Convencido pelo Itamaraty, Planalto joga duro com ruralistas para salvar prestígio ambiental brasileiro a um ano de o país sediar encontro planetário sobre desenvolvimento sustentável. Escalado por Dilma Rousseff para minimizar estragos, ministro Antonio Palocci comanda estratégia de guerra de nervos que desorienta adversários e torna desfecho imprevisível. Bancada do agronegócio mostra que já não tem força de outros tempos, mas a do meio ambiente ainda depende da opinião pública.
André Barrocal
BRASÍLIA – O Brasil vai sediar, em junho de 2012, conferência sobre desenvolvimento sustentável e economia verde, a Rio+20, duas décadas depois do encontro planetário mais importante realizado até hoje nessa área, a Rio-92. Em debate recente no Senado, o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, disse que “será, provavelmente, a maior conferência internacional do mandato da presidenta Dilma Rousseff”. O governo está decidido a explorar a reunião para manter o prestígio ambiental do país no mundo.
É a imagem do Brasil no exterior que ocupa hoje o centro do imbróglio político mais complexo e de desfecho imprevisível do início da gestão Dilma, a mudança do Código Florestal. Uma negociação transformada em guerra de nervos pelo governo na esperança de reduzir estragos à imagem do
país e da presidenta. E que mostra que a bancada ruralista já não tem a mesma força do passado; que os parlamentares ambientalistas dependem da ajuda da sociedade; e que adversários tradicionais, como agricultores familiares e grandes produtores, às vezes podem se unir.
As movimentações no Congresso para mudar o Código começaram no segundo semestre de 2008, depois de o então ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, dois meses após substituir Marina Silva, ter convencido o ex-presidente Lula a assinar decreto multando em até R$ 50 milhões donos de terra que desmatassem além do permitido. O decreto, que entrará em vigor em junho, fazia o Código, que é de 1965, funcionar para valer. E botava na ilegalidade a maioria dos agricultores. Grandes e pequenos,
comerciais ou de subsistência.
Para evitar as multas milionárias e sem ser incomodado pelo governo, o setor rural conseguiu construir, de 2009 em diante, uma proposta em parceria com o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), para mexer no Código. Esteve a um passo de votá-la em abril deste ano, quando Patriota alertou
Dilma de que o projeto, como estava, teria repercussão internacional negativa para o Brasil, a um ano da Rio+20. A presidenta decidiu, então, escalar seu ministro mais forte, Antonio Palocci, chefe da Casa Civil, para buscar uma saída que minimizasse ao máximo o potencial de danos à reputação brasileira.
Palocci e a guerra de nervos
O anúncio das intenções do Planalto foi feito pelo próprio ministro de forma inesperada e em linguagem cifrada, em meio à primeira reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da gestão Dilma Rousseff, dia 26 de abril. Palocci declarou que o governo queria uma proposta que
levasse o Brasil a ser conhecido no mundo “como o país mais comprometido com o agronegócio e com mais respeito ao meio ambiente”.
Desde então, num acerto com Palocci, todas as manifestações de lideranças governistas na Câmara, em plenário ou em reuniões fechadas, enfatizam o impacto internacional de se mexer no Código. O ministro também chamou ao Planalto para conversar, por duas vezes, a ex-presidenciável Marina Silva
(PV), símbolo do ambientalismo brasileiro no mundo.
Os ruralistas, contudo, rejeitam a tentativa do governo de usar os efeitos no exterior como argumento na negociação. E lembram que existem ONGs patrocinadas por países sem o rigor ambiental brasileiro. Na manhã desta quarta-feira (11/05), uma enorme lona colocada no gramado em frente ao
Congresso dizia "ONGs, cuidem do seu quintal, lá não tem APP", numa referência às áreas de proteção permanente previstas no Código. “Não podemos ficar reféns da opinião pública internacional”, reclamou o coordenador da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Moreira Mendes (PPS-RO)
Palocci também está por trás de uma estratégia de guerra de nervos que atingiu o ponto máximo nesta quarta-feira (11/05). Depois de exaustivas e confusas reuniões, que se arrastam há mais de duas semanas e ao fim das quais nem parlamentares nem ministros parecem dizer a mesma coisa, os
deputados estavam em plenário prontos para votar o relatório de Aldo Rebelo, com aparente anuência do governo. Mas o próprio governo boicotou a votação, na última hora.
“Em cinco mandatos, eu nunca vi isso. A Dilma não quer nem deixar o texto ser votado”, afirmou o deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO), ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR). “Não sei o que acontece. O governo está criando confusão. Diz uma coisa e faz outra. Mas se puser para votar, nós (ruralistas) ganhamos”, disse o deputado Reinhold Stephanes (PMDB-PR), ministro de Agricultura do ex-presidente Lula.
