23/5/2011
         O acordo previsto para votação do Código florestal na próxima 3a feira  (24/maio/11) entre ruralistas e governo trará um enorme impacto para todos os  Biomas brasileiros. Mas para a Mata Atlântica esse impacto com certeza  será gravíssimo, comprometendo ganhos importantes obtidos nos últimos  anos de políticas para o Bioma. Explico.
Cômputo da APP na Reserva legal
Pela legislação em vigor, o cômputo das APPs na reserva legal só é  válido quanto a sua soma excede a 50% da área do imóvel na Mata  Atlântica, ou 25% no caso de imóveis com até 30 hectares.
O projeto na versão do substitutivo 186 do deputado Aldo Rabelo,  apresentado na sessão Plenária Extraordinária da Câmara de 11 de maio  passado, prevê o cômputo automático das Áreas de preservação permanente  (mesmo que estejam desmatadas) na área de reserva legal  independentemente da área total das APPs. Isso significa de pronto uma  "anistia" de recomposição florestal que atingirá entre 25 e 50% de todo  passivo florestal referente à recomposição das reservas legais na região  da Mata Atlântica. Isso porque na média, as APP’s na Mata Atlântica  representam entre 5 a 10% da área total dos imóveis de acordo com dados  da Embrapa. Se a reserva legal é de 20% na Mata Atlântica e entre 5 e  10% passarão a ser considerados Reserva legal, portanto entre 25 e 50%  do passivo atual de Reserva legal estará resolvido somente com essa  única flexibilização.
Redução da obrigação de recomposição de APPs de rios com até 10 m de largura
O projeto em referência prevê a anistia de 50% de recomposição das  áreas de preservação permanente desmatadas nas margens de rios com até  10 metros de largura. Isso porque somente 15 metros dos 30 considerados  com APP deverão ser recompostos. De acordo com a Sociedade Brasileira  para o Progresso da Ciência (SBPC), cerca de 50% da malha hídrica do  País é representada por rios com menos de 5 metros de largura. O impacto  dessa medida é indiscutível e de dimensões imprevisíveis. É preciso  fazer uma análise específica bioma a bioma dadas as condições  geográficas bastante distintas de um para o outro, mas de qualquer  forma, considerando que mais de 60% da população brasileira consome água  proveniente de áreas de preservação permanente existentes na Mata  Atlântica é óbvio que essa anistia por si só terá um impacto  inaceitável.
Pecuária em topos de morro e terrenos com alta declividade
Outra novidade preocupante é a regularização de pecuária extensiva  (improdutiva) em áreas de topos de morro e terrenos com declividade  entre 25 e 45º . É inaceitável que o poder público admita a  possibilidade de regularizar atividade econômica de baixíssima  produtividade sobre áreas cuja cobertura florestal deveria ser mantida,  sendo inclusive economicamente mais rentável do que a pecuária  extensiva.Na Mata Atlântica estamos tratando de áreas como as que foram  objeto dos deslizamentos em Teresópolis e Nova Friburgo na região  Serrana do Rio de Janeiro.
Definição de novos desmatamentos e consolidação de atividades em APP pelos Estados
Emenda já pré-acordada entre a base do Governo (PMDB e parte do PT),  oposição e ruralistas delegará aos estados (na Mata Atlântica são 17) o  poder, que hoje compete ao CONAMA, de estabelecer as "exceções" para  permitir novos desmatamentos e consolidar ocupações hoje ilegais a  pretexto de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto. Quem  conhece o código rural-florestal de Santa Catarina que contrariou  frontalmente a lei federal já tem uma noção do que poderá vir dos  estados mais comprometidos com o agronegócio e sensíveis à especulação  imobiliária (em mangues, restingas, dunas, margens de rios, lagoas e  morros).
Inviabilização da meta de recomposição e integridade do Bioma
Soma-se a tudo isso, agravando substancialmente os impactos sobre a  Mata Atlântica, o que foi apontado por um importante estudo, ainda pouco  divulgado, mas conhecido essa semana em Brasília, assinado por  pesquisadores do IPEA - Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas,  órgão oficial vinculado ao Ministério do Planejamento. O estudo "Código  Florestal: Implicações do PL 1.876/99 nas áreas de Reserva legal"  indica, em números calçados em dados oficiais, os impactos diretos da  proposta do deputado Aldo na isenção de recomposição de reserva legal em  todos os Biomas Brasileiros.
