quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Ministros do Meio Ambiente pedem alterações profundas no projeto do Código Florestal

[25/08/2011 14:42]
 
Em audiência no Senado, ex-ministros do meio ambiente foram unânimes em afirmar que o projeto de alteração no Código Florestal, sob análise na Casa, é um retrocesso, e que, além de diminuir a proteção aos biomas brasileiros, traz mais insegurança jurídica.


Ex-ministros dividem mesa com senadores e fazem duras críticas ao projeto do Código Florestal 



A sintonia foi fina. Mesmo pertencendo a grupos políticos distintos, os quatro ex-ministros de Meio Ambiente que participaram, nesta quarta-feira, 24/8, de audiência pública no Senado, foram veementes ao alertar que o projeto do novo Código Florestal, aprovado pela Câmara dos Deputados, fará o país andar para trás na proteção a seus biomas. Segundo eles, o projeto tem como único objetivo legalizar ocupações hoje consideradas irregulares, sem se preocupar em trazer inovações que façam com que a legislação seja melhor aplicada daqui para frente.

Cheque em branco

Para o deputado Sarney Filho, ministro do governo Fernando Henrique Cardoso (1999-2002), “o texto aprovado espelha, acima de tudo, a decisão política de consolidar, de tornar regulares, variados tipos de ocupações ocorridas em desacordo com a lei florestal, notadamente nas áreas rurais.” E acrescentou: “Elege-se uma data mágica, 22 de julho de 2008, data da mais recente regulamentação da lei de crimes ambientais, e passa-se um verdadeiro cheque em branco para as ocupações anteriores a essa data possam ser legalizadas mediante programas de regularização extremamente vagos.”

Ele pontuou várias das incoerências do texto aprovado pela Câmara, o qual apenas simularia proteção. “Tem-se hoje em pauta no Senado um texto com sérias brechas para que as diferentes normas protetivas sejam descumpridas. Mantém-se em tese as áreas de preservação permanente, mas a largura das faixas protegidas ao longo dos corpos d’água deixam de ser mensuradas pelo nível mais alto das águas. Mantém-se em tese as APPs, mas se reduz a proteção dos mangues ao se diferenciarem os salgados e os apicuns. Mantém se em tese as APPs, mas no texto aprovado, especialmente em seu artigo 8º, na prática, se admite todo e qualquer tipo de atividade nesses locais, independentemente dos programas de regularização”. Ele foi enfático ao afirmar que o texto representa um grande retrocesso.

Atenua, mas não resolve

Para José Carlos Carvalho, também ministro no governo FHC (2002) e ex-secretário de Meio Ambiente de Minas Gerais na gestão do hoje senador Aécio Neves (PSDB/MG), o texto, além de diminuir a proteção a várias áreas ambientalmente importantes, continua com os mesmo vícios da legislação anterior. “Estaremos perdendo uma oportunidade histórica se insistirmos apenas em instrumentos de comando e controle”. Segundo ele, é o momento de se introduzir na lei os instrumentos econômicos necessários para apoiar o seu cumprimento. “É necessário criar os meios para que o agricultor familiar possa cumprir com a obrigação de recuperar e proteger. Atenuar a proteção das florestas, que foi o caminho escolhido pelo projeto, apenas vai diminuir o tamanho do problema, mas não vai resolvê-lo. Mesmo que ele tenha que recuperar apenas 15 metros, como vai fazer isso sem apoio financeiro? Se o projeto for aprovado dessa forma, daqui a 20 anos vamos ter que voltar a discutir o assunto e pedir uma nova anistia”. Para Carvalho, o texto “é mandatório, quando trata de comando e controle, e meramente declaratório, quando trata de uma questão essencial que são os incentivos econômicos, financeiros, fiscais e creditícios para que o agricultor possa fazer aquilo que a lei exige que ele faça.”

O ex-ministro lembrou que todas as vezes que o Parlamento foi chamado a se pronunciar para decidir sobre o patrimônio florestal brasileiro, decidiu de maneira afirmativa pela sua proteção. Respondendo a uma questão feita pela Senadora Ana Amélia (PP/RS), disse ser necessário desmitificar essa história de que a legislação florestal foi sendo modificada por decretos e resoluções elaboradas por grandes ONGs internacionais. “Todas as grandes modificações na legislação foram votadas por esse Congresso, sejam em 1965, em 1986 ou 1989. A única modificação feita sem o aval dessa casa foi por meio de uma MP, a qual está há 10 anos esperando análise por parte dos parlamentares”. Segundo ele, o texto está cheio de incongruências, o que aumentará a insegurança jurídica dos produtores rurais, contrariando, portanto, um dos apelos da bancada ruralista. “É possível ler, no mesmo texto, dispositivo que manda recompor (florestas e áreas de proteção) e dispositivo que desobriga recompor.”

O senador Eduardo Braga (PMDB-AM), que participou do debate como presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT), admitiu que o texto foi construído de forma a permitir a anistia a quem cometeu desmatamento no país. “É um projeto que olha apenas para o retrovisor”.

