O pesquisador Dr. Enio B. Pereira do Centro de Ciencia do Sistema Terrestre, do INPE, que atua nas agendas de energias alternativas e meio ambiente, fez o seguinte cálculo preliminar comparativo entre hidrelétricas (ou a área de seus lagos) e energia solar fotovoltaica. As conclusões são impressionantes, vale a pena conferir.
"Tenho alguns cálculos preliminares que podem dar uma boa dimensão do grande potencial energético da radiação solar.
A tabela abaixo ilustra o potencial de produção de enrgia fotovoltaica que corresponde a uma área alagada de algumas hidrelétricas do país, sem levar em consideração o custo dessa tecnologia solar. Lembrando que a demanda anual de energia do Brasil é da ordem de 455TWh, vemos que só Balbina poderia, em princípio, dar conta de toda a demanda de energia do país - com uma sobra para exportação. Embora sejam resutados tipo "estimativas macro", se juntar esse estudo com o estudo mencionado pelo Paulo (Nobre) sobre o custo da energia solar comparado com o custo da energia hidroelétrica, poderia dar um resultado interessante. Veja que as hidroelétricas em bacias bem encaixadas tem uma densidade energética muito maiores do que as de lençol dágua, como as de Balbina.
A tabela abaixo oferece estimativas para as emissões em toneladas de dióxido de carbono por ano evitadas para cada km2 de paineis fotovoltaicos com 10% de eficiência comparado com diversas tecnologias de geração elétrica pela queima de combustível fóssil. Os cálculos levam em conta tambem o ciclo de vida da tecnologia solar, ou seja, a emissão de CO2 associada a manufatura, instalação e operação da tecnologia solar. Esses resultados ainda tem que ser refinados, mas são indicativos interessantes."
Coletânea de artigos selecionados por sua veracidade e importância para as questões ambientais no Brasil e no Mundo.
terça-feira, 31 de agosto de 2010
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
Lightning in Humid Regions Could Be Harvested for Energy
By Duncan Geere, Wired UK
Move over solar, wind and wave power — there’s a new renewable on the block. Researchers are experimenting with devices that can pull electricity from the air.
For centuries, scientists have been fascinated by the idea of harnessing the power of thunderstorms. Nikola Tesla experimented extensively with the topic, but significant understanding of the field of atmospheric electrodynamics has until recently proved elusive.
Fernando Galembeck, of the University of Campinas in Brazil, presented a report at the 240th National Meeting of the American Chemical Society that detailed a future where every house has a device on its roof that pulls cheap, clean electricity out of the air. ”Just as solar energy could free some households from paying electric bills, this promising new energy source could have a similar effect,” he said.
Originally, scientists believed that water droplets in the atmosphere were electrically neutral, and remained that way even after brushing up against charges on dust particles and other liquids. However, Galembeck discovered in a series of lab experiments that water droplets do in fact pick up a charge.
He used particles of silica and aluminum phosphate, both of which are common dust particles in the air, and found that they become increasingly charged as the amount of water vapor in the air increases. “This was clear evidence that water in the atmosphere can accumulate electrical charges and transfer them to other materials it comes into contact with,” said Galembeck.
It could be possible to harvest this “hygroelectricity” from the air in regions that experience high humidity, such as the tropics. To jump-start this industry, Galembeck’s team is already testing metals to see which might be of most use in capturing atmospheric electricity on hygroelectric panels.
A similar approach could help to avert lightning damage, too, by placing hygroelectric panels on buildings to take charge out of the air in the vicinity of places that suffer regular thunderstorms. “These are fascinating ideas that new studies by ourselves and by other scientific teams suggest are now possible,” said Galembeck.
“We certainly have a long way to go. But the benefits in the long range of harnessing hygroelectricity could be substantial.”
Image: Flickr/Bobby Dimitrov.
Move over solar, wind and wave power — there’s a new renewable on the block. Researchers are experimenting with devices that can pull electricity from the air.
For centuries, scientists have been fascinated by the idea of harnessing the power of thunderstorms. Nikola Tesla experimented extensively with the topic, but significant understanding of the field of atmospheric electrodynamics has until recently proved elusive.
Fernando Galembeck, of the University of Campinas in Brazil, presented a report at the 240th National Meeting of the American Chemical Society that detailed a future where every house has a device on its roof that pulls cheap, clean electricity out of the air. ”Just as solar energy could free some households from paying electric bills, this promising new energy source could have a similar effect,” he said.
Originally, scientists believed that water droplets in the atmosphere were electrically neutral, and remained that way even after brushing up against charges on dust particles and other liquids. However, Galembeck discovered in a series of lab experiments that water droplets do in fact pick up a charge.
He used particles of silica and aluminum phosphate, both of which are common dust particles in the air, and found that they become increasingly charged as the amount of water vapor in the air increases. “This was clear evidence that water in the atmosphere can accumulate electrical charges and transfer them to other materials it comes into contact with,” said Galembeck.
It could be possible to harvest this “hygroelectricity” from the air in regions that experience high humidity, such as the tropics. To jump-start this industry, Galembeck’s team is already testing metals to see which might be of most use in capturing atmospheric electricity on hygroelectric panels.
A similar approach could help to avert lightning damage, too, by placing hygroelectric panels on buildings to take charge out of the air in the vicinity of places that suffer regular thunderstorms. “These are fascinating ideas that new studies by ourselves and by other scientific teams suggest are now possible,” said Galembeck.
“We certainly have a long way to go. But the benefits in the long range of harnessing hygroelectricity could be substantial.”
Image: Flickr/Bobby Dimitrov.
Read More http://www.wired.com/wiredscience/2010/08/hygroelectric-power?intcid=postnav#ixzz0y7GwqZQv
CPFL Energia lança protótipo de posto para recarga de carros elétricos
Mônica Nunes - 27/08/2010 - Planeta Sustentável
Já está em operação, na sede da CPFL, em Campinas, o protótipo de seu primeiro posto de recarga de baterias para veículos elétricos. Ele foi instalado para viabilizar os primeiros testes de viabilidade para recarga dessas baterias.
Trata-se da realização de mais uma etapa do programa de pesquisa e desenvolvimento de veículos elétricos da empresa, iniciado em 2006 e que, hoje, mantém várias parcerias, tais como:
- Palio Weekend elétrico, com a Fiat e Itaipu;
- Moto elétrica, com a Unicamp;
- Aris, veículo elétrico projetado pela Edra, em parceria com a CPFL e
- Carros de passeio noruegueses TH!INK City.
Ainda este ano, a CPFL Energia instalará uma nova unidade do posto de recarga de baterias para veículos elétricos, também em Campinas, mas em um shopping center, com sistema de autoatendimento e pagamento através de cartões tipo smart card, pré-pago ou de crédito. Com um detalhe: o cliente ainda poderá acessar a Internet via celular para controlar a carga do veículo.
Se você se interessa por esse tema, acompanhe as novidades da CPFL Energia também pelo Twitter.
Já está em operação, na sede da CPFL, em Campinas, o protótipo de seu primeiro posto de recarga de baterias para veículos elétricos. Ele foi instalado para viabilizar os primeiros testes de viabilidade para recarga dessas baterias.
Trata-se da realização de mais uma etapa do programa de pesquisa e desenvolvimento de veículos elétricos da empresa, iniciado em 2006 e que, hoje, mantém várias parcerias, tais como:
- Palio Weekend elétrico, com a Fiat e Itaipu;
- Moto elétrica, com a Unicamp;
- Aris, veículo elétrico projetado pela Edra, em parceria com a CPFL e
- Carros de passeio noruegueses TH!INK City.
Ainda este ano, a CPFL Energia instalará uma nova unidade do posto de recarga de baterias para veículos elétricos, também em Campinas, mas em um shopping center, com sistema de autoatendimento e pagamento através de cartões tipo smart card, pré-pago ou de crédito. Com um detalhe: o cliente ainda poderá acessar a Internet via celular para controlar a carga do veículo.
Se você se interessa por esse tema, acompanhe as novidades da CPFL Energia também pelo Twitter.
Quem é que é burro mesmo? Portugal ganha liderança em energia limpa
Deu no New York Times. De sua edição semanal na Folha de S.Paulo desta Segunda 30/ago:
Por ELISABETH ROSENTHAL
LISBOA - Há cinco anos, os líderes de Portugal, nação ensolarada e varrida pelo vento, fizeram uma aposta: para reduzir a dependência do país em relação aos combustíveis fósseis importados, eles implementaram diversos projetos ambiciosos de energia renovável, aproveitando o vento, os rios, o sol e as ondas locais.
Hoje, os bares de Lisboa, as fábricas da cidade do Porto e os glamourosos resorts do Algarve são alimentados substancialmente por energia limpa. Quase 45% da eletricidade colocada na rede portuguesa neste ano virá de fontes renováveis.
E Portugal espera se tornar no ano que vem o primeiro país a inaugurar uma rede nacional de abastecimento de carros elétricos.
"Já vi todos os sorrisos -você sabe: 'É um bom sonho, [mas] não dá para competir, é caro demais'", disse o primeiro-ministro José Sócrates.
Para estimular a transição energética, o governo reestruturou e privatizou antigas estatais elétricas, para criar uma rede mais adequada às fontes renováveis de energia. Para atrair empresas privadas ao novo mercado, Lisboa ofereceu-lhes contratos que selavam um preço estável por 15 anos.
Antigas preocupações sobre a confiabilidade e o custo elevado foram superadas. As luzes se acendem em Lisboa mesmo quando o vento não sopra na ampla usina eólica do Alto Minho, inaugurada há dois anos. Os custos da produção elétrica e as tarifas ao consumidor estão em torno da média europeia.
Portugal diz que tem conseguido manter os custos baixos por priorizar as formas mais baratas de energia renovável -eólica e hidrelétrica- e reduzir gradualmente subsídios pagos para convencer empresas a construir novas usinas. Quando a nova infraestrutura estiver completa, o sistema vai custar anualmente cerca de 1,7 bilhão a menos do que antes, segundo Manuel Pinho, ex-ministro de Economia e Inovação e um dos principais mentores da transição.
No ano passado, pela primeira vez, Portugal exportou mais energia do que importou, ao vender uma pequena quantidade de eletricidade para a Espanha. Dezenas de milhares de portugueses trabalham no setor.
A Energias de Portugal, maior empresa do setor no país, é dona de usinas eólicas em Iowa e no Texas, por intermédio da sua subsidiária americana, a Horizon Wind Energy.
