quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Transformando Favelas em paisagens de sonho...













Nota do Blog: Imagine esses revestimentos e cores aplicados às favelas do Rio de Janeiro?  Argamassa, tinta e muita criatividade poderiam transformar a paisagem degradada dos morros em sonho como este no Mediterraneo, fazendo a Cidade Maravilhosa ainda mais bela!

Seguradoras usam dados de satélite para analisar risco de tempestades

Por Alexandre Scussel | 18h15, 23 de Fevereiro de 2011
Um modelo de elevação digital (DEM) é uma representação do terreno da Terra desenvolvido a partir de técnicas de sensoriamento remoto e ou agrimensura. Na indústria de seguros, esses dados estão sendo usados freqüentemente para analisar tempestades.
Estes dados, obtidos pelo satélite WorldView-2,  permitem que seguradoras possam fazer o modelo do surgimento de uma tempestade e, em seguida, prever quais as propriedades ou as áreas mais suscetíveis à destruição de desastres naturais como furacões, tufões e inundações catastróficas.
Propriedades costeiras dos Estados Unidos sofrem ameaça constante de tais desastres, por isso seguradoras vêm promovendo análises de risco, antes de segurar essas propriedades. Ao usar dados de elevação, elas podem definir um preço mais adequado, bem como prever os prejuízos totais. Embora esta análise possa resultar em preços mais elevados para áreas de alto risco, também reduzir os preços das casas que estão fora dessas áreas.
Abaixo está um exemplo do DEM emitido sobre a ilha de New Providence, nas Bahamas. O azul é a elevação mais baixa, seguido pelo verde, amarelo e vermelho como os pontos mais altos.
DEM WorldView 2 Seguradoras usam dados de satélite para analisar risco de tempestades
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Código Florestal: cientistas contra flexibilização

Por Luana Lourenço, da Agência Brasil -

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) preparam uma reação aos argumentos ruralistas para a aprovação das mudanças no Código Florestal propostas pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP).
As entidades divulgaram na última semana um resumo executivo de um estudo que deve provar cientificamente que as flexibilizações previstas no relatório de Rebelo comprometem o futuro das florestas do país. O texto foi reproduzido pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
Entre outros pontos, os cientistas discordam da redução da área de preservação permanente (APP) na margem de rios, da possibilidade de regularizar plantios em topos de morros e da recomposição de áreas de reserva legal com espécies exóticas.
No estudo, que deve ser divulgado na íntegra nas próximas semanas, os cientistas argumentarão que a área utilizada pela agropecuária no país pode ter a produtividade maximizada sem necessidade de novos desmatamentos, com investimentos em pesquisa e tecnologias. E que é preciso compensar as perdas ambientais provocadas pelo histórico de produção insustentável.
“O contraponto do sucesso econômico da agricultura tropical se manifesta no aumento das pressões sobre o meio ambiente, com agravamento de processos erosivos, perda de biodiversidade, contaminação ambiental e desequilíbrios sociais. Fica evidente que há necessidade de medidas urgentes dos tomadores de decisão para se reverter o atual estágio de degradação ambiental provocada pela agropecuária brasileira”, diz o sumário executivo.
Com o documento, a SBPC e a ABC pretendem ampliar a discussão sobre as mudanças no Código Florestal e protelar a votação do texto de Rebelo. O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), havia anunciado a votação para a primeira quinzena de março. No entanto, decidiu criar um grupo com representantes das bancadas ruralista e ambientalista para discutir o tema, sinal de que a votação deve ser adiada.
Nos últimos dias, os ruralistas têm aumentado a pressão para tentar votar o relatório de Rebelo ainda em março. O texto foi aprovado em uma comissão especial em julho do ano passado e está pronto para ir a plenário.
A presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), senadora Kátia Abreu (DEM-TO), disse que há risco de inflação no preço dos alimentos se houver mudanças na lei florestal. Segundo a CNA, se não houver flexibilização no Código Florestal, os agricultores com irregularidades ambientais não terão acesso a crédito e a produção vai diminuir.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Sem chuva da Amazônia, SP vira deserto

Daniela Chiaretti, de São José dos Campos (SP) 12/01/2009

São Paulo tem vocação natural para deserto. Só não é terra seca porque existem os Andes e a Amazônia. "Os Andes não vão sair de lá, a não ser que aconteça um cataclisma. Mas destruir a Amazônia para avançar a fronteira agrícola é dar um tiro no pé do agronegócio." O agrônomo Antonio Nobre, 50 anos, 22 deles vividos na Amazônia e autor da frase acima, tem se dedicado a estudar e dar visibilidade aos trabalhos de colegas sobre o regime de chuvas no país, uma área difícil, de poucos dados, e fundamental no horizonte do aquecimento global. "A Amazônia é uma bomba hidrológica gigantesca que traz a umidade do Oceano Atlântico para dentro do continente e garante que a região responsável por 70% do PIB da América do Sul seja irrigada", continua.

Antonio Nobre vem de família rara. O pai era jogador de futebol, a mãe, pintora. Criaram seis filhos com DNA dominante de cientista. O irmão mais velho é Carlos Nobre, um dos maiores climatologistas do país. Paulo estuda como a destruição da Amazônia afeta os oceanos e é pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), onde também trabalham Carlos e Antonio. Outro irmão é professor da Fundação Getúlio Vargas, o caçula faz doutorado em ecoturismo no Colorado (EUA). A única mulher do time é psicóloga e astróloga - "faz pesquisa no sutil", diz Antonio, casado com uma pesquisadora do Inpe.

Com mestrado em biologia tropical pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (o Inpa, de Manaus), e doutorado em biogeoquímica pela Universidade de New Hampshire, há cinco anos Antonio é o homem do Inpa dentro do Inpe. Em sua sala em São José dos Campos (SP), rodeado por quadros da mãe, busca conectar a experiência amazônica com o que os satélites enxergam do espaço. Como todos os cientistas que se dedicam à mudança climática, o que vê não é promissor. "Temos cinco ou seis anos para impedir que uma catástrofe maior se estabeleça."

Entre os mais novos estudos que vem recolhendo sobre o regime das chuvas, há dados impressionantes. A Amazônia evapora, em um único dia, 20 bilhões de toneladas de água. "Este rio voador, que sai para a atmosfera na forma de vapor, é maior que o maior rio da Terra", diz Antonio, comparando o potencial de chuvas da Amazônia às 17 bilhões de toneladas de água que o Amazonas lança todos os dias no Atlântico. "Está se descobrindo que a floresta é dez vezes mais importante do que se imaginava", diz ele. "Estudos mostram que, nas regiões com floresta, a chuva continua igual por 500 km, 2 mil km; nas regiões do mundo onde ela foi tirada, dentro do continente é deserto", explica.

O cientista lembra que as primeiras conseqüências do desmatamento já são sensíveis. Em Tocantins, Pará e Mato Grosso já se detectam temperaturas muito altas. O Rio Grande do Sul está perdendo safras. "Não é para parar com o desmatamento da Amazônia em 2015. Era para parar ontem. Tem que ser zero, nenhuma árvore mais derrubada. Precisamos replantar a floresta." Aqui, Nobre explica como chuvas, ventos, oceanos e florestas estão interligados e por que alterar este equilíbrio pode trazer danos irreversíveis à vida:

Valor: Como o senhor interpreta as chuvas que castigam Santa Catarina, Minas, Espírito Santo?

Antonio Nobre: O único comentário que tenho é que lamentavelmente isso pode ser fichinha diante do que está vindo. Eventos extremos sempre aconteceram, mas a Terra tem mecanismos de atenuação. Agora, como a humanidade tem perturbado esses mecanismos, estamos tendo um aumento de freqüência desses eventos. Professores da Universidade Federal de Santa Catarina disseram que o sofrimento que esta chuva produziu é quase 100% responsabilidade da forma como foi feita a ocupação naquela região. É o mesmo que acontece em Minas, no Rio e está sendo imposto na Amazônia. Um sofrimento decorrente de construir em encostas íngremes, de cortar floresta e deixar a região fragilizada. O problema não é da natureza, é humano. Santa Catarina é uma região propensa a esse tipo de evento, infelizmente. Mas também é uma prova da falência do sistema político brasileiro, que só atende ao imediatismo. O Código Florestal, desrespeitado, é de 1965 e nem leva em consideração as mudanças climáticas. Se levasse, seria muito mais restritivo, porque só temos cinco ou seis anos para impedir que a catástrofe maior se estabeleça sem chance de retorno.

Valor: O Brasil está enxergando a Amazônia com outros olhos?

Nobre: O imaginário coletivo coloca nas florestas tropicais de modo geral, e na Amazônia, de modo particular, a sensação de algo de muito valor, de coisa grandiosa, mística. A Amazon.com não escolheu seu nome à toa. As pessoas atribuem esse valor ao sentido de paraíso perdido, de riqueza, de vida. Isso é senso comum. Exceto por um povo no mundo: o brasileiro.

Valor: Por quê?

Nobre: Porque o brasileiro médio acha que está deitado eternamente em berço esplêndido. E ele entende por isso vastas áreas propícias para agricultura, chuvas plenas, clima ameno, rios caudalosos que permitem geração de energia, um eldorado de minerais e agora o petróleo. É um país abençoado. Isso define a visão ufanista de que temos valores extraordinários no Brasil.

Valor: E não é assim?

Nobre: Analise o que falei: área para agricultura, água nos rios para energia, biocombustíveis, minerais, não tem nada vivo! Bem, a agricultura é viva, mas não é natural. O berço esplêndido do brasileiro é a terra aberta, não há registro da nossa herança viva. É a nossa visão cultural. O verde está lá, tremulando na bandeira, mas não o valorizamos.

Valor: Por que não?

Nobre: Várias razões. Uma é a que chamo herança maldita dos invasores. O europeu que chegava aqui, na colonização, era o que tinha de pior naquela sociedade. Mercenários que encontravam uma terra sem lei nem rei, onde havia uma floresta de vigor incrível, ouro, povos sem exército nem pólvora. Toda essa abundância ofertada obscenamente para pilhagem. E com o agravante da Igreja, que dizia que os povos da terra não tinham alma enquanto não fossem batizados. Portanto, o conhecimento da natureza que esses povos tinham valia zero. Assim se removeu o saber indígena do "pool" cultural do brasileiro e o pouco caso com o ambiente passou a fazer parte do nosso caráter.

Valor: Como se muda isso?