O ex-ministro Carlos Minc (2008-2010), atual secretário estadual de Meio Ambiente do Rio de Janeiro, também reforçou a tese de que o texto favorece desmatamento. “A possibilidade de aumento da produção agrícola, que é o sustentáculo da balança comercial, sem a necessidade de desmatar, é um fato consensual. No entanto, o texto em discussão na Casa não reflete esse consenso e abre caminho para desmatar em encostas de morros e até em reservas legais.” Ele citou o exemplo do art.38, que permite que um proprietário que desmate sua reserva legal possa compensá-la em outro Estado, onde o valor da terra é mais barato, e ainda usando metade da área com espécies exóticas, que tem algum valor econômico, mas nenhum para a biodiversidade. “Essa regra é um incentivo ao desmatamento, e não poderia valer para novas ilegalidades”.

O Brasil de olho no Senado

A ex-ministra (2003-2008) e ex-senadora Marina Silva destacou a expectativa do país diante do tratamento que os senadores vão dar ao assunto. “Neste momento, os olhos do Brasil estão voltados para o Senado brasileiro. Cerca de 80% dos brasileiros, segundo a pesquisa Datafolha, são contra a aprovação desse relatório nos termos em que foi aprovado na Câmara.”

Para Marina, o Senado tem a possibilidade de fazer o “realinhamento” entre representantes e representados, já que 80% dos deputados votaram a favor do projeto rejeitado pela maioria dos cidadãos. “Há um descompasso entre a vontade da sociedade e aquilo que os deputados votaram. Somos eleitos para representar e não para substituir as pessoas. Queremos que nossos representantes não nos substituam e busquem pelo menos mediar os diferentes interesses para que tenhamos um texto à altura das florestas brasileiras e da agricultura brasileira.”

Ela lembrou que a presidente Dilma Rousseff, no segundo turno da eleição presidencial, respondeu por escrito que vetaria qualquer proposta que significasse aumento no desmatamento e anistia a desmatadores.

Emenda 164 é veneno dissolvido no texto

Para Marina, seria um equívoco o Senado entender que basta modificar o artigo 8º, introduzido pela emenda 164, para resolver o problema. “Seria uma vitória de Pirro. A emenda 164 é um veneno que foi dissolvido em todo o projeto”. O artigo 8º desobriga a recuperação de todas ocupações irregulares feitas em áreas de proteção permanente (APPs) até 2008 e abre margem para que novas ocupações agropecuárias sejam legalizadas, o que acaba, na prática, retirando a proteção a beiras de rio, encostas e topos de morro. Saiba mais.

Segundo a ex-senadora, a demanda da bancada ruralista por modificação na legislação reflete a resistência que muitos setores da sociedade têm em respeitar limites impostos pelo bem comum. “O problema nosso é que temos uma cultura na qual não gostamos de senões”.

Fonte de recursos para financiar a recuperação?

O senador Rodrigo Rollemberg (PSB/DF), presidente da Comissão de Meio Ambiente, fez aos palestrantes uma ótima provocação. Relatou que está sendo discutida no âmbito do Governo Federal a renovação das concessões para exploração de hidrelétricas antigas, as quais vencem em 2015. Como os custos de implantação dessa usinas já foram amortizados, na renovação desses contratos é possível se praticar tarifas muito menores do que as atuais. Segundo um estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) - veja aqui - , é possível economizar, apenas para esse conjunto de hidrelétricas, algo em torno de 980 bilhões de reais nos próximos 30 anos em tarifa de luz. Segundo o senador, poderíamos aproveitar pelo menos parte dessa folga financeira (R$ 30 bi/ano) para financiar a recuperação florestal no país, já que o desmatamento ilegal, ao induzir a erosão, é um fator que acelera a diminuição da vida útil dos grandes reservatórios. Os palestrantes responderam positivamente.

Voto na CCJ dia 31

O senador e também relator Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC), disse que apresentará seu voto na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), na reunião da próxima quarta-feira (31). Prevendo que haverá pedido de vista coletiva, Luiz Henrique avalia que o relatório poderá ser votado na reunião seguinte, no dia 6 de setembro. Se ocorrer nessa data, no entanto, a votação antecederá a audiência pública com juristas, que se realizará no dia 13/9, e que debaterá justamente os problemas jurídicos do projeto. Nessa audiência estarão presentes o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Antonio Dias Toffoli, e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Antonio Hermann Benjamin.
Após votação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), o texto segue para exame das comissões de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) e de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), onde Luiz Henrique também é relator, e na Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA), onde será relatado pelo senador Jorge Viana (PT-AC).

Para Jorge Viana, o clima no Senado para as discussões do texto está bem diferente do que prevaleceu na Câmara. “Lá, o clima ficou contaminado pelo enfrentamento entre as posições, parecendo que se votava uma lei para decidir o interesse de um lado ou de outro, quando é uma lei que põe em jogo o interesse nacional, e não de segmentos. No Senado o clima está mais tranquilo e, se permanecer assim, é possível que a gente vote o projeto até o começo de novembro”, disse ele, em entrevista ao ISA. Após a votação, o projeto voltará à Câmara, que analisará as mudanças feitas pelos senadores.