultura, que protejamos a rica biodiversidade brasileira, temos que proteger nossas florestas. Portanto solicitamos cordial e respeitosamente que Vossa Excelência atue para garantir que os itens acima apontados sejam considerados na MP 571/ 2012, aprovada pelo, Senado Federal,

Atenciosamente,

HELENA B. NADER                    JACOB PALIS
Presidente SBPC                            Presidente ABC

Políticos são os maiores latifundiários do Brasil, diz livro

15/08/2012 - 14h30
da Livraria da Folha

Para escrever "Partido da Terra: Como os Políticos Conquistam o Território Brasileiro", o jornalista Alceu Luís Castilho dedicou três anos à pesquisa de aproximadamente 13 mil declarações de bens de políticos eleitos entregues ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral). A investigação concluiu que os donos do poder são também os grandes proprietários de terra.

O número comprovado desses bens --que pode ser maior que o declarado-- coloca 2 milhões de hectares nas mãos de políticos em mandatos municipais, estaduais e federais. A informação passada ao TSE designa-se apenas ao valor do terreno, não à sua área total. Por isso, segundo o autor, o montante pode ultrapassar 4 milhões de hectares, território pertencente a um grupo de 13 mil pessoas. Mesmo entre esses latifundiários --alguns dignos de uma capitania hereditária--, existe uma distribuição desigual: 31 políticos possuem 20 mil hectares. Alguns são acusados de usar trabalho escravo e/ou de serem responsáveis por desmatamento. Essa elite é afiliada a diferentes partidos políticos e de todo o país. Porém, PMDB, PSDB e PR são os que lideram o ranking. "Alguém se surpreenderá que os filhos da Arena possuem menos terras que os filhos do MDB?", questiona Castilho sobre o crescimento da "esquerda latifundiária".

Entre os políticos eleitos no último pleito, os senadores são os maiores proprietários rurais do país. "A média de hectares por senador impressiona; são quase mil hectares (973) para cada um. Precisaríamos de vários planetas para que cada brasileiro possuísse a mesma quantidade de terras", explica. No quesito desigualdade em concentração de terra na América do Sul, o Brasil só perde para o Paraguai.
Formado pela USP (Universidade de São Paulo), Alceu Luís Castilho já recebeu os prêmios Fiat Allis de jornalismo econômico, Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, Direitos Humanos e Jornalismo e o Prêmio Andifes.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

O repúdio ruralista à Ciência

03 de Outubro de 2012
*Maria Dalce Ricas

Construir o novo Código Florestal, com base em conhecimentos técnicos, foi e continua sendo um princípio defendido por diversas instituições. Entre elas, obviamente, está a Sociedade Brasileira para  o Progresso da Ciência (SBPC), que reúne 98 outras sociedades científicas associadas e mais de 6 mil sócios ativos, entre pesquisadores, docentes, estudantes, amigos e simpatizantes. Os ruralistas argumentam o fato de o novo texto legal ser único para o país, apesar da diversificação de ambientes naturais; e assim, querem que os Estados tenham o poder de refazer suas próprias normas. Um exemplo é o tratamento de Áreas de Preservação Permanente (APPs) de margens de cursos d´água existentes, que correm tanto em serras como nas planícies. O argumento, por si, é válido. Mas, na verdade, é uma armadilha descarada. Eles sabem que ainda menos que na discussão de âmbito nacional, na maior parte dos Estados, esses fatores científicos nem existirão.

A Ciência, certamente, não é dona integral da verdade.  Mas, foi graças aos estudos de muitos cientistas, que diversos problemas antes enfrentados pela humanidade hoje foram superados. A produção agrícola é exemplo disso.  Sem a revolução industrial (mineração, energia, maquinário), sem melhoramento genético de espécies, por exemplo, não se produziria alimentos como hoje. As variedades de milhos e grão empregados em mais de três mil produtos resultam de pesquisas da ciência organizada ou "prática". E eles só existem porque as espécies originais habitavam naturalmente as florestas da América Latina.