Nobre: Primeiro reconhecendo que tem carrapato em cima da vaca. Por que o brasileiro chama floresta de mata? Mata é coisa sem valor. Porque era assim para o invasor e nós perpetuamos a rapina. Continua ativa a mesma mentalidade, hoje disfarçada de direito, que faz parte do nosso sistema de valores, foi incorporada no governo e se disfarçou. Agora se chama desenvolvimento. Temos que reconhecer esse fardo ignaro e pensar positivamente para frente. Parar de brigar ambientalista com desenvolvimentista e redescobrir nossa identidade. O brasileiro tem uma reação forte contra pirataria: "Estão roubando os nossos bens", diz, indignado. Mas um ataque sem precedentes aos biomas, com tratores e correntões, motosserra e fogo não desperta revolta. É claro que temos que desenvolver, precisamos de agricultura. O Blairo Maggi [governador do Mato Grosso e um dos maiores produtores de soja do mundo] perguntou outro dia se queremos árvores ou se queremos comida. É um dilema totalmente falso.

Valor: Por quê?

Nobre: Porque sem árvores não tem água e sem água não tem comida. Uma tonelada de soja consome várias toneladas de água para ser produzida. Quando exportamos soja, estamos exportando água doce para países que não têm esta chuva e não podem produzir. É o mesmo com o algodão, com o álcool. Água é o principal insumo agrícola. Se não fosse assim, o Saara seria verde, porque tem solos fertilíssimos.

Valor: As pessoas acreditam que chuva é um fenômeno eterno...

Nobre: Pois é. Mas pense numa caixa d´água. Se tem só um cano saindo e nenhum entrando, vai esvaziar. Os rios saem dos continentes e vão para o oceano. Precisa ter alguma volta de água ou seca o continente.

Valor: De onde vem essa água?

Nobre: Essa é uma pergunta que ninguém se faz. Aprendemos assim na escola: a água salgada do mar evapora pela ação do sol, o sal fica no mar e a água doce forma as nuvens. O vento sopra a umidade, chove no continente e a água volta para os rios.

Valor: Está errado?

Nobre: Então devia ter água em todos os continentes da Terra, mas existem desertos, não é? É só olhar o globo e ver que em toda a zona equatorial tem florestas. Ou tinha, as estamos destruindo. Mas nas áreas contíguas, a 30 graus de latitude norte e sul, existem desertos. O Kalahari, deserto da Namíbia, o Atacama, o Saara. Isso tem uma explicação, chama-se circulação de Hadley: a parte central do planeta recebe maior radiação solar, ilumina muito, é uma área muito quente, evapora muita água, a evaporação produz chuvas na região. A produção de chuva faz com que o ar circule assim: sobe no Equador e desce a uns 30 graus norte e sul. O ar que sobe, perde umidade, chove; quando desce rouba umidade da superfície e formam-se os desertos. Só há duas exceções, no Sul da China, um lugar atrás do Himalaia, e na região que produz 70% do PIB da América do Sul, o quadrilátero que vai de Cuiabá a Buenos Aires e de São Paulo aos Andes. Toda essa atividade econômica depende de chuva. Se prevalecesse a circulação de Hadley, seria deserto também. Teria floresta na Amazônia e aqui não teria nada.

Valor: E por que não é deserto?

Nobre: Por duas razões. Uma, publicada pelo José Marengo [outro especialista em clima, do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Inpe]. Se esta região deveria ser deserto e não é, tem algo na América do Sul que é diferente. O quê? Os Andes, uma parede de 6 mil metros de altura, que corta o continente até a Patagônia. Funciona assim: a massa de ar gira sempre de leste para oeste em cima do Equador e o vento sopra ao contrário na faixa entre a zona equatorial e a polar. A umidade do Atlântico entra sobre a Amazônia, a floresta a mantém, e se não existissem os Andes passaria direto ao Pacífico. Mas o ar bate na cordilheira e no verão consegue chegar ao sul e irrigar o nosso quadrilátero produtivo.

Valor: É uma chuva importante?

Nobre: Significa mais de 90% da chuva que cai na região. A transmissão de umidade da Amazônia para o centro agrícola da América do Sul é o que faz produzir e não deixa a área virar deserto. A condição dos Andes é importante, é por isso que o pessoal diz que o Acre é onde o vento faz a curva. Mas é o segundo fator que considero o mais importante: temos uma esponja verde como cabeceira de água na América do Sul, a floresta amazônica. As árvores conseguem evaporar mais água do que os oceanos por unidade de área.

Valor: Como é esta comparação?

Nobre: Uma árvore grande, com copa de 20 metros, chega a evaporar 300 litros de água por dia. No oceano, 1 m2 é 1 m2 de superfície evaporadora. Mas 1m2 de floresta chega a ter 8, 10 m2 de folha. Evapora oito, dez vezes mais que o oceano. A floresta é como um radiador de automóvel, é um evaporador otimizado. As folhas são distribuídas em vários níveis por 40 m de altura. O vento vem, encontra a superfície cheia de galhos, faz turbulência, gira, entra pelo meio. Isso ajuda a remover umidade da superfície. Medimos o quanto a Amazônia evapora, é um número astronômico: 20 bilhões de toneladas de água em um dia. Para ter idéia do que é este volume, o rio Amazonas lança 17 bilhões de toneladas de água por dia no Atlântico. Este rio voador, que sai para a atmosfera na forma de vapor, é maior que o maior rio da Terra.

Valor: É por isso que o senhor diz que avançar a fronteira agrícola para a Amazônia é dar um tiro no pé?

Nobre: Claro. A Amazônia é uma gigantesca bomba de água. A evaporação precisa do sol para acontecer. Calculamos quanta energia seria necessária para evaporar toda aquela água. Quantas Itaipus precisaríamos para evaporar um dia de água da Amazônia? Precisaríamos de 50 mil Itaipus a plena carga.

Valor: Como atua essa bomba?

Nobre: Cerca de 50% da chuva cai de novo na floresta. O fato de ela absorver essa energia toda na superfície e liberar em altitude, onde condensam as nuvens, produz circulação atmosférica. A floresta gera uma bomba que puxa o vento do oceano para dentro da terra. Chega este ar cheio de umidade, chove, a floresta evapora, o ar úmido continua seu caminho para dentro do continente, chove de novo. São 4 mil km até os Andes. Quando alcança os Andes, ainda está carregado de umidade, bate na cordilheira, desce e vai irrigar as plantações de soja do Centro-Oeste, Sudeste, Sul e segue. Estudos mostram que nas regiões com floresta, a chuva continua igual por 2 mil km. Nas regiões onde foi tirada, lá para dentro do continente é deserto. As primeiras conseqüências do desmatamento já estão disponíveis. O Rio Grande do Sul já está perdendo safras. Se desmatarmos e enfraquecermos a bomba, a região toda vai secar, porque é seu destino natural.

Valor: A Amazônia, então, é fundamental para a agricultura?

Nobre: Está se descobrindo que a floresta é dez vezes mais importante do que se imaginava. Tem outros fatores, também: a floresta faz chover. Essa foi uma descoberta fantástica do projeto LBA (Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia). Gotas precisam de alguma coisa sólida para se formarem, é fácil perceber quando se tira uma garrafa de refrigerante da geladeira e formam-se gotinhas em volta. A floresta emite vapores orgânicos para a atmosfera, que funcionam como sementes de nuvens. Mas precisa ser a quantidade certa para chover, se tiver demais não chove. A fumaça das queimadas introduz partículas demais na atmosfera, seca as nuvens e elas não chovem. Durante o período seco, das queimadas, a floresta sempre mantinha uma chuvinha que a deixava úmida e não-inflamável. Agora passam dois meses sem chover. A floresta começa a ficar muito seca e o fogo entra por ela. As árvores da Amazônia, diferente do Cerrado, não têm resistência ao fogo. Um fogo bobo mata todas as árvores que têm raízes rasas, e aquela floresta está condenada. Existem árvores imensas sendo destruídas assim.

Valor: Então é um mito que a Amazônia é muito forte?

Nobre: É forte quando o regime de chuvas está perfeito, mas com fogo, correntão e motosserra fica difícil. Em Tocantins, está dando 40 graus. No Pará e no Norte do Mato Grosso, registramos temperaturas muito altas. Cuiabá é quentíssima. Já está em curso um processo que a gente não sabe se é sem volta e temos que acabar com a hipocrisia que acende esse debate. Não é para parar com o desmate em 2015. Era para parar ontem, zero, nenhuma árvore mais derrubada. Temos que replantar a floresta.

Valor: O sr. faz uma espécie de militância científica?

Nobre: Foi o efeito da floresta no meu espírito. Eu me senti muito frustrado com tudo o que vivenciei na Amazônia. Tive uma fase de militância ambientalista, depois vi que temos que ter pé no chão e não falar só "não pode". Mas, se destruirmos as florestas, vamos estourar o nosso sistema climático. A condição do sistema terrestre hoje é a de já estarmos na UTI com falência múltipla de órgãos. Isso é o aquecimento global. A queima de combustíveis fósseis tem papel importante, mas a destruição dos órgãos de manutenção do clima, florestas e oceanos é o principal fator para o descontrole global. Não adianta todos os carros virarem elétricos se continuarmos a desmatar.

Valor: Quem conhece as coisas da Amazônia?

Nobre: Os povos nativos, intuitivamente. Mas são desrespeitados, não são valorizados. Temos que considerá-los um dia, se quisermos ser uma grande nação. E existe o conhecimento científico disperso em uma enorme variedade de disciplinas. Eu sou um garimpeiro de pérolas, em diferentes áreas. É isso que faço, ligo uma coisa à outra.

Valor: O senhor é otimista sobre a nossa mudança de consciência?

Nobre: Não consigo ver a mudança sem passarmos, infelizmente, por uma catástrofe. Aqui, o crescimento sem controle do agronegócio está danificando o funcionamento hidrológico da América do Sul. Enquanto lá fora se fala em serviços ambientais, aqui é só agronegócio, aço, minério, assuntos do século XX. A gente só chega depois, temos mentalidade de colônia até hoje. Mas o mundo vai depender cada vez mais dos nossos serviços ambientais. O Brasil não é só grãos.

Sobre o Código Florestal: Para os deputados, proposta atual incentiva desmatamento


A reforma do Código Florestal foi assunto de destaque no relançamento da Frente Parlamentar Ambientalista, nesta quarta, dia 16. Antigos e novos integrantes do grupo, assim como ambientalistas presentes ao evento, defenderam mudanças no relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) sobre o tema.

O texto já foi aprovado em comissão especial e está pronto para votação em plenário. Para a Frente Ambientalista, no entanto, a matéria precisa ser rediscutida, inclusive porque o governo estuda enviar ao Congresso uma nova proposta, negociada entre os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura.

