Terra Magazine:
  
 POR MARINA SILVA
 
 Se aproxima o momento de uma decisão de consequências profundas para o 
Brasil. Como se posicionará a presidente Dilma diante do projeto 
aprovado no Congresso e impropriamente chamado de Código Florestal? Ele 
é, de fato, um documento que atesta a imaturidade de uma parcela do 
agronegócio para lidar com o desafio de produzir sem
 degradar o meio ambiente. Imaturos, porém, poderosos. Tanto que 
conseguiram aprovar o seu código, não o da sociedade brasileira. 
Transformaram o que deveria ser um marco legal de proteção das nossas 
florestas em uma coleção de permissividades e buracos normativos para 
que por eles passem interesses imediatos e a acomodação de ilegalidades.
 
 Mas se esses setores não migraram ainda para uma relação mais 
atualizada com a sociedade e a nação – fincando pé na maximização a 
qualquer custo de seu negócio, acima de quaisquer outros valores 
coletivos mais perenes –, diferente é, e deve ser, o compromisso do 
Estado, bem como diferente deve ser a postura estadista de um/uma 
presidente da República.
 
 A presidente Dilma, quando do segundo 
turno das eleições de 2010, antecipou seu compromisso com essa postura 
ao afirmar, em documento a mim enviado: "Sobre o Código Florestal, 
expresso meu acordo com o veto a propostas que reduzam áreas de reserva 
legal e preservação permanente, embora seja necessário inovar em relação
 à legislação em vigor. Somos totalmente favoráveis ao veto à anistia 
para desmatadores", escreveu e assinou.
 
 De lá para cá, esse 
compromisso não se traduziu no comportamento de sua base aliada, que não
 se esforçou para mediar adequadamente o debate entre as diversas 
opiniões existentes na sociedade sobre o tema. Ao contrário, passou ao 
largo de estudos e apelos feitos pela Academia Brasileira de Ciências, 
SBPC, Fórum de ex-ministros do Meio Ambiente, juristas, do Comitê em 
Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável, composto pelo 
movimento socioambiental e outras instituições e grupos da sociedade que
 demonstraram o risco de mudanças no Código Florestal, a reboque de 
razões puramente econômicas.
 
 Na Câmara e no Senado, a chamada 
bancada ruralista, em que pesem todos os alertas e raras exceções, teve,
 praticamente, licença da base aliada para agir descartando 
contribuições que não as de seu próprio campo.
 
 Dou meu 
depoimento pessoal do quanto nos esforçamos para que um verdadeiro 
debate e uma negociação legítima se desse no âmbito do Congresso 
Nacional, exatamente por compreender que não é bom que o Executivo 
estabeleça um confronto, seja com a sociedade, seja com o Congresso. 
Mas, infelizmente, o Congresso mostrou-se descompassado com a vontade 
social.
 
 Agora, esse caminho faz uma enorme curva e retorna às 
mãos da presidente Dilma, que já admitiu publicamente, como candidata e 
no exercício de seu mandato, quando recebeu os 8 ex-ministros de Meio 
Ambiente em maio do ano passado, que isso não é aceitável.
 
 
Todos reconhecem as dificuldade provenientes de decisões difíceis como 
essa. Como já disse várias vezes, todos nós somos, ao mesmo tempo, arco e
 flecha. Arco para dar impulso aos demais; e flecha para agir, 
sustentado pelo arco, que nos mostra a direção.
 
 A sociedade 
brasileira tem construído, com apoio de vários setores, um grande arco 
para impulsionar a posição da presidente numa direção estrategicamente 
mais viável para o país. E agora chegou a hora da presidente ser ela 
mesma, o arco e flecha a impulsionar o rumo de nossa história: se 
recuperamos democraticamente o direito de ver proposta e aprovada uma 
legislação florestal que vá além do poder de fogo de um único setor, ou 
se nos curvamos a um enorme equívoco, de graves consequências econômicas
 e socioambientais para o país.
 
 O Código Florestal aprovado não
 resiste a uma análise séria e abrangente. Tanto aqueles que se 
envolveram na polêmica dos últimos anos – inclusive os ruralistas – 
sabem que não é passando o correntão na governança ambiental do país que
 se garantirá mais alimentos na mesa dos brasileiros, e tampouco serão 
protegidos os interesses estratégicos dos agricultores brasileiros. O 
que está em jogo são facilidades intoleráveis para quem se recusa a 
reconhecer que, acima de seus interesses, há um interesse nacional.
 
 A grande aceitação e popularidade da presidente Dilma deve-se, em 
parte, à coragem que tem demonstrado. Como fez ao se contrapor às 
estratégias fatalistas dos países ricos em crise, para quebrar algumas 
barreiras que pareciam consolidadas e intransponíveis. Por que não 
mostrará agora o mesmo arrojo ao exercer seu direito constitucional de 
rejeitar o resultado de negociações exclusivistas e desastrosas no 
Congresso, que levaram a uma legislação contrária aos interesses do 
país, às expectativas da sociedade e ao compromisso que assumiu no 
segundo turno de 2010?
 
 A presidente Dilma tem amplo respaldo 
para vetar todo o Código Florestal canhestro que lhe chegou às mãos. E, 
ao fazer isso, estará quebrando outro tabu: o de que as razões 
econômicas têm que se sobrepor à quaisquer outras, ao largo de valores 
de justiça social, de cidadania, de respeito aos diretos humanos e 
ambientais. 
 
 Está em suas mãos a grande responsabilidade de 
fazer a necessária inflexão histórica de um modelo de desenvolvimento 
superado para outro, que garanta algumas oitavas a cima em nosso atual 
padrão civilizatório.
 
 Num mundo onde se sobrepõem várias crises
 e no qual o clube dos países ricos tenta se entender para superar suas 
enormes fragilidades e manter as rédeas da hegemonia global ainda com 
base na velha economia, a emergência de uma liderança política conectada
 com a agenda do futuro como solução duradoura e verdadeira é uma 
oportunidade que transcende ao Brasil, e a presidente Dilma não deveria 
perdê-la.
 
 Para isso tem credibilidade e popularidade. Duas 
vantagens que não podem ter um fim nelas mesmas, como um apanágio 
pessoal do governante. Elas são uma espécie de licença generosa dada ao 
governante para agir não como mero refém das circustãncias, mas como 
estadista que consegue penetrar na esfera do sonho para torná-lo 
possível e assim fazer a diferença, surpreender. 
 Presidente, 
resista aos que pensam que ao pintar de verde-amarelo a devastação das 
florestas, estão defendendo os interesses da agricultura e da sociedade 
brasileira. Resista aos apelos para desconsiderar os alertas da ciência e
 da maioria do povo brasileiro e aos que esperam fazer crer à sociedade 
que recompor os termos do projeto do Senado representa uma boa solução.
  
 Reabra o debate para, como numa eleição de dois turnos, tenhamos a 
chance de aprofundar o debate e votar novamente, como a senhora tão bem o
 pode experimentar.  Seu veto será uma espécie de segundo turno em uma 
eleição cujo candidato é o futuro do Brasil e de nossas florestas.
  
 Em tempo: sugiro, presidente, que a senhora assista o documentário O 
Vale, de João Moreira Salles e Marcos Sá Correa. É uma obra que revela 
de modo contundente o mal que a sociedade brasileira clama para que a 
senhora evite.
 
