quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Vende-se felicidade

Daniela Arrais/Folha Imagem

Quando começou sua empresa há dez anos, Tony Hsieh queria atrair clientes com uma grande quantidade de produtos _mais especificamente, sapatos. Dez anos depois, seu objetivo é entregar felicidade a todo mundo que está envolvido nos negócios, desde os clientes até os investidores, passando, é claro, pelo investidores.

Hsieh é o presidente-executivo da Zappos, loja on-line especializa em roupas e sapatos que faturou mais de US$ 1 bilhão em 2008. No último mês de julho, a empresa foi comprada pela Amazon, por US$ 928 milhões. Convidado do Digital Age 2.0, que ocorre em São Paulo hoje e amanhã, Hsieh focou sua palestra em satisfação do consumidor.

Citando livros como "Tribal Leadership", "Four hour work week" e "Hapiness Hypothesis", Tony dividiu os segredos que fazem da Zappos uma empresa de sucesso. O principal deles é se manter sempre conectado com o consumidor. Para isso, vale usar o "ultrapassado" telefone, que, segundo Hsieh, continua sendo uma das ferramentas mais eficazes de relacionamento entre empresa e cliente.

"Na maioria dos sites, é difícil achar o contato da empresa. A gente colocou um número gratuito em toda página. Porque, na verdade, a gente quer falar com nossos clientes", disse. "E quando os clientes conseguem falar conosco, vão lembrar disso, vão falar para os amigos e para a família."

Oferecer remessa gratuita e garantir a devolução dos produtos por 365 dias também contribuem para o alcance da marca.

Hsieh começou a carreira de empreendedor nos corredores da faculdade, quando vendia pizzas. Em 1996, fundou a LinkExchange, empresa de propaganda on-line que foi comprada pela Microsoft por US$ 265 milhões. Em 1999, lançou o fundo de investimento Venture Frogs. Com o montante levantado, investiu na Zappos, criada em 1999.

Hoje, a empresa tem um 1.300 funcionários _metade baseados em Las Vegas, metade em Kentucky. A empresa conquistou o 23º lugar na lista da revista "Fortune" de 100 Best Companies to Work For (as cem melhores empresas para se trabalhar).

Para fazer a Zappos crescer, Hsieh investe, também, em "company culture", ou seja, os valores que fazem uma empresa única. Antes de serem contratados, por exemplo, os funcionários passam por duas entrevistas. Ao final, a empresa oferece US$ 2 mil para a pessoa deixar o futuro cargo. "Não queremos pessoas que estão lá pelo contracheque, mas que queiram se dedicar, que acreditem em nossa cultura", disse. Em 2007, cerca de 3% pegaram a oferta. Neste ano, o índice foi de menos de 1%, segundo ele.

Para a felicidade ser o motor da empresa, Hsieh indicou algumas posturas que tenta incentivar em seu time: entregar serviços surpreendentes, encorajar e dirigir mudanças, criar diversão e um pouco de loucura, ser aventureiro, criativo e ter a mente aberta, ir em busca de crescimento e conhecimento, construir relações de comunicação abertas e honestas, construir um time positivo, com espírito de família, fazer mais com menos, ser apaixonado e determinado e humilde.

"As pessoas são muito ruins em prever o que vai deixá-las felizes", disse, acrescentando a importância de fazer algo por prazer, e não só pelo dinheiro. Bom papo que misturou empreendedorismo com auto-ajuda.

Escrito por Daniela Arrais às 11h17

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Os riscos climáticos ao “maravilhoso planeta azul”


Encontro com especialista do Instituto de Pesquisas Espaciais, Antônio Donato Nobre, discute sistemas agroflorestais como alternativa de controle na evolução das alterações de temperatura do mundo.


Sem meias-palavras e por meio de comparações simples, fenômenos que a princípio parecem complexos podem ser traduzidos, simplificados, entendidos e, a partir daí - eis a palavra-chave – dialogados. E é lançando mão dessa fórmula – a fórmula da democratização do conhecimento – que o pesquisador Antônio Donato Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), resgata as referências individuais de mundo para disseminar o que cientistas por vezes preferem manter envolto em redomas academicistas.