Integrante da frente, o deputado Ivan Valente (Psol-SP) disse que é preciso haver uma nova rodada de discussões, já que o Parlamento passou por uma renovação de cerca de 45% em seus quadros nas últimas eleições.

Para o coordenador da Frente Ambientalista, deputado Sarney Filho (PV-MA), a aprovação sem modificações do relatório de Aldo Rebelo representa um retrocesso à legislação ambiental.

Na próxima terça, dia 22, a Frente Parlamentar Ambientalista realiza na Câmara um seminário sobre o Código Florestal.

O relatório de Aldo Rebelo proíbe a abertura de novas áreas para a agricultura e pecuária por cinco anos, com exceção daquelas com autorização para desmatar expedida até a data da sanção da lei. O texto prevê, no entanto, que as terras em uso até julho de 2008 serão reconhecidas e regularizadas.

Em outro ponto polêmico, o parecer indica que propriedades de até quatro módulos fiscais não precisarão cumprir os percentuais mínimos de preservação previstos para cada bioma. Em áreas maiores, o proprietário será obrigado a recompor apenas as parcelas de reserva legal que excedam a quatro módulos.

Código Florestal: quem tem razão?

Beto Mesquita*   
12 Jun 2010, 16:22
As propostas apresentadas pelo deputado Aldo Rebelo, louvadas pelos representantes do agronegócio brasileiro como se fossem a salvação da lavoura, são filhas diletas da falta de capacidade de negociação e diálogo. Não de um ator ou outro deste teatro de operações e debates, mas de todos. Quando o bom senso sai pela porta dos fundos ou se enfia embaixo da mesa, o non sense toma conta do cenário e vira o seu protagonista.

Eis que depois de ocupar mais de 80% do que originalmente foram as florestas que formavam a Mata Atlântica, logo após ter ocupado mais de 60% do Cerrado brasileiro e enquanto se expande em ritmo acelerado mata adentro da Floresta Amazônica, o poderoso setor agropecuário brasileiro, aclamado com razão parcial como um sucesso absoluto de produção e geração de divisas, apresenta-se ao público como perseguido e ameaçado pelos restinhos de ecossistemas naturais que a politicamente frágil legislação ambiental logrou proteger.

Resguardadas as devidas diferenças, é inevitável recordar os momentos que antecederam a abolição do trabalho escravo no Brasil – ou pelo menos dos instrumentos jurídicos e políticos que o legitimavam – quando uma parte dos produtores rurais bradava que sem os escravos o Brasil rural estaria falido e não haveria quem produzisse os alimentos para nossas mesas.

O argumento e o discurso são recorrentes. A estratégia também. A afirmação, repetida à exaustão, de que a lei atual transforma em criminosos 90% dos agricultores do país é tão alarmista quanto falsa. Em nome de uma suposta defesa dos pequenos e médios agricultores, que estariam sendo sufocados economicamente pelas agruras da lei, difundem informações falsas e estatísticas deturpadas para justificar o injustificável. Os principais líderes desta campanha optam por lançar uma cortina de fumaça sobre a opinião pública, visando unicamente derrubar a lei que eles nunca cumpriram, para que, desse modo, possam escapar de suas responsabilidades mínimas e perpetrar sua impunidade.


"A ideologização do debate, com o deputado vermelho se apresentando como libertador da pátria do julgo dos verdes internacionais e uma parcela dos verdes propondo a imutabilidade do código, por ser contra o modelo agrícola exportador, não nos levará a lugar algum."
A afirmação de que o cumprimento do Código Florestal terá como resultados a ampliação do êxodo rural e a favelização dos agricultores não tem rebatimento na realidade. O Brasil presenciou o seu período de maior êxodo rural entre as décadas de 60 e 80 do século passado, quando cerca de um terço da população rural migrou para áreas urbanas. Os principais motivos dessa migração em massa foram a expansão da fronteira agrícola, o modelo de urbanização adotado no país, que incentivava o crescimento das médias e grandes cidades, e a estratégia de modernização da agricultura, que incentivava as culturas de exportação e a produção mecanizada. Foi sob a ideia de que, “se poluição representa progresso, seja bem-vinda a poluição”, que a população migrou do campo para as cidades, não sob o rigor das leis ambientais.

Mas, e quanto à afirmação de que a legislação ambiental brasileira é moderna e perfeita, e por isso não deveria ser alterada? A engenharia ensina que as mais robustas, seguras e modernas estruturas, como edifícios e viadutos, devem ser flexíveis o suficiente para enfrentar ventos e tremores, movendo-se, porém, não se rompendo. Ao recusar a discussão sobre alguns aspectos do Código Florestal e insinuar que o agronegócio como um todo representa apenas danos para o país, uma parcela das lideranças ambientalistas contribui para o esgarçamento em que estamos metidos agora.

A ideologização do debate, com o deputado vermelho se apresentando como libertador da pátria do julgo dos verdes internacionais e uma parcela dos verdes propondo a imutabilidade do código, por ser contra o modelo agrícola exportador, não nos levará a lugar algum. Perderá a agricultura do país, tanto pelos impactos decorrentes do não cumprimento ou da flexibilização exagerada das restrições ambientais; perderá a nação, pela impossibilidade de cumprir os acordos internacionais; perderá a população, pela degradação dos serviços ambientais dos quais depende sua qualidade de vida.

Nem a agricultura brasileira é a única grande vilã do meio ambiente brasileiro, nem os ambientalistas, no seu conjunto, estão a serviço do capital internacional para impedir o progresso do país. Para que se materialize a sustentabilidade almejada, é preciso reconhecer e valorizar, de maneira equilibrada e racional, as vertentes econômicas, ambientais e sociais.

A proposta apresentada pelo deputado Rebelo e amplamente apoiada pelo agronegócio não vai salvar a lavoura. Sequer vai representar um refresco para o dia a dia dos milhões de pequenos e médios agricultores brasileiros, espremidos entre a falta de crédito e assistência técnica e as demandas do mercado. Certamente amenizará os problemas de alguns poucos grandes proprietários, que acumulam passivos ambientais imensos e não demonstram nenhuma vocação para cumprir as leis, sejam quais forem. Não por falta de informação ou alternativa, mas por ainda apostar em um modelo atrasado de produção rural, que prioriza aumento de área plantada em vez de aumento de produtividade.

O falta de senso se completa quando se analisa com lupa a proposta colocada sobre a mesa. Os principais argumentos clamados para justificar alterações no Código Florestal são a sua idade (embora os questionamentos maiores sejam mesmo sobre as alterações mais recentes), a pouca clareza em algumas diretrizes e a absoluta falta de critério científico para a determinação da porcentagem de Reserva Legal e da largura das Áreas de Preservação Permanente. Pois bem, a proposta em discussão consegue ser muito mais confusa do que o texto original e também não se baseia em nenhum critério científico para definir porcentagens e larguras, embora proponha sua ampla redução. De contrabando, ainda anistia quem desmatou.

O fato, real, doloroso e concreto, é que o Código Florestal brasileiro nunca foi cumprido em sua integridade. Esta lei sempre foi solenemente ignorada pela maior parte do agrobusiness nacional, assim como pela maior parte da sociedade brasileira. O Estado brasileiro quase nunca esteve presente no meio rural para fazer a extensão ambiental e florestal como seria de se esperar em um país que deve seu nome a uma árvore. E, nas poucas vezes em que esteve presente, o pacote tecnológico e a orientação para assegurar a posse e a ocupação da terra previam justamente o desmatamento e a “limpeza” do terreno.

No presente, iniciativas de grande visibilidade e impacto, como o Pacto Pela Restauração da Mata Atlântica, o Diálogo Florestal, a moratória da soja e os compromissos assumidos na cadeia da carne começam a surgir como aglutinadoras e mobilizadoras da sociedade. Partindo da premissa de que, se as áreas protegidas nas propriedades rurais e os serviços ambientais nelas produzidos são fundamentais para toda a população, é sensato, racional e justo que os custos pela sua proteção e recuperação sejam compartilhados entre todos.

Se, por um lado, a Constituição Federal estabelece claramente a função social da propriedade, intimamente associada à função de proteção ambiental, por outro é coerente que a sociedade, beneficiária desta função, recompense o proprietário por estes serviços. Em um futuro cada vez mais próximo, não será apenas de carne, grãos, leite e produtos hortifrutigranjeiros que viverá a propriedade rural. Parte da sua renda virá também dos serviços ambientais que os ecossistemas naturais existentes nelas ofertarem, como armazenamento de água, sequestro de carbono, amenização do clima e proteção dos solos. Mas não haverá serviços ambientais sem ecossistemas protegidos. Para isso serve as leis ambientais, como o Código Florestal.

* Engenheiro Florestal, diretor executivo do Instituto BioAtlântica (IBio).

E se o código garantisse mais floresta?

Correio Braziliense, 16/2/2011
Roberto Smeraldi
Jornalista, é diretor da Oscip Amigos da Terra - Amazônia Brasileira e autor
do Novo manual de negócios sustentáveis

Reformar o Código Florestal significa regular três grandes tarefas
estratégicas – conservar, restaurar e usar as florestas – assim como
estabelecer os instrumentos para que elas sejam realizadas na prática. O
código atual, filho de outra época, tem foco meramente em conservar, mas sem
os devidos instrumentos de implementação que a sociedade contemporânea
requer. Sendo que alguns, ainda hoje, nem sequer conservar querem – ou só
buscam emplacar propostas de anistia sobre os passivos acumulados no campo –
a necessária reforma do código ficou até hoje refém dessas ameaças. Tais
tentativas, mesmo frustradas no Congresso nas últimas três legislaturas, não
deixaram de ter duas consequências práticas.

A primeira tem sido o adiamento, ou mesmo a inviabilização, de programas de
regularização na área rural: os produtores foram instigados a boicotá-los,
com o argumento de que, ao aderir, eles perderiam a oportunidade futura de
uma impunidade ampla, geral e irrestrita. Dessa forma, o bolo dos passivos
cresceu de forma exponencial. A segunda foi a de impedir a atualização da
lei para atender as demandas da grande maioria da sociedade contemporânea,
que deixou de enxergar as florestas como restrição à atividade econômica e
as encara, ao contrário, como oportunidade de desenvolvimento e fonte de
serviços essenciais.

