Pesquisa  divulgada hoje em Bonn alerta para a necessidade de incluir a expansão  agropecuária nos debates sobre o mecanismo de REDD+ em discussão na ONU
BONN (8/6/11) - A  maioria dos países participantes em um esforço global para reduzir as  emissões com efeito de estufa causados pela destruição das florestas  cita a agricultura como a principal causa do desmatamento. Poucos,  porém, fornecem detalhes sobre como abordar a conexão entre a  agricultura e a silvicultura, de acordo com uma nova análise  investigando o efeito das alterações climáticas na segurança alimentar.
 Além  disso, muitos desses países perseguem políticas públicas relacionadas à  produção de alimentos, biocombustíveis e outros produtos destinados à  comercialização e que têm o potencial de intensificar as pressões  relacionadas à agricultura em áreas de floresta, oferecendo mais  evidências da conexão entre a política agrícola e a política climática  dentro do mecanismo do REDD+.
Atualmente, o desmatamento responde por cerca de 12 a 18  das  emissões globais de gases de efeito estufa. E a maioria dessa perda  ocorre quando as florestas são derrubadas para dar lugar à produção de  alimentos e biocombustíveis.
“Não  há como os governos terem estratégicas de REDD+ confiáveis a menos que  sua prioridade seja direcionada à agricultura e segurança alimentar –  Estes são os principais vetores da destruição florestal” disse Bruce  Campbell, do Programa sobre Mudanças Climáticas e Segurança Alimentar  (CCAFS, na sigla em inglês). “A necessidade de se fazer essa conexão é  urgente porque as demandas comerciais, as questões de segurança  alimentar e os mandatos dos governos na direção da expansão agrícola só  irão aumentar”. 
Esses  são alguns apontamentos divulgados em Bonn nesta semana durante as  negociações técnicas organizados pela Convenção Quadro das Nações Unidas  sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) e que fazem parte de uma análise das  propostas de REDD+ apresentadas por 20 países da África, Ásia e América  Latina para o Carbon Partnership Facility, do Banco Mundial (FCPF). O  FCPF tem US$ 345 milhões para os países em desenvolvimento se prepararem  no futuro onde pagamentos financeiros significativos poderão ser  ligados à preservação do carbono florestal. A pesquisa do CCAFS foi  feita em parceria com a consultoria Lexema com sede em Vancouver,  Canadá. 
Agricultura e desmatamento
Dezesseis  dos 20 países estudados citam a agricultura como o principal vetor de  desmatamento e degradação florestal. Os outros quatro citaram mineração e  exploração madeireira como o principal fator, mas indicaram que a  agricultura estava entre os três primeiros. O estudo também descobriu  países que têm como metas a produção de alimentos e de biocombustíveis  aparentemente estão em conflito direto com suas prioridades de  preservação florestal de REDD+.
Por  exemplo, enquanto a Argentina tomou medidas exemplares para proteger  suas florestas – incluindo um imposto sobre as exportações agrícolas  para combater o desmatamento –, em 2006 foi criada uma lei naquele país  que possibilita a utilização de óleos vegetais e gorduras animais para  os biocombustíveis, cana-de-açúcar, milho e sorgo para o bioetanol. A  Argentina também tem problemas com a forma de limitar a produção  industrial de soja - muito utilizada como ração animal em todo o mundo –  , que  representa 70 por cento do desmatamento no país. 
"Enquanto  alguns países admitem que o setor agrícola precisa ser abordado em seus  planos de REDD+, os todos os demais países são pressionados para  definir como que determinações conflitantes de governos e de poderosos  interesses econômicos, particularmente no que refere à agricultura  industrial em larga escala (produção de óleo de palma ou de soja, por  exemplo), serão conciliados com o seus bem-intencionados objetivos de  REDD +", disse Gabrielle Kissinger, autora do estudo.
Todas  as propostas prontas, lucrativas atividades industriais e comerciais -  muitas vezes ligados às políticas específicas de governo ou comerciais –  se mostraram especialmente significativas na relação agricultura e  desmatamento. No Vietnã, o cultivo de café, caju, pimentão, arroz,  borracha e camarão para exportação está causando uma constante erosão de  florestas. Na Costa Rica, o fator chave é que o governo promove as  exportações de carne. Enquanto no México, a produção agrícola voltada  para exportação, em parte, devido à Área de Livre Comércio das Américas  (ALCA), desempenha um papel importante nos 82% do desmatamento causado  pela agricultura e pastagens. A Indonésia não fornece detalhes sobre os  vetores industriais do desmatamento, mas há evidências consideráveis em  outros lugares de que as plantações em larga escala de palma é um fator  importante na perda de milhões de hectares de turfeiras ricas em  carbono.
Quase  todos os países estudados – 15 de 20 – indicaram que estão em andamento  esforços para a expansão da produção comercial e agrícola que atenderá  os mercados urbanos e de exportação ou para satisfazer a crescente  demanda internacional por biocombustíveis.