Portugal deu o primeiro passo em 2000, ao separar a distribuição da produção. O governo adquiriu, a preços de mercado, todas as linhas de transporte de eletricidade e gás. Em seguida, leiloou contratos para que empresas privadas construíssem e operassem usinas eólicas e hidrelétricas.
Manter o país à base das forças altamente imprevisíveis da natureza é algo que exige novas tecnologias, além de habilidades dignas de um malabarista.
A estatal Redes Energéticas Nacionais usa um sofisticado sistema para prever o clima, especialmente o vento, e desde o início da transição duplicou o número de controladores encarregados de direcionar a eletricidade.
"É uma operação em tempo real, e há muito mais decisões a serem tomadas -a cada hora, a cada segundo", disse Victor Baptista, diretor-geral da REN.
Alguns dos programas combinam energia eólica e hidrelétrica: turbinas alimentadas pelo vento empurram água morro acima durante a noite, o período em que venta mais; durante o dia, quando há maior demanda, a água desce o morro, gerando eletricidade.
O sistema de distribuição em Portugal agora também é de mão dupla. Em vez de simplesmente entregar a eletricidade, ele capta energia até dos menores geradores, como painéis solares instalados no teto de imóveis.
A enorme aposta portuguesa na energia limpa não agradou a todos -inclusive a muitos ambientalistas para os quais as turbinas eólicas interferem no comportamento dos pássaros, e as represas destroem o habitat do sobreiro, árvore de que é feita a cortiça.
O preço da eletricidade doméstica em Portugal aumentou 15% em cinco anos, segundo a Agência Internacional de Energia. Além disso, os projetos de energia limpa nem sempre geram muitos empregos. Há mais de cinco anos, por exemplo, a isolada cidade de Moura recebeu a maior usina solar de Portugal.
Mas, se 400 pessoas construíram a usina, só 20 a 25 trabalham lá agora.
Apesar disso, especialistas consideram a experiência portuguesa um notável sucesso, e outros países estão imitando-a. Segundo a consultoria americana IHS Emerging Energy Research, até 2025 Irlanda, Dinamarca e Reino Unido também obterão 40% da sua eletricidade de fontes renováveis.
Os EUA ficarão para trás, com 16%.
"A experiência de Portugal mostra que é possível fazer essas mudanças em um período curtíssimo", disse Sócrates.
Por ELISABETH ROSENTHAL
LISBOA - Há cinco anos, os líderes de Portugal, nação ensolarada e varrida pelo vento, fizeram uma aposta: para reduzir a dependência do país em relação aos combustíveis fósseis importados, eles implementaram diversos projetos ambiciosos de energia renovável, aproveitando o vento, os rios, o sol e as ondas locais.
Hoje, os bares de Lisboa, as fábricas da cidade do Porto e os glamourosos resorts do Algarve são alimentados substancialmente por energia limpa. Quase 45% da eletricidade colocada na rede portuguesa neste ano virá de fontes renováveis.
E Portugal espera se tornar no ano que vem o primeiro país a inaugurar uma rede nacional de abastecimento de carros elétricos.
"Já vi todos os sorrisos -você sabe: 'É um bom sonho, [mas] não dá para competir, é caro demais'", disse o primeiro-ministro José Sócrates.
Para estimular a transição energética, o governo reestruturou e privatizou antigas estatais elétricas, para criar uma rede mais adequada às fontes renováveis de energia. Para atrair empresas privadas ao novo mercado, Lisboa ofereceu-lhes contratos que selavam um preço estável por 15 anos.
Antigas preocupações sobre a confiabilidade e o custo elevado foram superadas. As luzes se acendem em Lisboa mesmo quando o vento não sopra na ampla usina eólica do Alto Minho, inaugurada há dois anos. Os custos da produção elétrica e as tarifas ao consumidor estão em torno da média europeia.
Portugal diz que tem conseguido manter os custos baixos por priorizar as formas mais baratas de energia renovável -eólica e hidrelétrica- e reduzir gradualmente subsídios pagos para convencer empresas a construir novas usinas. Quando a nova infraestrutura estiver completa, o sistema vai custar anualmente cerca de 1,7 bilhão a menos do que antes, segundo Manuel Pinho, ex-ministro de Economia e Inovação e um dos principais mentores da transição.
No ano passado, pela primeira vez, Portugal exportou mais energia do que importou, ao vender uma pequena quantidade de eletricidade para a Espanha. Dezenas de milhares de portugueses trabalham no setor.
A Energias de Portugal, maior empresa do setor no país, é dona de usinas eólicas em Iowa e no Texas, por intermédio da sua subsidiária americana, a Horizon Wind Energy.
Portugal deu o primeiro passo em 2000, ao separar a distribuição da produção. O governo adquiriu, a preços de mercado, todas as linhas de transporte de eletricidade e gás. Em seguida, leiloou contratos para que empresas privadas construíssem e operassem usinas eólicas e hidrelétricas.
Manter o país à base das forças altamente imprevisíveis da natureza é algo que exige novas tecnologias, além de habilidades dignas de um malabarista.
A estatal Redes Energéticas Nacionais usa um sofisticado sistema para prever o clima, especialmente o vento, e desde o início da transição duplicou o número de controladores encarregados de direcionar a eletricidade.
"É uma operação em tempo real, e há muito mais decisões a serem tomadas -a cada hora, a cada segundo", disse Victor Baptista, diretor-geral da REN.
Alguns dos programas combinam energia eólica e hidrelétrica: turbinas alimentadas pelo vento empurram água morro acima durante a noite, o período em que venta mais; durante o dia, quando há maior demanda, a água desce o morro, gerando eletricidade.
O sistema de distribuição em Portugal agora também é de mão dupla. Em vez de simplesmente entregar a eletricidade, ele capta energia até dos menores geradores, como painéis solares instalados no teto de imóveis.
A enorme aposta portuguesa na energia limpa não agradou a todos -inclusive a muitos ambientalistas para os quais as turbinas eólicas interferem no comportamento dos pássaros, e as represas destroem o habitat do sobreiro, árvore de que é feita a cortiça.
O preço da eletricidade doméstica em Portugal aumentou 15% em cinco anos, segundo a Agência Internacional de Energia. Além disso, os projetos de energia limpa nem sempre geram muitos empregos. Há mais de cinco anos, por exemplo, a isolada cidade de Moura recebeu a maior usina solar de Portugal.
Mas, se 400 pessoas construíram a usina, só 20 a 25 trabalham lá agora.
Apesar disso, especialistas consideram a experiência portuguesa um notável sucesso, e outros países estão imitando-a. Segundo a consultoria americana IHS Emerging Energy Research, até 2025 Irlanda, Dinamarca e Reino Unido também obterão 40% da sua eletricidade de fontes renováveis.
Os EUA ficarão para trás, com 16%.
"A experiência de Portugal mostra que é possível fazer essas mudanças em um período curtíssimo", disse Sócrates.
terça-feira, 3 de agosto de 2010
Belo Monte de equívocos
domingo, 18 de abril de 2010
A insistência do governo de levar adiante o projeto de Belo Monte mostra que a lógica técnica e econômica cedeu o lugar à obsessão. Com graves consequências que não se restringem às populações indígenas e comunidades ribeirinhas do rio Xingu. Elas serão também sentidas nos bolsos de todos nós, consumidores de eletricidade.
O espectro do "apagão" parece ser a única justificativa para a construção dessa usina. Entretanto, ela também aponta o modelo de desenvolvimento que se quer dar à região amazônica e ao nosso país. A energia a ser produzida pela usina não será utilizada para aliviar a pobreza e incorporar uma parcela da população que sempre esteve excluída das benesses do consumo. Ela será destinada a satisfazer a demanda de grandes grupos mínero-metalúrgicos na perpetuação do modelo que se apropria dos recursos naturais e das águas dos rios da região para produzir bens de baixo valor agregado e de alto conteúdo energético para exportação. A isso chamam de desenvolvimento. E a que custos?
As tentativas de reduzir as consequências socioambientais da obra, com a operação a fio d'água, isto é, sem um grande reservatório capaz de regular a vazão, apenas trouxeram mais problemas e proporcionaram uma sucessão de equívocos, técnicos e econômicos. Belo Monte foi superdimensionada. A capacidade de 11,2 mil MW só estará disponível durante três meses do ano. Nos meses de setembro e outubro, quando o rio Xingu fica naturalmente mais seco, a capacidade instalada aproveitável da hidrelétrica não será maior do que 1.088 MW médios.
O resultado é que a energia terá um preço elevado. A definição pelo governo do preço-teto em R$ 83 por MWh, além de já ter afugentado potenciais investidores (Odebrecht e Camargo Corrêa, que constituíam um consórcio, já abandonaram a disputa do leilão), somente será assegurada por meio do aporte do Tesouro Nacional, isto é, de nós, contribuintes.
Outro equívoco: o custo do empreendimento passou dos iniciais R$ 4,5 bilhões para os atuais R$ 19 bilhões. As empresas envolvidas com as obras (empreiteiras e fabricantes de equipamentos), por sua vez, estimam um custo mínimo de R$ 30 bilhões. O BNDES se dispõe a financiar 80% do custo. Ao mesmo tempo, o banco espera uma nova capitalização do Tesouro para assegurar essa participação. Assiste-se a um exercício de engenharia financeira para viabilizar a obra com toda sorte de renúncia fiscal e isenções que trarão aumento desproporcional da dívida pública.
Apesar de todas as críticas, levantadas de forma sistemática por um painel de especialistas constituído por diversos cientistas e professores de importantes universidades do país (disponível em http://tinyurl.com/ykjplsu), a intenção de manter o leilão para a licitação na próxima semana demonstra que são apenas os interesses eleitoreiros que prevalecem.
É preciso reabrir o debate do modelo de desenvolvimento que queremos para o nosso país. Está na hora de rever a concepção dos projetos hidrelétricos na Amazônia. E abandonar aqueles que levam à destruição de seus rios e de culturas de seus habitantes.
CÉLIO BERMANN, 57, é professor associado do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo.