Nas últimas semanas, fiquei mais otimista sobre a possibilidade de destravar
o processo e criar as condições para uma efetiva reforma do código. A nova
conjuntura, mais promissora, depende de uma diversidade de fatores. Alguns
são de natureza política, como a confirmação de que a presidente da
República iria vetar quaisquer anistias que injustiçassem os que cumprem a
lei, caso tais propostas avançassem. Outros fatores vêm do campo: muitos
produtores cansaram de apostar em soluções políticas e, seja por estímulos
do mercado para obter certificações, por pressão do Ministério Público para
entrar nos cadastros rurais ou por simples necessidade de recuperar
produtividade na fazenda, começaram a pôr a mão na massa para superar os
passivos, independentemente de obrigações.

Alguns setores do agronegócio, exportadores e mais consolidados até
assumiram a recuperação ambiental como política e, legitimamente, desejam
ver esse investimento reconhecido e respeitado. Ao mesmo tempo,
ambientalistas que tendiam a ver no status quo do código, por conta das
ameaças constantes de retrocesso, um baluarte a ser mantido a qualquer
custo, começaram a entender que a mera defesa do código se tornava, ao longo
do tempo, uma vitória de Pirro.

Enquanto isso, a sociedade como um todo – chocada com as constantes
tragédias causadas, ou agravadas, pelo desmatamento – tolera sempre menos
qualquer vista grossa com o fenômeno. E aí aparece mais um fato novo: está
para se tornar público expressivo trabalho realizado pela comunidade
científica brasileira que altera as condições do debate, esclarecendo que
qualquer nova tentativa de mexer no código deve ser embasada pela ciência.

Eis que surge um caminho que rompe com o impasse convencional, entre defesa
do código e ameaças de retrocesso. Ao contrário do que muitos pensam, o novo
caminho não é algum meio-termo entre abordagens que pertencem ao passado,
seja um arcaico destrutivismo, seja um preservacionismo exclusivamente
dependente de uma capacidade de comando e controle que nunca se concretizou.
O caminho é buscar a solução na frente, com criatividade e inovação: um
código florestal inteligente, que reflita a diversidade e a complexidade da
malha territorial assim como os impactos diferentes de suas formas de uso;
que crie e regule mercado para os ativos e passivos florestais a partir de
mecanismos de troca e recomposição, inclusive para progressiva
regularização; que fomente a estruturação das cadeias relacionadas com os
produtos e serviços florestais em articulação com a indústria; que garanta
as condições de produtividade para a necessária competitividade da
agropecuária em suas diferentes escalas, ampliando os avanços expressivos
que alguns segmentos já alcançaram; que crie as condições para aumentar o
patrimônio florestal do país em vez de mitigar as condições de perda.

Se a sociedade souber sinalizar, com novas e ousadas articulações, que esse
é o caminho, dificilmente o governo deixará de pautar a proposta, em fase de
construção, em tais bases. E dificilmente o Congresso recém-empossado
perderá a oportunidade de superar um embate que já se tornou caricatural,
cumprindo a tarefa histórica de desenhar a regulação para as próximas
décadas em vez de olhar para as décadas passadas.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

"Revisão do Código Florestal só serve ao agronegócio"

Nota assinada por dez entidades que participam do movimento Via Campesina critica projeto do deputado Aldo Rebelo que quer mudar Código Florestal.
  

EcoAgência/NEJ/RS    
Mudanças no Código Florestal pode aumentar desmatamento e erosão

Por Redação EcoAgência de Notícias  
Os movimentos sociais que compõe a Via Campesina no Brasil divulgaram nota em que de criticam o projeto apresentado pelo deputado federal (PCdoB) Aldo Rebelo. No entender da Via Campesina a tentativa de revisão do atual Código Florestal interessa apenas ao agronegócio e às multinacionais.

"O Código Florestal é adversário do agronegócio, que precisa desmatar todas as espécies para implantar a monocultura e aplicar uma imensa quantidade de veneno.  É impensável para o agronegócio conseguir produzir em sistemas diversificados, conservando áreas de florestas e fazendo sistemas agroflorestais", afirma a nota.
 As entidades que assinam a nota conclamam a todos para se manifestarem contra o projeto de revisão do Código, que será votado na segunda quinzena de março.

A íntegra da nota é a seguinte:

