Ao impor o acordo, ele assumiu uma responsabilidade muito grande na história
| VALOR 22dez09  Jeffrey   D. Sachs | 
| Se os EUA não participarem de mais negociações, Obama terá sido ainda   mais prejudicial ao ambiente do que George Bush foi Os dois anos de negociações sobre mudanças climáticas acabaram em uma   farsa  A responsabilidade desse desastre é ampla e a lista vai longe.   Comecemos com George W. Bush, que ignorou as mudanças climáticas nos 8 anos   de sua presidência, desperdiçando o precioso tempo do mundo. Ainda temos a   ONU, por ter administrado o processo de negociação de forma tão lamentável   durante esse período de 2 anos. A União Europeia também, por pressionar   incansavelmente com uma visão obcecada por um sistema mundial de negociação   de emissões, mesmo quando tal sistema não se adaptaria ao resto do mundo. Temos o Senado dos Estados Unidos, que ignorou as mudanças climáticas   por 15 anos consecutivos desde a ratificação da Convenção Básica das Nações   Unidas Sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês). Por fim, está   Obama, que na prática abandonou uma linha sistemática de ações sob a   convenção da ONU, porque isso se mostrava incômodo para o poder e a política   doméstica dos EUA. A decisão de Obama de declarar uma falsa vitória nas negociações   corrói o processo da ONU ao sinalizar que os países ricos farão o que bem   entender e que não precisam mais ouvir as "inoportunas"   preocupações de países mais pobres. Alguns podem ver isso como algo   pragmático, que reflete a dificuldade de um acordo entre os 192 membros da ONU.    Mas é pior do que isso. A lei internacional foi substituída pela voz   inconsistente, insincera e pouco convincente de algumas poucas potências,   mais notavelmente os EUA. A América insistiu que os outros assinassem sob   seus termos - deixando o processo na ONU pendurado por um fio -, sem nunca   mostrar boa vontade com o resto do mundo nessa questão, nem a habilidade ou o   interesse necessários para assumir a dianteira no assunto. Quanto a uma redução real das emissões dos gases causadores do efeito   estufa, é improvável que esse acordo consiga algo autêntico. Não é   obrigatório e provavelmente fortalecerá as forças que se opõem à redução das   emissões. Quem enfrentará seriamente os custos adicionais de reduzir as   emissões ao ver como as promessas dos outros são complacentes? A realidade é que o mundo agora vai esperar para ver se os EUA vão   conseguir alguma redução significativa das emissões. Há sérias dúvidas quanta   a isso. Obama não tem os votos no Senado, não mostrou a disposição de gastar   capital político para conseguir um consenso no Senado e poderia nem ver uma   votação na casa sobre a questão em  O encontro em Copenhague também não conseguiu o compromisso de ajuda   financeira dos países ricos aos pobres. Vários números foram apresentados,   mas a maioria deles, como usual, eram promessas vazias. Além de alguns   anúncios de gastos modestos para os próximos anos, que poderiam - apenas   poderiam - somar poucos bilhões de dólares, a grande notícia foi o   compromisso de US$ 100 bilhões por ano para os países em desenvolvimento em   2020. Essa quantia, no entanto, não veio acompanhada de detalhes sobre como   seria obtida. A experiência sobre a ajuda financeira para o desenvolvimento nos   ensina que os anúncios sobre dinheiro para dez anos no futuro são, na maioria   das vezes, palavras vazias. Não comprometem os países ricos de forma alguma.   De fato, Obama não discutiu uma vez sequer com a população americana a   responsabilidade desta sob a convenção da ONU para ajudar os países pobres na   adaptação ao impacto das mudanças climáticas. Assim que a secretária de   Estado, Hillary Clinton, mencionou o "objetivo" de US$ 100 bilhões,   muitos parlamentares e a mídia conservadora condenaram a meta. Uma das questões mais notáveis do documento liderado pelos EUA é que   não menciona nenhuma intenção de continuar as negociações em 2010. Quase   certamente, isso é deliberado. Obama quebrou as pernas da convenção da ONU   sobre mudanças climáticas ao, na prática, declarar que os EUA farão o que   quiserem e que não estarão mais envolvidos no confuso processo climático da   ONU em 2010. Essa posição poderia muito bem refletir a aproximação das eleições   parlamentares de meio de mandato em 2010, nos EUA. Obama não quer ficar preso   em meio a negociações internacionais impopulares quando a temporada de   eleições chegar. Ele também pode estar sentindo que tais negociações não   chegarão a muita coisa. Certo ou errado a respeito dessa questão, a intenção   parece ser matar as negociações. Se os EUA não participarem de mais negociações,   Obama terá mostrado ser ainda mais prejudicial ao sistema internacional de   leis ambientais do que George Bush foi. Para mim, a imagem que fica de Copenhague é a de Obama aparecendo na   entrevista coletiva para anunciar um acordo que apenas cinco países haviam   visto e depois ir às pressas ao aeroporto, para voltar a Washington, DC, a   tempo de evitar uma tempestade de neve que se aproximava da capital. Ele   assumiu uma séria responsabilidade na história. Se suas ações se mostrarem   inadequadas, se os compromissos voluntários dos EUA e dos outros países se   mostrarem insuficientes e se as negociações futuras saírem dos trilhos, terá   sido Obama quem, sozinho, trocou a lei internacional pela política das   grandes potências nas mudanças climáticas. Talvez, a ONU se recuperará, para ficar mais bem organizada. Talvez, a   aposta de Obama funcione e o Senado dos EUA aprove as leis e os outros países   também façam a sua parte. Ou, talvez, tenhamos apenas testemunhado um   importante passo em direção à ruína mundial, ao termos fracassado em cooperar   em um desafio complexo e difícil que exige paciência, habilidade, boa vontade   e respeito pela lei internacional - qualidades que estiveram em falta em   Copenhague. Jeffrey D. Sachs é professor de Economia e diretor do Instituto Terra,   na Columbia University. | 
 
