quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Energia: Brasil desperdiça potencial eólico e solar

Usinas nucleares e termelétricas ainda geram 10% da energia usada no País; até 2019 perfil energético do Brasil não deve mudar

Artigo de Herton Escobar, Estado de SP, 2/set/2010

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Para o pesquisador Sergio Colle, coordenador dos Laboratórios de Engenharia de Processos de Conversão e Tecnologia de Energia (Lepten), da Universidade Federal de Santa Catarina, o Brasil poderia ser muito mais ambicioso no aproveitamento de seu potencial eólico. Não só do ponto de vista da sustentabilidade energética, mas também do desenvolvimento tecnológico e industrial. “Enquanto a gente fala em 3 GW, a China projeta 30 GW”, compara. “O Brasil não pode se dar ao luxo de ficar de braços cruzados e desperdiçar as oportunidades, só porque nasceu no ‘berço esplêndido’ das hidrelétricas e da biomassa. Não pode se omitir de investir em outras tecnologias renováveis.”

DESPERDÍCIO SOLAR

A situação é ainda pior no caso da energia solar. “Há uma completa omissão do governo sobre essa tecnologia”, afirma Colle. O aproveitamento é irrisório, tanto para aquecimento de água quanto para geração elétrica, e a produção nacional é baseada em tecnologias ultrapassadas. “A indústria nacional produz cerca de 800 mil m² de coletores solares planos baseados em concepções primitivas, copiadas dos primeiros coletores solares da década de 20”, diz Colle. “Estamos na idade da pedra polida em desenvolvimento tecnológico de energia solar.”

O potencial, por outro lado, é enorme. País de maior extensão territorial nos trópicos, o Brasil é “abençoado” não apenas com muita água, mas também com muito sol. Para se ter uma ideia, o pesquisador Enio Bueno Pereira, do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), faz a seguinte comparação: se a área do reservatório da usina hidrelétrica de Balbina (2.360 km2), no Amazonas, fosse coberta de painéis fotovoltaicos, a energia gerada (cerca de 500 TWh/ano) seria suficiente para atender todo o consumo nacional de energia elétrica (cerca de 455 TWh/ano). “Não proponho que isso seja feito, mas é uma boa ilustração do potencial dessa tecnologia”, explica ele.

Um problema é o preço. A eletricidade solar ainda é uma energia relativamente cara, tornando um empreendimento deste porte proibitivo economicamente. O que não significa que ela não possa ter um papel estratégico no desenvolvimento sustentável da matriz energética nacional. A estratégia mais simples, propõe Pereira, seria disseminar o uso de painéis solares em telhados para uso doméstico, como forma de reduzir a demanda sobre o sistema e, assim, liberar mais energia para uso industrial, especialmente nos horários de pico.

Eventualmente, assim como fazem as usinas de açúcar e álcool com a cogeração de bioeletricidade do bagaço de cana, os produtores domésticos de energia solar poderiam vender o excedente de sua geração para o sistema integrado, afirma Pereira. Ele e outros pesquisadores da área defendem firmemente a criação de uma política de regulamentação que incentive o uso da energia solar, tanto na indústria quanto nos domicílios. “Se o governo não der incentivo, essa tecnologia não vai decolar nunca”, afirma Pereira. “O custo inicial não é competitivo. Só fica competitivo quando aumenta o número de usuários e há demanda garantida, como aconteceu com a eólica.”

“Se houver um compromisso de compra, a indústria virá para cá, com certeza”, reforça o pesquisador Ricardo Ruther, da Universidade Federal de Santa Catarina e diretor técnico do Instituto para o Desenvolvimento das Energias Alternativas na América Latina (Ideal). Em algumas regiões, diz ele, a energia solar poderia se tornar competitiva já nos próximos anos. “Os custos estão caindo e vai chegar um momento, ainda nesta década, em que instalar um telhado solar e gerar sua própria eletricidade será mais barato do que comprar energia das concessionárias”, diz. “Quando esse momento chegar, o cidadão tem de ter o direito de optar pela alternativa mais barata. Só que, hoje, o consumidor não pode se conectar diretamente à rede. O governo tem de criar a regulamentação necessária para que isso aconteça.”