Célio Bermann: "Belo Monte é a expressão e o significado do governo Lula-Sarney"
Segunda, 26 Abril 2010 02:14 | |
Correio da Cidadania [Valéria Nader e Gabriel Brito] - Projetada no governo Geisel, a usina hidrelétrica de Belo Monte, bandeira energética do governo Lula, tem vivido um espetáculo da mais pura improvisação. Após incessantes decisões judiciais contra e a favor da obra, o leilão que consagrou o consórcio liderado pela Queiroz Galvão e Chesf durou apenas sete minutos, sobrepondo-se à notificação da justiça que o suspendia. Logo depois, a Queiroz decidiu abandonar o empreendimento, acontecimento inédito em leilões do gênero. Para finalizar, alguns perdedores poderão participar do empreendimento, não como sócios principais, mas nas obras de construção da usina, vez que o projeto está envolto em uma série de dúvidas relativas aos custos a serem incorridos. Já há uma fila de empreiteiras interessadas. É o cabaré da energia elétrica. Para tratar deste que é um dos assuntos mais polêmicos dos oito anos do PT no poder, o Correio da Cidadania conversou com o professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP, Célio Bermann. Bermann não poupou críticas, de todos os matizes, a um projeto que foi imposto contra a vontade das populações, através de caricaturais audiências públicas e fictícias referências de custo. Para Bermann, a explicação para a obsessão por Belo Monte é a aliança Lula-Sarney, que abarca figuras historicamente ligadas ao setor eletro-intensivo, de forma a manter a subordinação da política energética nacional aos interesses de grandes corporações econômicas. Desse modo, estaríamos vendo o início de uma radicalização na apropriação das riquezas do território amazônico, que só pode gerar trágicas conseqüências ambientais e sociais. Correio da Cidadania: Que balanço você faz da trajetória do projeto de Belo Monte, com toda a disputa política e guerra judicial que cercam o projeto? Como avalia o resultado do leilão, que culminou com a desistência dos principais concorrentes, a Odebrecht e a Camargo Corrêa, tudo indicando que o projeto deverá ser encampado pelo governo? Célio Bermann: Primeiramente, eu não classificaria o resultado do leilão como uma vitória. Aconteceu que, apressadamente, a partir de novembro passado, o governo empurrou de forma obsessiva o projeto Belo Monte. O resultado indica o seguinte: em primeiro lugar, o projeto será bancado única e exclusivamente pelo dinheiro público, através, primeiramente, do financiamento do BNDES, que deverá comparecer com 80% dos 19 bilhões de reais que custará a obra – custo que, no entanto, as construtoras e fabricantes de equipamentos eletro-mecânicos dizem não ser inferior a 30 bilhões. Outro fato é que o consórcio vencedor é fundamentalmente formado por empresas públicas, estatais, o que se verifica na medida em que a Chesf representa 50% da composição acionária e o governo pretende também incorporar ao projeto, de forma efetiva, a participação acionária da Eletronorte, que por sua vez vai gerir a hidrelétrica. É toda uma engenharia financeira baseada fundamentalmente em renúncia fiscal exacerbada, com todas as conseqüências à população e aos contribuintes. Dessa forma, estamos na iminência de assistir a um dispêndio de dinheiro público a ser administrado de forma absolutamente incompetente, porque o preço vencedor é totalmente fictício, uma vez que não é possível remunerar tal investimento com uma tarifa de 78 reais por cada 1000 kW/h. Isso significa que, mais uma vez, haverá necessidade - para compensar os prejuízos, que serão assumidos principalmente pelas empresas estatais - de recorrer ao Tesouro Nacional a fim de se garantir que a energia seja suprida, principalmente para reproduzir e confirmar (e essa é a maior característica do projeto de Belo Monte) o modelo de apropriação do território amazônico, baseado na tomada de seus recursos naturais, de sua água, seus rios, para proporcionar a expansão de bens de alto conteúdo energético e baixo valor agregado. Ou seja, faço referência às indústrias minero-metalúrgicas, de minério de ferro, bauxita e também sua primeira transformação, em aço e em lingote de alumínio. Essa forma de "promover" o desenvolvimento da região amazônica e do país é absolutamente lesiva aos interesses da população brasileira. CC: Além de perseguir um modelo de desenvolvimento inadequado sob os aspectos social e ambiental e dos custos elevadíssimos, o projeto é também criticado pela sazonalidade da usina no suprimento da energia e pelas incertezas geotécnicas que envolvem a obra. O que você acrescentaria a estes pontos que são destacados como grandes óbices para a efetivação desse empreendimento? CB: Além da já mencionada questão da engenharia financeira, a idéia de que é preciso uma hidrelétrica para resolver o problema de habitação e infra-estrutura de uma cidade, de uma região, também aponta uma maneira absolutamente equivocada de entender os projetos de geração de eletricidade. O principal benefício argumentado pelo governo é prover habitações de alvenaria e melhorias de saneamento, tratamento de água e esgoto para Altamira e região. Isso significa passar a responsabilidade das políticas públicas, que necessariamente devem ser assumidas pelos escalões da administração municipal, estadual e federal, para o empreendimento. Significa também a procura do governo por uma legitimação política, principalmente junto à população local mal informada. CC: O que pensa sobre a avaliação de estudiosos de que o empreendimento de Belo Monte, com as reformulações pelas quais passou desde seu formato original, quando ainda era a usina de Kararaô, terá um impacto significativamente menor sobre o meio ambiente? CB: O que aconteceu, em minha compreensão, foi que efetivamente houve a tentativa de levar em consideração o problema da amplitude do reservatório na concepção do projeto, com o artifício da construção de canais. Serão construídos dois canais de medidas significativas, de forma a comportar o volume de água que inicialmente estava estabelecido e ocuparia toda a região. Com isso, reduziu-se pela metade o reservatório, que antes era de 1200km². Um problema significativo é que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) indica um reservatório de 400 km², enquanto o edital do leilão apontava um reservatório da ordem de 600 km². Aí também havia uma brecha por onde se poderia justificar o cancelamento do empreendimento, por não reconhecer o que tinha sido referência para a discussão ambiental. Se efetivamente haverá o aumento do reservatório, problemas sócio-ambientais de maior monta serão revelados. Portanto, seria fundamental reavaliar o projeto. Mas o problema maior é que, na medida em que o projeto procurou reduzir as resistências ambientais, ao mesmo tempo em que manteve o dimensionamento da obra, ocasionou uma concepção absolutamente equivocada, que já determina sua ineficiência. Agora ele está nas mãos de empresas estatais, pois as privadas saíram e não participam da tomada de empréstimos e dos investimentos, o que manteve a concepção de superdimensionamento da usina, de 11,2 mil mW, quando na verdade essa energia só estará disponível durante três meses ao ano. E haverá períodos de estiagem, entre setembro e outubro, nos quais a capacidade de geração se reduzirá a 1080 mW. Frente a esse fato, o governo passou a trabalhar com a noção de ‘média de energia’, em torno de 4000, 4500 mW ao longo do ano, o que é uma maneira enganosa de caracterizar o empreendimento. A energia que estará garantida, independentemente do regime hidrológico, é de apenas 1000, 1100 mW. O restante da energia disponibilizada terá valor comercial menor. Dessa forma, as empresas estatais (que deveriam ser públicas, mas não são) vão arcar com esse enorme prejuízo, que vai cair no bolso do brasileiro, e assim assistiremos ao prenúncio do processo de expansão do capital internacional na Amazônia: predatório, sem levar em consideração o interesse da população brasileira, especialmente as ribeirinhas, indígenas e tradicionais, fatalmente seguido da solicitação de construção de outras três usinas rio acima para melhorar a eficiência da usina e aumentar a disponibilidade hídrica, embora o governo indique que isso não acontecerá. No entanto, aponto como inexorável a necessidade de construção de outras usinas a montante, aí sim passando diretamente pelas populações da bacia do Xingu. CC: Por que este governo é tão determinado em dar início a um projeto de custo elevadíssimo, em um país com variadíssimo potencial energético e com toda a resistência de entidades ambientalistas e movimentos sociais, inclusive com grande repercussão internacional? A quem se destina prioritariamente os benefícios desse projeto? CB: Precisamos realmente qualificar que governo é esse que leva adiante de forma obsessiva o empreendimento, malgrado todas as análises críticas de movimentos sociais, ambientalistas, de acadêmicos e cientistas que fizeram aquele painel de especialistas para elaborar uma avaliação crítica aos estudos ambientais e à construção. É preciso lembrar que essa obra é um arranjo político que constitui a expressão e significado do governo Lula-Sarney. Eis a referência que aponto. O governo lulo-sarneysista tem interesses históricos na viabilidade de Belo Monte; todo o Ministério das Minas e Energia e a Eletrobrás de hoje estão constituídos pelos chamados homens-Sarney. São a esses, que mantêm relações históricas de privilégios com o setor eletro-intensivo, e às empresas minero-metalúrgicas, que politica e economicamente satisfaz um empreendimento dessa ordem. Para o governo Lula e a candidatura Dilma fica o equívoco de identificar o projeto Belo Monte como estratégico, prioritário do PAC. Foi um equívoco determinado pela política de aliança do governo Lula. Em minha opinião, esse erro pode gerar, em função das repercussões, uma insatisfação da sociedade e das populações locais em relação à condução do processo, fragilizando a própria candidatura. Eu analiso que Belo Monte, da forma como foi açodadamente conduzido, pode significar o cadafalso da candidatura Dilma. CC: Vários estudiosos da área elétrica defendem, no entanto, o projeto como uma forma de aproveitar o potencial hidrelétrico brasileiro, já que o Brasil só teria utilizado até agora um terço desse grande potencial de energia limpa, proporção bem inferior à média dos países desenvolvidos. Qual a sua opinião quanto a esta avaliação? CB: Essa percepção da hidroeletricidade de nosso país precisa ser redefinida. Nós temos hoje uma dependência excessiva da hidroeletricidade amazônica. O fato de mais de 50% de nosso potencial hidrelétrico estar localizado naquela região não significa, em absoluto, que todos os rios da Amazônia precisam ser transformados em jazidas de megawatts. Tanto o projeto de Belo Monte como as usinas Santo Antônio e Jirau, do Rio Madeira, apontam a idéia que marca o pensamento elétrico, de se otimizar o aproveitamento energético desconsiderando as questões ambientais e sociais. E eventualmente, como em Belo Monte, procurando incorporar algumas dessas questões, mas mantendo a concepção de geração energética. Isso indica que não há compatibilidade entre preocupação ambiental, justiça social e o pensamento hegemônico de conduzir os projetos hidrelétricos da forma que vemos. Em relação aos apoiadores da expansão hidrelétrica, devo dizer algo, sobre o qual Belo Monte é simbólico: primeiramente, a energia hidrelétrica ficará cada vez mais cara. Se levarmos em consideração a ordem e grandeza de 30 bilhões de reais de investimento, significa que o kilowatt instalado em Belo Monte está alcançando 2700 reais, cerca de 1500 