O repúdio à Ciência também não é privilégio único da bancada ruralista brasileira. A Santa Inquisição, criada pela Igreja Católica, desmoralizou Galileu publicamente. O Tribunal do Santo Ofício o condenou à prisão domiciliar, devido aos seus estudos que questionavam a teoria do geocentrismo, que colocava a Terra como centro do universo. A Ciência triunfou e sabemos que o universo é muito além do nosso planeta.

O mesmo ainda não aconteceu com a teoria antropocentrista, que coloca a espécie humana acima e fora da natureza, semelhante ao Deus defendido por diversas religiões. Giordano Bruno, em 1600, com 52 anos, foi torturado e queimado em praça pública pela Inquisição, por afirmar que deveria haver vida em outros lugares do Universo. O divulgado objetivo do Santo Ofício era combater a heresia, mas o verdadeiro, o pragmático, era manter o controle da Igreja e do Estado sobre a população. A queda de mitos que facilitavam esse controle pela ciência constituía-se em perigosa ameça. Por isso, ele foi assassinado.

Analogia semelhante pode ser aplicada à posição dos ruralistas e dos governos federal e estaduais. A Ciência os ameaça. Eles temem o conhecimento científico que comprova os malefícios das monoculturas, os serviços ambientais prestados pela fauna e flora preservados, a importância da biodiversidade no controle de pragas,  a relação entre tragédias econômicas e sociais, a ocupação de APPs e, para finalizar, a dependência do regime de chuvas em diversas regiões do Brasil, mais precisamente na Floresta Amazônica. Se todas essas contribuições da Ciência fossem respeitadas, o processo de discussão do Código seria bem diferente do que foi. E a nova legislação, sob a benção do conhecimento, certamente atingiria seu verdadeiro objetivo: garantir as atividades agropecuárias e, ao mesmo tempo, proteger o meio ambiente.

O Santo Ofício não gostava de cientistas. Os ruralistas também não! Ao Santo Ofício não interessava o conhecimento, pois a ignorância e o medo eram seus aliados. Aos ruralistas também não. É por isso que eles não gostam da SBPC nem da Ciência.


* Maria Dalce Ricas é su­pe­rin­ten­den­te-exe­cu­ti­va da Associação Mineira de Defesa do Meio Ambiente (Amda).

Código Florestal: uma novela sem fim

ANDRÉ LIMA
Correio Braziliense - 03/10/2012
 
A novela do Código Florestal está muito longe de chegar ao capítulo final. Por pelo menos três motivos. O primeiro é que Dilma pode — e em nossa opinião deve — vetar alguns dispositivos do texto aprovado pelo parlamento. Senão por razões jurídicas ou constitucionais, com certeza, por ferir o interesse público (ambiental) nacional. Merecem veto, dentre outros dispositivos, os parágrafos 4º, 5º e 13º do artigo 61-A, pois ampliam injustificadamente a anistia, ao reduzir em quantidade e qualidade a recomposição e, consequentemente, a proteção de mata ciliar e nascentes, em benefício sobretudo de grandes proprietários com áreas que podem chegar a mil hectares na Mata Atlântica e no cerrado e até 1,5 mil hectares na Amazônia.

A presidente tem mais uma oportunidade de fazer valer sua palavra. Será ela complacente com mais anistia aos desmatadores ilegais, contrariando seu compromisso de campanha? Permitirá que grandes proprietários de terras infratores da legislação ambiental se livrem da responsabilidade de recompor integral e adequadamente as matas ciliares e nascentes? É o que veremos.

O segundo motivo é que o novo texto é desprovido de razoabilidade, proporcionalidade e equidade na diferenciação de tratamento entre os proprietários rurais que cumprem e os que descumpriram a lei. Cabem questionamentos consistentes de ordem constitucional tanto em ações judiciais difusas por todo o território nacional (o controle difuso de constitucionalidade), quanto por meio de ação (ou ações) direta(s) de inconstitucionalidade, o controle concentrado de constitucionalidade.

