domingo, 23 de outubro de 2011

Moratória da soja não detém desmatamento

Gustavo Vieira
21 de Outubro de 2011
Soja plantada e colhida na Amazônia brasileira. Foto: Gustavo Vieira
Por pressão de organizações da sociedade civil, em julho de 2006 empresas e governo se uniram a ambientalistas para boicotar produtores rurais que desmatavam a floresta para plantar soja. Nascia a moratória da soja. O Grupo de Trabalho da Soja (GTS) foi composto pela Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e Associação Brasileira dos Exportadores de Cereais (Anec) que, juntas, detém 90% dos compradores do grão. Também fazem parte do Grupo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ministério do Meio Ambiente e as organizações World Wild Foundation (WWF), The Nature Conservancy (TNC), Conservação Internacional (CI), Amigos da Terra, Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santarém e Greenpeace.

Juntos, decidiram monitorar imagens de satélite e tirar mercado de quem plantava soja destruindo a Amazônia. A moratória é bem vista no mercado internacional, que estava deixando de comprar o produto que viesse de áreas amazônicas desmatadas. No dia 7 deste mês um grupo de empresas internacionais consumidoras da soja brasileira - McDonald's Europa, Mark and Spencer, Carrefour, entre outras - enviou carta de apoio à iniciativa reforçando sua intenção de que indústria, governo e sociedade continuem a atuar juntos para modificar a cadeia produtiva agrícola brasileira neste momento em que as leis ambientais estão sob ameaça no congresso nacional.


Apesar do acordo, no entanto, desde que a moratória foi firmada 11.698 hectares de floresta foram derrubados para dar lugar ao grão, conforme informações do relatório anual do GTS que, semana passada, estendeu a moratória até janeiro de 2013. Esta cifra equivale a apenas 0,39% da área total de soja plantada em todo o país. Na Amazônia, ocupa 1,94 milhões de hectares.


Nos monitoramentos de 2007 a maioria das propriedades escolhidas tinha apenas vestígios de queimadas e corte-raso. Nas imagens de 2010 muitas já se encontram com plantio de arroz, cultura que antecede a soja.

Imagens do monitoramento 2010-2011 sobre fazenda no município de Claudia, no Mato Grosso: de 229,86 hectares, 40,60 ha são de plantação de soja. Fonte: Abiove
Nas imagens monitoradas ainda não é possível saber quem são os responsáveis pelo desmatamento, uma vez que poucos produtores fizeram o Cadastro Ambiental Rural (CAR). “Vamos estimular a adesão para um dia poder responsabilizar quem desmatou para plantar”, afirma Carlo Lovatelli, da Abiove. O CAR é parte do Programa Mais Ambiente do governo federal e é o documento onde o proprietário rural regulariza a posse de sua propriedade, declara quais são suas áreas de preservação permanente (reconhecidas como de utilidade pública, ficam dentro do imóvel rural e devem ser preservadas conforme o atual Código Florestal). O CAR permite que multas ambientais sejam revertidas em prestação de serviços e também é um instrumento de fiscalização, pois o cadastro da propriedade permite que a mesma seja monitorada.

Programas federais como o Terra Legal e o próprio Mais Ambiente – onde encontramos o Cadastro Ambiental Rural - são voluntários e têm baixíssima adesão entre os produtores. Ainda assim o monitoramento feito pelo GTS melhorou - o Inpe subiu seus monitoramentos de plantio de soja de 49 para 375 mil hectares nos últimos quatro anos. Aumentou a sinergia de informações in loco e dos órgãos ambientais estaduais, mas sem o cadastro fica difícil identificar os proprietários. "Há uma necessidade de mudar a escala de aplicação dos instrumentos de governo para a preservação do meio ambiente, mas estamos investindo nas estruturas. O apoio dos compradores de soja ao CAR é fundamental”, disse a ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira.

 


Atuação conjunta

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) discorda do trabalho do GTS e em nota oficial desta semana desqualifica a legitimidade dos participantes. “As ONGs internacionais envolvidas na dita Moratória da Soja não têm qualquer legitimidade para usar instrumentos criados pelo poder público, a exemplo do CAR, com o claro objetivo de achacar os produtores rurais brasileiros, assumindo funções que não lhes competem”, assina a nota a presidente da CNA, senadora Kátia Abreu.

O Brasil é o segundo maior exportador de soja do mundo atrás dos Estados Unidos. A safra do país entre 2011-2012 está oficialmente estimada entre 72,18 e 73,29 milhões de toneladas, abaixo do recorde de 75,3 milhões do ciclo anterior (2010-2011) por conta da expectativa de menor produtividade, segundo a Secretaria de Comércio Exterior.
Já para o presidente da Abiove, Carlo Lovatelli, a iniciativa é uma missão bem sucedida, pois melhorou a imagem dos associados e foi além do histórico confronto entre produtores rurais e ambientalistas. "Hoje a soja não é mais o principal vetor de desmatamento da Amazônia. Quem desmatar para plantar vai ficar sem mercado para vender seu produto. O apoio de nossos compradores internacionais prova isso."

"A decisão da indústria vai além da lei. Atinge empresas que não querem comprar soja de desmatamento, pois seus consumidores não querem comer a destruição da Amazônia", diz Paulo Adário, do Greenpeace. "Vamos ter que decidir juntos qual é a melhor lei para preservar a nossa biodiversidade e os mercados mundiais para nossos produtos", complementa a ministra Izabella Teixeira. A moratória da soja não tem data para acabar.