dólares por kilowatt instalado, basicamente. Internacionalmente, o preço do kilowatt hidrelétrico instalado é de 1000 dólares. Estamos fazendo uma usina cara, contrariando a informação do governo e seus apoiadores de que se trata de projeto extremamente favorável no que se refere à relação custo/investimento e benefício. Em segundo lugar, há o problema do destino da energia. Ela não será destinada às necessidades e requerimentos da população brasileira, não será voltada à melhoria de suas condições de vida no dia-a-dia e ao aumento da oferta de energia a essas pessoas. CC: Segundo ainda esses mesmos estudiosos, fontes de energia alternativa, como eólica, solar, podem, sem dúvida, complementar a necessidade de suprimento, em vista de nosso variado potencial energético, mas não conseguiriam suprir significativamente as demandas de nossa matriz energética. O que você teria a dizer sobre essas energias alternativas? CB: Essas outras fontes poderiam ter um aproveitamento melhor, como a biomassa também, o que poderia ser um complemento às fontes tradicionais, mas ainda se tem a compreensão de que são caras demais para receber investimento. Mas é extremamente importante, antes de tudo, ressaltar alguns pontos. Um deles é a redução da perda de energia do sistema termelétrico: de acordo com dados do próprio governo, temos no Brasil uma perda da ordem de 15% do momento em que a energia é gerada, entra no sistema de transmissão, depois passa pela distribuição, até chegar à tomada dos consumidores. Sem esquecer das características de prioridade à fonte hidráulica, não podemos imaginar reduzir essa perda ao que hoje é a média em países da Europa, Japão, EUA, onde ela fica em torno de 8%. Mas poderíamos imaginar reduzir as perdas a cerca de 10%. Daria pra ganhar 5% do que é gerado, disponibilizando esse montante para o consumo. Tal investimento é bem menor que a construção de uma nova usina. Ao mesmo tempo, considero o fato de que o sistema hidrelétrico nacional apresenta condição diferenciada daquela existente nos locais citados, cuja matriz energética é extremamente dependente de usinas a carvão e gás natural, localizadas mais próximas do centro de carga e dos consumidores, o que possibilita uma menor perda também. A distância entre o local de geração e de consumo é determinante para operacionalizar um programa desse tipo. Por isso, em minha opinião, considerando as grandes linhas de transmissão do Brasil, levando energia elétrica de usinas hidrelétricas distantes do centro de carga e dos locais de consumo, nossa característica possibilitaria trabalhar com a redução de perdas, o que é uma conta teórica, mas que poderia levar a uma economia equivalente a dois terços do que se produz de energia em Itaipu. Outra alternativa, para a qual chamei particularmente a atenção em 2004, e que teve resposta do governo apenas no ano passado, é a repotenciação de usinas hidrelétricas que operam há mais de 20 anos. Mas, nesse estudo feito pelo governo, a EPE – Empresa de Planejamento Energético - procura reduzir as conseqüências da repotenciação vistas historicamente e acaba super-dimensionando a capacidade de geração do parque hidrelétrico atual. Com isso, apontam uma escala de ganho extremamente reduzida por meio da repotenciação. Neste momento, estou envolvido num trabalho de investigação e pesquisa junto a uma empresa de geração do estado de São Paulo para definir concretamente as possibilidades de redução de perdas nas usinas que operam hoje, de modo a conseguir aumento de energia por meio da repotenciação. Espero que esse trabalho se transforme numa discussão teórica, baseada em ganhos advindos da repotenciação e, por outro lado, em questionamentos sobre o super-dimensionamento do atual parque hidrelétrico por parte do governo. Espero reunir elementos suficientes para, de forma concreta, indicar as possibilidades que a repotenciação pode trazer. CC: Todas essas possibilidades juntas não alcançariam o potencial elétrico que se projeta para Belo Monte de modo bem menos lesivo ao meio ambiente e à população? Por outro lado, até que ponto suprir esse potencial elétrico supostamente originário de Belo Monte é o foco que deve acompanhar as preocupações de uma política energética e de um modelo de desenvolvimento? CB: Todas essas alternativas não substituem as grandes usinas hidrelétricas produtoras de grandes blocos de energia, como Belo Monte. Uma energia que, no entanto, é voltada a satisfazer as necessidades e requerimentos do processo eletro-intensivo. As formas alternativas de energia têm como foco principal trazer benefícios não concentrados em um ou outro setor da economia, e com isso há a necessidade de discutir o modelo de acumulação que vigora em nosso país. O modelo de desenvolvimento no qual estamos hoje assentados, de meros produtores de bens primários de alto conteúdo energético e baixo valor agregado, não representa um Brasil forte em termos de produção, geração de renda e geração de energia. Pelo contrário, esse modo de apropriação dos recursos naturais em favor de poucos apenas representa e indica que o governo Lula-Sarney faz essa construção em subordinação aos interesses financeiros internacionais. Trata-se de uma visão equivocada, de que a disponibilidade energética conduz necessariamente ao desenvolvimento. As conseqüências inelutáveis serão a degradação ambiental e o acirramento da crise social. CC: É possível projetar o tamanho do custo ambiental da obra? Seria digno de contestação não apenas nacional, como também internacional? CB: Embora tenha sido propagandeado que era da ordem de 1,5 bilhão de reais, o custo ambiental não teve uma contabilidade de fato, não foram citados os parâmetros para se chegar a tal resultado... A discussão histórica é de que os empreendedores que vão tocar a obra vão buscar reduzir custos. E a procura por redução de custos se dará principalmente sobre as dimensões sociais e ambientais. Mesmo que tais valores projetados se confirmem, só serão verificados no futuro. CC: E quanto ao custo social, considerando todo o deslocamento das populações tradicionais, indígenas e ribeirinhas, qual a sua avaliação? Será tão desastroso como no caso de Tucuruí? CB: O problema é que não se trata, como se pensa, de dar a essas populações opções de uma casinha ou algo assim. O que acontece historicamente é que cerca de 80% das populações atingidas por obras hidrelétricas do país não receberam nenhum tipo de indenização. Vamos imaginar que o empreendimento consiga fazer alguma forma de ressarcimento à população. O problema reside em que o levantamento do EIA – Estudo de Impacto Ambiental - subestima a população, o que já mostra o problema de se levar em conta o custo real do deslocamento dessa população a partir de uma obra desse porte, ainda mais na região amazônica. É o mesmo que se viu em Tucuruí e se vê agora em Porto Velho (por conta das usinas do Rio Madeira), casos em que o contingente de pessoas atraídas pela busca de emprego não será absorvido, pois a obra fica preferencialmente com a mão-de-obra qualificada. E essa população é mão-de-obra desqualificada, que não dispõe de programas de qualificação previstos nos projetos. A questão social, acrescentada ao fato de que a população atraída vai demandar equipamentos sociais, moradia, educação, não está contemplada no investimento, não está valorada, e irá se constituir numa conta não assumida pelo empreendedor. CC: Acredita que toda a contenda em torno da construção, ou não, da usina pode ensejar novas lutas por direitos de povos indígenas, tradicionais e locais, enfim, minorias que habitam terras muito cobiçadas em nosso país por suas riquezas naturais? CB: A perspectiva de ampliação do processo político de contestação certamente existe. O problema é saber as conseqüências que irá trazer. A depender destas conseqüências, vai ser redefinida a forma como os interesses das populações são, ou não, incorporados ao processo de discussão e de investimentos. Em minha opinião, a natureza de tais empreendimentos, com sua subordinação aos interesses do capital internacional, determina que esta é uma luta inglória, isto é, existe uma insatisfação popular muito grande, mas que, a meu ver, não abrirá espaço para que populações tradicionais interfiram nas decisões. Quero dizer que não há compatibilidade entre o exercício democrático e a concepção desses empreendimentos. Eles são excludentes. CC: Qual será, de todo modo, o final dessa contenda a seu ver? A luta de ambientalistas e populações atingidas conseguirá barrar a obra? Ou, por outro lado, o governo pode acabar engavetando ou adiando o projeto em vista de todo o desgaste gerado pela construção da usina, o qual pode ser utilizado inclusive eleitoralmente pela oposição? CB: O problema é que, nas atuais circunstâncias, o governo conta com a irreversibilidade do processo. Eu esperava que a lógica prevalecesse, e foi o que aconteceu. Dessa forma, não posso levar em consideração a incerteza do que pode acontecer. Vai existir incerteza tanto em relação ao empreendimento como no que se refere à contestação política ao resultado do leilão. Isso vai trazer um desgaste muito grande à candidatura do governo, mas tais possibilidades não nos permitem apontar de forma conclusiva o desfecho. Porém, qualquer que seja, o desgaste é enorme e pode representar a fragilização da candidatura Dilma. Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista. |
Brasil: um país cheio de energia. Mas qual é o destino de toda essa energia?
06.04.2009
Entrevista especial com Célio Bermann
Entrevista especial com Célio Bermann
http://www.mabnacional.org.br/noticias/060409_energia_br.html
Discutir, de forma geral e unida, para mudar os paradigmas atuais. Essa é a alternativa dada pelo professor Célio Bermann em relação ao Plano Decenal de Energia, em vigor no Brasil, que planeja (e já está fazendo isso) ampliar a oferta de energia no país. No entanto, fica claro, pelas palavras de Bermann, que essa energia é para produção de produtos que, em grande parte, são destinados à exportação. Ou seja, estamos produzindo energia para gerar produtos que não ficam no Brasil. Para o professor, “a tendência de incremento dos combustíveis fósseis na matriz energética, certamente, está indo na contramão da história”.
Nesta entrevista, realizada por telefone, Célio Bermann fala, fundamentalmente, do Plano Decenal de Energia, mas analisa-o de forma mais questionadora, levando em conta termos sociais, econômicos e ambientais. “O que está acontecendo, de forma geral, com o planejamento energético no nosso país, a meu ver, é que estamos submetidos ao que eu chamo de uma ditadura da oferta”, refletiu.
Célio Bermann é graduado em Arquitetura e Urbanismo, pela Universidade de São Paulo. Na École des Hautes Études en Sciences Sociales (França), especializou-se em Histoire et Géographie des Populations. É mestre em Planejamento Urbano e Regional, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos, pela Universidade Estadual de Campinas. A USP também lhe concedeu o título de pós-doutorado e livre-docência. É nesta universidade que hoje atua como professor e pesquisador. É autor de Energia no Brasil: para quê? para quem? - Crise e alternativas para um país sustentável (São Paulo: Editora Livraria da Física/FASE, 2002) e Exportando a nossa natureza - Produtos intensivos em energia: implicações sociais e ambientais (Rio de Janeiro: FASE, 2004), entre outras obras.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Sendo o Brasil um dos países com maior possibilidade de ter uma matriz energética relativamente limpa e renovável, quais são as maiores discrepâncias desse Plano Decenal de Energia?
