Correio Braziliense, 16/2/2011
Roberto Smeraldi
Jornalista, é diretor da Oscip Amigos da Terra - Amazônia Brasileira e autor
do Novo manual de negócios sustentáveis
Reformar o Código Florestal significa regular três grandes tarefas
estratégicas – conservar, restaurar e usar as florestas – assim como
estabelecer os instrumentos para que elas sejam realizadas na prática. O
código atual, filho de outra época, tem foco meramente em conservar, mas sem
os devidos instrumentos de implementação que a sociedade contemporânea
requer. Sendo que alguns, ainda hoje, nem sequer conservar querem – ou só
buscam emplacar propostas de anistia sobre os passivos acumulados no campo –
a necessária reforma do código ficou até hoje refém dessas ameaças. Tais
tentativas, mesmo frustradas no Congresso nas últimas três legislaturas, não
deixaram de ter duas consequências práticas.
A primeira tem sido o adiamento, ou mesmo a inviabilização, de programas de
regularização na área rural: os produtores foram instigados a boicotá-los,
com o argumento de que, ao aderir, eles perderiam a oportunidade futura de
uma impunidade ampla, geral e irrestrita. Dessa forma, o bolo dos passivos
cresceu de forma exponencial. A segunda foi a de impedir a atualização da
lei para atender as demandas da grande maioria da sociedade contemporânea,
que deixou de enxergar as florestas como restrição à atividade econômica e
as encara, ao contrário, como oportunidade de desenvolvimento e fonte de
serviços essenciais.
Nas últimas semanas, fiquei mais otimista sobre a possibilidade de destravar
o processo e criar as condições para uma efetiva reforma do código. A nova
conjuntura, mais promissora, depende de uma diversidade de fatores. Alguns
são de natureza política, como a confirmação de que a presidente da
República iria vetar quaisquer anistias que injustiçassem os que cumprem a
lei, caso tais propostas avançassem. Outros fatores vêm do campo: muitos
produtores cansaram de apostar em soluções políticas e, seja por estímulos
do mercado para obter certificações, por pressão do Ministério Público para
entrar nos cadastros rurais ou por simples necessidade de recuperar
produtividade na fazenda, começaram a pôr a mão na massa para superar os
passivos, independentemente de obrigações.
Alguns setores do agronegócio, exportadores e mais consolidados até
assumiram a recuperação ambiental como política e, legitimamente, desejam
ver esse investimento reconhecido e respeitado. Ao mesmo tempo,
ambientalistas que tendiam a ver no status quo do código, por conta das
ameaças constantes de retrocesso, um baluarte a ser mantido a qualquer
custo, começaram a entender que a mera defesa do código se tornava, ao longo
do tempo, uma vitória de Pirro.
Enquanto isso, a sociedade como um todo – chocada com as constantes
tragédias causadas, ou agravadas, pelo desmatamento – tolera sempre menos
qualquer vista grossa com o fenômeno. E aí aparece mais um fato novo: está
para se tornar público expressivo trabalho realizado pela comunidade
científica brasileira que altera as condições do debate, esclarecendo que
qualquer nova tentativa de mexer no código deve ser embasada pela ciência.
Eis que surge um caminho que rompe com o impasse convencional, entre defesa
do código e ameaças de retrocesso. Ao contrário do que muitos pensam, o novo
caminho não é algum meio-termo entre abordagens que pertencem ao passado,
seja um arcaico destrutivismo, seja um preservacionismo exclusivamente
dependente de uma capacidade de comando e controle que nunca se concretizou.
O caminho é buscar a solução na frente, com criatividade e inovação: um
código florestal inteligente, que reflita a diversidade e a complexidade da
malha territorial assim como os impactos diferentes de suas formas de uso;
que crie e regule mercado para os ativos e passivos florestais a partir de
mecanismos de troca e recomposição, inclusive para progressiva
regularização; que fomente a estruturação das cadeias relacionadas com os
produtos e serviços florestais em articulação com a indústria; que garanta
as condições de produtividade para a necessária competitividade da
agropecuária em suas diferentes escalas, ampliando os avanços expressivos
que alguns segmentos já alcançaram; que crie as condições para aumentar o
patrimônio florestal do país em vez de mitigar as condições de perda.
Se a sociedade souber sinalizar, com novas e ousadas articulações, que esse
é o caminho, dificilmente o governo deixará de pautar a proposta, em fase de
construção, em tais bases. E dificilmente o Congresso recém-empossado
perderá a oportunidade de superar um embate que já se tornou caricatural,
cumprindo a tarefa histórica de desenhar a regulação para as próximas
décadas em vez de olhar para as décadas passadas.