Por Prof. Gerd Sparovek, USP em 27 de maio de 2011
Os principais motivos plausíveis de alteração do atual CF são: a) permitir que os produtores rurais que desmataram além daquilo que a lei atual permite; porque a desrespeitaram, porque na época em que desmataram a lei não existia ou era diferente da atual, possam pagar seus passivos e b) ampliar a proteção para áreas de vegetação natural atualmente não protegidas.
O CF proposto (emendas parlamentares no 186 e 164) consolida a área agrícola do Brasil exatamente como ela está atualmente. As regras sugeridas permitem que nenhum hectare daquilo que já foi desmatado, seja em APP ou Reserva Legal, precise ser restaurado para atender as exigências propostas. A anistia foi a principal estratégia usada para atingir este objetivo. A emenda 164 consolida o uso agrícola já implantado nas APPs. A combinação de diversos mecanismos alivia as exigências de Reserva Legal como: a) a possibilidade de computar a APP preservada como Reserva Legal, b) a desobrigação dos imóveis menores do que 4 Módulos Fiscais de restaurarem a Reserva Legal, e c) a possibilidade de reduzir para fins de regularização a exigência de Reserva Legal na Amazônia de 80 para 50%. Após as reduções, o que falta para cumprir a Reserva Legal exigida pode ser facilmente alcançado pelo mecanismos de compensação dentro de todos os Biomas e ainda sobrariam 156 milhões de hectares de vegetação natural não protegida. São áreas de elevado valor de conservação em terras privadas fora de APP e que excedem as exigências totais de Reserva Legal, ou seja, áreas legalmente desmatáveis. O CF atual não consegue proteger 134 milhões de hectares de vegetação natural, fator essencial para manter a possibilidade de expansão territorial da agropecuária. A expansão certamente é pior para a conservação e para os interesses coletivos se comparada à modernização da agricultura e seu desenvolvimento baseado no aumento da eficiência e produtividade. Neste caso a demanda por terras adicionais seria mínima, e restrita às áreas mais aptas. Tornar a agricultura moderna, mais intensiva no uso da terra e produtiva, conseqüentemente menos ávida por ocupar novas terras, é a uma bandeira que qualquer grupo deveria ter o interesse de defender.
O CF proposto agrava ainda mais esta situação, além de abolir a necessidade de restauração daquilo que já era devido, amplia em 22 milhões de hectares (área equivalente a todo Estado do Paraná) a possibilidade de desmatamento legal. Esta cota adicional de desmatamento legalizável pode anular completamente o efeito benéfico da compensação de Reserva Legal fora da propriedade que poderia levar à proteção legal áreas que excedem suas exigências nas propriedades ainda bem conservadas criando o pagamento pela floresta em pé, que ficou reduzido a 18 milhões de hectares.
O veto a emenda 164 não resolve totalmente o problema. O efeito da emenda 186 isolado preserva o viés da restauração das APP, ou seja, 55 milhões de hectares de matas ciliares e topos de morro deixariam de ter uso agrícola, seriam restaurados e passariam a proteger rios e nascentes. Como efeito colateral, como esta restauração é abatida das exigências de Reserva Legal, a área de vegetação natural que poderia legalmente ser desmatada aumentaria para 182 milhões de hectares.
Para modernizar o Código Florestal seria necessário equilibrar conservação e produção. No aspecto da proteção o mais importante é encontrar uma saída para a situação atual de criminalização e ilegalidade, mas sem esquecer da responsabilidade com as questões ambientais de interesses coletivos. A solução encontrada se mostrou extremamente eficiente em encontrar uma saída, mas o fez pela anistia, em alguns casos justa e plausível mas certamente não na totalidade em que foi dosada e pelo completo descaso com a conservação. Mais do que mudanças pontuais ou de interesse setorial o Senado tem a difícil tarefa de propor mudanças substancias nas anistias sugeridas e nos critérios de compensação caso o equilíbrio entre conservação e produção seja a real intenção destas mudanças.
Estimativa de áreas protegidas e perda de área agrícola do Código Florestal atual e proposto*
*Modelagem realizada no Departamento de Ciência do Solo da Esalq/USP (Prof. Gerd Sparovek) em 27 de maio de 2011