Não é possível aprofundar esse assunto no espaço deste artigo, mas o que acontecerá com a segurança jurídica tão propalada pela bancada ruralista no Congresso se o artigo 61-A, por exemplo, que reduz as áreas a serem obrigatoriamente recompostas for julgado inconstitucional, total ou parcialmente, por ferir os princípios constitucionais da razoabilidade, proporcionalidade, isonomia, função social da propriedade rural e do desenvolvimento sustentável?

O terceiro (e talvez mais importante) motivo é que agora começa de fato o grande desafio de mudar a realidade. Vamos à prática, pois mesmo com todas as deficiências que a lei possui, agora é lei, certo? Então é para valer? Entramos na fase de regulamentação e efetivação da nova lei, oportunidade em que tanto o governo federal quanto os estaduais devem esclarecer lacunas, eliminar ambiguidades e dizer como será sua implementação. Na regulamentação federal há espaço para reparar perdas importantes para a conservação ambiental e a produção rural sustentável.

Os desafios que o país tem pela frente para viabilizar sua efetividade são de grande envergadura. Carecemos de uma política nacional de florestas robusta que ofereça, em prazo razoável e compatível com o proposto pela lei, e considerando as diferenças ecossistêmicas, as condições materiais, tecnológicas, humanas e financeiras objetivas para que as áreas de preservação permanente e reservas legais sejam de fato recompostas em escala.

Dever haver transparência total e controle social suficientes sobre a implementação dos Programas de Regularização Ambiental e respectivos sistemas de licenciamento, monitoramento e cadastramento ambiental rural nos estados.

Os órgãos ambientais (federal e estaduais) devem aplicar, de forma efetiva e com tolerância zero, as sanções previstas na Lei de Crimes Ambientais e no novo Código Florestal aos infratores que desmataram ilegalmente após a data de "anistia" ou consolidação rural (julho de 2008).

O governo federal deve implementar, em no máximo um ano, um grande programa de incentivos econômicos (crédito e incentivos fiscais) para beneficiar os agricultores familiares e pequenos proprietários rurais que vêm cumprindo a lei ou que aderirem voluntariamente aos novos programas de regularização ambiental. Deve dedicar o mesmo empenho dado à aprovação do novo código "agroambiental" — é difícil chamá-lo agora de "florestal" — para aprovar o Projeto de Lei de Pagamento por Serviços Ambientais (Projeto de Lei nº 792/07) e avançar na concretização da Estratégia Nacional de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal.

Enfim, a novela do código deve se converter agora em longo seriado que demandará muito diálogo, bom-senso e trabalho pelos próximos cinco anos. Não perca!

André Lima: Advogado, mestre em gestão e política ambiental pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB, assessor de políticas públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, consultor jurídico da Fundação S.O.S. Mata Atlântica e sócio-fundador do Instituto Democracia e Sustentabilidade

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

É possível uma produtiva convivência entre agronegócio e meio ambiente


Ponto de Vista
Entrevista com Antonio Donato Nobre


O Brasil está vivendo um momento decisivo na Política Florestal e Ambiental e de mudança de paradigmas nas ciências, o qual tem se refletido no atual sistema agrícola. Um movimento – que se iniciou na década de 1970, com a emergência do ambientalismo, e ganhou força com a crise do petróleo – fez dos recursos naturais, da energia e do ambiente em geral um tema de importância econômica, social e política.