Durante o VII Congresso Brasileiro de Sistemas Agroflorestais, Donato – que é engenheiro agrônomo, mestre em Biologia Tropical (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e PhD em Earth System Sciences (Biogeochemistry) pela University of New Hampshire – vai participar das rodas de diálogo e interação para falar sobre mudanças climáticas, um dos temas de maior destaque e causador de preocupação na pauta internacional. Como isso acontece - visto e explicado de uma forma diferente - é o que ele vai compartilhar com os demais participantes do evento, que começa dia 22 de junho em Luziânia (GO). Um pouco do que será conversado durante o encontro, Donato adiantou para esta entrevista.


Qual é a relação entre sistemas agroflorestais e as mudanças climáticas?


O sistema terrestre - a despeito de alterações profundas na composição de gases estufa na atmosfera e no considerável aumento de emissão do sol nos bilhões de anos desde sua formação - tem mantido seu clima de superfície de modo surpreendentemente estável. Se considerarmos ainda uma grande quantidade de outros fatores no metabolismo geológico do planeta, como vulcanismos, glaciações, etc., fica ainda mais difícil explicar por que os dois vizinhos cósmicos – Vênus, uma sauna sulfúrica ácida, e Marte, um freezer que cheira a ovo podre - não puderam desenvolver tal estabilidade extraordinária como a Terra.


Somente um fator distingue nosso planeta: a vida. Embora ainda não completamente contabilizada nos cálculos do IPCC, nem representada apropriadamente na maioria dos modelos matemáticos que lutam para predizer - como num oráculo computacional - o que vai acontecer no clima nas próximas décadas, a vida tem propriedades de autorregulação únicas, vide a própria temperatura corporal em nossos corpos, mantida nos 37 graus apesar das enormes variações de temperatura ambiental a que estamos submetidos continuamente.


Os elaboradíssimos processos da vida são verdadeiros termostatos inteligentes que respondem a flutuações nas condições climáticas com interferências ativas nos ciclos da água, do carbono e numa grande variedade de processos na superfície que resultam no maravilhoso e confortável planeta azul no qual vivemos.


Ora, a vida - diferentemente de moléculas de CO2 que fluem daqui para outra parte e de volta passivamente ao sabor dos ventos e das correntezas - existe somente nos organismos, superestruturas de carbono, cuja complexidade e sofisticação ainda permanece na sua maior parte desconhecida da humanidade. Este "carbono-vivo" nos organismos processa fluxos de matéria e energia que resultam na estabilização climática local e por decorrência, na somatória do efeito de todos os organismos na biosfera, para a manutenção do planeta habitável.


Onde estão os organismos? Anteriormente em todas as partes da superficie e próximos dela, compondo a densa biosfera. A biosfera intacta manteve sua função reguladora mesmo atravessando cataclismas naturais de grandes proporções. Com o surgimento da tecnociência e a enorme facilitação das engenharias, a humanidade passou a remover, destruir ou substituir os biomas por sistemas humanos, otimizados para suas finalidades específicas. Estas interferências nos "órgãos" do metabolismo climático planetário estão hoje sendo reconhecidas como fatores mais graves no presente curso de alteracões climáticas do que as emissões de poluentes por si mesmas.


Um exemplo acessível que ilustra o efeito da destruição de ecossistemas complexos na sua capacidade de condicionar o clima pode ser encontrado no caso de um alcoólatra que ingere uma substância tóxica, a qual seu fígado processa e expele num metabolismo complicado e custoso. O poluente tóxico análogo seriam os gases que liberamos na atmosfera, e o fígado análogo que poderia lidar com estes gases e recobrar o equilíbrio orgânico seriam os ecossistemas nativos.


Imagine-se um alcoólatra inveterado de quem se removessem pedaços do fígado (em nome do desenvolvimento). O que se passaria com sua capacidade para lidar com os tóxicos ingeridos? É isso que estamos sistematicamente e insensivelmente fazendo no planeta: removendo ou empobrecendo ecossistemas, destruindo-os ou degenerando-os das mais variadas formas.


