03 de junho de 2011 | 7h 17
Eduardo Bresciani - estadão.com.br
Beto Barata/AE
Relator do Código Florestal, o senador Jorge Viana
Entenda a polêmica sobre o novo Código Florestal
VÍDEO: Entenda o novo Código Florestal
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Em entrevista exclusiva ao estadão.com.br, o senador diz que seu trabalho será para reparar o tom das discussões na Câmara. "A floresta não pode ser vista como um problema. A floresta é a solução, é uma vantagem econômica". Viana promete buscar entendimento com a bancada ruralista para resolver a situação de áreas rurais que estão sob insegurança jurídica, mas deixa claro que não pretende manter no texto qualquer brecha para anistia a quem fez desmatamento ilegal.
Como o senhor pretende trabalhar para chegar ao seu relatório sobre o Código Florestal?
Esse tema é da maior importância, é um marco regulatório. O Brasil é um país tropical, que tem a maior área de floresta tropical do mundo. Somando os diferentes biomas a gente chega a quase meio bilhão de hectares. Nós temos 20% da água doce do planeta. Mesmo sendo um país com esses números, o Brasil participa com apenas 4% do PIB vinculado a florestas no mundo. Ou seja, o Brasil ainda não começou a trabalhar economicamente as florestas, não podemos trabalhar a reforma do código florestal sem entender que floresta é a vantagem comparativa que o Brasil tem. O Brasil tem o privilégio de ter acima do solo um potencial econômico em que trabalhamos muito pouco.
A linha que o senhor pretende trabalhar é que a floresta deve ser vista como uma vantagem e não como um problema?
Eu acho que tem um reparo a ser feito nessa discussão do código florestal. A floresta não pode ser visto como um problema. A floresta é a solução, é uma vantagem econômica. Para ser objetivo, pragmático, a discussão de cada dez anos sobre código florestal está muito mais vinculada em encontrar uma maneira de resolver passivo do que qualquer outra coisa. Isso tem que ser encarado como uma realidade.
E como se resolve esse passivo?
Tem uma insegurança jurídica nas propriedades pequenas, médias e grandes em razão das alterações que a legislação ambiental sofreu nos últimos anos. Isso tem que ser resolvido. O Brasil é um dos maiores produtores de alimentos do mundo. Estes produtos não podem viver numa insegurança jurídica por conta do lugar em que são produzidos. Temos que encontrar uma maneira de dar segurança jurídica para os proprietários, estender a mão para eles através de uma lei bem feita, objetiva, para que quem queira sair da ilegalidade possa vir para a legalidade. Tudo isso tem de ser feito sem anistia para desmatadores e sem que você comprometa as APPs (Áreas de Preservação Permanente) futuramente. O código tem 69 artigos, já tem boa base de entendimento, seja do governo, do Congresso e dos diferentes setores da sociedade e tem uns pontos que merecem atenção. Em vez de começar do zero, temos que começar pelos pontos que podem aperfeiçoar a proposta.
O senhor já conseguiu mapear que pontos necessitam de mudança?
Não estou querendo entrar ainda nas discussões de mérito, mas eu ouvi dos senadores Waldemir Moka (PMDB-MT), Luiz Henrique (PMDB-SC) e Blairo Maggi (PR-MT) dizendo que para os produtores rurais a proposta votada pela Câmara é muito melhor do que aquela de 2010. Eles reconhecem que os produtores rurais ganharam muito com o código e eles reconhecem que temos de fazer um ajuste para que o meio ambiente não saia perdendo. O ponto central é este, se o meio ambiente perde os produtores vão perder, os produtos brasileiros vão perder segurança no mercado internacional, vão sofrer boicote. Então, até em defesa da agropecuária brasileira temos de fazer um trabalho de cuidar do meio ambiente, especialmente das áreas de APPs e reserva legal. É fundamental que o Brasil continue avançando no sentido de ganhar o respeito dos brasileiros e do mundo inteiro por fazer leis ambientais rígidas, com compromisso com as gerações atuais e futuras. O Brasil não pode trocar este espaço que ocupou para se tornar um país que está modificando a legislação deixando uma insegurança para o meio ambiente e as riquezas ambientais que nós temos. Seria uma temeridade fazer isso. Eu acredito no entendimento, não são mais de cinco ou seis pontos, todos eles vinculados a gente não fazer anistia, não passar a mão na cabeça daqueles que fizeram o desmatamento de forma proposital, separando estes dos que estão em situação irregular porque a lei mudou. Nós precisamos também separar a agricultura familiar, estes produtores não podem ficar sem um tratamento diferenciado, tendo em vista que a atividade deles é de baixo impacto ambiental.