A questão ambiental passou a compor a agenda de políticas públicas e progride hoje para mudanças no novo Código Florestal, e para o florescimento de uma nova ciência, a Economia Ecológica. Esses avanços buscam harmonizar o modelo de desenvolvimento econômico vigente, considerado incompatível com o desenvolvimento sustentável, o qual, por sua vez, considera os aspectos sociais e ambientais no processo produtivo, gerando conflitos, pela percepção de restrição ao crescimento econômico. Essa crítica ambientalista progrediu no campo da ciência econômica por ser o funcionamento do sistema econômico o objeto central da crítica. A editoria da RPA, movida pelo ardoroso e atualíssimo debate sobre questões climáticas, tema cercado por probabilidades e incertezas, e considerando também que essa é uma área vital para a produção agrícola, foi procurar respostas com o Dr. Antonio Donato Nobre.

O Dr. Nobre vem atuando em vários tópicos na agenda de desenvolvimento sustentável para a Amazônia. Estudioso do polêmico tema do Código Florestal, responde pela relatoria de um livro sobre o assunto, que investigou as questões em profundidade, por meio da revisão de centenas de publicações científicas, análise que foi patrocinada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela Academia Brasileira de Ciências. Seus argumentos baseiam-se numa nova vertente, que aplica preferencialmente uma lógica baseada nas leis da natureza, na física, na química e na biologia. A RPA optou por iniciar a conversa com o Dr. Antonio Nobre tratando dos rios voadores.


RPA – O que são rios voadores?

São massivos fluxos atmosféricos de vapor, definidos sobre uma região ou vindos do oceano para o continente.

RPA – Como a floresta produz água?

A floresta não produz água; ela intermedia poderosamente a transferência da água, da atmosfera para o solo (controlando a nucleação de nuvens e suas chuvas) e do solo para a atmosfera (sugando a água pelas raízes das árvores e emitindo-a eficientemente para a atmosfera, por meio das folhas no dossel). Essa intensa mediação resulta em absorção de uma grande quantidade de energia solar (utilizada na evaporação), que é transformada em energia dos ventos (durante o processo de condensação nas nuvens), o que ultimamente bombeia ventos úmidos do oceano para o continente.

RPA – O que distingue o bombeamento d’água por meio da ação da floresta equatorial do bombeamento d’água em outras latitudes?

A disponibilidade de energia solar é muito maior na região equatorial (onde a incidência dos raios solares é vertical) do que em altas latitudes. Ademais, a energia solar no equador induz uma maior evaporação. As florestas aumentam ainda mais a evaporação, o que gera um ciclo virtuoso – ou seja, mais evaporação gera mais movimento ascendente e mais condensação, o que, por sua vez, gera mais chuvas, favorecendo a própria floresta. E, o mais importante, suga ventos úmidos do oceano para o continente. Esse efeito ocorre em todo lugar onde existam florestas, porém é mais intenso nas zonas equatoriais.

RPA – As árvores na Amazônia – aproximadamente 600 bilhões, com diâmetro de tronco maior que 10 cm – usam a luz do sol para transferir, por meio da transpiração, 20 bilhões de toneladas de água diária para a atmosfera. São essas condições especiais que explicam o elevado nível pluviométrico na região?

Sim, em termos de disponibilidade de matéria-prima (água) para a formação de nuvens e chuva. Mas produz outro efeito especial e único, que é a nucleação das nuvens pelos compostos orgânicos voláteis (VOCs) emitidos pelas árvores da biodiversidade amazônica. Esses VOCs são os “cheiros da floresta”, os isoprenos, os terpenos e uma grande variedade de outros compostos orgânicos transpirados que, na atmosfera, são indispensáveis para iniciar a condensação do vapor d’água em gotas. Sem esses compostos, pode haver vapor d’água, mas não haverá chuva. E esses VOCs não podem ser substituídos funcionalmente por plantações em monocultura.

RPA – Esse enorme volume de água é superior ao do deságue do rio Amazonas no Atlântico?

O rio Amazonas, em seu canal esquerdo, que é o principal, deságua em média 200 mil metros cúbicos por segundo no Atlântico. Em um dia (86.400 segundos), 17 bilhões de toneladas de água passam por ali. Portanto, a transferência de água da superfície para a atmosfera, mediada pelas árvores da floresta, é, sim, maior do que a água transferida do continente para o oceano, pelo maior rio da Terra.