1.Conhecendo o Código Florestal Brasileiro
O Código Florestal Brasileiro foi criado em 1934 e foi atualizado em 1965. É importante nós entendermos como estava o nosso país naquele período: aumento da população das cidades localizadas na mata atlântica, onde ainda existiam grandes áreas de floresta; desmatamento da mata para expansão das plantações de café nos estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro; corte de espécies nobres para madeira, como a Araucária nos estado do Paraná e Santa Catarina.
Lembremos também que esse era um período de grandes lutas populares, além de importantes revoluções e expansão do socialismo pelo mundo. Portanto, apesar de ter sido aprovado no primeiro ano da ditadura, o Código Florestal foi concebido em um ambiente progressista. Menos de um ano antes foi lançado o Estatuto da Terra, outra lei importante, que tratava da Reforma Agrária e que possuía caráter progressista.
Assim, o Código Florestal foi escrito preocupado com o desmatamento, mas em uma realidade que muito se fala sobre a Reforma Agrária e sobre como a lei deveria obrigar que os latifundiários produzissem de forma sustentável. É com o Código Florestal que se inicia o debate da função social da propriedade, que hoje está garantida em nossa constituição federal. A função social diz que toda propriedade deve ser produtiva, empregar os trabalhadores de forma justa e manter o meio ambiente.
A primeira coisa que o Código diz é que todas as florestas são bens de interesse comum da sociedade brasileira. Isso quer dizer que o cuidado com as florestas está acima de qualquer interesse privado. A propriedade da terra permite que ela seja usada pelo agricultor, mas a sociedade brasileira tem um interesse que obriga esse agricultor a ter uma parte de sua terra com florestas.
O Código Florestal cria a Reserva Legal (RL), uma parcela da propriedade rural que deve ser dedicada ao uso sustentável da floresta. Isso quer dizer que a área deve ser explorada. O que se pode fazer lá? Pode tirar madeira, lenha, óleo, semente, frutos. Pode também ter espécies frutíferas. Mas tudo tem que ser feito de acordo com um planejamento, chamado Manejo Sustentável. O que não pode? Cortar toda a madeira de uma vez só, no que se chama “corte raso”. No caso da Amazônia, 80% da propriedade rural deve ser reserva legal, enquanto no cerrado que está na Amazônia Legal (partes do Maranhão, Mato Grosso e Tocantins) a RL é de 35% da propriedade e no resto do país é de 20%. Ou seja, uma propriedade com 100 hectares na Amazônia tem que utilizar 80 hectares de sua área de forma sustentável, e no Cerrado a mesma propriedade tem que utilizar 20 hectares desta maneira.
Outro tema do Código Florestal são as Áreas de Preservação Permanente (APPs). Essas áreas são as florestas que estão nas margens dos rios, represas e nascentes, nas ribanceiras muito inclinadas e no topo dos morros. Elas são locais frágeis, onde podem ocorrer erosão, por exemplo. As florestas, com suas raízes profundas, seguram os solos e ajudam a água a entrar na terra, abastecendo os lençóis freáticos. Muitas das catástrofes que temos visto nestes últimos anos, com as enchentes e deslizamentos de terras em todas as partes do país, têm a ver com justamente com a destruição das florestas das APPs.
Mesmo sendo frágeis, essas áreas também podem ser exploradas pela agricultura camponesa, segundo a atual legislação. Não pode é como a Reserva Legal, porque na APP não pode tirar madeira nem lenha – não pode derrubar nenhuma árvore ou arbusto. Mas pode tirar frutos, sementes, óleos, criar abelha... enfim, uma diversidade de produtos podem sair da APP!
E no caso das áreas onde a floresta foi desmatada, mas mesmo assim é APP e RL? O Código Florestal permite, para a agricultura camponesa, a utilização de sistemas agroflorestais para a recuperação dessas áreas. Sistemas agroflorestais são plantios com vários cultivos anuais, juntamente com árvores nativas. Assim, nos primeiros três anos, uma RL degradada pode ter plantio de feijão, milho e mandioca e, no meios das ruas, o plantio de espécies nativas de cada bioma. Assim, enquanto está recuperando a mata, o agricultor e a agricultora podem tirar sua renda. Depois dos três anos, a renda já pode vir de outras espécies, principalmente as frutíferas, da apicultura, do palmito... enfim, do que puder ser aproveitado do sistema agroflorestal.
Como podemos ver, o Código Florestal não é inimigo da agricultura camponesa. Ao contrário, ele garante que nós, agricultores e agricultoras camponesas, possamos garantir nossa renda com mais segurança, pois não ficamos dependendo de um único produto. Para se ter uma idéia, no ano de 2008 o agroextrativismo, que é a exploração sustentável da floresta (com produtos madeireiros e não-madeireiros) gerou, no Brasil, 4 bilhões de reais. Isso sem nenhuma política pública, sem nenhum apoio do Estado brasileiro.
Além disto, o Código Florestal garante a qualidade das terras camponesas para as gerações futuras, nossos filhos e netos. As florestas ajudam a adubar os solos, evitar erosões, preservar as nascentes e os riachos. Além disto, são abrigo para insetos e pássaros, inimigos naturais de várias pragas que atacam nossas lavouras. E ainda são importantes para a nossa própria alimentação, principalmente devido aos frutos, raízes e sementes regionais, assim como as incontáveis plantas medicinais que da floresta tiramos.
O Código Florestal é adversário do agronegócio, que precisa desmatar todas as espécies para implantar a monocultura e aplicar uma imensa quantidade de veneno. É impensável para o agronegócio conseguir produzir em sistemas diversificados, conservando áreas de florestas e fazendo sistemas agroflorestais. E para o agronegócio a vida do solo pouco importa. Após esgotar totalmente o solo, o latifundiário ou a empresa transnacional vende aquela propriedade e parte para outra região, fazendo a fronteira agrícola andar. Deixa para trás a destruição do solo, o envenenamento dos rios e a morte de toda a floresta e seus animais.
2. O agronegócio e suas motosserras: a destruição do Código Florestal Brasileiro
Em 2008 o agronegócio decidiu convocar seus representantes no Congresso, a chamada bancada ruralista. O objetivo era claro: ligar as motosserras e destruir o Código Florestal. Atacaram também dentro do governo federal, por meio do Ministério da Agricultura e ainda com a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que fez o trabalho de mobilização nos estados.
Embora o Código Florestal seja uma lei inovadora e sensível à realidade da agricultura camponesa, sabemos que a repressão por parte da polícia ambiental e das secretarias de meio ambiente nos estados sempre foi grande, principalmente contra nós. Enquanto o agronegócio continuava desmatando, o agricultor camponês era multado por ter aproveitado uma árvore que caiu com um vendaval. Além disto, sempre foi falado para nós que as áreas de reserva legal e APP eram intocáveis, era do IBAMA, do INCRA, deveriam ser cercadas e nunca deveriam ser utilizadas.
Além disto, não podemos nos esquecer dos lugares onde milhares de famílias foram estimuladas a desmatar. Esse é o caso, por exemplo de Rondônia, onde a família, ao receber a terra de um projeto de colonização, recebia também uma motosserra. A família ganhava um hectare de terra para cada hectare desmatado! Pouco tempo depois, esse mesmo Estado que incentivou o desmatamento veio obrigar as famílias a recuperarem as áreas, sem qualquer apoio do poder público.
Toda essa realidade fez com que muitos camponeses, em diversas partes do país, se revoltassem contra o Código Florestal. Entretanto, como vimos nas primeiras páginas, o problema não é da lei! Quando uma lei é favorável ao povo, as elites logo procuram formas de impedir que ela seja aplicada e, ao mesmo tempo, fazem com que ela seja executada de forma totalmente errada, para que o povo a veja como um problema.
Sabendo dessa insatisfação por parte dos camponeses, a CNA fez diversos eventos nos estados, falando mentiras para os agricultores e escondendo os benefícios do Código Florestal. Incentivaram os camponeses a se aliarem aos grandes proprietários na luta contra a legislação que supostamente prejudica a agricultura. Essa tática da CNA funcionou principalmente com os camponeses que não estão articulados pelos movimentos sociais em suas regiões.
No Congresso, os ruralistas garantiram a criação da Comissão Especial do Código Florestal em junho de 2009, que deveria elaborar uma proposta que será submetida à votação no plenário da Câmara. Após muita articulação dos ruralistas, a presidência dessa comissão ficou com um dos líderes deles, o deputado Moacir Michelleto, do PMDB do Paraná. Já o responsável por escrever a proposta foi o deputado do PC do B de São Paulo, Aldo Rebelo.
Durante quase um ano, a comissão ouviu muitas pessoas, a maioria representantes do agronegócio e de universidade e EMBRAPAs vinculadas aos ruralistas. O deputado Aldo Rebelo assumiu a defesa do agronegócio brasileiro, dizendo que quem quer conservar a natureza são os países de fora. O deputado, que se diz comunista, abraçou com toda a força a causa dos ruralistas, elegendo como inimigo as entidades ambientalistas e os movimentos sociais que se opusessem à mudança do Código Florestal.
A comissão realizou também 19 visitas a cidades em várias partes do país, para fazer audiências públicas e ouvir a opinião local sobre o código florestal. O curioso é que as cidades selecionadas foram justamente as que são referência do agronegócio, como Imperatriz (MA) e Ribeirão Preto (SP). Em muitas delas houve manifestações populares a favor do Código, mas em nenhum momento esses manifestantes foram recebidos pela Comissão, que só queria ouvir os latifundiários. Em Ribeirão Preto, por exemplo, mais de 80 entidades e centenas de pessoas fizeram uma audiência pública paralela, denunciando a farsa da Comissão.
O resultado final da Comissão, portanto, não poderia ser outro. O relatório apresentado pelo deputado Aldo Rebelo foi aplaudido de pé pelos ruralistas e vaiado pelos movimentos sociais, camponeses e ambientalistas. A forma apaixonada com que o deputado defendeu a pauta dos ruralistas acabou deixando-o do lado dos partidos que sempre foram dos latifundiários: PMDB, PP, PTB. Contra o relatório do deputado, ficaram três partidos: PSOL, PV e PT.
3. E o que então tem de ruim no relatório do deputado Aldo Rebelo? Vamos dar uma olhada nos principais pontos:
- Anistia completa para todas as multas aplicadas por desmatamento de APP e RL. Essas multas, no total, são de R$ 10 bilhões e na sua imensa maioria são do agronegócio, principalmente dos setores da soja, pecuária, cana-de-açúcar, café e celulose. O relatório não poderia ser mais claro: o crime compensa para o agronegócio;
- As áreas desmatadas continuarão a ser exploradas da mesma forma que  hoje, até que os órgãos estaduais de meio ambiente criem um Programa de Regularização Ambiental (PRA). Como sabemos, esses órgãos não possuem estrutura nem funcionários suficientes, sendo difícil que esses tais PRAs fiquem prontos nos próximos anos. Assim, o agronegócio, que planta soja e cana até a beira do rio, que planta eucalipto em cima de nascente e derrubou floresta para colocar gado, poderá continuar do mesmo jeito, sem ninguém incomodar;
- As áreas de topo de morro não serão mais protegidas (no atual Código elas são APPs). Os topos de morro são áreas muito importantes para os lençóis freáticos, pois quando chove é lá que a água entra no solo e abastece esses rios subterrâneos. Além disso, a vegetação dos topos de morro evitam os deslizamentos, que cada vez estão mais freqüentes nas grandes cidades, mas que também acontecem na zona rural;
- As reservas legais poderão ser compensadas em qualquer parte do bioma onde está a propriedade original. Explicando melhor: uma propriedade de 100 hectares no Goiás deve ter, pela lei atual, 20 hectares de reserva legal. Pela proposta do deputado Aldo Rebelo, essa propriedade pode ficar sem reserva legal, desde que tenha outra área do mesmo tamanho da RL necessária em qualquer um dos 13 estados do bioma cerrado;
- A recuperação da Reserva Legal poderá ser feita com até com 50% de espécies exóticas. Ou seja, os grandes proprietários poderão fazer plantios de eucalipto e outras árvores para celulose. Outra possibilidade é a introdução da Palma Africana, palmeira que produz óleo para o biodiesel e que é explorada por transnacionais na Ásia, sendo responsável por altos índices de desmatamentos lá;
- Todas essas modificações atingem diretamente a função social da propriedade. Com essas alterações, propostas pelo deputado Aldo Rebelo, praticamente não há mais crime ambiental em latifúndios. Não haverá, caso a proposta seja aprovada no plenário da Câmara dos Deputados, mais possibilidade de desapropriação de áreas por problemas ambientais;
- Para a agricultura camponesa, o deputado guardou um presente de grego: liberou as pequenas propriedades da obrigação de terem RL. Como sabemos, a floresta tem uma grande importância para as propriedades camponesas. Elas ajudam no clima local, na manutenção dos riachos, na adubação do solo e na prevenção de erosões.  Se as propriedades camponesas abandonarem a RL, em 10 a 20 anos suas terras estarão esgotadas e os córregos e nascentes que existirem poderão secar. O deputado parece se esquecer que, diferente do agronegócio - que grila terras em um local e depois de sugar a última gota de vida daquele solo o vende e vai para outra área, avançando a fronteira agrícola -  a agricultura camponesa permanece na mesma terra por gerações, precisando que ela continue fértil, com água e sem erosões ou deslizamentos;
Agora o relatório do deputado Aldo Rebelo, aprovado na Comissão Especial do Código Florestal, vai para o plenário da Câmara dos Deputados, onde será colocado em votação para os 513 deputados, no mês de março. Depois, ele deve ser aprovado no Senado Federal e, por fim, pela presidente da República.
4. A proposta da agricultura camponesa para a melhora do Código Florestal e nossos próximos passos nessa luta
É claro que, como toda lei, o Código Florestal pode ser melhorado. A Via Campesina fez lutas ao longo do ano de 2009 para garantir essas melhorias, que não precisavam de alteração da lei. Vejamos quais foram as conquistas da Via Campesina com relação ao aperfeiçoamento do Código Florestal:
-  Manejo Florestal da Reserva Legal: o manejo sustentável é a exploração da floresta de forma que ela se mantenha em pé. Para um estudo mais aprofundado, essas questões são tratadas na Instrução Normativa nº 04/09, do Ministério do Meio Ambiente. Os principais pontos são:
- Retirada de até 15 m³ de lenha por ano e 20 m³ de madeira a cada três anos, para consumo interno na família, sem necessidade de autorização da secretaria de meio ambiente ou IBAMA. Se a madeira ou lenha for ser transportada, será necessária a autorização;
- Onde o campo é nativo (como nos Pampas ou em algumas partes do Cerrado), a reserva legal pode ser composta desse tipo de vegetação.

- Recuperação de APP e RL. Para um estudo mais aprofundado, esse tema é tratado na Instrução Normativa 05/09, do Ministério do Meio Ambiente. Os principais pontos são:
   - Tanto para a recuperação de APP quanto para a recuperação de RL é permitida a prática de sistemas agroflorestais, como explicado nas primeiras páginas desse nosso estudo. Nos três primeiros anos, o agricultor pode plantar adubação verde ou culturas anuais (feijão, milho, mandioca, arroz), junto com as espécies nativas. Apenas para a agricultura camponesa, na RL também podem ser plantadas frutíferas exóticas (laranja, café, maça) ou plantas madeireiras exóticas (eucalipto, teca, espécies de outros biomas)
Entretanto, não essas atualizações não são suficientes. Para garantir que o Código Florestal tenha sua execução aliada à produção de alimentos saudáveis pela agricultura familiar, além de uma possibilidade de geração de renda com produtos madeireiros, a Via Campesina reivindica outras atualizações e uma série de políticas públicas. Vamos conhecer mais de perto nossas reivindicações:
 Averbação da Reserva Legal – Somente para a agricultura camponesa, a legalização da reserva legal deve ser simplificada. O processo simplificado deve ser feito com base em um desenho (croqui) feito pela própria família, que deve conter a localização da propriedade e onde será a reserva legal. Todo o georreferenciamento, que é feito com máquinas de GPS, deve ser responsabilidade dos órgãos estaduais de meio ambiente, e o procedimento deve ser gratuito. A averbação não deve ter qualquer relação com os cartórios, pois muitas propriedades camponesas não possuem sua terra regularizada ainda;