Discutir, de forma geral e unida, para mudar os paradigmas atuais. Essa é a alternativa dada pelo professor Célio Bermann em relação ao Plano Decenal de Energia, em vigor no Brasil, que planeja (e já está fazendo isso) ampliar a oferta de energia no país. No entanto, fica claro, pelas palavras de Bermann, que essa energia é para produção de produtos que, em grande parte, são destinados à exportação. Ou seja, estamos produzindo energia para gerar produtos que não ficam no Brasil. Para o professor, “a tendência de incremento dos combustíveis fósseis na matriz energética, certamente, está indo na contramão da história”.
Nesta entrevista, realizada por telefone, Célio Bermann fala, fundamentalmente, do Plano Decenal de Energia, mas analisa-o de forma mais questionadora, levando em conta termos sociais, econômicos e ambientais. “O que está acontecendo, de forma geral, com o planejamento energético no nosso país, a meu ver, é que estamos submetidos ao que eu chamo de uma ditadura da oferta”, refletiu.
Célio Bermann é graduado em Arquitetura e Urbanismo, pela Universidade de São Paulo. Na École des Hautes Études en Sciences Sociales (França), especializou-se em Histoire et Géographie des Populations. É mestre em Planejamento Urbano e Regional, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos, pela Universidade Estadual de Campinas. A USP também lhe concedeu o título de pós-doutorado e livre-docência. É nesta universidade que hoje atua como professor e pesquisador. É autor de Energia no Brasil: para quê? para quem? - Crise e alternativas para um país sustentável (São Paulo: Editora Livraria da Física/FASE, 2002) e Exportando a nossa natureza - Produtos intensivos em energia: implicações sociais e ambientais (Rio de Janeiro: FASE, 2004), entre outras obras.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Sendo o Brasil um dos países com maior possibilidade de ter uma matriz energética relativamente limpa e renovável, quais são as maiores discrepâncias desse Plano Decenal de Energia?
Célio Bermann – São várias as questões que envolvem a previsão de oferta de energia da forma como o Plano Decenal está hoje indicando. A primeira delas diz respeito à necessidade, e o plano explicita isso, de atendimento do mercado em curto prazo. Esse atendimento só é possível através das termelétricas a derivados de petróleo e a gás natural e, também, utilizando o carvão mineral. Esta necessidade é ditada pelo mercado, não pela população brasileira nem pelo órgão planejador do governo. E o fato de ela precisar atender uma demanda que é do mercado, a necessidade de energia a curto prazo, faz com que esta última previsão coloque com muita ênfase a termeletricidade a partir de combustíveis fósseis.
A segunda questão também está relacionada com o mercado que indica que as chamadas fontes renováveis são caras. Isto é, a produção de energia elétrica a partir dos ventos, da biomassa, de energia solar, é considerada não competitiva com as fontes tradicionais. Isso faz com que a aposta nas fontes renováveis seja também restrita.
E, por último, existe a questão relacionada com as chamadas energias renováveis relacionadas com hidroeletricidade. O plano prevê uma grande ampliação da capacidade hidrelétrica do Brasil. O problema é que esta capacidade de produção de energia elétrica, a partir dos rios, da água, está fundamentalmente localizada na região amazônica.
IHU On-Line – E o que está acontecendo em termos ambientais e sociais?
Célio Bermann – Como esta área comporta um grande chamado de Unidades de Conservação, uma grande quantidade de áreas consideradas indígenas, a produção de eletricidade nelas encontra um conflito que será superado apenas – e isso o plano não indica – através da priorização da produção de energia, em detrimento da conservação ambiental, da manutenção da cultura e dos territórios das populações tradicionais. Então, são esses os três aspectos que ajudam a entender o porquê desta oferta de energia elétrica para os próximos dez anos.
IHU On-Line – Com esse Plano Decenal de Energia, em sua opinião, se produz energia para o quê e para quem?
Célio Bermann – Se pegarmos a matriz de consumo setorial de energia elétrica no Brasil, praticamente 30% da energia é consumida pelos seis setores chamados de intensivos em energia. São eles: o cimento, a produção de aço, a produção de ferro-ligas (ligas a base de ferro), a produção dos metais não-ferrosos (principalmente, o alumínio primário), a produção de química e, finalmente, o setor de papel e celulose. Esses seis setores consomem 30% da energia produzida no Brasil. Destes seis setores, quatro – produção de aço, não-ferrosos, ferro-ligas, papel e celulose – são fundamentalmente destinados à exportação. Esses cálculos eu desenvolvi aqui no Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP e mostram que praticamente 17,5% da energia elétrica no Brasil é destinada à exportação. Isto é, é uma energia elétrica que foi consumida pelas plantas indústrias eletrointensivas, e que são exportadas, incorpora a produção de energia a esses bens primários.
IHU On-Line – Estamos na contramão da história?
Célio Bermann – Depende do referencial que temos. Se pensarmos que, de certa forma, se consolida num plano internacional um esforço na direção de reduzir emissões de gases de efeito estuda e com isso reduzir a utilização dos combustíveis fósseis, uma matriz energética como a nossa, em que esta participação tende a aumentar, certamente é um indício de que estamos indo na direção contrária àquela que o contexto mundial hoje preconiza. Por outro lado, temos uma situação que nos favorece desta comparativa facilidade que o Brasil apresenta com relação a sua matriz energética. Ela é uma matriz energética em que as chamadas fontes energéticas renováveis são acentuadas em relação ao panorama internacional, o que nos permite deixar um pouco a vontade em relação aos esforços internacionais. Mas, eu repito, a tendência de incremento dos combustíveis fósseis na matriz energética, certamente, está indo na contramão da história.
IHU On-Line – A partir das suas críticas, podemos entender que, então, o Plano mostra uma submissão da política em relação ao mercado?
Célio Bermann – Antes dessa submissão ao mercado, o que está acontecendo, de forma geral, com o planejamento energético no nosso país, a meu ver, é que estamos submetidos ao que eu chamo de uma ditadura da oferta. Ao não se questionar a demanda, a oferta passa a ser a única forma de manutenção daquilo que podemos chamar de uma articulação entre o planejamento do governo e o mercado. A outra questão é a submissão do planejamento energético do nosso país ao que determina o mercado. Se o mercado fosse homogêneo, em que todos os seus agentes poderiam se expressar da mesma forma, teríamos, de alguma forma, uma situação de liberdade e democracia. Isso não acontece. O que temos em relação ao perfil de consumo energético brasileiro é uma priorização às grandes corporações internacionais, ao grande capital internacional e nacional.
Com isso, as decisões ficam quase que inteiramente subordinadas a essas necessidades, em detrimento de uma questão importante, do meu ponto de vista, que é a demanda social, em que um contingente considerável de brasileiros ainda vive sem acesso à energia elétrica. Claro que o governo, ao implantar, em grande medida, o seu programa "Luz para todos", procura atender esta necessidade. Mas, enquanto ela for restrita à extensão de rede, enquanto o acesso de energia elétrica não permitir que fontes locais de energia renovável atendam às necessidades das populações que são distantes à rede de distribuição, enquanto isso tudo não for feito, ficaremos sujeitos à Lei do Mercado. E na Lei do Mercado essas populações não têm espaço.
IHU On-Line – Como fica nossa pegada ecológica a partir da instauração desse plano?
Célio Bermann – A ideia de se buscar identificar o que a literatura internacional chama de pegada ecológica, isto é, o acesso aos recursos naturais em relação à transformação de energia, no caso do Plano Decenal de Energia, gera uma contabilidade em termos de degradação de recursos, de dilapidação dos recursos e dos ecossistemas. No nosso caso, de novo, se compararmos o perfil de suprimento energético no Brasil com o plano internacional, veremos que temos ainda uma situação bastante favorável. Isso não quer dizer que a pegada ecológica irá crescer e se tornar cada vez mais intensa em função daquilo que o Plano Decenal preconiza.
IHU On-Line – Este plano tem, de algum forma, pontos positivos?
Célio Bermann – O que eu considero positivo, e o plano abre, pela primeira vez, é a possibilidade de contestação Ou seja, a sociedade, de uma forma geral, pode questionar e buscar outras soluções. Isso não quer dizer que, nas atuais circunstâncias, o governo consiga incorporar, de uma forma sistemática, a crítica que pode emergir do fato do plano ser submetido às audiências públicas. Via de regra, audiências públicas são, basicamente, apresentações por parte do governo. Há pouco espaço para o debate, e, quando ele efetivamente acontece, como foi o caso, no início do último mês, quando o Ministério Público Federal chamou o governo para uma audiência pública, ainda se fica sem uma definição clara de que forma o governo irá considerar aquilo que foi indicado nessa reunião, ou até que ponto irá desconsiderar outras opiniões.
IHU On-Line – Que mudanças são mais emergenciais nesse plano?
Célio Bermann – Primeiro, o plano precisa necessariamente rever os seus paradigmas. Ele foi pensado numa época anterior ao período que se consolidou como de crise no mercado internacional. Essa crise tem repercussões no nosso país, e os parâmetros nos quais o plano se alicerça precisam ser revistos. A segunda questão é trazer a problemática do destino da energia. Não é possível continuarmos reproduzindo a situação, histórica, em que o Ministério de Minas e Energia não conversa com o Ministério de Economia e com o Ministério de Indústria, Comércio e Relações Internacionais. Este, por sua vez, não conversa com outras esferas do governo que decidem as previsões e o perfil em que a indústria, em particular, irá se moldar nos próximos anos. Então, o Ministério de Minas e Energia corre atrás de decisões em que ele não é envolvido. A sociedade também não se envolve num debate importante, no sentido de se possa definir um programa de desenvolvimento capaz de reduzir essa participação subordinada do país ao processo de globalização. Essa participação fica restrita ao papel de mero exportador de bens primários de alto conteúdo energético e alto impacto ambiental. Nessas circunstâncias, eu penso que, se há algo que precisa ser feito para mudar este contexto, necessariamente, é mudar o paradigma do planejamento energético, de forma a introduzir uma discussão mais profunda, mais geral, envolvendo as várias esferas de governo e a sociedade, para a construção de um plano de desenvolvimento em que a demanda por energia seja restabelecida.