Bancada ruralista: peso menor O coordenador da frente ruralista tem opinião diferente sobre as chances de vitória em caso de confronto. Para Moreira Mendes, os partidos aliados do Planalto estão contra a parede, e dificilmente os ruralistas ganhariam. Além disso, tentativas recentes da bancada de enfrentar o governo fracassaram. Na própria quarta-feira (11/05), suas lideranças tentaram forçar a votação do novo Código, mas juntaram só 177 deputados, 80 a menos do que precisariam para vencer o governo. Em abril, a bancada já havia sido derrotada na Câmara ao propor benesse fiscal para fabricante de agrotóxico.
“Essa Casa não é refém do ruralismo”, disse o deputado Sarney Filho (PV-MA), coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista. “A bancada ruralista não está mais com essa bola toda, não pode mais fazer a chantagem que fazia antes contra o governo”, concordou o cientista Antonio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
Mesmo que sem a musculatura de outros tempos, o setor ainda exibe um peso que não pode ser desprezado. Nas contas do Diap, que tem um livro com a radiografia dos congressistas, a bancada ruralista possui 160 parlamentares atuando dia e noite pelo agronegócio, um quarto de todo o
Congresso. Além disso, o setor tem laços cada vez mais fortes com o PMDB, partido do vice-presidente da República, Michel Temer, e do ministro da Agricultura, Wagner Rossi.
A relação ruralistas-PMDB começou a aprofundar-se quando o ex-presidente Lula deu o ministério ao partido, em 2007. E avançou com o encolhimento dos adversários do governo, PSDB e DEM, abrigos tradicionais do setor rural. A presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária
(CNA), senadora Katia Abreu (TO), elegeu-se pelo DEM em 2006 e esteve com um pé no PMDB no início de 2011, mas acabou no recém-criado PSD.
Ambientalismo: dependência externa Apesar de algum enfraquecimento ruralista no Congresso, a causa ambiental segue dependente de aliados como a opinião pública, ONGs e outras entidades simpatizantes, para resistir aos interesses agropecuários. “O ambientalismo não tem força aqui dentro”, disse o deputado Ricardo Trípoli (PSDB-SP), militante do setor. “Precisamos sempre do apoio de fora.”
E o governo tem contribuído para que haja – e conta com - “apoio de fora” do Congresso na negociação do Código Florestal. Faz parte da sua estratégia segurar a votação e ganhar tempo para que mobilizações criem clima desfavorável aos ruralistas e diminuam a margem de mudança da lei
ambiental.
A exemplo do governo, a militância ambiental acordou tarde para o debate do Código. Só a partir de 28 de abril é que um pool de ONGs, chamado SOS Florestas, passou a organizar atos pelo país. O cronograma de manifestações termina dia 5 de junho. Coincidentemente, dia mundial do Meio Ambiente. A efeméride será mais uma arma usada por governo e ambientalistas para pressionar os parlamentares a resistirem aos ruralistas.
O calendário também joga contra os produtores num outro aspecto que influencia as negociações. O decreto com multas a desmatadores entra em vigor dia 11 de junho. A pressa, portanto, é dos agricultores. Para estrategistas políticos do governo, quanto mais perto estiver o início das multas sem que tenha havido um desfecho, mais difícil será para os ruralistas arrancar concessões.
Do ponto do setor ambiental, qualquer que seja a concessão, por menor que pareça, ficará um gosto de derrota. O ideal seria manter o Código Florestal intocado. Mas o Planalto, embora faça jogo duro, reconhece que a maioria da agropecuária estará na ilegalidade, caso não haja adaptações.
Inclusive a agricultura familiar, aliado tradicional dos ambientalistas em disputas contra o agronegócio. O Código tem regras para todas as propriedades, não importa o tamanho. Segundo censo de 2006 do IBGE, o Brasil possui 5,1 milhões de proporiedades rurais, sendo 4,3 milhões (85%) de agriculturores familiares.
Na batalha em torno do Código, os ruralistas recorreram até mesmo ao fantasma da inflação. Em nota oficial da CNA, a senadora Katia Abreu disse que “a aplicação pura e simples da atual legislação desempregará trabalhadores e reduzirá a produção de alimentos”. Em recente audiência pública com o presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, no Congresso, o ruralista Domingos Sávio (PSDB-MG) afirmou que, sem mudar o Código, os produtores não vão mais querer plantar, e o preço da comida subiria.
O novo round para o plenário da Câmara debater o Código está marcado para a próxima terça-feira (17). O presidente da Casa, Marco Maia (PT-RS), que fez campanha prometendo aos ruralistas que não atrapalharia a votação do Código, estará na Coréia do Sul, participando de uma cúpula parlamentar.
As sessões plenárias serão comandas pela vice-presidente, Rose de Freitas (PMDB-ES). Nem o governo nem os ruralistas sabem ao certo como a peemedebista se comportará diante de uma questão tão polêmica.