Os sistemas agroflorestais são uma tentativa bem intencionada de enriquecer nossos sistemas agroecológicos de produção com maior biomassa, maior variedade de espécies, e - o que ainda tem sido pouco explorado - tentar reconstruir alguma capacidade original em termos de serviços ambientais, ou seja, permitir que os organismos ali cultivados possam, se não substituir, ao menos emular proximamente o papel desempenhado por seus homólogos nos ecossistemas nativos.


Como tal, os SAFs têm o potencial de ajudar, juntamente com processos diretos de reconstrução de ecossistemas, no combate urgentemente necessário aos poluentes atmosféricos que ameaçam entornar o caldo da orgulhosa civilização global. Mas para que os SAFs possam cumprir esta nova função é imperioso que agrônomos, agricultores, estudiosos e interessados se voltem para os fundamentos ecológicos e biogeofísicos que explicam a regulação planetária pela biosfera.


Neste sentido os povos nativos, que souberam guardar algo dos conhecimentos ancestrais de respeito à complexidade na natureza que tinham como sagrada certamente têm muito a nos ensinar. Diante do enorme desafio colocado para a sobrevivência planetária, surge a necessidade de articulação de toda sorte, associações de grande alcance que possam acelerar a aplicação do conhecimento na recuperação das vastíssimas áreas devastadas pela agricultura irresponsável e arrogante resultante do reducionismo patológico que tomou conta da maior parte das engenharias.


Qual é a influência das mudanças climáticas na produção de alimentos?


Climas extremos são a antítese da vida - vide Vênus e Marte, vide os locais da própria Terra onde as oscilações ou as condições médias são hostis ao desenvolvimento de plantas e animais. Todas as previsões, mesmo as mais otimistas, pintam quadros tétricos para o clima num futuro próximo. A menos que convertamos a produção de alimentos para a hidropônica, dessalinizemos a água do mar, e nos refugiemos em cavernas ou edifícios blindados, o futuro da produção de alimentos tem a cara do que já hoje ocorre em desertos: dificuldades muitas, enormes dificuldades.


quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Plantar água’ é saída para enfrentar mudanças climáticas

Observar as plantas e copiar a natureza. Esta foi a saída que o agricultor Jurandi Anunciação de Oliveira buscou no conhecimento tradicional para matar a charada proposta por um técnico que lhe recomendou “plantar água” para conviver com a escassez de água no semiárido nordestino de Cafarnaum, cidade baiana onde mora.

A saída também servirá para amenizar o aquecimento global, segundo entende o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Antônio Donato Nobre. Ambos estiveram juntos em conferência sobre sistemas agroflorestais e mudanças climáticas realizada nesta quarta-feira (24) em Luziânia (GO).

“Eu planto mil folhas de palma, colho 4.750 litros de água e posso cultivar manga em agosto sem depender de água de barragem ou de chuva”, contou o agricultor durante o seminário que compôs a programação do VII Congresso Brasileiro de Sistemas Agroflorestais (VII CBSAF), organizado pela Embrapa e parceiros, e que tem objetivo de proporcionar o compartilhamento de experiências.

Oliveira conseguiu driblar os efeitos da seca em sua propriedade compactando folhas de palma sob o solo em que plantaria fruteiras. Mas como essa lógica tem indicado caminhos para salvar a Terra dos efeitos danosos das mudanças climáticas – que são dez vezes mais graves do que dizia o último Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC),
conforme anunciou Nobre.

Regador do Éden

A descoberta de que a “floresta amazônica é o regador do Éden” ou que as árvores transpiram por unidade de área mais do que o oceano ocorreu fora dos modelos matemáticos dos meteorologistas, destacou o agrônomo. Pela física, os cientistas russos captaram os princípios da natureza que os agricultores já haviam captado pela intuição: as florestas funcionam como
uma bomba de água, sendo, portanto essenciais no resfriamento da Terra, disse Nobre.

Segundo ele, cada árvore grande na Amazônia chega a evaporar 300 litros de água por dia. Conseqüências do aquecimento global que estavam sendo esperadas para 2050 teriam começado a ser registradas já em 2007, destaca o pesquisador. “O gelo do Ártico derreteu tão rápido que desestimulou os investimentos para a ampliação do canal do Panamá”, aponta Nobre como um dos eventos que estão sendo antecipados, pegando meteorologistas de surpresa.

