quinta-feira, 3 de maio de 2012

13 Razões para o Veto Total ao PL 1876/99 do Código Florestal

Texto reflete exame minucioso do Projeto de Lei 1876/99, revisado pela Câmara dos Deputados na semana passada, à luz dos compromissos da Presidenta Dilma Rousseff assumidos em sua campanha nas eleições de 2010.

 por André Lima, Raul Valle e Tasso Azevedo*

Para cumprir seu compromisso de campanha e não permitir incentivos a mais desmatamentos, redução de área de preservação e anistia a crimes ambientais, a Presidenta Dilma terá que reverter ou recuperar, no mínimo, os dispositivos identificados abaixo. No entanto, a maioria dos
dispositivos são irreversíveis ou irrecuperáveis por meio de veto parcial. A hipótese de vetos pontuais a alguns ou mesmo a todos os dispositivos aqui comentados, além de não resolver os problemas centrais colocados por cada dispositivo (aprovado ou rejeitado), terá como efeito a entrada em
vigor de uma legislação despida de clareza, de objetivos, de razoabilidade, de proporcionalidade e de justiça social. Vulnerável, pois, ao provável questionamento de sua constitucionalidade. Além disso, deixará um vazio de proteção em temas sensíveis como as veredas na região de cerrado e os mangues.

Para preencher os vazios fala-se da alternativa de uma Medida Provisória concomitante com a mensagem de veto parcial. Porém esta não é uma solução, pois devolve à bancada ruralista e à base rebelde na Câmara dos Deputados o poder final de decidir novamente sobre a mesma matéria.  A Câmara dos Deputados infelizmente já demonstrou por duas vezes - em menos de um ano - não ter compromisso e responsabilidade para com o código florestal.

Partidos da base do governo como o PSD, PR, PP, PTB, PDT capitaneados pelo PMDB, elegeram o código florestal como a ³questão de honra² para derrotar politicamente o governo por razões exóticas à matéria. Seja por não atender ao interesse público nacional por uma legislação que salvaguarde o equilíbrio ecológico, o uso sustentável dos recursos naturais e a justiça social, seja por ferir frontalmente os princípios do desenvolvimento sustentável, da função social da propriedade rural, da
precaução, do interesse público, da razoabilidade e proporcionalidade, da isonomia e da proibição de retrocesso em matéria de direitos sociais, o texto aprovado na Câmara dos Deputados merece ser vetado na íntegra pela Presidenta da República.

Ato contínuo deve ser constituído uma força tarefa para elaborar uma proposta de Política Florestal ampla para o Brasil a ser apresentada no Senado Federal e que substitua o atual código florestal elevando o grau de conservação das florestas e ampliando de forma decisiva as oportunidades
para aqueles que desejam fazer prosperar no Brasil uma atividade rural sustentável que nos dê orgulho não só do que produzimos, mas da forma como produzimos.

Enquanto esta nova lei é criada, é plenamente possível por meio da legislação vigente e de regulamentos (decretos e resoluções do CONAMA) o estabelecimento de mecanismos de viabilizem a regularização ambiental e a atividade agropecuária, principalmente dos pequenos produtores rurais.

13 razões para o Veto Total

 1. Supressão do artigo primeiro do texto aprovado pelo Senado que
estabelecia os princípios jurídicos de interpretação da lei que lhe
garantia a essência ambiental no caso de controvérsias judiciais ou
administrativas. Sem esse dispositivo, e considerando-se todos os demais
problemas abaixo elencado neste texto, fica explícito que o propósito da
lei é simplesmente consolidar atividades agropecuárias ilegais em áreas
ambientalmente sensíveis, ou seja, uma lei de anistia florestal.  Não há
como sanar a supressão desses princípios pelo veto.


2. Utilização de conceito incerto e genérico de pousio e supressão do
conceito de áreas abandonadas e subutilizadas. Ao definir pousio como
período de não cultivo (em tese para descanso do solo) sem limite de tempo
(Art. 3 inciso XI), o projeto permitirá novos desmatamentos em áreas de
preservação (encostas, nascentes etc.) sob a alegação de que uma floresta
em regeneração (por vezes há 10 anos ou mais) é, na verdade, uma área
agrícola ³em descanso². Associado ao fato de que o conceito de áreas
abandonadas ou subutilizadas, previsto tanto na legislação hoje em vigor
como no texto do Senado, foi deliberadamente suprimido, teremos um duro
golpe na democratização do acesso e da terra, pois áreas mal-utilizadas,
possuídas apenas para fins especulativos, serão do dia para a noite terras
³produtivas em descanso². Essa brecha enorme para novos desmatamentos não
pode ser resolvida com veto.


3. Dispensa de proteção de 50 metros no entorno de veredas (inciso XI do
ART. 4º ART). Isso significa a consolidação de ocupações ilegalmente
feitas nessas áreas como também novos desmatamentos no entorno das veredas
hoje protegidas.  Pelo texto aprovado, embora as veredas continuem sendo
consideradas área de preservação, elas estarão na prática desprotegidas,
pois seu entorno imediato estará sujeito a desmatamento, assoreamento e
possivelmente a contaminação com agroquímicos. Sendo as veredas uma das
principais fontes de água do Cerrado, o prejuízo é enorme, e não é sanável
pelo veto presidencial.