Políticas Públicas:- Fomento para a recuperação das RLs e APPs. Esse programa deve ter dinheiro para produção de alimentos livres de agrotóxicos nos primeiros anos de implantação dos SAFs, aquisição de sementes de adubação verde, além de recursos para cercamento, onde for necessário. Não é aceitável qualquer proposta de crédito, visto que a pressão dos juros pode prejudicar os projetos;
- Programa de produção e aquisição de mudas e sementes. Este programa deverá disponibilizar dinheiro para construção de viveiros e criação de coletivos de coleta de sementes. Também deverá contar com um sistema parecido com o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), onde as famílias produtoras poderão vender suas mudas para o governo (como a CONAB, no caso do PAA), as quais serão distribuídas para as áreas que deverão ser recuperadas;
- Qualificação da assistência técnica em sistemas agroflorestais e em manejo florestal comunitário;
- Garantia de comercialização (PAA e Merenda Escolar) para os produtos gerados da exploração sustentável da APP e da RL. Também deve ser aplicado um bônus para os produtos da RL e APP, assim como hoje o PAA garante um bônus para os produtos agroecológicos;
- Pagamento por serviços ambientais: As famílias que mantiverem suas florestas em pé devem receber um recurso financeiro pelos serviços ecológicos que essas florestas prestam à sociedade como um todo, seja limpando o ar de poluentes, seja garantindo os recursos hídricos.
Todas essas medidas podem ser tomadas sem nenhuma alteração no Código Florestal. A única alteração necessária é atualizar a definição de “pequena propriedade”, que está na lei atual, para a definição de criada pela Lei da Agricultura Familiar, o que terminaria com todos os problemas do Código para nós, agricultores camponeses
Entretanto, sabemos que não será fácil garantir essas conquistas, principalmente porque os ruralistas querem manter o Código como vilão da agricultura. Por isso, esse próximo período será de lutas articuladas com entidades ambientalistas, sindicatos e com a sociedade urbana como um todo.
Esse é um importante momento para fazermos o debate com a sociedade sobre os modelos em disputa na agricultura brasileira. De um lado, o modelo do agronegócio, que transformou o Brasil no maior consumidor de agrotóxicos do mundo, que é defende o trabalho escravo, que é contra o Código Florestal e as florestas. Do outro, a agricultura camponesa, que produz o alimento que a sociedade brasileira come todos os dias, que garante a conservação da natureza e que vem caminhando rumo a agroecologia.

Movimentos sociais da Via Campesina Brasil -   Brasília,  fevereiro de 2011

1. Comissão Pastoral da Terra- CPT
2. Conselho Indigenista Missionário- CIMI
3. Movimento dos Atingidos por Barragens- MAB
4. Movimento dos Pequenos agricultores- MPA
5. Movimento dos Pescadores e Pescadoras- MPP
6. Movimento das Mulheres Camponesas- MMC
7. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra- MST
8. Pastoral da Juventude Rural - PJR
9. Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil- FEAB
10. Federação dos Estudantes de Engenharia Florestal- ABEEF

Questão ecológica, questão moral

DOM ODILO P. SCHERER - O Estado de S.Paulo
Sempre mais nos damos conta de quanto o nosso planeta é precioso e único no universo. Sem excluir que possa haver vida em algum outro lugar na imensidão do cosmo, o certo é que, com todo o seu potencial para esquadrinhar o espaço sideral, os estudiosos ainda não conseguiram detectar nada que se pareça com a vida no nosso Planeta Azul; nem mesmo com suas formas mais elementares.
A Terra é a casa da vida, o espaço privilegiado que abriga uma diversidade enorme de seres vivos. Ela é o condomínio da família humana, com suas raças, seus povos e suas culturas diferentes; lentamente, e com certa relutância, vamos aprendendo que ninguém é dono absoluto de pedaço algum deste globo e que todos fazem parte de uma imensa comunidade humana, que tem tanto em comum.
Todos são responsáveis por todos nesta comunidade e o bem de cada um só será completo se também for o bem de todos os demais; da mesma forma, o mal de um é o mal de todos. Comum deve ser também o zelo para que este condomínio não seja descuidado e tornado inabitável com o passar do tempo. Está em jogo o bem de todos.
Embora a questão ambiental entre, aos poucos, nas preocupações diárias, ainda estamos longe de ter alcançado uma consciência coletiva que seja capaz de frear os estragos causados pela intervenção humana na natureza; no âmbito dos comportamentos individuais, há muito que fazer para que o zelo pelo ambiente se torne habitual e cultural; no campo das decisões políticas, em todos os níveis, está difícil chegar a consensos que levem plenamente a sério a questão ambiental; de fato, procura-se salvar, geralmente, mais os interesses imediatos e particulares do que a sustentabilidade, a médio e longo prazos, desta casa comum que nos abriga.
A Igreja Católica, no Brasil, por intermédio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), já pela terceira vez, realiza a Campanha da Fraternidade sobre a ecologia. Neste ano, o assunto é abordado de maneira ampla, com o tema "Fraternidade e Vida no Planeta". Chama-se a atenção para o fenômeno do aquecimento global, as causas que o provocam e as consequências que poderá trazer, ou já vai tendo; mostra-se, sobretudo, que o comprometimento das condições ambientais para o futuro da vida na Terra não tem, geralmente, a sua causa em fenômenos espontâneos da dinâmica do universo, mas em ações do homem, que interferem no equilíbrio ecológico. Tais intervenções foram aceleradas, sobretudo, pelo sistema industrial e pelos modelos econômicos adotados a partir dos últimos três séculos. A comunidade humana está cuidando mal da natureza, dela exigindo mais que ela pode dar, destruindo a própria casa, pouco a pouco.
Vamos deixar correr, fazendo de conta que o problema não existe, ou que é só dos outros? Manter o mesmo ritmo de consumo e de interferência na natureza, sem nos importarmos com as consequências?
Num condomínio, quando aparecem problemas e riscos, é normal que todos os condôminos se reúnam e decidam sobre o que fazer, pois o bem de todos está relacionado intimamente com o bem do próprio condomínio. Não deveria ser diferente com nosso planeta: descuidar da Terra faz mal a todos; cuidar bem da Terra é bom para todos.
O papa João Paulo II advertiu que a questão ecológica representa um problema moral, cujas implicações são, basicamente, duas: a solidariedade para com os pobres e o direito das futuras gerações. De fato, os maiores prejudicados com a deterioração ambiental são, e o serão ainda mais no futuro, os pobres do mundo, os mais fracos e desprotegidos da família humana. E não é moralmente honesto viver e agir apenas pensando em si, sem levar em conta o bem dos membros mais frágeis da família. Por outro lado, esta é uma questão de respeito e de justiça para com as gerações futuras, que habitarão este planeta depois de nós. Em que estado deixaremos este condomínio para nossos pósteros?
A questão ecológica demanda com urgência uma nova consciência solidária. O zelo pelo planeta é um desafio moral, que a humanidade precisa enfrentar com políticas adequadas de convivência e de interação responsável com a natureza.
Recentemente, na encíclica Caritas in Veritate (32), o papa Bento XVI apontou para a necessidade de uma revisão profunda e clarividente do modelo de desenvolvimento e do sentido da economia e seus objetivos, para corrigir disfunções e deturpações, que têm implicação direta na deterioração do ambiente da vida na Terra. Por outro lado, não menos necessária é uma renovação cultural, para redescobrir os valores que constituem o alicerce firme sobre o qual se pode construir o futuro melhor para todos.
Para os cristãos e para os crentes em Deus, de modo geral, há um motivo a mais para tratar a natureza com profundo respeito e responsabilidade: ela é dádiva do Criador para todas as suas criaturas, não, certamente, para que a depredem e destruam, mas para que dela vivam e louvem a Deus. De modo especial, o ser humano foi feito "zelador do jardim" e colaborador inteligente e responsável no cuidado pela obra de Deus. Tratar mal a dádiva é desprezar e ofender o doador; e a vontade de potência absoluta do homem sobre a natureza é irresponsável, pois introduz a desordem no mundo; as consequências só podem ser desastrosas, como aquelas que já constatamos e lamentamos.
A Campanha da Fraternidade deste ano é um convite à reflexão e à ação para manter acolhedora e vivível para todos a nossa preciosa casa no universo. E também para aqueles que a ocuparão depois de nós.
É questão moral, questão de fraternidade.
CARDEAL-ARCEBISPO DE SÃO PAULO

Professor da UnB se diz 'estarrecido' com manipulação em pesquisa da CNA

Entidade de defesa do agronegócio apresenta estatísticas na tentativa de mostrar engajamento do setor privado na preservação ambiental
Publicado em 14/02/2011, 19:30
Professor da UnB se diz 'estarrecido' com manipulação em pesquisa da CNA
A senadora e presidenta da CNA, Katia Abreu, após visita ao ministério da Agricultura (Foto: Agência Brasil)

São Paulo – A  posição dos ruralistas no Congresso Nacional sobre a preservação de florestas está distante da prática do agronegócio no Brasil, afirmam ambientalistas. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) entregou nesta segunda-feira (14) ao Ministério da Agricultura um compilado de dados que visa a fomentar o debate sobre o Código Florestal. A intenção é afirmar que o setor está preocupado com a preservação ambiental.
Raul do Valle, coordenador do Programa de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental, entende que é o momento de o discurso da bancada ruralista se transferir à prática. “Para além do que é falado, não temos notícias concretas de coisas acontecendo por iniciativa da CNA. Se estiver sinceramente querendo dar condições aos produtores rurais para recompor matas ciliares, é muito bem-vindo.”
Intitulada “Revisão do Código Florestal”, a apresentação da CNA contém seis quatros com dados do Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A CNA pinça informações que, em tese, mostram o avanço de preservação de matas em áreas particulares. O centro da apresentação consiste em mostrar que enquanto as áreas produtivas aumentaram 32,1% entre 1960 e 2006, as áreas de mata e floresta dentro de propriedades privadas cresceram 72,5%.
Na prática,  isso significa que, em quase 50 anos, o percentual de área preservada dentro dos estabelecimentos rurais passou de uma média de 23% para 30%, ainda muito abaixo das exigências legais para alguns biomas, como a Amazônia. Além disso, a CNA não inclui em seu relatório os dados relativos a matas plantadas, que teve redução em 2006 em relação ao medido em 1985 e em 1995. Esse tipo de área representa 4,5 milhões dos 329,9 milhões de hectares em áreas produtivas.
Othon Leonardos, professor da Universidade de Brasília (UnB), afirma ter ficado estarrecido com a manipulação das estatísticas feita pela entidade, que selecionou apenas os dados que lhe interessavam. "É fato que houve aumento de mata nas propriedades. Em 1960, não havia Área de Preservação Permanente (APP), não havia reservas legais. Então, é óbvio que vai aumentar."
“Estamos totalmente inseridos no processo de melhoria das condições das matas ciliares, protegendo a água e todas as encostas que estiverem ferindo os aquíferos e rios subterrâneos, porque estas são nossas fontes de vida”, argumentou a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidenta da CNA, ao entregar o estudo ao ministro Wagner Rossi.
A parlamentar, no entanto, não dá muitas indicações de que sua atuação será diferente daqui por diante. Uma das páginas do relatório da CNA indica que o cerrado estará esgotado até 2030 se nada for feito e defende a criação de políticas de conservação para que os recursos naturais sejam preservados.
Durante entrevista após a reunião com o ministro Wagner Rossi, a senadora deixa mais claro seus objetivos. Ela sustenta que o desmatamento nesse bioma não ocorreu por culpa dos agricultores, mas pela legislação vigente até então. “Quando ela (a reserva legal) foi criada, os produtores já tinham desmatado no passado com orientação, autorização e financiamento do poder público. Então, a penalidade não pode retroagir em cima de uma lei que foi obedecida à época.”
A CNA defende que 1989 foi o ano de criação da reserva legal do cerrado e que, desde então, não houve mais desmatamento. Na realidade, segundo levantamento divulgado no ano passado pelo Ministério do Meio Ambiente, o ritmo de degradação deste bioma vem se acentuando. Apenas entre 2002 e 2008, 85 mil quilômetros quadrados foram devastados, o que equivale a 4% da área total de cerrado.