RPA – Considerando esses novos conhecimentos e muitos que ainda virão sobre os benefícios da floresta, na sua percepção, o que deveria ser feito, do ponto de vista de política agrícola, para promover uma maior sinergia entre a agricultura e o meio ambiente?

A primeira ação é de esclarecimento e convencimento. Programas como o “Cultivando Água Boa” – promovido e coordenado pela Itaipu Binacional, em cooperação com produtores rurais na bacia do rio Paraná – ou o “Y Ikatu Xingu, Salve a Água Boa” – promovido e coordenado pelo Instituto Socioambiental, em cooperação com vários agricultores das cabeceiras do rio Xingu – são dois exemplos de sucesso, entre muitos no Brasil. São programas que envolvem um pouco de capital, um compromisso claro com a harmonização e a busca perseverante da sinergia. E rendem excelentes frutos.

No primeiro caso – Cultivando Água Boa –, uma grande empresa de energia, usando seu poder econômico e sua influência, estabeleceu umarede colaborativa composta por proprietários rurais, que pôs em prática inteligentes e inovadores programas ambientais. Um exemplo é o sistema de reciclagem de dejetos de suínos em granjas no oeste do Paraná. O programa desenvolveu biodigestores que processam o material, gerando adubo curado – que é vendido como fertilizante de campos agrícolas – e gás metano. O gás metano é recolhido das granjas por um gasoduto e levado a uma central termoelétrica movida a biogás. A eletricidade gerada supre todas as necessidades dos produtores, e o excedente é vendido para a Itaipu, que o injeta na rede elétrica. Como o CO2 (resultante da queima do biogás) produz um vigésimo do efeito estufa do metano, esse sistema de produção de energia ainda se qualifica para receber créditos de carbono.

Quanto ao programa Y Ikatu Xingu, em vigência nas desmatadas cabeceiras do rio Xingu, ao qual aderiram grandes e médios produtores de grãos, famílias rurais e povos da floresta (indígenas), começa na coleta e no preparo de sementes de árvores nativas da Amazônia. Em seguida, as sementes são vendidas aos proprietários rurais, que as utilizam para recompor áreas de preservação permanente (APP) e a reserva legal, em suas propriedades. Recorrendo à tecnologia desenvolvida pelo projeto (sistema de muvuca), os agricultores utilizam adubadeiras mecanizadas para plantar as sementes das árvores nativas, reduzindo, assim, custos e aumentando geometricamente o rendimento. Como consequência, auxiliam a natureza a recompor as matas ciliares e outras áreas, recebendo como benefício não somente a certificação ambiental de suas propriedades, como também os benefícios ecológicos daquelas matas, para a produção agrícola e a de serviços ambientais. Muitos desses projetos de recuperação ambiental estão sendo inteiramente financiados pelos créditos de carbono, do qual é um exemplo a empresa Natura, que pagou o replantio em áreas do projeto.

A harmonização e a sinergia entre agricultura e ambiente não é somente boa localmente. Os benefícios são amplos, repercutindo até mesmo como imagem de mercado, o que gera segurança econômica e sustentabilidade. Se uma grande empresa de energia e uma ONG socioambiental podem fazer política agrícola com solidez econômica e com esse viés ambiental, por que, então, não copiar esses exemplos e expandi-los para todos os biomas? Já está demonstrado ser possível e altamente lucrativo. Falta apenas boa vontade política.

RPA – A área de conhecimento sobre paisagens inteligentes deve trazer novas soluções. O senhor tem feito uma campanha para o desenvolvimento de paisagens inteligentes no Brasil. Fale-nos um pouco da sua importância econômica.

