O brasileiro ingeriu, em  média, 3,7 quilos de agrotóxicos em 2009. Trata-se de uma massa de cerca  de 713 milhões de toneladas de produtos comercializadas no país por  cerca de seis corporações transnacionais. Estas empresas controlam toda a  cadeia produtiva, da semente ao agroquímico ligado a ela. Uma condição  que pressiona o agricultor familiar, refém da compra do “pacote  tecnológico” gerador da dependência na produção. O capital dessas  companhias do ramo é maior que o produto interno bruto da maioria dos  países da Organização das Nações Unidas. Só no Brasil lucraram 6,8  bilhões de dólares em 2009.
Para tanto, o país ergueu a taça de campeão mundial em uso de  agrotóxicos e bateu outro recorde: duplicou o consumo em relação a 2008.  Relatórios recentes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária  (Anvisa), que vem sendo criticado pelo lobby do agronegócio, apontam que  15% dos alimentos pesquisados pelo órgão apresentaram taxa de resíduos  de veneno em um nível prejudicial à saúde. Cana-de-açúcar, soja, arroz,  milho, tabaco, tomate, batata, hortaliças são produtos do dia-a-dia que  passaram a ter alto índice de toxidade.
Agroquímico, semente, terra e mercado fazem parte da mesma cadeia  produtiva sob controle dos monopólios. Larissa Parker, advogada da Terra  de Direitos, aponta uma relação direta entre a concentração do mercado  de sementes e de agrotóxicos. A transnacional Monsanto controla de 85 a  87% do mercado de sementes. No caso do transgênico Milho BT (da empresa  estadunidense), de acordo com a advogada, o próprio cereal é  desenvolvido com uma toxina contra determinado tipo de praga. Ainda  assim, agricultores no Rio Grande do Sul precisaram realizar mais de  duas aplicações de agrotóxicos na lavoura. Os insetos mostraram-se  resistentes à substância tóxica. Na Argentina, as corporações cobram  patentes apenas dos agrotóxicos e não das sementes, já que o seu uso  está atrelado a elas.
Apesar de surgir como a “salvação da lavoura”, prometendo aumento de  produtividade, a introdução do químico ligado à semente transgênica  incentivou o aumento do uso de tóxicos. O cultivo da soja teve uma  variação negativa em sua área plantada (- 2,55%) e, contraditoriamente,  uma variação positiva de 31,27% no consumo de agrotóxicos, entre os anos  de 2004 a 2008, como explicam os professores Fernando Ferreira Carneiro  e Vicente Soares e Almeida, do Departamento de Saúde Coletiva da  Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (UnB).
Além disso, produtos que foram barrados no exterior são usados em  diferentes cultivos brasileiros. Entre dezenas de substâncias perigosas,  o endosulfan, por exemplo, é um inseticida cancerígeno, proibido há 20  anos na União Europeia, Índia, Burkina Faso, Cabo Verde, Nigéria,  Senegal e Paraguai. Mas não é proibido no Brasil, onde é muito usado na  soja e no milho.
Outro exemplo de um cenário absurdo: grandes produtores de cítricos  não têm usado determinada substância tóxica, não por consciência  ecológica, mas porque países importadores não a aceitam. De acordo com  informações da página da Anvisa “todos os citricultores que exportam  suco de laranja já não utilizam mais a cihexatina, pois nenhum país  importador, como Canadá, Estados Unidos, Japão e União Européia, aceita  resíduos dessa substância nos alimentos”.
Cultura internalizada
O Censo Agropecuário de 2006, divulgado pelo Instituto Brasileiro de  Geografia e Estatística (IBGE), informou que 56% das propriedades  brasileiras usam venenos sem assistência técnica. De acordo com a mesma  pesquisa, práticas alternativas, como controle biológico, queima de  resíduos agrícolas e de restos de cultura, que poderiam gerar redução no  uso de agrotóxicos, também são pouco utilizadas.
Adriano Resemberg, engenheiro agrônomo do departamento de  fiscalização da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Paraná  (Seab), analisa a questão dos agrotóxicos a partir dos seguintes eixos: o  primeiro é que o uso dos agrotóxicos produz um impacto e uma alteração  do bioma local. O outro é que a prática do uso de venenos é  desnecessária, mas acaba sendo apontada como a única saída para o  produtor. E vira uma cultura. “Muitas boas práticas agrícolas, como o  manejo do solo, têm sido deixadas de lado.
O uso do agrotóxico é mais fácil, diante da falta de uma saída do  serviço de assistência técnica pública do Estado. O que vemos são  profissionais levando pacotes [tecnológicos] e não soluções, um modelo  que leva o agricultor a usar o agrotóxico e não questionar muito isso.  Usar um inimigo natural não significa menos tecnologia, ao contrário”,  analisa.
Fonte: A reportagem é de Pedro Carrano e publicada pelo  Brasil de Fato
 