De acordo com o estudo, o texto que supostamente será colocado em  votação na próxima 3ª feira (dia 24) no Plenário da Câmara, fruto do  anunciado acordo feito com o Governo, representará uma anistia da ordem  de 30 milhões de hectares desmatados ilegalmente em todo Brasil. Esse  valor refere-se somente em relação das áreas de reserva legal desmatadas  ilegalmente. Isso representa a metade de toda área de lavoura existente  no País.
Na Mata Atlântica essa anistia poderá impactar de acordo com os  pesquisadores do IPEA, considerando somente as áreas já desmatadas 4  milhões de hectares. Isso porque o projeto do Deputado Aldo prevê que  nenhum imóvel com área inferior a 4 módulos fiscais (que varia de 5 a 80  hectares na Mata Atlântica) será obrigado a recompor a área de reserva  legal desmatada ilegalmente. A anistia deverá comprometer portanto quase  30% da meta.
  
A Mata Atlântica cobria originalmente aproximadamente 1,3 mil km2 de  acordo com o Mapa do IBGE aprovado pelo Diário Oficial da União de  24/11/2008.1,3 milhões de km2, ou 130 milhões de hectares considerando  todos os ecossistemas associados. De acordo com o Atlas da Fundação SOS  Mata Atlântica desenvolvido em parceria com o INPE (veja relatório em http://migre.me/4zZJG)  o remanescente florestal da Mata Atlântica até 2010 era de pouco mais  de 11,3% do bioma original, o que significam 14,6 milhões de hectares  (floresta, mangue, restinga) de vegetação nativa existente. Considerando  apenas remanescentes com mais de 100 hectares esse percentual cai para  pouco menos de 8% do Bioma original. Isso mostra a extrema fragilidade  atual do bioma em face da alta fragmentação, ou seja cerca de 40% do que  resta de Mata Atlântica está significativamente comprometido por  constituírem blocos florestais inferiores a 100 hectares.
Se considerarmos que somente 3,4 milhões de hectares (2,6% do Bioma  original) estão protegidos sob a forma de unidade de conservação de  proteção integral significa dizer que pouco mais de 11,2 milhões de  hectares (menos de 9% do Bioma fora de UC) remanescem protegidos pelas  áreas de preservação permanente ou reservas legais. Nessa escala do  bioma é possível dizer, portanto, que faltariam para completar os 20%  correspondentes à legislação em vigor hoje, algo em torno de 14 milhões  de hectares.
No entanto, o estudo do IPEA prevê que 4 milhões de hectares serão  anistiados na Mata Atlântica, e outros quase 4 milhões estarão  submetidos à pressão contaminados pela anistia que será votada na semana  próxima.  Em outras palavras o impacto pode atingir entre 30 e 60% do  que deveria ser recuperado e mantido como floresta na Mata Atlântica  pela Lei em vigor hoje.
Consequentemente a meta proposta pelas organizações que integram o Pacto pela Mata Atlântica (http://www.pactomataatlantica.org.br/index.aspx?lang=pt-br) de recompor 15 milhões de hectares até o ano de 2050 ficaria totalmente comprometida.
Prejuízo aos manguezais
Por fim, há ainda prejuízos aos mangues em função da pressão do lobby  da carcinicultura (cultivo de camarões) para excluir da definição de  mangues as áreas denominadas salgados e apicuns que estão diretamente  interligados e integrados aos manguezais. Tal medida, acatada por Aldo,  permitirá tais cultivos altamente comprometedores dos mangues, não  apenas por inviabilizar o crescimento dos mangues mas principalmente  pelo intenso uso de fertilizantes e químicos que comprometem o  ecossistema aquático altamente sensível, além de submeterem a risco de  espécies exóticas.
Assim sendo
Diante de tudo o que foi verificado acima, extraído de um exame apurado  da última versão do texto do deputado Aldo Rabelo é possível dizer que,  se aprovado na Câmara, teremos um retrocesso inaceitável. Teremos  portanto muito trabalho pela frente, tanto no Senado quanto junto à  presidente Dilma no que tange aos vetos necessários e que lhe caberá  aplicar sobre o Projeto para que cumpra seus compromissos de campanha  presidencial e mantenha os compromissos assumidos ao longo dos 8 anos do  governo Lula em relação à Mata Atlântica.
André Lima, Advogado, Mestre em Política e Gestão Ambiental, Consultor Jurídico da Fundação SOS Mata Atlântica
 
