03 de Outubro de 2012
*Maria Dalce Ricas
Construir o novo Código Florestal, com base em conhecimentos técnicos, foi e continua sendo um princípio defendido por diversas instituições. Entre elas, obviamente, está a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que reúne 98 outras sociedades científicas associadas e mais de 6 mil sócios ativos, entre pesquisadores, docentes, estudantes, amigos e simpatizantes. Os ruralistas argumentam o fato de o novo texto legal ser único para o país, apesar da diversificação de ambientes naturais; e assim, querem que os Estados tenham o poder de refazer suas próprias normas. Um exemplo é o tratamento de Áreas de Preservação Permanente (APPs) de margens de cursos d´água existentes, que correm tanto em serras como nas planícies. O argumento, por si, é válido. Mas, na verdade, é uma armadilha descarada. Eles sabem que ainda menos que na discussão de âmbito nacional, na maior parte dos Estados, esses fatores científicos nem existirão.
A Ciência, certamente, não é dona integral da verdade. Mas, foi graças aos estudos de muitos cientistas, que diversos problemas antes enfrentados pela humanidade hoje foram superados. A produção agrícola é exemplo disso. Sem a revolução industrial (mineração, energia, maquinário), sem melhoramento genético de espécies, por exemplo, não se produziria alimentos como hoje. As variedades de milhos e grão empregados em mais de três mil produtos resultam de pesquisas da ciência organizada ou "prática". E eles só existem porque as espécies originais habitavam naturalmente as florestas da América Latina.
O repúdio à Ciência também não é privilégio único da bancada ruralista brasileira. A Santa Inquisição, criada pela Igreja Católica, desmoralizou Galileu publicamente. O Tribunal do Santo Ofício o condenou à prisão domiciliar, devido aos seus estudos que questionavam a teoria do geocentrismo, que colocava a Terra como centro do universo. A Ciência triunfou e sabemos que o universo é muito além do nosso planeta.
O mesmo ainda não aconteceu com a teoria antropocentrista, que coloca a espécie humana acima e fora da natureza, semelhante ao Deus defendido por diversas religiões. Giordano Bruno, em 1600, com 52 anos, foi torturado e queimado em praça pública pela Inquisição, por afirmar que deveria haver vida em outros lugares do Universo. O divulgado objetivo do Santo Ofício era combater a heresia, mas o verdadeiro, o pragmático, era manter o controle da Igreja e do Estado sobre a população. A queda de mitos que facilitavam esse controle pela ciência constituía-se em perigosa ameça. Por isso, ele foi assassinado.
Analogia semelhante pode ser aplicada à posição dos ruralistas e dos governos federal e estaduais. A Ciência os ameaça. Eles temem o conhecimento científico que comprova os malefícios das monoculturas, os serviços ambientais prestados pela fauna e flora preservados, a importância da biodiversidade no controle de pragas, a relação entre tragédias econômicas e sociais, a ocupação de APPs e, para finalizar, a dependência do regime de chuvas em diversas regiões do Brasil, mais precisamente na Floresta Amazônica. Se todas essas contribuições da Ciência fossem respeitadas, o processo de discussão do Código seria bem diferente do que foi. E a nova legislação, sob a benção do conhecimento, certamente atingiria seu verdadeiro objetivo: garantir as atividades agropecuárias e, ao mesmo tempo, proteger o meio ambiente.
O Santo Ofício não gostava de cientistas. Os ruralistas também não! Ao Santo Ofício não interessava o conhecimento, pois a ignorância e o medo eram seus aliados. Aos ruralistas também não. É por isso que eles não gostam da SBPC nem da Ciência.
* Maria Dalce Ricas é superintendente-executiva da Associação Mineira de Defesa do Meio Ambiente (Amda).