“Ou muda ou morre”

O alerta foi feito pelo agricultor familiar Oliveira para o contexto da região semiárida onde vive, mas tem a concordância do pesquisador do Inpe, cujo foco é a situação do Planeta: “a mordida virá, inesperada e brutal”, sentencia, tendo por base dados históricos e não futorológicos conforme frisa.

A saída, segundo entende não estará numa tecnologia que, sozinha, nos salve dos desastres climáticos, mas de uma agenda de colaboração e na disseminação do conhecimento.

O agrônomo desenvolve projeto denominado Fênix amazônica, uma proposta que, a partir da síntese do conhecimento acumulado em vários setores, possa ser acessível e viabilizar saídas colaborativas para questões específicas como a fundiária, dos poluentes e da sustentabilidade.

Embora aponte a necessidade de correção de rotas em diversas áreas, Nobre avalia que “não haverá solução sem a Embrapa, sem a ciência e sem o conhecimento intuitivo do produtor”.

Para acompanhar a programação completa e as notícias sobre o VII Congresso Brasileiro de Sistemas Agroflorestais que segue até sexta feira, 26, basta acessar www.embrapa.br/viicbsaf.

O evento é promovido pela Sociedade Brasileira de Sistemas Agroflorestais e realizado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em parceria com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal (Emater/DF) e a organização não-governamental Mutirão Agroflorestal.

A organização do VII CBSAF é da Embrapa Transferência de Tecnologia (Brasília/DF) e o evento conta com apoio da Embrapa Cerrados (Planaltina –DF), Embrapa Floresta (Colombo/PR) e da Embrapa Informação Tecnológica (Brasília/DF).

Texto de Valéria Costa, da Embrapa Transferência de Tecnologia, publicado pelo EcoDebate, 26/06/2009

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Por que o tempo está louco


Uma nova teoria diz que a destruição das florestas é responsável pelas mudanças climáticas extremas

Maíra Magro Isto é - 04/05/2009

A TEORIA DA BOMBA BIÓTICA
Os físicos russos afirmam que as árvores são responsáveis pela distribuição dos ventos e formação da chuva


O país é o mesmo. O dia, mês e ano também. Brasil, 28 de abril de 2009. No Rio Grande do Sul o índice de chuvas está 96% abaixo do que seria normal neste período. A taxa de umidade despencou para menos de 20%, enquanto o saudável é praticamente o dobro. Tudo é seca e insolação. Brasil, 28 de abril de 2009. No Piauí os moradores enfrentam as piores cheias dos últimos 25 anos. Chove sem parar.

Cidades estão ilhadas. Cerca de 100 mil pessoas ficaram desabrigadas. "O tempo anda louco", eis a frase leiga e padrão que mais se fala e mais se ouve na queixa das pessoas em relação às radicais discrepâncias climáticas. Vale para o Norte e Nordeste do País, vale para a região Sul também. A mais nova e polêmica explicação para tais fenômenos trata de uma revolucionária teoria sobre as chuvas, chamada "bomba biótica", e pode mudar os conceitos da meteorologia tradicional.

Olhemos agora, por exemplo, não para a "loucura do tempo" em um único país, mas, sim, para a "loucura a dois". Por que chove tanto em algumas regiões distantes da costa, como no interior da Amazônia, enquanto países como a Austrália se transformaram em deserto? Os cientistas russos Victor Gorshkov e Anastassia Makarieva, do Instituto de Física Nuclear de São Petersburgo, sustentam, embasados na metodologia da bomba biótica, que as florestas são responsáveis pela criação dos ventos e a distribuição da chuva ao redor do planeta - como uma espécie de coração que bombeia a umidade. Esse modelo questiona a meteorologia convencional que explica a movimentação do ar sobretudo pela diferença de temperatura entre os oceanos e a terra.

