Como entender o que aconteceu na Câmara dos Deputados por ocasião da  tentativa de votação de alteração do Código Florestal. Não há na  história do Congresso Nacional nenhum exemplo em que as lideranças,  depois de orientarem suas bancadas partidárias, tenham voltado atrás e  alterados seus encaminhamentos de votação. 
Houve três sessões extraordinárias para votar o Código Florestal. O  relator deputado Aldo Rebelo (PCdoB) só chegou à Câmara no início da  noite. Ninguém tinha a última versão do relatório. O PV e o PSOL  apresentaram dois requerimentos de retirada  do Código Florestal da  pauta, mas foram derrotados. 
A maioria expressiva dos parlamentares se mostrava suficientemente  para evitar qualquer manobra regimental que tentasse impedir a votação. O  deputado Aldo Rebelo junto com os outros líderes fez os últimos ajustes  no texto. A última sessão foi reaberta por volta das 22 horas para  votar o Relatório. O Relator subiu à tribuna e fez um discurso com os  principais pontos do relatório. 
O líder do PSOL, deputado Ivan Valente (SP), apresentou um  requerimento solicitando a retirada do PL da pauta, mas foi derrotado.  Os deputados Eduardo Cunha e Sibá Machado (na qualidade de Líder do PMDB  e PT, respectivamente) solicitaram verificação de votação. Mais uma  manobra regimental para ganhar tempo, pensaram os ruralistas. Porém,  verificação de votação é nominal e pode expor o parlamentar diante de  sua base eleitoral ao ter seu voto estampado no painel eletrônico.
Os lideres partidários começaram a orientar o voto “não” aos seus  liderados. O PV e PSOL encaminharam “sim”. Quando faltavam alguns  líderes, o deputado Vaccarezza (PT-SP), líder do Governo, assumiu a  tribuna e fez um discurso insólito: pediu às lideranças da base de apoio  do governo que invertessem seus votos de “não” para “sim”. Sua  justificativa: o governo não queria votar no escuro. Breve tumultuo.
As lideranças, desorientadas diante da reorientação do Governo, foram  uma a uma tomando a palavra e se desdizendo, de forma incômoda, do  “não” para “sim”. Para evitar o constrangimento dos seus liderados, os  líderes se declararam em obstrução. Este foi mecanismo que encontraram  para não expor os demais parlamentares do partido. O plenário que estava  cheio de entusiasmo para votar as alterações do Código Florestal se  reduziu a 190 deputados votantes, dos quais somente cinco votaram “sim”,  contra o encerramento da sessão. 
Porém, não é no mecanismo da obstrução que se encontra a explicação  para o encerramento da sessão ou na atitude inusitada do Líder do  Governo. Mas, em dois alicerces da política nacional que perdura desde o  império: a cultura do favor (Roberto Schwarz, “Ao vencedor as  Batatas”), que precisa de cumplicidade para se manter, e o poder da  forma presidencial de um governo de coalizão.
Guilherme Mota, em “Ideologia da Cultura Brasileira”, escreveu que “a  nova ordem republicana não passa de um inabalado modelo  autocrático-burguês com estrutura firme a desafiar a imaginação  histórico-sociológica e política daqueles que ainda procuram cultivar  algum pensamento utópico”. O que está aí, continua Mota, “não passa de  uma república de aspones pendurados no Estado”. Como bem observou  Raymundo Faoro “falta-nos Robespierres”. “E sem esse tipo de pessoas não  se fazem nem sequer reformas para valer”, completa Mota.
A situação acanhada com que os parlamentares reagiram ao discurso do  Líder do Governo não revelava somente a subserviência do Legislativo  diante do Executivo, mas revela que a estrutura de poder criada pelos  governos de coalizão ampla que se torna contraditória. A forma  presidencialista de governo, que comanda a distribuição de cargos no  Estado, constrói a sua base a partir do favor, que é chamado de  acomodação partidária.
Na hora da cobrança da fatura o Executivo lembra ao favorecido que  pode manter ou não o “favor” negociado. A cumplicidade que assemelhava  as diferentes autoridades, agora torna a contraprestação em uma  cerimônia de superioridade política. Os milhares de cargos atribuídos a  partir do favor dependem do humor do Executivo e não do bom ou mau  desempenho do apadrinhado. A atual politocracia, que não considera o  mérito, tem contribuído para erodir a política pública e diminuir o  acesso público aos diretos mais elementares. 
Nem o latifúndio, que sobreviveu à Colônia, Reinado, Regências,  abolição e a República, impondo-se pelo favor aos agregados, pôde, desta  vez, se sustentar. A cultura do favor, este “sistema de impropriedades  rebaixa o cotidiano da vida ideológica e diminui as chances de  reflexão”. Diante deste teste de realidade sucumbiram os defensores da  imediata votação do Código Florestal.
Edélcio Vigna, assessor do Inesc
 