Anistia

Uma das principais intenções dos ruralistas é assegurar a anistia a quem desmatou. Se aprovado, o Projeto de Lei 1.876, de 1999, que deve ser votado até o próximo mês pela Câmara, perdoa todo o desmate ocorrido até junho de 2008. Caso não haja tempo hábil para a aprovação, o ministro da Agricultura já deu sua palavra de que vai lutar por uma nova prorrogação do decreto de 2009 que adia a punição dos responsáveis pela derrubada das florestas.
"Essa mudança no Código Florestal não tem base científica nenhuma. São interesses econômicos que estão em jogo, querem desmatar mais até na beira do rio. É uma vergonha", critica Leonardos.
Wagner Rossi acrescentou nesta segunda-feira, ao receber a senadora, que não considera necessário que o Ministério do Meio Ambiente apresente uma proposta alternativa ao projeto ora discutido pelos deputados. “Não creio nessa possibilidade porque estou certo de que conseguiremos chegar a um consenso. É natural que a ministra (Isabela Teixeira) apresente propostas, assim como faz a senadora Kátia Abreu.”
Raul do Valle considera que a Agricultura serve como uma correia de transmissão dos pensamentos dos ruralistas dentro do Congresso e pensa que é imprescindível frear o ímpeto do ministério na aprovação do PL 1876. “É fundamental o governo apresentar uma proposta alternativa para recolocar as coisas no seu devido lugar. Uma proposta que não anistie quem desmatou e que dê condições para a recuperação das áreas desmatadas.”
Com informações da Agência Brasil

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Defendendo os Rios da Amazônia, Belo Monte em 3D




Parte 1

 

Parte 2

E se a Amazônia morrer?

Foi só com uns 40 anos de idade, ali por 1997, que tive o privilégio de ver o chão de um pedaço de floresta amazônica forrado com as flores do piquiá, no mês de setembro. Num livrinho de 2001 (A Floresta Amazônica, da série Folha Explica), registrei o desejo de que minhas filhas pudessem um dia ter a mesma visão da gigantesca árvore.
Elas já são adultas e não tiveram tal sorte, embora já tenham ido à Amazônia. Mas suas chances diminuem a cada dia.
É só uma possibilidade. Mas aprendi a temer a Lei de Murphy (algo como: "tudo que pode dar errado acaba dando errado").
Refiro-me a um artigo de pesquisadores britânicos e brasileiros publicados sexta passada no periódico "Science", sob a liderança de Simon Lewis, da Universidade de Leeds.
Mais uma peça no quebra-cabeças científico que anuncia a possibilidade, cada vez menos improvável, de que a floresta amazônica venha a perecer sob os rigores da mudança do clima. O grupo, que inclui integrantes da ONG de pesquisa Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), comparou as secas de 2005 e 2010 na região e concluiu: a do ano passado foi muito pior.
Provavelmente você ouviu falar mais da estiagem de meia década atrás. No entanto, os cálculos desse pessoal indicam que 37% das florestas da região, em 2005, sofreram deficiência grave de chuvas --contra 57% em 2010. Como muitas árvores já estavam debilitadas pelo estresse hídrico anterior, o time prevê que a mortalidade será muito maior, com potencial para emitir 5 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) para a atmosfera.
Essa quantidade é mais ou menos equivalente a tudo que os Estados Unidos, pior vilão do aquecimento global, liberam na atmosfera a cada ano como produto da queima de combustíveis fósseis. É carbono em quantidade para ninguém pôr defeito.
Lewis alerta que há muita incerteza envolvida nesses cálculos, mas eles combinam --e muito-- com o pior cenário imaginado para a Amazônia: a mortalidade progressiva dessa que é uma das florestas tropicais mais ricas do planeta, em quantidade de espécies.
A mortalidade de árvores acabaria por transformá-la numa fisionomia vegetal menos densa e diversa, mais parecida com um cerradão. Alguns modelos de computador sugerem que o processo pode tornar-se irreversível com um nível de destruição a partir de 40%. Quase 20% da floresta já foram para o saco no Brasil.
O cenário algo apocalíptico é conhecido como "dieback", em inglês. Surgiu de uma longa tradição de estudos em que desponta a figura do americano Tom Lovejoy, que passou muitos anos estudando o efeito da fragmentação da floresta amazônica perto de Manaus.
Ele ajudou a formar gente do valor de Daniel Nepstad (co-autor de Lewis no artigo), que dedicou anos de sua vida a pesquisas em Paragominas, na região do Tapajós e em Belém, sede do Ipam. Nepstad contribuiu, por sua vez, para formar muitos parceiros brasileiros de estudos, como Paulo Brando e Paulo Moutinho.
Foi na companhia de Moutinho, aliás, que topei com o pé de piquiá deitando flores. Durante uma caminhada para conhecer o projeto Seca-Floresta, experimento muito doido que o Ipam montou perto de Santarém (PA) justamente para simular os efeitos de secas prolongadas sobre a floresta, retirando dela a maior parte da água da chuva com auxílio de centenas de painéis de plástico.
Isso foi na década de 1990. Duas décadas depois, as piores hipóteses então investigadas chegam mais perto de virar realidade. Uma realidade que, se vingarem as previsões mais pessimistas, pode tornar a visão do piquiá cada vez mais rara, quiçá acabar com ela.
O que será de nós todos, no Brasil, se a Amazônia agonizar?
Marcelo Leite MARCELO LEITE é repórter especial da Folha, autor dos livros "Folha Explica Darwin" (Publifolha) e "Ciência - Use com Cuidado" (Unicamp) e responsável pelo blog Ciência em Dia (Ciência em dia). Escreve às quartas-feiras neste espaço.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Deputado aponta falta de amparo científico no novo Código Florestal

10/02/2011
Vice-líder do PSDB, o deputado Ricardo Tripoli (SP) voltou à tribuna da Câmara nesta quarta-feira (9) para abordar a proposta que modifica o Código Florestal Brasileiro (CFB). A matéria deverá ser apreciada pelo Plenário ainda este semestre. Na avaliação de Tripoli, o relatório aprovado ano passado pela Comissão Especial causa arrepios na comunidade científica. Segundo o parlamentar paulista, a reformulação do Projeto de Lei 1876/99 foi feita sem base científica.
A maioria da comunidade científica não foi consultada e a reformulação foi pautada em interesses unilaterais de determinados setores econômicos, apontou, ao se referir ao documento elaborado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela Academia Brasileira de Ciências (ABC). O deputado citou que, numa ação conjunta, as entidades enviaram ofício ao relator da matéria, deputado Aldo Rebello (PC-doB-SP), ponderando que o aumento da produtividade não significa a expansão das fronteiras agrícolas.
Tripoli fez referência ao presidente da SBPC, Marco Antonio Raupp, e elogiou a iniciativa de Jacob Palis, da ABC. No documento, ambos ressaltam que é possível ganhar produtividade sem precisar incorporar novas terras. Segundo o deputado, o que o País precisa é de políticas de ordenamento do território que indiquem quais são as áreas a serem ocupadas para a produção agropecuária futura.
No discurso, Tripoli sublinhou que ao tentar minimizar os problemas do agronegócio, a proposta põe em risco a biodiversidade e os serviços ambientais prestados pela floresta. A anistia concedida a quem desmatou até julho de 2008 é um absurdo. O Código já tinha sido modificado em 1989, quando se usou o avanço do conhecimento científico para aprimorar a versão original. "Não há por que agora dizer que quem devastou está perdoado. A restauração das terras tem de ser exigida. Se isso não acontecer, vão ocorrer novos desmatamentos", ressaltou.
Ainda de acordo com o parlamentar, a modificação do Código Florestal pode levar a um aumento de emissões de gás carbônico e à extinção de pelo menos 100 mil espécies. O número citado pelo deputado considera uma eventual perda de 70 milhões de hectares na Amazônia em decorrência da diminuição da Reserva Legal. "Vamos perder biodiversidade e nossas florestas não vão funcionar como deveriam. Haverá empobrecimento do solo, erosões, assoreamento de rios e danos irreparáveis em serviços ambientais das quais a própria agricultura depende", exemplificou. 
O parlamentar paulista também avaliou que esses prejuízos poderão contribuir para aumentar desastres naturais ligados a deslizamentos em encostas, inundações e enchentes nas cidades e áreas rurais, como ocorrido recentemente na região Sudeste. Ao final do pronunciamento, Tripoli ressaltou que qualquer aperfeiçoamento ao Código Florestal que o Congresso Nacional promova deve ser conduzido à luz da ciência e com a definição de parâmetros que conservem um modelo econômico que priorize, sempre, a sustentabilidade.
(Assessoria do deputado) 
 da pagina da Academia Brasileira de Ciencias http://www.abc.org.br/article.php3?id_article=1018

Deslizamentos Nova Friburgo Voo em 3D


 

Nota do Blog: Observem que os deslizamentos ocorreram na sua maioria em encostas onde o Codigo Florestal nao foi respeitado. Estudo geologico e geomorfologico feito pelo grupo GEOHECO da Universidade Federal do Rio de Janeiro demonstra quantitavamente que as Áreas de Preservação Permanente de topo de morro e encostas estao desmatadas ou tem florestas degradadas.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Recomendação Apache