O desenvolvimento de paisagens inteligentes tem a ver, inicialmente, com a geografia física. É o conhecimento avançado sobre terrenos, aplicado na compreensão e no uso da paisagem. A campanha que lancei das paisagens inteligentes conta com uma nova abordagem tecnológica para harmonizar produção com conservação, por meio da otimização de usos. A inteligência espacial nos usos da paisagem garante aumento da rentabilidade (e da sustentabilidade) nos sistemas de produção rural, criando uma virtuosa nova economia, baseada também na produção de serviços ambientais.

RPA – Quais são as tecnologias mais avançadas e revolucionárias utilizadas na localização e na caracterização de terrenos?

Empregamos os dados de imageamento da paisagem em 3D, gerados por equipamentos de radar ou laser, que podem ser orbitais ou aerotransportados. As imagens digitais dos terrenos permitem a representação da paisagem no computador, como maquetes virtuais. Sobre elas aplicam-se, então, sofisticados algoritmos matemáticos, que permitem diagnosticar as características topográficas, hidrológicas, e muitas outras. Essas características dos terrenos, combinadas com as características dos ecossistemas, são indicadores dos tipos de solo, da posição do lençol freático, do potencial de erosividade, entre muitos outros critérios de diagnóstico.

RPA – Como os produtores serão beneficiados no futuro com a utilização dessas tecnologias?

A agricultura de precisão, última palavra na aplicação de geotecnologias na otimização do uso de insumos no campo, tem demonstrado como a racionalização espacial dos cultivos, que respeita os potenciais e as fragilidades dos solos, pode ao mesmo tempo reduzir custos e impactos ambientais, aumentando, consequentemente, o rendimento e a lucratividade das culturas.

As paisagens inteligentes seguem lógica similar, mas, por empregar geotecnologias revolucionárias, permitem mapeamentos remotos de terrenos, em larga escala e com fina resolução espacial. Para quem já emprega a agricultura de precisão, contribuirá na redução de custos de implantação para novas áreas. Para a imensa maioria dos agricultores, especialmente para os pequenos e os médios que não têm recursos para investir em detalhados levantamentos de terrenos, será uma fonte abundante e disponível de informações, que podem melhorar muito a alocação e a otimização de usos dentro da
propriedade.

RPA – Essas tecnologias induzirão novas práticas e manejos agrícolas?

Com certeza. Um exemplo está na alocação de APP e reserva legal. Hoje, as APPs obedecem a uma geometria burocrática, por causa da prescrição de um Código Florestal que foi elaborado em 1965, quando ainda não havia satélites nem computadores. Com as novas tecnologias desenvolvidas em nosso grupo no Inpe, podemos, por exemplo, localizar os terrenos brejosos, com solos hidromórficos, que são áreas vitais para o condicionamento e para a proteção dos cursos d’água e, ao mesmo tempo, são terrenos majoritariamente impróprios para a agricultura.

Nas audiências sobre o Código Florestal, fizemos uma proposição ao Congresso para que as APPs fossem definidas de acordo com os terrenos. Explicamos que, assim como os sapatos que calçamos se amoldam às curvas dos nossos pés, a paisagem também tem curvas, os terrenos são altamente variáveis, e a lei de hoje, de 2011, com todas as tecnologias que possuímos, deveria abrir esse caminho. Deveria contemplar uma alocação orgânica das áreas de proteção, inclusive para as reservas legais, ao invés de definir um retângulo com a porcentagem prescrita de área da propriedade. Nas paisagens inteligentes, essas seriam alocadas de forma orgânica e irregular, acompanhando os terrenos mais frágeis e com menor potencial de produção agrícola. Essa flexibilização de forma, combinada com os potenciais, com as fragilidades e com os riscos dos terrenos, ajudaria na introdução de uma nova era de sinergia espacial entre agricultura e conservação.

