A sustentabilidade é o maior desafio global. Por isso, o desenvolvimento de um país, por mais exemplar que venha a ser, só poderá ser realmente sustentável quando a pegada ecológica mundial deixar de ultrapassar a capacidade de regeneração da biosfera. Não é diferente em termos setoriais. O setor agropecuário só será sustentável se também o forem o industrial, o terciário e a mineração.
Por que, então, a bandeira da “agricultura sustentável” passou a ser tão brandida e cada vez mais legitimada? Porque é o melhor slogan para as práticas que menos contribuem à insustentabilidade global. Elas vinculam a busca de rentabilidade econômico-financeira ao compromisso ético da responsabilidade socio-ambiental. Na versão popularizada pelo famoso consultor britânico John Elkington, elas combinam os já célebres “três pilares”, que em inglês começam com a letra “p”: lucro (profit), justiça social (people) e conservação ambiental (planet).
Apesar da multiplicação de admiráveis esforços nessa direção, o agronegócio brasileiro ainda está muito distante desse roteiro. Compactua com o profundo atraso educacional que nutre as históricas desigualdades sociais, e causa a maior parte das emissões brasileiras de gases de efeito estufa, anulando a vantagem de o Brasil contar com a mais limpa matriz energética dos países de alto e médio desenvolvimento. Provém de seus desmatamentos maisde 76% das emissões de dióxido de carbono. E a atividade que mais os induz, a imensa pecuária bovina, ainda contribui com mais de 63% das emissões de metano e mais de 43% das de óxido nitroso.
Essa gigantesca expansão da pecuária não é impulsionada apenas pelo bem-vindo acesso ao consumo de proteínas animais por contingentes populacionais que logram sair da pobreza. Ela também resulta de nocivo exagero carnívoro nas dietas das classes médias e altas, que contraria princípios básicos de alimentação saudável, mas continua a ser fortemente instigado pelas grandes corporações da cadeia: frigoríficos, indústrias de processamento e redes de supermercados e de fast-food. Tudo isso mostra que avanços na direção de uma agricultura sustentável dependerão de cruciais mudanças nos atuis padrões de consumo alimentar, que, por sua vez, sofrerão resistências de natureza cultural e psicológica. Um processo que sópoderá exigir muito mais tempo do que se costuma imaginar. Daí o grande mérito da escolha temática para este número da revista GR, sobre a qual duas referências são indispensáveis: o opúsculo de Eduardo Ehlers O que é agricultura sustentável e O novo manual de negócios sustentáveis, de Roberto Smeraldi.
Para Ehlers, a agricultura sustentável será uma nova fase na longa história da dinâmica do uso da terra, na qual o uso abusivo de insumos industriais e de energia fóssil será substituído pelo emprego intensivo de conhecimen- to ecológico. Já o capítulo do novo manual de Smeraldi intitulado “O futuro da comida” realça as oportunidades de investimentos que poderão transformar as herdadas vantagens comparativas do Brasil em vantagens competitivas de longo alcance.
A tendência será a produção de qualidade que tenha como protagonista a população local e a diversidade. Com uso de tecnologia avançada para aprimorar tradicionais processos artesanais, fortalecimento do cooperativismo e formação de consórcios de indicação geográfica. Bases da futura marca Brasil de alimentos saudáveis, fornecidos por uma agropecuária cada vez menos insustentável.
JOSÉ ELI DA VEIGA é professor da pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo e e do mestrado profissional em sustentabilidade do Instituto de Pesquisas Ecológicas