Setor de Comunicação - MABCrédito: Istituto Humanitas
A energia hidrelétrica não é limpa, nem barata
O professor de pós-graduação em Energia do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP desmistifica os benefícios de o Brasil aproveitar o potencial energético dos rios da região Amazônica: “Belo Monte representa simbolicamente a possibilidade de transformar todo o territorio amazônico em um grande conjunto de jazidas de megawatts”.
Célio Bermann foi assessor do Ministério de Minas e Energia durante os dois primeiros anos do governo Lula e se afastou em desacordo com o que considera desvirtuamento da política do governo para o setor. Crítico assíduo do planejamento energético brasileiro, Bermann não só rejeita a construção de usinas hidrelétricas como a de Belo Monte, mas propõe uma nova direção de desenvolvimento econômico para o país.
O problema é que o governo Lula vai ficar na história como aquele governo que decretou o fim das populações indígenas e da cultura na região do Xingu. Para responder o por quê dessa obstinação do governo, é porque se conseguirem validar a construção da usina de Belo Monte, todas as outras usinas vão se validar também, principalmente no critério de impactos socio-ambientais. A Balbina (1) é conhecida como a pior concepção de hidrelétrica do mundo, porque ela está na planície amazônica, ocupa um reservatório enorme de mais de 2500 km2, para gerar 250 MW, sendo que a potência firme dela é de apenas 120 MW. Numa situação dessa, o critério lógico é abandonar o projeto. Isso não foi feito, na década de oitenta. De lá pra cá, aumentou o número de planos de hidrelétricas. Belo Monte representa simbolicamente a possibilidade de transformar todo o território amazônico em um grande conjunto de jazidas de megawatts. Embora frágil, com populações tradicionais que precisam ser respeitadas, populações indígenas que precisam ser consideradas, a perspectiva que Belo Monte aponta é de priorizar a geração de energia a partir das águas do rio Amazonas. E o resto? Bem, o resto é o resto.
Seguindo essa lógica, fatalmente o Brasil precisará de energia. O problema que precisa ser aberto para a população brasileira é se a gente quer um crescimento econômico com esse perfil. Ou se com a mesma energia disponível, não podemos produzir produtos que contenham mais tecnologia, mais mão de obra, que tenham maior valor agregado e aí sim, exportá-los. É o que o Japão faz. Na década de 80, todas as indústrias de alumínio foram fechadas. O Japão passou a importar o alumínio, transformá-lo em chips, para então vendê-los com um valor 20 vezes maior do que ele pagou pelo alumínio utilizado. É possível crescer economicamente gastando menos energia, se diversificarmos a nossa matriz energética para que ela não priorize a hidroeletricidade, como ela vem sendo priorizada hoje.
É falsa a idéia de que ela é mais barata do que as outras. Colocado na ponta do lápis, esse custo de 30 bilhões da usina de Belo Monte será financiado pelo BNDES, com o nosso dinheiro, porque as empresas privadas não quiseram entrar. O banco público vai bancar 80% dos investimentos e pagar empresas privadas para construir a usina. E a energia elétrica, muito provavelmente, vai servir para ampliar esse perfil industrial eletro-intensivo. Vai vir alguma coisa para o consumidor residencial brasileiro, mas poderíamos conseguir essa energia diversificando as fontes, não tendo essa idéia de privilegiar grandes blocos de consumo, como esse tipo de indústria faz. A gente tem, na economia brasileira, demonstrações de que existem setores que atendem ao requisito de menor consumo de energia, maior tecnologia e maior incorporação de mão de obra. Então porque não insistir nessa direção?
E a questão permanece: a que custos sociais e ambientais? Vale a pena? A gente não vai conseguir substituir a necessidade de energia de uma indústria de alumínio com o vento, ou com energia solar. Mas ela consegue suprir de uma forma diversificada parte da necessidade de consumo da população, de atividades de indústria de ponta, ou de comércio e serviços. Não devemos permanecer nessa dependência de grandes usinas hidrelétricas que custam caro, estão numa distância muito grande do consumo e representam do ponto de vista socio- ambiental, pesados óbices para um país como o Brasil aumentar a renda, a geração de emprego e melhorar a qualidade de vida da população.
A renda no Brasil é absurdamente concentrada e os esforços recentes nessa direção ainda são pouco significativos frente à dimensão que hoje se estabelece. Metade da população ganha a mesma renda que 5% dos brasileiros. Isso mostra porque temos problemas de segurança, baixa escolaridade, baixa capacitação de mão de obra para se qualificar e se inserir no mercado de trabalho. É um conjunto de problemas que se verifica e que poderiam ser resolvidos a partir dessa redifinição do que se quer de um país e como a energia pode contribuir numa qualidade de vida mais elevada. O problema é que estamos muito longe dessa direção.
Nota:
(1) A Usina Hidrelétrica de Balbina, no Amazonas, começou a ser construída em 1973 no rio Uatamã e passou a funcionar em 1988.
A entrevista é de Manuela Azenha, publicada no sítio Viomundo
Fonte: www.ihu.unisinos.br
Replicado do portal Rebia
Célio Bermann foi assessor do Ministério de Minas e Energia durante os dois primeiros anos do governo Lula e se afastou em desacordo com o que considera desvirtuamento da política do governo para o setor. Crítico assíduo do planejamento energético brasileiro, Bermann não só rejeita a construção de usinas hidrelétricas como a de Belo Monte, mas propõe uma nova direção de desenvolvimento econômico para o país.
Qual é a importância econômica da Usina de Belo Monte para o Brasil?
A importância da usina deve ser medida pela sua capacidade de produção de energia, pelo tempo que a energia produzida estará disponível para o consumo da sociedade e pelos problemas de ordem social e ambiental que essa usina representa, inclusive sob o ponto de vista de custos. A importância econômica da Usina de Belo Monte para o Brasil é negativa, porque ela vai custar muito. O governo fala em 19 bilhões de reais de investimento, mas as empresas envolvidas na obra, na fabricação dos equipamentos, dizem que a obra não sai por menos de 30 bilhões. Os problemas sociais e ambientais, muitos deles, não têm custo financeiro. Mas imagine a perda do valor cultural do rio Xingu, que é sagrado para as populações indígenas. E esse tipo de raciocínio não está incorporado na decisão de construir um empreendimento. A obra é superdimensionada, porque a quantidade de água para tocar a usina na capacidade proposta, de 11 mil MW (Itaipu produz 14 mil MW, para se ter uma idéia do tamanho da usina), estará disponível apenas três meses ao ano. Na época de estiagem, por exemplo, em setembro e outubro, a usina não vai produzir mais do que 1 mil MW. Então porque investir numa obra com essa dimensão se o retorno econômico/financeiro é baixo? Não é a toa que o capital privado desistiu de participar da construção.E porque então construí-la? Qual é o interesse do governo se não haverá esse retorno?
Eu vejo a obra de Belo Monte como um projeto de longo prazo. É preciso levar em consideração que mais da metade do chamado potencial hidrelétrico, para construir hidrelétricas no Brasil, está localizado na região amazônica, onde há problemas de ordens social e ambiental. O fato de ter esse potencial para a construção de hidrelétricas faz com o governo aponte para essa direção irreversível: a de construir essas usinas, custe o que custar. Porque isso? O que chama atenção, como sempre, é a perspectiva do apagão, de se ter falta de energia. Ninguém quer ficar sem energia elétrica. Então essa forma de propagandear, de alardear que vai ter apagão, faz com que se aceite usinas com essas características. Não é particularmente o governo Lula, porque essa obra está sendo pensada há 30 anos.O problema é que o governo Lula vai ficar na história como aquele governo que decretou o fim das populações indígenas e da cultura na região do Xingu. Para responder o por quê dessa obstinação do governo, é porque se conseguirem validar a construção da usina de Belo Monte, todas as outras usinas vão se validar também, principalmente no critério de impactos socio-ambientais. A Balbina (1) é conhecida como a pior concepção de hidrelétrica do mundo, porque ela está na planície amazônica, ocupa um reservatório enorme de mais de 2500 km2, para gerar 250 MW, sendo que a potência firme dela é de apenas 120 MW. Numa situação dessa, o critério lógico é abandonar o projeto. Isso não foi feito, na década de oitenta. De lá pra cá, aumentou o número de planos de hidrelétricas. Belo Monte representa simbolicamente a possibilidade de transformar todo o território amazônico em um grande conjunto de jazidas de megawatts. Embora frágil, com populações tradicionais que precisam ser respeitadas, populações indígenas que precisam ser consideradas, a perspectiva que Belo Monte aponta é de priorizar a geração de energia a partir das águas do rio Amazonas. E o resto? Bem, o resto é o resto.
O Brasil tem um papel de protagonismo internacional em geração de energia limpa. No caso das hidrelétricas, temos enormes reservas de água que podem ser vantajosas para o país. Não se deve aproveitar essas vantagens?
O maior erro desta política energética que está sendo implementada é o fato dela se apoiar em inverdades. Uma delas é de que a energia hidrelétrica é limpa e barata. Ela não é. Estudos mostraram que Balbina, Tucuruí e Samuel, as três maiores hidrelétricas construídas na região amazônica até agora, emitem gases de efeito estufa mais ou na mesma proporção que usinas a carvão mineral. Isso pode parecer uma surpresa, mas nos primeiros dez anos de operação de uma usina da Amazônia, a matéria orgânica, a mata, ela apodrece porque a água a deixa encoberta permanentemente. E o processo de apodrecimento é muito forte, acidifica a água e emite metano, que é um gás 21 vezes mais forte que o gás carbônico, principal gás do efeito estufa. Isso é conhecido pela ciência mas não é considerado porque não é de interesse de quem concebe essas usinas. O que interessa é a grande quantidade de dinheiro que vai ser repassado para as empresas construtoras de barragens, turbinas e geradores. O restante, o problema ambiental, as populações que serão expulsas, a cultura indígena que está sendo desconsiderada, isso não entra na conta.Ainda não entendi porque construir essa usina se a energia é suja, cara e provoca todos esses impactos socioambientais. O Brasil precisa dessa energia ou não?
