quinta-feira, 16 de abril de 2009

Os Super-Pernilongos de São José

Antonio Donato Nobre

De uns anos para cá notamos um aumento progressivo e acentuado da incidência e da agressividade de pernilongos na cidade. Para assombro dos Joseenses, os novos mosquitos não mais se intimidam com os protetores domésticos que se usava satisfatoriamente por muitos anos (piretróides por dispersão térmica). Mais recentemente até produtos fortes como o OFF e similares, aplicados diretamente à pele, que normalmente são capazes de afastar agressivos borrachudos no litoral, parece já não impedir que estes zangados pernilongos urbanos ataquem, piquem e extraiam sangue. E o que é pior, as novas picadas produzem irritação anormal e com alguma freqüência até infecções localizadas. O que estaria acontecendo com os pernilongos de São José dos Campos?

Qualquer médico, agrônomo ou biólogo sabe que a aplicação continuada de controle químico (venenos) em organismos invasores, sejam micróbios, insetos ou qualquer outro, tenderá a produzir uma pressão seletiva artificial que levará ao surgimento de variedades destes organismos resistentes ao respectivo veneno (os pernilongos suscetíveis ao veneno morrem, sobrando para reproduzir-se somente aqueles mais resistentes).

No caso de São José, a intensidade e freqüência das fumigações conduzidas pela prefeitura explicam facilmente o desenvolvimento de super-pernilongos. E o pior, pelas razões citadas acima é inevitável que as fumigações tornem-se cada vez menos eficazes. Urge, portanto encontrar outras soluções de controle e diminuir drasticamente as fumigações.

O pernilongo se propaga a partir de ovos depositados em corpos d água.

Quanto mais poluída a água, maior a disponibilidade de nutrientes para as larvas do pernilongo, maior sua explosão populacional. Também, a falta de animais predadores de larvas e formas adultas do pernilongo (sapos, peixes, crustáceos, aranhas, pássaros, morcegos, etc.) acaba por amplificar o efeito da explosão populacional dos mosquitos. Piorando o quadro, o uso de inseticidas nos mosquitos contamina a cadeia alimentar, matando os poucos predadores destes que sobraram na cidade.

São José é uma cidade que se orgulha da excelência aeronáutica em suas escolas e industrias. A aeronáutica moderna tem pouco mais de 100 anos, já o pernilongo existe a centenas de milhões de anos. O pernilongo, analisado sob um potente microscópio, é uma maravilha tecnológica da aeronáutica-silvestre, miniaturizada em nano escala e com um nível de complexidade e sofisticação ordens de magnitude superior ao encontrado em qualquer aeronave construída pelo ser humano. Ele sobreviveu aos dinossauros, e seguramente sobreviverá à própria humanidade na Terra. É, portanto, pueril achar que ele pode ser exterminado com doses constantes ou mesmo massivas de venenos. O que se vê em São José é exatamente o contrário, ou seja, super-pernilongos, tornados agora resistentes, tomando veneno de canudinho, como se fosse vitamina. Os super-pernilongos de São José são a prova de que o controle químico, conquanto útil em alguns casos agudos, é um desastre quando aplicado em demasia e/ou por tempo prolongado.

A solução deste problema passa então pelo desenvolvimento de uma consciência ambiental que contemple abandonar as soluções pobres (gramados e veneno) e adotar soluções de reaproximação com a Natureza.

A engenharia produziu muitos milagres tecnológicos com os quais nos maravilhamos a todo dia. Mas a tecnologia e a complexidade da Natureza, quando devidamente reconhecidas, colocam toda nossa engenharia numa condição humilde, levando-nos a concluir: temos ainda muito a aprender com o mundo natural.

Antonio Donato Nobre é agrônomo, mestre em ecologia tropical e doutor em biogeoquímica