Editorial do Estado de Sao Paulo, 21/09/2010
Nota: O jornal O Estado de Sao Paulo nao registra para a historia uma  conduta completamente isenta, progressiva ou mesmo de firme compromisso  com os interesses maiores da sociedade. Nao foram poucas as situacoes em  que este jornal defendeu interesses de retrogradas oligarquias rurais,  entre outras missoes menos nobres. No entanto, o compromisso deste blog  eh com a verdade, independentemente de onde ela possa aparecer. E para  minha surpresa, arroubos de verdade apareceram em editorial do dito  jornal, que reproduzo abaixo. 
Nas encenações palanqueiras em que o presidente Lula invariavelmente se apresenta como o protagonista da obra de criação deste país maravilhoso em que hoje vivemos, o papel de antagonista está sempre reservado às “elites”. Durante mais de 500 anos, as elites mantiveram o Brasil preso aos grilhões do subdesenvolvimento e da mais perversa injustiça social. Aí surgiu Lula, o intimorato, e em menos de oito anos tudo mudou. Simples assim.
Com  essa  retórica maniqueísta, sem o menor pudor Lula alimenta no  eleitorado de baixa  renda e pouca instrução - seu público-alvo  prioritário - o sentimento difuso de  que quem tem dinheiro e/ou estudo  está do “outro lado”, nas hostes inimigas. Mas  a verdade é que o  paladino dos desvalidos nutre hoje uma genuína ojeriza por  uma, e  apenas uma, categoria especial de elite: a intelectual, formada por   pessoas que perdem tempo com leituras e que por isso se julgam no  direito de  avaliar criticamente o desempenho dos governantes. Por  extensão, uma enorme  ojeriza à imprensa. Com todas as demais elites Sua  Excelência já resolveu seus  problemas. Está com elas perfeitamente  composto, afinado, associado, aliado e,  pelo menos em outro caso  específico, o das oligarquias dos grotões maranhenses,  alagoenses,  amapaenses e que tais, acumpliciado.
Até  por mérito do próprio governo na condução da economia (nem sempre a   imprensa ignora os acertos do poder público…), os ventos favoráveis que  hoje,  de modo geral, embalam o mundo dos negócios, muito especialmente  os negócios  financeiros, não permitem imaginar que o “poder econômico”  considere Lula um  inimigo ou uma ameaça e vice-versa. É claro que em  público o jogo de cena é  mantido, com ataques, sob medida para cada  plateia, aos eternos inimigos do  povo. Mas na intimidade o presidente  se vangloria, em seus cada vez mais  frequentes surtos apoteóticos, de  que hoje o poder econômico, nacional e  multinacional, está submisso à  sua vontade. Não é, portanto, essa elite que tem  em mente nas diatribes  contra os malvados que conspiram contra sua obra  redentora.
A  revelação de seu verdadeiro alvo Lula oferece cada vez que abre a boca.   Como no dia 18, em Juiz de Fora: “Essa gente não nos perdoa. Basta que  você veja  alguns órgãos e jornais do Brasil (…) Porque na verdade quem  faz oposição  neste país é determinado tipo de imprensa. Ah, como  inventam coisa contra o  Lula. Olha, se eu dependesse deles para ter 80%  de aprovação neste país eu tinha  zero. Porque 90% das coisas boas  deste país não é mostrado (sic).”
Então  é isto. Imprensa que fala mal do governo não presta, extrapola os   limites da liberdade de informar. Não é mais do que um instrumento de  dominação  das elites.
Assim,  movido por sua arraigada tendência ao autoritarismo messiânico que é a   marca de sua trajetória na vida pública, Lula parece cada vez mais  confortável  na posição de dono de um esquema de poder que almeja  perpetuar para alegria da  companheirada. Um modelo populista,  despolitizado, referendado pela aprovação  popular a resultados  econometricamente aferíveis, mas que despreza valores  genuinamente  democráticos de respeito à cidadania, coisa que só interessa à   “zelite”. Tudo isso convivendo com a prática mais deslavada do  patrimonialismo,  coronelismo, clientelismo, tráfico de influência,  cartorialismo, aparelhamento e  tudo o mais que Lula e seu PT combateram  vigorosamente por pouco mais de 20  anos, para depois transformar em  seu programa de governo. E em toda essa  mistificação o repúdio às  elites é a palavra de ordem e a imprensa, o grande  bode expiatório.
O  diagnóstico seguinte foi feito, com as habituais competência e  sutileza,  por um dos mais notórios fantasmas de Lula, o ex-presidente  Fernando Henrique  Cardoso, em entrevista publicada no Estado de  domingo: “Achei que (Lula) fosse  mais inovador, capaz de deixar uma  herança política democrática, mostrando que o  sentimento popular, a  incorporação da massa à política e a incorporação social  podem conviver  com a democracia, não pensar que isso só pode ser feito por  caudilhos  como Perón, Chávez, etc. (…) Mas Lula está a todo instante  desprezando o  componente democrático para ficar na posição de caudilho.” Falou e   disse.
 