4. Desproteção às áreas úmidas brasileiras. Com a mudança na forma de
cálculo das áreas de preservação ao longo dos rios (art.4o), o projeto
deixa desprotegidos, segundo cálculos do Instituto Nacional de Pesquisas
da Amazônia (INPA), 400 mil km2 de várzeas e igapós. Isso permitirá que
esses ecossistemas riquíssimos possam ser ocupados por atividades
agropecuárias intensivas, afetando não só a biodiversidade como a
sobrevivência de centenas de milhares de famílias que delas fazem uso
sustentável.


5. Aumento das possibilidades legais de novos desmatamentos em APP - O
novo texto (no §6º do Art4o) autoriza novos desmatamentos
indiscriminadamente em APP para implantação de projetos de aquicultura em
propriedades com até 15 mólulos fiscais (na Amazônia, propriedades com até
1500ha ­ na Mata Atlântica propriedades com mais de mil hectares) e altera
a definição das áreas de topo de morro reduzindo significativamente a sua
área de aplicação (art.4º, IX). Em nenhum dos dois casos o Veto pode
reverter o estrago que a nova Lei irá causar, ampliando as áreas de
desmatamento em áreas sensíveis.


6. Ampliação de forma ampla e indiscriminada do desmatamento e ocupação
nos manguezais ao separar os Apicuns e Salgados do conceito de manguezal e
ao delegar o poder de ampliar e legalizar ocupações nesses espaços aos
Zoneamentos Estaduais, sem qualquer restrição objetiva (§§ 5º e 6º do art.
12).  Os estados terão amplos poderes para legalizar e liberar novas
ocupações nessas áreas. Resultado ­ enorme risco de significativa perda de
área de manguezais que são cruciais para conservação da biodiversiadade e
produção marinha na zona costeira. Não tem com resgatar pelo Veto  as
condições objetivas para ocupação parcial desses espaços tão pouco o
conceito de manguezal que inclui apicuns e salgados.


7. Permite que a reserva legal na Amazônia seja diminuída mesmo para
desmatamentos futuros, ao não estabelecer, no art. 14, um limite temporal
para que o Zoneamento Ecológico Econômico autorize a redução de 80% para
50% do imóvel. A lei atual já traz essa deficiência, que incentiva que
desmatamentos ilegais sejam feitos na expectativa de que zoneamentos
futuros venham legaliza-los, e o projeto não resolve o problema.


8. Dispensa de recomposição de APPs. O texto revisado pela Câmara
ressuscita a emenda 164 (aprovada na primeira votação na Câmara dos
Deputados, contra a orientação do governo) que consolida todas as
ocupações agropecuárias existentes às margens dos rios, algo que a ciência
brasileira vem reiteradamente dizendo ser um equívoco gigantesco. Apesar
de prever a obrigatoriedade de recomposição mínima de 15 metros para rios
inferiores a 10 metros de largura, fica em aberto a obrigatoriedade de
recomposição de APPs de rios maiores, o que gera não só um possível
paradoxo (só partes dos rios seriam protegidas), como abre uma lacuna
jurídica imensa, a qual só poderá ser resolvida por via judicial,
aumentando a tão indesejada insegurança jurídica. O fim da obrigação de
recuperação do dano ambiental promovida pelo projeto condenará mais de 70%
das bacias hidrográficas da Mata Atlântica, as quais já tem mais de 85% de
sua vegetação nativa desmatada. Ademais, embora a alegação seja legalizar
áreas que já estavam ³em produção² antes de supostas mudanças nos limites
legais, o projeto anistia todos os desmatamentos feitos até 2008, quando a
última modificação legal foi em 1986. Mistura-se, portanto, os que agiram
de acordo com a lei da época com os que deliberadamente desmataram áreas
protegidas apostando na impunidade (que o projeto visa garantir). Cria-se,
assim, uma situação anti-isonômica, tanto por não fazer qualquer distinção
entre pequenos e grandes proprietários em situação irregular, como por
beneficiar aqueles que desmataram ilegalmente em detrimento dos
proprietários que o fizeram de forma legal ou mantiveram suas APPs
conservadas.  É flagrante, portanto, a falta de razoabilidade e
proporcionalidade da norma contida no artigo 62, e um retrocesso
monumental na proteção de nossas fontes de água.


9. Consolidação de pecuária improdutiva em encostas, bordas de chapadas,
topos de morros e áreas em altitude acima de 1800 metros (art. 64) o que
representa um grave problema ambiental principalmente na região sudeste do
País pela instabilidade das áreas (áreas de risco), inadequação e
improdutividade dessas atividades nesses espaços. No entanto, o veto
pontual a esse dispositivo inviabilizará atividades menos impactantes com
espécies arbóreas perenes (café, maçã dentre outras) em pequenas
propriedades rurais, hipóteses em que houve algum consenso no debate no
Senado. O Veto parcial resolve o problema ambiental das encostas no
entanto não resolve o problema dos pequenos produtores.