Vários  países, em particular os da África Subsaariana e do Sudeste Asiático,  citam os pequenos agricultores como os principais contribuintes para o  desmatamento, mas parece existir uma diferente dinâmica com relação a  estes objetivos agrícolas. Além disso, pesquisas recentes sugerem que o  impacto dos pequenos agricultores nas florestas está diminuindo em  relação aos de interesses comerciais.
"Esta  claro que para se lidar com a agricultura como uma das causas do  desmatamento, precisamos entender o que está gerando a expansão  agrícola", disse Lindiwe Majele Sibanda, da Rede de Pesquisa em  Políticas Públicas  em Agricultura e Recursos Naturais  (Fanrpan). "Os pequenos agricultores precisam ter mais acesso às  ferramentas e informações que necessitam para aumentar sua produtividade  de forma mais eficaz e sustentável. Isto lhes permitirá gerenciar as  responsabilidades complexas que têm para salvaguardar as preciosas áreas  florestais e, ao mesmo tempo, assegurar que o desafio global de  segurança alimentar continue a ser cumprido." 
Porém  a pesquisa indica que a produção crescente de pequenos agricultores  será um fator crucial para garantir que teremos comida suficiente para  alimentar uma população que deverá atingir 9 bilhões em 2050. A maior  parte desse crescimento deve ocorrer nas mesmas regiões da África, Ásia e  América Latina, que são prioridades para as iniciativas de REDD+.
Modelo brasileiro
O  estudo descobriu que o Brasil pode ser um potencial modelo para a forma  de se impulsionar a produção agrícola e ao mesmo tempo, diminuir as  taxas de desmatamento nos últimos seis anos. O Brasil se tornou uma  potência agrícola global, ao mesmo tempo que usa apenas 6 por cento de  suas terras aráveis. Ele tem feito isso, principalmente por meio de  fortes compromissos transetoriais, um melhor monitoramento e incentivos  financeiros, além de um esforço coordenado de desenvolvimento que  enfatiza a qualidade do solo e cultivares de alto rendimento. 
Um  berço importante dos compromissos federais e estaduais é exemplificado  pelos planos de REDD+ no estado do Acre, que engloba todos os solos e  tipos de utilização, incluindo uma gama completa de usos agrícolas que  com impacto nas florestas do Acre e poderá fornecer um modelo de como  integrar estratégias de REDD+ com metas de produção agrícola.
Durante  um evento paralelo na reunião de Bonn, realizado pela CCAFS e a FAO,  alguns participantes observaram que os desafios do processo de REDD+ são  em grande parte devido a uma negligência de longa data dos problemas  fundamentais relacionados à segurança alimentar e à governança florestal  nos países em desenvolvimento.
"De  muitas maneiras, a maior parte da destruição da floresta reflete uma  grande batalha sobre a terra, o que irá influenciar a forma como nós  podemos produzir alimentos suficientes e biomassa de uma forma  equitativa e sustentável", disse Joachim von Braun, director do Centro  de pesquisa para o desenvolvimento (ZEF) em Bonn.
Frances  Seymour, diretora-geral do Centro Internacional para Pesquisa Florestal  (CIFOR), disse que os estudos de sua instituição em regiões que sofrem  uma perda significativa de florestas naturais mostram que mudanças na  maneira como os governos apoiam as decisões de uso do solo local podem  fazer uma diferença significativa. 
"Se  os governos estão empenhados em resolver os direitos posse da terra e o  acesso aos recursos florestais, facilitando o planejamento justo e  transparento de uso da terra, e levando em conta os serviços ambientais,  eles podem apoiar a realização dos objetivos da agricultura e REDD +",  disse ela.
Lini  Wollenberg, que coordena pesquisas em mitigação no CCAFS salientou que  as estratégias REDD+ devem adotar iniciativas que possam tornar a  agricultura mais compatível com a proteção da floresta. Isso inclui a  ampliação de medidas, como sistemas de certificação ligada à produção  agrícola sustentável, que poderia ser um incentivo financeiro para  proteger as florestas.
Ela  recomenda também que muito mais poderia ser feito para mudar a  agricultura para áreas degradadas, mas ainda são capazes de serem  produtivas e para promover atividades agrícolas que busquem um aumento  no armazenamento de carbono, como os sistemas agroflorestais. "Há muitas  maneiras de levar a agricultura para o processo do REDD+. É hora de os  países começarem a investir seus fundos de REDD+ nesse objetivo", disse  ela.
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O  Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas, Agricultura e Segurança  Alimentar (CCAFS) da CGIAR é uma parceria estratégica entre CGIAR e a  Parceria da Ciência do Sistema Terra (ESSP). O CCAFS reúne os melhores  pesquisadores do mundo em ciências agrícolas, pesquisa, desenvolvimento,  ciência do clima e da ciência da Terra para identificar e resolver as  mais importantes interações, sinergias e intercâmbios entre as  alterações climáticas, agricultura e segurança alimentar. O Centro líder  do CGIAR é o Centro Internacional de Agricultura Tropical (CIAT), em  Cali, Colômbia. Para obter mais informações, visite www.ccafs.cgiar.org.
 