Ao falarem de chuva aqui e seca acolá, Gorshkov e Anastassia acabam falando de um dos mais atuais e globalizados temas: a devastação de matas. "São as florestas que trazem a umidade atmosférica para o continente. Destruir árvores modifica a direção dos ventos, tranca a entrada de umidade no continente e, no final, o transforma em deserto", dizem eles.

Para o biogeoquímico Antonio Donato Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e principal proponente da linha da bomba biótica no Brasil, é somente ela que explica com clareza a contradição entre a seca e a aridez que estão minguando as lavouras na região Sul e as chuvas intensas que transbordam o Norte e o Nordeste. "O primeiro efeito da devastação das florestas é o aumento na frequência de todo tipo de clima extremo", dizem os pesquisadores russos. "São os sintomas de um sistema desregulado", endossa o brasileiro Nobre.

A dinâmica do processo começa pela transpiração das árvores e consequente liberação de alto volume de vapor d'água. Ao subir, esse vapor encontra camadas de ar frio e se condensa, formando nuvens. É nessa condensação que a água passa do estado gasoso para o líquido, diminuindo de volume, e o ar acima das florestas se torna mais rarefeito, gerando queda da pressão atmosférica.

Nesse ponto a bomba biótica, segundo seus defensores, entra em ação. A queda na pressão acima das florestas faz com que o ar de superfícies vizinhas seja puxado em direção a elas, e isso resulta em ventos. Se estiverem próximas ao mar, o ar úmido resultante da evaporação do oceano é puxado para o continente, possibilitando a circulação de água ao redor da Terra. Segundo Gorshkov e Anastassia, a evaporação de água é mais intensa acima das grandes matas que nos mares e a queda de pressão superior no continente sugaria o ar úmido do mar.

"O efeito da evaporação e da redução da pressão atmosférica acima das florestas na circulação do ar é muito pequeno", diz o professor americano David Adams, da Universidade do Estado do Amazonas - ou seja, é uma voz contra a teoria dos físicos russos, que, segundo ele, estão supervalorizando a força da bomba biótica.

Agora uma voz que lhes dá pelo menos o benefício da reflexão por parte da comunidade científica. Vem do climatologista José Antonio Marengo, do Inpe: "Precisamos considerar a viabilidade da tese, estudar mais o fenômeno para definir quão crucial é o papel da bomba biótica na circulação do ar." Se for provada a correção da nova teoria, isso torna o papel das florestas ainda mais essencial para o bem-estar do planeta. Enquanto a meteorologia convencional prevê que o desmatamento reduza as chuvas de uma região em cerca de 20%, a bomba biótica prega que tal redução pode bater na casa dos 100%. "Destruir a Amazônia, por exemplo, significa transformar todo o continente num insuportável e inabitável deserto", diz Gorshkov.