10. Ausência de mecanismos que induzam a regularização ambiental e
privilegiem o produtor que preserva em relação ao que degrada os recursos
naturais. O projeto revisado pela Câmara suprimiu o art. 78 do Senado, que
vedava o acesso ao crédito rural aos proprietários de imóveis rurais não
inscritos no Cadastro Ambiental Rural - CAR após 5 anos da publicação da
Lei. Retirou também a regra que vedava o direcionamento de subsídios
econômicos a produtores que tenham efetuado desmatamentos ilegais
posteriores a julho de 2008. Com isso, não só não haverá instrumentos que
induzam a adesão aos Programas de Regularização Ambiental, como fica
institucionalizado o incentivo perverso, que premia quem descumpre
deliberadamente a lei. Propriedades com novos desmatamentos ilegais
poderão aderir ao CAR e demandar incentivos para recomposição futura.
Somando-se ao fato de que foi retirada a obrigatoriedade de publicidade
dos dados do CAR, este perde muito de seu sentido. Um dos únicos aspectos
positivos de todo projeto foi mutilado. Essa lacuna não é sanável pelo
veto. A lei perde um dos poucos ganhos potenciais para a governança
ambiental.


11. Permite que imóveis de até 4 módulos fiscais não precisem recuperar
sua reserva legal (art.68), abrindo brechas para uma isenção quase
generalizada. Embora os defensores do projeto argumentem que esse
dispositivo é para permitir a sobrevivência de pequenos agricultores, que
não poderiam abrir mão de áreas produtivas para manter a reserva, o texto
não traz essa flexibilização apenas aos agricultores familiares, como
seria lógico e foi defendido ao longo do processo legislativo por
organizações socioambientalistas e camponesas. Com isso, permite que mesmo
proprietários que tenham vários imóveis menores de 4 MF -  e, portanto,
tenham terra mais que suficiente para sua sobrevivência - possam se
isentar da recuperação da RL. Ademais, abre brechas para que imóveis
maiores do que esse tamanho, mas com matrículas desmembradas, se
beneficiem dessa isenção. Essa isenção fará com que mais de 90% dos
imóveis do país sejam dispensados de recuperar suas reservas legais e
jogaria uma pá de cal no objetivo de recuperação da Mata Atlântica, pois,
segundo dados do Ipea, 67% do passivo de reserva legal está em áreas com
até 4 módulos.


12. Cria abertura para discussões judiciais infindáveis sobre a
necessidade de recuperação da RL (art.69). A pretexto de deixar claro que
aqueles que respeitaram a área de reserva legal de acordo com as regras
vigentes à época estão regulares, ou seja, não precisam recuperar áreas
caso ela tenha sido aumentada posteriormente (como ocorreu em áreas de
floresta na Amazônia, em 1996), o projeto diz simplesmente que não será
necessário nenhuma recuperação, e permite que a comprovação da legalidade
da ocupação sejam com ³descrição de fatos históricos de ocupação da
região, registros de comercialização, dados agropecuários da atividade².
Ou seja, com simples declarações o proprietário poderá se ver livre da RL,
sem ter que comprovar com autorizações emitidas ou imagens de satélite que
a área efetivamente havia sido legalmente desmatada.


13. Desmonte do sistema de controle da exploração de florestas nativas e
transporte de madeira no País. O texto do PL aprovado permite manejo da
reserva legal para exploração florestal sem aprovação de plano de manejo
(que equivale ao licenciamento obrigatório para áreas que não estão em
reserva legal), desmonta o sistema de controle de origem de produtos
florestais (DOF ­ Documento de Origem Florestal) ao permitir que vários
sistemas coexistam sem integração. A Câmara rejeitou o parágrafo 5º do
art. 36 do Senado o que significa a dispensa de obrigação de integração
dos sistemas estaduais com o sistema federal (DOF). Como a competência por
autorização para exploração florestal é dos estados (no caso de
propriedades privadas rurais e unidades de conservação estaduais) o
governo federal perde completamente a governança sobre o tráfico de
madeira extraída ilegalmente (inclusive dentro de Unidades de conservação
federais e terras indígenas) e de outros produtos florestais no País. Essa
lacuna não é sanável pelo veto presidencial.


Há ainda outros pontos problemáticos no texto aprovado confirmado pela Câmara cujo veto é fundamental e que demonstram a inconsistência do texto legal, que se não for vetado por completo resultará numa colcha de retalhos. A todos estes pontos se somam os vícios de origem insanáveis deste PL como é o caso da definição injustificável da data de 22 de julho de 2008 como marco zero para consolidação e anistia de todas irregularidades cometidas contra o código florestal em vigor desde 1965. Mesmo que fosse levado em conta a última alteração em regras de proteção do código florestal esta data não poderia ser posterior a 2001, isso sendo muito generoso, pois a última alteração em regras de APP foi realizada em 1989.