O relator na Câmara, Aldo Rebelo (PC do B-SP), insistia que não havia anistia no projeto. O senhor enxerga diferente o texto aprovado na Câmara?
Eu estive com o deputado Aldo. Ele fez um trabalho de dois anos, andou o Brasil inteiro. Este trabalho tem que ser respeitado, mas houve um acirramento muito grande, o debate ficou acalorado demais e de certa forma na reta final da votação o próprio deputado Aldo me dizia que algumas propostas que dariam uma clareza ao texto ficaram fora. Algumas propostas que poderiam deixar o texto melhor posicionado em relação a APPs e reserva legal não ficaram claros porque houve acirramento. Uma das questões é que quando você fala de APPs, no jeito que o texto está, ficam dúvidas se pode ou não desenvolver novas atividades econômicas em área de APP. Para muitos técnicos, especialistas e juristas o texto permite, isso significa que você pode estimular novas atividades econômicas em APPs.
Permitir novas atividades econômicas seria dar permissão para desmatar?
O texto deixa dúvidas se você pode fazer a substituição ou desmate em floresta nativa e partir para novas atividades econômicas em áreas de APP. O Congresso tem uma responsabilidade e acredito que vamos conseguir avançar é que não podemos passar a mão na cabeça daqueles que desmataram fora da lei em detrimento de quem agiu dentro da lei. Não é uma coisa ou outra. A lei tem que criar condições para que as pessoas possam fazer a regularização ambiental a partir de um compromisso de recomposição do que foi danificado. A lei já avançou muito.
Na Câmara, houve um acirramento. O que impede que isso se repita no Senado?
Houve certo desencontro, até mesmo com a chegada do governo no tema, que deu uma importante contribuição. A ministra Izabella Teixeira (Meio Ambiente) ajudou bastante, o deputado Aldo reconhece, mas houve um excessivo acirramento que eu espero que aqui no Senado a gente tenha um excesso de entendimento. Temos que discutir melhor o tema das cidades porque elas são hoje a expressão do que significa você destruir áreas de APP. Nas cidades, nenhum córrego foi canalizado, nenhuma encosta deixou de ser ocupada e estamos pagando o preço com vidas humanas. Se isso não for equalizado, nós vamos continuar contando os mortos. Vamos ouvir climatologistas, comunidade cientifica, pessoas do agronegócio e dar tratamento privilegiado àqueles da produção familiar. Vamos ouvir também os ex-ministros do Meio Ambiente, discutir com pessoas da agricultura.
O senhor tem uma história de parceria com a ex-ministra Marina Silva. Como ela pode ajudar nesse debate?
Ela está ajudando quando ela faz os alertas, apresenta ideias e propostas, com a experiência de vida que ela tem, uma experiência exemplar, como a experiência de ministério que ela tem. Ela conseguiu grandes avanços junto com o ex-ministro Carlos Minc. Mas eu não vou me prender só a ela. Uma pessoa que eu tenho ótima relação é o José Carlos Carvalho, ligado ao PSDB, que foi ministro e ex-secretário em Minas Gerais, o ex-ministro Rubens Ricupero, todos os que passaram ajudaram a construir essa credibilidade que o Brasil construiu depois do descrédito dos anos 80. Este é um patrimônio nosso. Não podemos deixar isso. Se o equilíbrio for encontrado, o agronegócio vai ganhar e o meio ambiente não vai perder.
Na Câmara, PT e PMDB se dividiram na questão do código. Agora, o senhor relata o tema na Comissão de Meio Ambiente e o senador Luiz Henrique (PMDB-SC) vai relatar em outras duas. Como evitar um novo conflito?
Já tive boas conversas com senador Luiz Henrique e outras lideranças do PMDB. Aqui no Senado não tem clima para acontecer o desencontro que houve dentro da base do governo entre PT e PMDB. Ao contrário, a gente quer ver se trabalhar junto. Obviamente que uns defendem mais um lado, outros defendem mais o outro, mas todos nós defendemos o entendimento.