fonte http://www.terra.com.br/istoe/edicoes/2060/artigo132866-1.htm

Críticos cobram apoio do País ao REDD


Posição brasileira sobre o tema é ‘atrasadíssima’, diz professor da UnB


Floresta presta muitos serviços ambientais além do ciclo de carbono


Herton Escobar, BONN, ALEMANHA


A medida que a cúpula de Copenhague se aproxima, aumentam as pressões – doméstica e internacional – para que o Brasil mude sua posição sobre a inclusão do desmatamento evitado (via REDD) no mercado de carbono. Críticos ouvidos pela reportagem do Estado classificaram a atuação brasileira no tema como “retrógrada”, “anticientífica”, “maniqueísta” e contrária aos esforços de conservação das florestas tropicais. “A posição do Brasil é atrasadíssima”, diz o sociólogo Eduardo Viola, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Segundo ele, o País está “prisioneiro de um erro histórico” que cometeu em 1997, quando se opôs à inclusão do desmatamento evitado no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Kyoto – apesar de todos os outros países florestais serem a favor. “Foi um tiro no pé”, diz Viola. “O Brasil está isolado.” Muitas dessas políticas, diz ele, estão enraizadas numa “paranóia histórica” que envolve a soberania nacional e o domínio da Amazônia. “Essa proteção da soberania acaba sendo uma proteção das forças que desmatam”, diz a antropóloga cultural Myanna Lahsen,do Inpe, autora de um estudo sobre as relações de poder que moldaram esse debate no Brasil [nota do blog, Lahsen, 2009 Climatic Change, The Politics of Carbon Cycle Science in Brazil]. Ela aponta que,mesmo diante do acúmulo de evidências científicas mostrando que a Amazônia não funciona apenas como um reservatório, mas também como um sumidouro de carbono (absorvendoCO2 da atmosfera), a agenda brasileira manteve-se contrária à inclusão das florestas nativas no mercado de carbono. “Precisamos ser mais flexíveis”, diz. Para o ecólogo Antonio Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, a diplomacia brasileira sobre carbono florestal é comandada por um “grupo ideológico e secretivo”, que fecha os olhos para a ciência e continua a insistir na mesma “política falida de Kyoto”. Ele teme que as incertezas levantadas sobre o papel do desmatamento nas emissões globais de carbono sejam usadas para sabotar um acordo favorável ao REDD em Copenhague. “Vão tentar remover as florestas das negociações, como já fizeram em Kyoto, e veja onde isso nos levou. As emissões globais de carbono só aumentam e nossas florestas continuam sendo devastadas”, aponta Nobre, ressaltando que os ecossistemas florestais prestam muitos outro serviços ambientais além do ciclo de carbono. “O maniqueísmo em torno de uma incerteza numérica ignora totalmente esses outros valores. Mas os negociadores, com a participação ativa do grupelho ideológico que manipula nossa agenda nesta área, se refestelam com o reducionismo no debate. ”No cenário político nacional, o REDD conta com o apoio de todos os governadores da Amazônia, que pressionam o governo federal no sentido de mudar a posição do Brasil para Copenhague. “Precisamos adotar uma linha de negociação mais pragmática e menos punitiva”, diz o diretor da Fundação Amazonas Sustentável, Virgílio Viana. Ele coordena uma “força tarefa” montada a pedido do Fórum de Governadores da Amazônia para discutir o REDD, com a participação de vários representantes das esferas estaduais e federais. A primeira reunião ocorreu na semana passada, no Rio, e deixou Viana otimista.“Aqueles que chegaram com uma posição radicalmente contra saíram abalados. Aqueles que chegaram indecisos, saíram convencidos”, garante Viana. Segundo ele, todas as questões técnicas levantadas contra o REDD já têm solução.