Se o Brasil persistir nessa direção de desenvolvimento econômico, sim. Mas é isso o que precisa ser mudado. No Brasil, 30% da energia gerada é gasta por empresas que consomem muito: fábricas de aço e de alumínio, principalmente. Todas as empresas presentes na Amazônia, e que usam a energia de Tucuruí, são produtoras de alumínio, que é exportado. Então é essa lógica que está por trás disso. Fala-se em crescimento econômico mas a fabricação industrial é direcionada para essa produção e para a exportação.Seguindo essa lógica, fatalmente o Brasil precisará de energia. O problema que precisa ser aberto para a população brasileira é se a gente quer um crescimento econômico com esse perfil. Ou se com a mesma energia disponível, não podemos produzir produtos que contenham mais tecnologia, mais mão de obra, que tenham maior valor agregado e aí sim, exportá-los. É o que o Japão faz. Na década de 80, todas as indústrias de alumínio foram fechadas. O Japão passou a importar o alumínio, transformá-lo em chips, para então vendê-los com um valor 20 vezes maior do que ele pagou pelo alumínio utilizado. É possível crescer economicamente gastando menos energia, se diversificarmos a nossa matriz energética para que ela não priorize a hidroeletricidade, como ela vem sendo priorizada hoje.
É falsa a idéia de que ela é mais barata do que as outras. Colocado na ponta do lápis, esse custo de 30 bilhões da usina de Belo Monte será financiado pelo BNDES, com o nosso dinheiro, porque as empresas privadas não quiseram entrar. O banco público vai bancar 80% dos investimentos e pagar empresas privadas para construir a usina. E a energia elétrica, muito provavelmente, vai servir para ampliar esse perfil industrial eletro-intensivo. Vai vir alguma coisa para o consumidor residencial brasileiro, mas poderíamos conseguir essa energia diversificando as fontes, não tendo essa idéia de privilegiar grandes blocos de consumo, como esse tipo de indústria faz. A gente tem, na economia brasileira, demonstrações de que existem setores que atendem ao requisito de menor consumo de energia, maior tecnologia e maior incorporação de mão de obra. Então porque não insistir nessa direção?
E quais são esses setores?
Por exemplo, a fabricação de aviões. Dentro da pauta de exportação brasileira, é o que mais se sobressai, em termos de receita que advém da venda desses equipamentos. Não dá para persistir na idéia de um país da dimensão do Brasil, com as necessidades sociais que tem, como exportador de soja, de café, de açúcar, de etanol…Exportar aço, celulose, alumínio, é restringir a capacidade que o conhecimento brasileiro tem, a capacidade de trabalho que o país tem de consumir energia de uma forma mais inteligente, de uma forma que degrade menos a força de trabalho de sua gente e o meio ambiente.Você acha que a sociedade brasileira está a par do que está acontecendo na Amazônia?
É fundamental que a discussão das usinas hidrelétricas da Amazônia seja disseminada para que as idéias que hoje justificam essas obras possam passar pelo crivo da sociedade, e não apenas de especialistas, e aí eu me incluo, que mostram seu ponto de vista cientifico do por quê condenar o empreendimento dessas obras. O projeto brasileiro é de construir 28 usinas na região amazônica. Hoje tem quinze, mas de porte são Tucuruí, Balbina e Samuel. Desse conjunto que se pretende, mostra que 80% da capacidade de geração de energia elétrica prevista até 2020 vai vir de 28 usinas hidrelétricas da Amazônia.E a questão permanece: a que custos sociais e ambientais? Vale a pena? A gente não vai conseguir substituir a necessidade de energia de uma indústria de alumínio com o vento, ou com energia solar. Mas ela consegue suprir de uma forma diversificada parte da necessidade de consumo da população, de atividades de indústria de ponta, ou de comércio e serviços. Não devemos permanecer nessa dependência de grandes usinas hidrelétricas que custam caro, estão numa distância muito grande do consumo e representam do ponto de vista socio- ambiental, pesados óbices para um país como o Brasil aumentar a renda, a geração de emprego e melhorar a qualidade de vida da população.
A renda no Brasil é absurdamente concentrada e os esforços recentes nessa direção ainda são pouco significativos frente à dimensão que hoje se estabelece. Metade da população ganha a mesma renda que 5% dos brasileiros. Isso mostra porque temos problemas de segurança, baixa escolaridade, baixa capacitação de mão de obra para se qualificar e se inserir no mercado de trabalho. É um conjunto de problemas que se verifica e que poderiam ser resolvidos a partir dessa redifinição do que se quer de um país e como a energia pode contribuir numa qualidade de vida mais elevada. O problema é que estamos muito longe dessa direção.
Quais são as alternativas de geração de energia?
Para pequena escala serviria energia solar, dos ventos, dos resíduos agrícolas. A política energética atual tem incorporado essas alternativas de uma forma muito tímida, deveria ser multiplicada na sua escala. Alegam que essas energias alternativas são caras mas se a gente considera a hidroeletricidade com todos os problemas que eu apontei e com todos seus custos, elas passam a ser viáveis, e passam a potencialmente poder compor a cesta energética brasileira. Existe uma falsa questão na hidroeletricidade quando ela é comparada aos combustíveis fósseis e não tem uma vírgula sobre isso no projeto de Belo Monte.Eu estranhei o espaço que a usina de Belo Monte tem tido na mídia, nunca vi a imprensa defender tanto o meio ambiente. Você acha que existe uma questão política por trás dessa discussão?
Eu já estive muito próximo do governo Lula. Participei dos primeiros dois anos do governo como assessor de do Ministério de Minas e Energia. E me afastei por ver a direção que o governo Lula tomava e a sua forma de assegurar governabilidade, se aliando ao PMDB, particularmente à figura do senador Sarney. Isso implicou um redirecionamento político, inclusive nesse comportamento em relação às usinas hidrelétricas. Todo o staff hoje das empresas públicas elétricas é de homens do Sarney. Então a forma da oposição combater politicamente a obra de Belo Monte é em função do que é evidente, dos custos, dos problemas socio-ambientais, para com isso alimentar a crítica, mas que é de fundamento político, à obra. Eu nao vi ainda a oposição dizer que não construiria Belo Monte. Não vi o candidato de oposição se referir à usina de forma incisiva. Então eu vejo que o comportamento da mídia em relação à Belo Monte, que poderia resultar no envolvimento da sociedade com relação à usina e criar condições para que o governo revesse a decisão, foi usado muito na atitude de jogar pedra no telhado de vidro, quando eu suponho que seria o mesmo telhado se tivéssemos outro governo.Um país subdesenvolvido pode ter um desenvolvimento sustentavel? Quer dizer, um país com tantas necessidades sociais quanto o Brasil pode pensar nesses termos a longo prazo?
Deveria. Mas na construção de hidrelétricas, não se pensa no meio ambiente a longo prazo. Enquanto houver minérios na Amazônia, vamos aproveitar. Uma usina hidrelétrica dura até 100 anos. Nos EUA, quando as hidrelétricas já não funcionam mais, estão tentando recuperar a vida do rio, porque a vida do rio morre com a usina hidrelétrica. A água que corria agora fica parada, aumenta sua acidez, diminui o oxigênio, no lago começam a formar macrófitas (algas). São evidências de que a coisa não está indo no bom caminho se a gente pensa a longo prazo. A sociedade não está informada, não participa do processo decisório. Quem participa são essas pessoas que eu mencionei, com suas teias de interesse já definidas. O deputado que hoje está na frente de uma empresa de geração de energia elétrica pública, ele garante com esse tipo de articulação, caixas de campanha para a próxima eleição. Eles embolsam o dinheiro indiretamente, o que torna impossível de registrar, documentar e ser uma peça importante num processo judicial de apuração de responsabilidades.O Delfim Netto escreveu coluna na revista CartaCapital argumentando em defesa da construção da usina de Belo Monte. Segundo ele, os não índios na região se beneficiariam com a criação de emprego e a movimentação da economia. Termina a coluna citando uma frase que um jornalista publicou no Estadão : “As questões ambientais ou indígenas são vistas pelos locais como argumentos de quem tem sobrevivência garantida. Não é o caso de boa parte dos 60 mil habitantes de Altamira”.
A afirmação do Dep. Delfim Neto apenas confunde. A sobrevivência das populações tradicionais está e sempre esteve em permanente ameaça. A população urbana de Altamira tem vários problemas que não são enfrentados pelo município ou pelo estado. A ausência de políticas públicas acaba conduzindo a população carente a acreditar que a usina seria a redenção para a região. Como já havia sido, décadas atrás, a construção da Transamazônica.Nota:
(1) A Usina Hidrelétrica de Balbina, no Amazonas, começou a ser construída em 1973 no rio Uatamã e passou a funcionar em 1988.
A entrevista é de Manuela Azenha, publicada no sítio Viomundo
Fonte: www.ihu.unisinos.br
Replicado do portal Rebia
segunda-feira, 2 de agosto de 2010
POR UM BRASIL ECOLÓGICO, LIVRE DE TRANSGÊNICOS E AGROTÓXICOS
Número 500 - 01 de agosto de 2010
Car@s Amig@s,
Este boletim completa 500 edições na semana em que a Justiça suspendeu a decisão da CTNBio que liberou o milho transgênico da Bayer e que a principal entidade científica brasileira aprovou por unanimidade de sua assembleia uma moção por mais participação e transparência nas decisões sobre biossegurança.
A reunião anual da SBPC realizada em Natal na semana que passou estreou o “Ciência em Ebulição”, espaço para debates sobre temas controversos. A questão da biossegurança de organismos transgênicos foi debatida em três momentos diferentes. Só pelo destaque dado para a discussão sobre o tema já é possível ver o quão longe da realidade estão aqueles que tentam convencer que a aprovação dos transgênicos é consenso no meio acadêmico.
O presidente da CTNBio Edílson Paiva, em debate com ex-membro da comissão, negou e taxou de mentirosos os dados oficiais e da literatura científica apresentados para mostrar que os transgênicos foram aqui liberados de forma açodada e dispensando os estudos necessários, bem como dados da literatura especializada que justificariam maior precaução.
Um minicurso para 40 participantes abordou com riqueza de informações e exemplos concretos os procedimentos adotados para avaliação e liberação de um organismo transgênico no Brasil.
E a conferência com Terje Traavik, coordenador do centro de pesquisa sobre Ecologia do Gene da Universidade de Tromso, Noruega, evidenciou o fato de que quando se trata de riscos dos transgênicos sequer sabemos qual a exata dimensão dos problemas que já se sabe que poderão ocorrer. Sua conclusão é que os governos precisam investir em pesquisas independentes e que é anticientífica a posição dos que negam a realização de estudos para desanuviar áreas onde predomina a dúvida.
