quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Ciência da compaixão

Tenho profunda simpatia pela meditação, embora não a pratique. Não acho que a ideia de uma atividade introspectiva silenciadora da consciência seja incompatível com ciência, ao contrário. Posso testemunhar que a decisão de respirar fundo e esvaziar da mente o pensamento agressivo, nos momentos de irritação, dá melhores resultados que esbravejar. Por que não poderia servir de base para uma filosofia de vida e, mais, tornar-se objeto de investigação científica?
Alguma coisa acontece no cérebro de quem consegue a proeza, isso é certo. E não só no cérebro. Richard Davidson, neurocientista da Universidade de Wisconsin em Madison (EUA), desobedeceu aos conselhos de antigos orientadores na Universidade Harvard e se dispôs a descobrir o que, exatamente, se altera nos corações e mentes dos meditabundos, segundo leio em reportagem de Dirk Johnson no diário "The New York Times".
Davidson criou um Centro para Investigação de Mentes Saudáveis em Wisconsin. Seus objetos de pesquisa são "qualidades positivas" da mente, ou "virtuosas", como altruísmo e felicidade. Nos próximos cinco anos, as prioridades de investigação recaem sobre compaixão, amor e perdão.
A simpatia aumenta, diante de tanta coragem. A primeira reação de muitos diante desse programa de pesquisa pode ser negativa, pois ele recende à mescla em princípio indesejável de valores com ciência objetiva. Mas quem disse que valores nunca se misturam com ciência?
Os pesquisadores gostam de imaginar que a confusão nunca ocorre, mas ela acontece o tempo todo. Por exemplo, quando escolhem os objetos de pesquisa, ou as variáveis que investigarão. Ninguém estranha que se estudem comportamentos violentos, ou a depressão. Estamos viciados na noção de que é mais útil investigar as patologias para tentar descobrir "remédios" contra elas.
Davidson está interessado no caráter preventivo da meditação. Acaba de iniciar um projeto sobre seus efeitos em jovens de quinta série na cidade de Madison. Eles serão treinados para dedicar pensamentos caridosos a seus parentes e colegas, ou até mesmo estranhos e inimigos. Ao final do ensino fundamental, época em que adolescentes partem para as drogas ou para a ignorância, seu comportamento será comparado com o de um grupo de controle, que não terá exercitado a meditação compassiva.
Quem achar que nada disso é sério, saiba que Davidson não está aí para brincadeiras. Conta com o apoio de ninguém menos que Tenzing Gyatso, o dalai lama, um amigo pessoal que doou US$ 50 mil para as pesquisas do centro. E o neurocientista já publicou vários artigos em periódicos científicos sobre meditação, como um estudo de 2003 em que comprovou que ela pode aumentar até o efeito protetor de vacina contra a gripe, ao estimular o sistema imunológico (resultado oposto ao do estresse, reconhecido por todos).
Existem vários outros estudos mostrando com métodos objetivos que a meditação pode afetar positivamente as pessoas e inclusive fazer bem ao coração, em sentido literal e fisiológico. Já escrevi sobre o tema aqui.
 
Pense nisso. Com generosidade. Depois decida quem merece um voto de confiança. 
 
MARCELO LEITE é repórter especial da Folha, autor dos livros "Folha Explica Darwin" (Publifolha) e "Ciência - Use com Cuidado" (Unicamp) e responsável pelo blog Ciência em Dia (Ciência em dia). Escreve às quartas-feiras neste espaço.