E os critérios básicos na alocação de usos serão, entre outros, as propriedades claras e indiscutíveis dos terrenos – quem não sabe o que é um brejo ou um grotão? Como essas tecnologias também indicam a profundidade do lençol freático, portanto quantificam o acesso ao insumo mais precioso da agricultura, será possível sistematizar a alocação de culturas, perenes ou anuais, para aproveitar a água do solo de acordo com a profundidade de enraizamento, e adequando-a em relação às constâncias e às inconstâncias do clima. Com o tempo, tais tecnologias tenderão a evoluir para permitir a determinação remota dos tipos de solo em cada área, o que certamente resultará em melhor aproveitamento e em aumento de rendimento.

RPA – Que aprendizado os produtores rurais brasileiros precisam adquirir prontamente para manter a competitividade e a harmonia entre produção e meio ambiente?

Sem perder de vista os grandes avanços conquistados pela ciência e pela tecnologia agrícola, os quais, aplicados com grande competência pelos agricultores e por empreendimentos agrícolas, têm levado o Brasil a ocupar o podium mundial na competição pelo mercado de um número crescente de produtos, é preciso voltar a integrar-se à natureza. Obviamente que a agricultura não existiria sem a natureza provendo uma imensa variedade de “serviços”, ambientais e ecossistêmicos, mas me parece que a mentalidade predominante no setor agrícola não registra tal fato como deveria fazê-lo. Talvez essa mentalidade seja resultado da constância e da invisibilidade dos serviços da natureza, aliadas com o efeito das muitas revoluções verdes desencadeadas pelas tecnologias empregadas no campo, as quais criaram a ilusão de que o ser humano moderno tudo pode, inclusive tornar-se completamente independente da natureza. Sem dúvida, pode-se produzir tomate numa estação orbital, no ambiente inóspito e agressivo que é o espaço, mas 1 kg de tomates orbitais custaria uma pequena fortuna.

Aliás, a inviabilidade de prescindir da natureza foi demonstrada no experimento Biosfera II, feito no Arizona, EUA, no qual se tentou recriar um microcosmo Terra, funcional e autônomo, em abóbadas lacradas, de vidro. O experimento fracassou passados apenas poucos dias do isolamento da biosfera terrestre.

Este é, a meu ver, o maior desafio de (re)aprendizado pelos agricultores hoje: como aprender a valorizar o imenso capital tecnológico, eficiente e gratuito, que opera silenciosamente na natureza, em favor de todos, inclusive e principalmente em prol da agricultura, sem precisar voltar ao arado de aiveca e à tração animal?

Essa mudança não somente é possível, como também é factível; os agricultores algum dia reconhecerão que a natureza é fabulosamente tecnológica. Então, o que muitos agora chamam depreciativamente de “mato” adquirirá renovado valor, e isso será graças à compreensão sobre a benfazeja floresta, capital inestimável, de cujo serviço fiel depende umbilicalmente a agricultura. Essa percepção renovada trará muitíssimos benefícios ambientais e econômicos, e principalmente nos trará a paz, já que a opinião pública constatará, finalmente, que os agricultores se tornaram os principais defensores da natureza.

O Dr. Antonio Donato Nobre graduou-se em Agronomia pela Esalq/USP, em 1982; tornouse, em 1989, mestre em Biologia Tropical (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), e, em 1994, titulou-se Ph. D. em Earth System Sciences (Biogeochemistry) pela University of New Hampshire. Autor de mais de 40 artigos na literatura científica internacional, é respeitado por sua atuação nas áreas de ciclo do carbono, ecofisiologia, hidrologia, modelagem de terrenos, clima e a regulação biótica do sistema planetário. Atualmente, é pesquisador sênior do Inpa e pesquisador visitante no Centro de Ciência do Sistema Terrestre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). 