Para o bom entendedor fica claro que não é bem essa a prática adota pela CTNBio, que, na dúvida, libera. Ou dito nas palavras de seu presidente, entende que seja o princípio da precaução um princípio da obstrução, debochando do conceito fundador da legislação que rege a comissão por ele presidida.
Mas a Justiça mostrou-se eficiente para corrigir esse tipo de desvio, reforçando a importância de a sociedade se organizar para atuar na fiscalização da lei e exigir seu cumprimento.
O milho transgênico da Bayer foi liberado na ausência de dados sobre seu comportamento na amazônia e caatinga, desconsiderando-se que as condições ambientais são determinantes para a avaliação de risco. No mesmo embalo a CTNBio eximiu-se de explicitar as medidas de segurança e restrições ao uso do OGM, como manda a lei, e negou acesso às informações sobre o processo.
Diante dessas irregularidades, a sentença exarada pela Juíza Federal Pepita Durski Tramontini concluiu que “(...) não se justifica a liberação de [um OGM] anteriormente à definição destas regras [de monitoramento pós comercialização e de coexistência]”. Além disso, “As informações que instruem o pedido da empresa são de interesse público, devendo ser a todos os interessados disponibilizadas (...) [sendo que seu acesso] é essencial ao acompanhamento por aqueles que se preocupam com o tema”. A sentença tem efeitos imediatos.
Parte da dispensa da lei pode se explicar pela soberba, e parte por acreditar a maior parte daqueles que decidem sobre transgênicos que a contaminação não é um problema já que o milho crioulo não existe, ou que, se existe, não deve ser usado porque produz pouco. Para estes, vale conhecer o caso da família Kunze, contado mais abaixo, que conseguiu se livrar das dívidas após adotar sementes crioulas, que lhes abriram as portas para um manejo eficiente e de baixo uso de insumos e, portanto, de custo reduzido.
Daí destaca-se a relevante manifestação da Vara Ambiental do Paraná ao afirmar a necessidade de medidas de coexistência como forma de se garantir não só a biodiversidade, como também o direito de agricultores e consumidores.
domingo, 1 de agosto de 2010
A alimentação dos brasileiros está cada vez mais envenenada
O brasileiro ingeriu, em média, 3,7 quilos de agrotóxicos em 2009. Trata-se de uma massa de cerca de 713 milhões de toneladas de produtos comercializadas no país por cerca de seis corporações transnacionais. Estas empresas controlam toda a cadeia produtiva, da semente ao agroquímico ligado a ela. Uma condição que pressiona o agricultor familiar, refém da compra do “pacote tecnológico” gerador da dependência na produção. O capital dessas companhias do ramo é maior que o produto interno bruto da maioria dos países da Organização das Nações Unidas. Só no Brasil lucraram 6,8 bilhões de dólares em 2009.
Para tanto, o país ergueu a taça de campeão mundial em uso de agrotóxicos e bateu outro recorde: duplicou o consumo em relação a 2008. Relatórios recentes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que vem sendo criticado pelo lobby do agronegócio, apontam que 15% dos alimentos pesquisados pelo órgão apresentaram taxa de resíduos de veneno em um nível prejudicial à saúde. Cana-de-açúcar, soja, arroz, milho, tabaco, tomate, batata, hortaliças são produtos do dia-a-dia que passaram a ter alto índice de toxidade.
Agroquímico, semente, terra e mercado fazem parte da mesma cadeia produtiva sob controle dos monopólios. Larissa Parker, advogada da Terra de Direitos, aponta uma relação direta entre a concentração do mercado de sementes e de agrotóxicos. A transnacional Monsanto controla de 85 a 87% do mercado de sementes. No caso do transgênico Milho BT (da empresa estadunidense), de acordo com a advogada, o próprio cereal é desenvolvido com uma toxina contra determinado tipo de praga. Ainda assim, agricultores no Rio Grande do Sul precisaram realizar mais de duas aplicações de agrotóxicos na lavoura. Os insetos mostraram-se resistentes à substância tóxica. Na Argentina, as corporações cobram patentes apenas dos agrotóxicos e não das sementes, já que o seu uso está atrelado a elas.
Apesar de surgir como a “salvação da lavoura”, prometendo aumento de produtividade, a introdução do químico ligado à semente transgênica incentivou o aumento do uso de tóxicos. O cultivo da soja teve uma variação negativa em sua área plantada (- 2,55%) e, contraditoriamente, uma variação positiva de 31,27% no consumo de agrotóxicos, entre os anos de 2004 a 2008, como explicam os professores Fernando Ferreira Carneiro e Vicente Soares e Almeida, do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (UnB).
Além disso, produtos que foram barrados no exterior são usados em diferentes cultivos brasileiros. Entre dezenas de substâncias perigosas, o endosulfan, por exemplo, é um inseticida cancerígeno, proibido há 20 anos na União Europeia, Índia, Burkina Faso, Cabo Verde, Nigéria, Senegal e Paraguai. Mas não é proibido no Brasil, onde é muito usado na soja e no milho.
Outro exemplo de um cenário absurdo: grandes produtores de cítricos não têm usado determinada substância tóxica, não por consciência ecológica, mas porque países importadores não a aceitam. De acordo com informações da página da Anvisa “todos os citricultores que exportam suco de laranja já não utilizam mais a cihexatina, pois nenhum país importador, como Canadá, Estados Unidos, Japão e União Européia, aceita resíduos dessa substância nos alimentos”.
Cultura internalizada
O Censo Agropecuário de 2006, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), informou que 56% das propriedades brasileiras usam venenos sem assistência técnica. De acordo com a mesma pesquisa, práticas alternativas, como controle biológico, queima de resíduos agrícolas e de restos de cultura, que poderiam gerar redução no uso de agrotóxicos, também são pouco utilizadas.
Adriano Resemberg, engenheiro agrônomo do departamento de fiscalização da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Paraná (Seab), analisa a questão dos agrotóxicos a partir dos seguintes eixos: o primeiro é que o uso dos agrotóxicos produz um impacto e uma alteração do bioma local. O outro é que a prática do uso de venenos é desnecessária, mas acaba sendo apontada como a única saída para o produtor. E vira uma cultura. “Muitas boas práticas agrícolas, como o manejo do solo, têm sido deixadas de lado.
O uso do agrotóxico é mais fácil, diante da falta de uma saída do serviço de assistência técnica pública do Estado. O que vemos são profissionais levando pacotes [tecnológicos] e não soluções, um modelo que leva o agricultor a usar o agrotóxico e não questionar muito isso. Usar um inimigo natural não significa menos tecnologia, ao contrário”, analisa.
Fonte: A reportagem é de Pedro Carrano e publicada pelo Brasil de Fato
Para tanto, o país ergueu a taça de campeão mundial em uso de agrotóxicos e bateu outro recorde: duplicou o consumo em relação a 2008. Relatórios recentes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que vem sendo criticado pelo lobby do agronegócio, apontam que 15% dos alimentos pesquisados pelo órgão apresentaram taxa de resíduos de veneno em um nível prejudicial à saúde. Cana-de-açúcar, soja, arroz, milho, tabaco, tomate, batata, hortaliças são produtos do dia-a-dia que passaram a ter alto índice de toxidade.
Agroquímico, semente, terra e mercado fazem parte da mesma cadeia produtiva sob controle dos monopólios. Larissa Parker, advogada da Terra de Direitos, aponta uma relação direta entre a concentração do mercado de sementes e de agrotóxicos. A transnacional Monsanto controla de 85 a 87% do mercado de sementes. No caso do transgênico Milho BT (da empresa estadunidense), de acordo com a advogada, o próprio cereal é desenvolvido com uma toxina contra determinado tipo de praga. Ainda assim, agricultores no Rio Grande do Sul precisaram realizar mais de duas aplicações de agrotóxicos na lavoura. Os insetos mostraram-se resistentes à substância tóxica. Na Argentina, as corporações cobram patentes apenas dos agrotóxicos e não das sementes, já que o seu uso está atrelado a elas.
Apesar de surgir como a “salvação da lavoura”, prometendo aumento de produtividade, a introdução do químico ligado à semente transgênica incentivou o aumento do uso de tóxicos. O cultivo da soja teve uma variação negativa em sua área plantada (- 2,55%) e, contraditoriamente, uma variação positiva de 31,27% no consumo de agrotóxicos, entre os anos de 2004 a 2008, como explicam os professores Fernando Ferreira Carneiro e Vicente Soares e Almeida, do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (UnB).
Além disso, produtos que foram barrados no exterior são usados em diferentes cultivos brasileiros. Entre dezenas de substâncias perigosas, o endosulfan, por exemplo, é um inseticida cancerígeno, proibido há 20 anos na União Europeia, Índia, Burkina Faso, Cabo Verde, Nigéria, Senegal e Paraguai. Mas não é proibido no Brasil, onde é muito usado na soja e no milho.
Outro exemplo de um cenário absurdo: grandes produtores de cítricos não têm usado determinada substância tóxica, não por consciência ecológica, mas porque países importadores não a aceitam. De acordo com informações da página da Anvisa “todos os citricultores que exportam suco de laranja já não utilizam mais a cihexatina, pois nenhum país importador, como Canadá, Estados Unidos, Japão e União Européia, aceita resíduos dessa substância nos alimentos”.
Cultura internalizada
O Censo Agropecuário de 2006, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), informou que 56% das propriedades brasileiras usam venenos sem assistência técnica. De acordo com a mesma pesquisa, práticas alternativas, como controle biológico, queima de resíduos agrícolas e de restos de cultura, que poderiam gerar redução no uso de agrotóxicos, também são pouco utilizadas.
Adriano Resemberg, engenheiro agrônomo do departamento de fiscalização da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Paraná (Seab), analisa a questão dos agrotóxicos a partir dos seguintes eixos: o primeiro é que o uso dos agrotóxicos produz um impacto e uma alteração do bioma local. O outro é que a prática do uso de venenos é desnecessária, mas acaba sendo apontada como a única saída para o produtor. E vira uma cultura. “Muitas boas práticas agrícolas, como o manejo do solo, têm sido deixadas de lado.
O uso do agrotóxico é mais fácil, diante da falta de uma saída do serviço de assistência técnica pública do Estado. O que vemos são profissionais levando pacotes [tecnológicos] e não soluções, um modelo que leva o agricultor a usar o agrotóxico e não questionar muito isso. Usar um inimigo natural não significa menos tecnologia, ao contrário”, analisa.
Fonte: A reportagem é de Pedro Carrano e publicada pelo Brasil de Fato
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