Hoje como ontem. Belo Monte vs Tucuruí

Por Lúcio Flávio Pinto . 10.02.11 - 13h27

Em 1975 a hidrelétrica de Tucuruí começou a ser construída no rio Tocantins, no Pará, 350 quilômetros a sudoeste de Belém. Viria a ser a terceira maior usina de energia do mundo. A Construtora Camargo Corrêa foi escolhida para instalar o primeiro canteiro de obras. Uma vez instalada no local, ganhou a concorrência principal. E lá permanece até hoje, sempre faturando, passados 36 anos.
O orçamento inicial de Tucuruí era de US$ 2,1 bilhões. Quando chegou em US$ 7,5 bilhões, dez anos depois, a rubrica específica desapareceu. Foi remetida das contas da Eletronorte, subsidiária da região norte, para a contabilidade da sua enorme controladora, a Eletrobrás. O preço final pode ter chegado a uns US$ 15 bilhões, sete vezes mais do que a previsão na largada da obra. Mas pode ter ido além, ninguém mais sabe ao certo.
O que a Camargo Corrêa ganhou entre 1975 e 1984, quando a usina começou a funcionar, permitiu ao seu proprietário, Sebastião Camargo, se tornar o primeiro bilionário brasileiro na listagem dos mais ricos do mundo. Sua fortuna pessoal dobrou no período: de US$ 500 milhões para US$ 1 bilhão. Correspondeu ao lucro líquido acumulado nesse decênio, à boa média de US$ 50 milhões a mais por ano. Sem atualização monetária.
Ninguém protestou quando o canteiro secundário virou principal. Nem quando o contrato original foi seguidamente aditado. Ou dele derivaram outros contratos, na usina ou em uma de suas principais dependências, o sistema de transposição da enorme barragem de concreto, com mais de 70 metros de altura (correspondente a um prédio de 17 andares), que custou R$ 1,6 bilhão, o maior do país.
Nem quando o Tocantins, o 25º maior rio do mundo, com 2.200 quilômetros de extensão, cuja bacia drena 10% do território nacional, começou a ser aterrado para que do seu leito fosse erguida a represa, a obra pública que mais concreto absorveu no Brasil até então. Com o fechamento do rio, a água subiu e inundou uma área de três mil quilômetros quadrados, afogando milhões de metros cúbicos da floresta que havia em seu interior.
A legislação ambiental brasileira só começaria a nascer seis anos depois. Mas a Eletronorte sabia que Tucuruí causaria profundos danos à natureza, acima e abaixo da represa, por pelo menos 200 quilômetros a montante. Tratou de fazer um levantamento ecológico das consequências da hidrelétrica.
A tarefa foi realizada por uma única pessoa, em 1977, o americano Robert Goodland. Ele era o autor, com seu compatriota Howard Irvin, de um estudo extremamente crítico sobre a ocupação da Amazônia durante o regime militar. O título do livro, embora equivocado, dizia tudo sobre o seu conteúdo: “Amazônia: do inferno verde ao deserto vermelho”. Da tradução para o português foi expurgado todo um capítulo, sobre a matança de índios pelos projetos de “desenvolvimento”, embora a editora da publicação tivesse o selo da honorável Universidade de São Paulo, a USP.
O levantamento que Goodland fez sobre o impacto ambiental da hidrelétrica de Tucuruí podia ser considerado apenas como um exaustivo roteiro para uma pesquisa muito mais ampla, complexa e detalhada – que nunca foi executada. Problemas que eram visíveis mesmo a olho nu só foram considerados pelos “barrageiros” quando se materializaram. Efeitos danosos que podiam ser evitados ou prevenidos foram deixados à própria sorte.
De Tucuruí, no Tocantins, para Belo Monte, no Xingu, caminhando para oeste do Brasil, como sempre, na sina (e sanha) dos sempre bandeirantes, muita coisa mudou – mas, talvez, não o substancial. Ontem, um grupo de manifestantes levou a Brasília um abaixo-assinado de 500 mil nomes contra a construção da usina, que ocupará justamente o lugar até agora de Tucuruí no ranking das maiores hidrelétricas do mundo.
A caudalosa adesão de subscritores do manifesto dificilmente sensibilizará aqueles que, 20 anos depois de começarem a tratar da hidrelétrica, não têm mais dúvida alguma de que ela precisa ser construída. De qualquer maneira.
A correlação de forças não é a mesma de 1975. Por trás do selo de autorização não há uma ditadura, como então. Mas o Estado (no caso, personificado na União Federal) pode muito. Talvez ainda mais do que a sociedade. A norma processual do licenciamento ambiental foi violada para dar passagem a uma figura que o código ecológico desconhece: a “licença de instalação parcial”.
O que ela é senão a versão atualizada ao mundo jurídico da figura concreta do canteiro secundário de Tucuruí em 1975? A obra pode não começar (ou jamais vir a ser legalizada), mas seu canteiro já estará pronto. Os R$ 19,5 bilhões de financiamento de longo prazo do BNDES (num orçamento global de R$ 24,7 bilhões, ainda inconsolidado) podem não sair, mas até o final do próximo mês um bilhão de reais do “empréstimo ponte” já terá sido aplicado para executar a licença parcial. E o fato estará consumado, assim como consumatum sunt Santo Antônio e Jirau, bem mais a oeste (já quase no fim da rota dos bandeirantes em torrão pátrio), no Estado de Rondônia e no rio Madeira, o mais caudaloso afluente do oceânico rio Amazonas.
As três mega-hidrelétricas previstas para a Amazônia (sem contar outras cinco ainda em conjecturas para o vale do Tapajós/Teles Pires) representam capacidade instalada de 17,4 mil megawatts (20% a mais do que Itaipu), ainda que apenas metade desse potencial constitua energia firme (disponível ao longo do ano), ao custo de R$ 43 bilhões.
Esses números soam como poesia, para quem dispõe do poder decisório, por vários ângulos e perspectivas, enquanto as críticas e reações a esses projetos lhes chegam aos ouvidos como cacofonia irrealista, absurda. O Brasil não é o mesmo de 1975. Mas para esses cidadãos é como se fosse. Ao menos quando se trata da Amazônia. Para eles, a história se escreve com bulldozers.

Mudança no uso e cobertura do solo pode alterar dinâmica de precipitação, vazão e evapotranspiração

Estudo realizado na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq) da USP, em Piracicaba, detectou as variações do balanço hídrico e da cobertura vegetal do solo, bem como a influência da atividade humana nesses indicadores, na bacia hidrográfica do Rio Verde (Goiás). O pesquisador Ronaldo Antonio dos Santos analisou a dinâmica da precipitação, vazão e evapotranspiração e verificou se o crescimento da área com solo exposto, devido a colheita de cereais nos meses de junho e julho, influenciou esses dois últimos componentes do balanço hídrico da região. Evapotranspiração é a perda de água do solo por evaporação e a perda de água da planta por transpiração.

Publicado em fevereiro 10, 2011 por HC <http://www.ecodebate.com.br/author/admin/>

Lagos artificiais e desvio de água para irrigação também podem alterar vazões

A pesquisa, desenvolvida no programa de pós-graduação em Irrigação e Drenagem da Esalq, apoiou-se no fato de que a mudança no uso e cobertura do solo pode alterar o balanço energético na superfície terrestre e, por conseguinte, a taxa de evapotranspiração e a disponibilidade hídrica na zona radicular da planta, da mesma forma, a infiltração de água no solo, a qual origina os fluxos hídricos superficiais e sub-superficiais da bacia hidrográfica. “Além das transformações na superfície terrestre, a construção de grandes lagos artificiais e o desvio de água para irrigação também podem alterar as vazões de rios”, aponta Santos. “Outro fator que geralmente tem resultado em aumento na vazão dos rios é a substituição de vegetação nativa, como florestas, savanas e cerrados, por outras de interesse econômico, como pastagens, culturas perenes e anuais.”

A pesquisa utilizou um banco de dados hidrológicos, climatológicos e de sensoriamento remoto, assim como técnicas de processamento, análise de consistência, testes de significância e modelagem do SEBAL (método destinado a quantificar a evapotranspiração a partir de dados de sensoriamento remoto – imagens de satélite – e alguns dados meteorológicos, como radiação solar, velocidade do vento, temperatura e umidade do ar). Constataram-se dois cenários distintos em relação a vazão da bacia, um entre 1995 a 2001 (Período 1) e outro entre 2002 a 2008 (Período 2).

De acordo com os resultados obtidos, a precipitação em ambos os períodos foi semelhante, mas a vazão média anual da bacia no Período 1, foi 22% menor que a do Período 2, sendo que em uma de suas sub-bacias essa diferença chegou a 27,7%. Nessa sub-bacia, as vazões anuais do Período 1 foram sempre menores do que aquelas registradas no Período 2, mesmo nos anos mais chuvosos, ou seja, a vazão média anual do Período 2 foi 148 milímetros (mm) maior quando comparada com a do Período 1.

Volume
A bacia do Rio Verde possui cerca de 12.725 quilômetros quadrados de superfície terrestre. A lâmina de água equivale a um volume de 595.970.735 metros cúbicos por ano, lembrando que a vazão representa uma das perdas de água do sistema. Para se ter uma idéia do que esse número significa, deve-se considerar que, em 2008, o consumo médio diário de água do estado de Goiás foi de 125,5 litros por habitante, logo, esse volume seria suficiente para abastecer 13.010.331 habitantes durante um ano, número 114 vezes maior que a soma da população dos municípios da região (113.873 habitantes).

Os resultados da pesquisa sugeriram que outros componentes do balanço hídrico poderiam ter influenciado a dinâmica da água na região. Entre esses, os pesquisadores optaram por estudar a evapotranspiração, uma vez que essa é fortemente influenciada pelo tipo de cobertura do solo e disponibilidade energética e hídrica, sendo a maior responsável pelas perdas de água no balanço hídrico.

A pesquisa mostrou que a evapotranspiração representava 67% dessas perdas na bacia do Rio Verde. Contudo, o estudo também apontou que a variação da precipitação e da área com solo exposto, no mês de junho, não poderia ser a única responsável pela vazão registrada entre 1995 e 2008. Dessa forma, os estudos devem prosseguir com a quantificação dessas variáveis nos demais meses do ano, para tentar identificar as possíveis causas da alteração na vazão.

Para o orientador do trabalho, o professor Marcos Vinícius Folegatti, os resultados da pesquisa são promissores. “O emprego de técnicas de sensoriamento remoto para o monitoramento espaço-temporal da cobertura terrestre e do componente evapotranspiração será capaz de viabilizar pesquisas dessa natureza por meio da redução do tempo e investimentos financeiros necessários ao levantamento de dados de campo”, ressalta.

Reportagem <http://www.usp.br/agen/?p=47558> de Alícia Nascimento Aguiar, da *Esalq/Agência USP de Notícias*, publicada pelo EcoDebate <http://www.ecodebate.com.br/94i>, 09/02/2011