segunda-feira, 10 de agosto de 2009

A hipótese Marina

FOLHA DE S. PAULO, TENDÊNCIAS/DEBATES
ALFREDO SIRKIS

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As reações até agora escamotearam o essencial: Marina representa ideias e aspirações compartilhadas por milhões de brasileiros
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É COMPREENSÍVEL que a possibilidade de uma candidatura da senadora e ex-ministra do meio ambiente Marina Silva cause, por um lado, entusiasmo e excitação e, por outro, preocupação.
Milhões de brasileiros sensíveis à causa ecologista, à sustentabilidade ambiental e social de nosso modelo econômico, aos destinos do planeta ameaçado pelo aquecimento global, à devastação de nossos ecossistemas e à qualidade de vida nas nossas cidades vivem na expectativa de dispor de uma voz própria, eloquente, na campanha presidencial -até agora arena exclusiva dos defensores do desenvolvimentismo clássico dos anos 60.
Por outro lado, entende-se que haja políticos inquietos, cada qual fazendo seu cálculos: afinal, uma eventual candidatura da Marina Silva me ajuda ou me atrapalha? Quanto ajuda? Quanto atrapalha? Bombardear? Não bombardear?
É curioso que as reações políticas e a maioria das análises jornalísticas gravitem em volta desses cálculos pragmáticos enquanto escamoteiam o essencial: Marina representa ideias e aspirações hoje compartilhadas por milhões de brasileiros.
Não será legítimo e até importante para a democracia brasileira que elas estejam representadas em uma eleição de dois turnos?
Numa dimensão minimalista, teríamos uma campanha altamente instrutiva e educativa, não apenas naquele discurso clássico, defensivista, do ambientalismo (deter a destruição da Amazônia e de sua biodiversidade, a contribuição das suas queimadas em emissões de CO2 etc.) mas também na didática daquilo que as vertentes hegemônicas do desenvolvimentismo clássico não conseguem perceber: o futuro econômico e social do Brasil, hoje, depende de mergulharmos de cabeça numa economia verde!
Nenhum outro país está tão bem posicionado quanto o Brasil para atrair investimentos para um ecodesenvolvimento, muito embora insistamos em monoculturas, na devastação da biodiversidade para estender mais e mais a fronteira pecuária, em subsidiar veículos poluentes e emissores de carbono, em novas termoelétricas a carvão e novas rodovias no coração da floresta.
No entanto, Marina tem um potencial além do eloquente discurso de primeiro turno para depois arrancar compromissos programáticos.
Ela pode contribuir para a superação dessa abissal fenda da política brasileira: a compulsória aliança das duas vertentes da social-democracia com as oligarquias políticas na busca da governabilidade.
PT e PSDB disputam, como lucidamente notou em certa ocasião o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, "quem vai liderar o atraso".
No instável sistema político-institucional produto do nosso "voto jabuticaba", proporcional personalizado, ambos dependem do clientelismo e do fisiologismo profissional para governar. Melhor fariam em se aliar em algum momento, mas, como a disputa central se dá entre eles, isso dificilmente acontecerá, e a rivalidade entre eles é feroz.
Nós, verdes, nos relacionamos com ambos e reconhecemos o papel que respectivamente tiveram nos inegáveis avanços econômicos e sociais vividos pelo Brasil desde 1994.
Marina é bem talhada para promover uma nova governabilidade com ambas as vertentes que, enfim, supere essa polarização bizarra, isole o atraso e abra caminho para uma reforma do nosso sistema eleitoral, secando sua dependência do clientelismo, do fisiologismo e do assistencialismo, fontes maiores da corrupção, do excesso de cargos comissionados, do mau uso da máquina pública e da compra de votos, direta ou via centros assistenciais.
O direito de ter um sonho de país e lutar para tirá-lo do papel é inalienável. Os verdes não abrem mão dele, mas também reconhecem que isso transcende suas limitadas fileiras.
Nesse momento, é impossível saber, de fato, se Marina será ou não candidata. É uma decisão difícil, de fé íntima, que há que aguardar.
O caminho político, no entanto, é claro: não é anti-PT. Nossa fraternidade, muito particularmente com o PT do Acre, remonta a Chico Mendes.
Também não é antitucanos.
Certamente não é anti-Lula, embora não possamos abrir mão de criticar sua atitude frequentemente atrasada e deseducativa na questão ambiental.
Pode, eventualmente, vir a ser pós-Lula...
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ALFREDO SIRKIS, 58, é vereador pelo PV no Rio de Janeiro, presidente do Partido Verde do Rio e vice-presidente nacional de seu partido. É autor, entre outras obras, de "Os Carbonários".

Para além do verde

MIRIAM LEITÃO
Coluna no Globo 09/AGO/09

Espaço existe. Pode aparecer uma candidatura ou um programa de governo que vão além da mesmice dos potenciais candidatos a presidente em 2010. Marina Silva pode ou não ser essa pessoa, mas, ao surgir, ajuda a vislumbrar como pode ser verde o eixo de uma campanha. Hoje, a questão ambiental virou climática, ganhou dramaticidade, urgência e transbordou. Foi além do verde.

Pode ser outra candidatura, ou uma transformação convincente de um atual candidato. Mas espaço existe. Hoje, o desafio posto sobre o planeta e sobre o Brasil é como construir a saída da crise ficando diferente; como injetar dinamismo na economia por mudar o modelo. Isso leva a programas transformadores e escolhas novas em todas as áreas. O desafio climático atingiu o patamar de dar coerência a um novo programa de desenvolvimento.

O desenvolvimentismo do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) tem vários problemas. O mais grave dele é ser velho. Ele ecoa ainda um "governar é abrir estradas", do mais remoto e arcaico Brasil; recorda a ideologia dos "projetos de impacto" do governo Médici. Não há, nunca houve, no programa de obras com o qual a possível candidata Dilma Rousseff pretende concretar sua subida pela rampa do Planalto, a menor sombra de atualidade. É impossível conciliar a esta altura o carro-chefe da ministra Dilma com o crescimento sustentável. Eles são opostos.