Revista de Política Agrícola, EMBRAPA Ano XX – No 4 – Out./Nov./Dez. 2011

CARTA ABERTA ao Corajoso Ministro Joaquim Barbosa


para gabminjoaquim@stf.gov.br

Prezado Ministro Joaquim Barbosa,

Receba meus sentidos cumprimentos por sua coragem, retidão, compromisso com a Justiça e com a dignidade. Tudo que falam a seu respeito, de bom e de crítica, somente atesta e abrilhanta a bela e verdadeira obra que o Sr está construindo. Minha filhinha de 6 anos já percebeu que o Sr é do bem, e é incrivel a "torcida" que vejo surgir em nosso País para que o Sr. possa avançar nesta atuação benéfica.

Que bons fluidos o ajudem a enfrentar o cinismo e a mofa dos que se vêem contrastados com o Sr e ainda não conseguem seguir-lhe a liderança. Estão todos expostos, como jamais estiveram. Muito mais que aos meliantes arrolados nos autos, julgam a "sí mesmos".

Toda minha familia deseja-lhe toda a força do mundo neste momento, para que possa o Sr estar blindado e estimulado a continuar em progressão.

Calorosas Saudações

Antonio Donato Nobre
Sao Jose dos Campos, SP

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Que Beleza!


Pesquisador prestativo melhora produção científica dos colegas

27/09/2012 - 08h00
RICARDO BONALUME NETO
Folha DE SÃO PAULO

O cientista discreto, mas que ajuda os colegas com conselhos e dicas, pode estar fazendo mais pela ciência do que aquele pouco colaborativo mas que é uma estrela na profissão. Um comentário baseado em um estudo curto publicado na revista "Nature" nesta quinta, 27 de setembro, deixa claro o motivo.

O pesquisador Alexander Oettl, do Instituto de Tecnologia da Geórgia (EUA), estudou os "agradecimentos" a cientistas que não eram coautores em artigos científicos na área de imunologia desde 1950. E descobriu que, quando esses cientistas, todos líderes e "pesquisadores principais" (ou seja, chefes de sua equipe de pesquisa), morriam de repente, os artigos dos seus colegas mais jovens perdiam qualidade -- medida pelo "impacto", isto é, o número de citações que geravam em artigos de outros pesquisadores.

Já os cientistas cujos colegas seniores eram pouco colaborativos não chegavam a perder qualidade, ou "impacto", na sua produção científica.

"Tradicionalmente, a ciência tem sido uma busca individual, em que as pessoas têm sido avaliadas pela sua produção pessoal e realizações. Mas a descoberta depende cada vez mais do trabalho em equipe, e ainda assim os cientistas estão sendo julgados apenas pelo que eles mesmos realizam", escreveu Oettl em artigo na "Nature".

Graças às modernas ferramentas de computação, ele conseguiu garimpar dados de qualidade. Checou em detalhes os arquivos de uma revista científica da área de imunologia, o "Journal of Immunology", entre 1950 e 2007; ou seja, mais de 50 mil artigos. E, para saber quais pesquisadores teriam morrido no período, extraiu dados de mais de 400 mil notas na "newsletter" da Associação Americana de Imunologistas.

Ele achou 149 "pesquisadores principais" que morreram no meio da carreira. E 63 deles estavam entre os 20% que mais recebiam agradecimentos. Eram os que mais ajudavam seus colegas mais jovens.

"Meus resultados sugerem que os cientistas que são prestativos têm um impacto importante sobre as carreiras dos seus colegas - e têm sido subestimados por um empreendimento científico que premia o desempenho individual acima de tudo. É hora de olhar mais de perto quais qualidades que mais valorizamos nos cientistas. Os pesquisadores que geram inúmeros trabalhos de alto impacto podem ter pouco tempo para discutir os problemas, criticar manuscritos ou serem mentores de estudantes. Aqueles que produzem um fluxo de artigos medianos podem ter um impacto muito mais positivo sobre as carreiras das pessoas ao seu redor. Pesquisadores que procuram colaboradores podem, por vezes, optar por um colega prestativo que não é uma grande força em seu campo em vez de um cientista estrela de rock que raramente responde a e-mails", escreveu o pesquisador.