Um exemplo: a BR-319 tem sido defendida com o mesmo autoritarismo e falta de sentido da Transamazônica do governo militar. Não se sabe por que fazer a estrada, não se conhece estudo de modal alternativo, nem de viabilidade econômica. A ideia é apenas rasgar a floresta, num ponto nevrálgico, para levar as hordas de sempre de grileiros, especuladores, que abrirão novas cidades, que viverão dos repasses da União e repetirão a tragédia de atraso e violência. Está sendo usada a mesma técnica de pôr o Exército, como se fosse uma empreiteira, para tocar a obra enquanto a licença não vem. É a estratégia do fato consumado usada na transposição do Rio São Francisco. Dilma ainda vê o ambientalismo como inimigo a ser derrotado.

O dilema hamletiano da oposição tucana se agrava. O ser-não-sendo-candidato do governador de São Paulo, José Serra, tem vários defeitos. O pior deles é deixar espaço vazio, o que em política pode ser fatal. Se Serra tem uma ideia na cabeça, se ele tem um programa diferente, não se sabe. Ele vai disputar a mesma embalagem de bom gerente na qual se enrola a ministra da Casa Civil. Com uma vantagem: Serra já testou com sucesso o modelo da pessoa que faz acontecer em vários níveis de governo, em vários cargos. A Dilma é mais recente nesta vestimenta e tem contra si as evidências dos erros gerenciais do governo e as estatísticas de baixo desempenho do PAC. Se o candidato tucano for o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, ele também, até agora, mostrou que quer disputar o modelo do bom gerente com obras a apresentar. A grande divergência que Serra tem com o governo é a política cambial e monetária. A mesma que tinha quando as bases dessa política foram implantadas no governo tucano. Isso já era velho em 2002 e apequena qualquer campanha.

Houve um tempo em que o verde era apenas verde e o tema só fazia sucesso no gueto. Hoje, mudou radicalmente o conceito de progresso. Hoje, ele se desdobra em várias áreas: uma política externa que dará ao Brasil liderança na questão climática; uma política econômica de desenvolvimentismo moderno que mude a forma de produzir e usar energia; novas escolhas nos financiamentos públicos; na transformação da indústria. Significa ainda mudança de comportamentos; investimentos maciços em ciência e tecnologia; novos eixos da política de saúde pública; uma educação voltada para o que será exigido no futuro que começa agora, um mercado de trabalho que criará empregos ligados a novas tecnologias de energia e produção.

Uma proposta de governo que trate a questão climática-ambiental com a seriedade devida terá de enfrentar a falta de respeito à lei na Amazônia e isso será um avanço civilizatório. O combate ao atraso de uma parte do agronegócio abrirá novos mercados ao Brasil. O verde pode ser o veio central de uma proposta coerente em todas as áreas e atualizada com o que de mais moderno se conversa no mundo. O conhecimento do assunto se aprofundou tanto que os candidatos que usarem o nome da "sustentabilidade" em vão serão desmascarados como impostores. Não há clima para improvisos e maquiagem.

Se a senadora Marina Silva (PT-AC) for a candidata deste programa tem muito a fazer. Primeiro, precisa ir além da própria origem. Os passos que a levaram à militância política partiram do extrativismo. Isso é pequeno. Não dá nem para o começo da construção de um programa robusto. Precisará absorver o que está acontecendo no mundo e terá sim "enfrentamento". Inevitável. O Brasil atrasado e arcaico está em plena ofensiva contra o meio ambiente, como a própria senadora denunciou na aprovação da MP da grilagem. Não há composição possível com quem acha natural um programa decenal de energia que prevê 82 termelétricas a combustível fóssil. É preciso denunciar o que já caducou, contrariar interesses, enfrentar o velho.

Essa possibilidade pode não ser percebida pelos partidos que estão muito ocupados com as cenas de pugilato verbal e de degradação em que se transformou o ambiente político. Se a questão climática não tiver a atenção que merece, o Brasil terá uma campanha eleitoral, na segunda década do século XXI, discutindo ainda o século XX.