quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Preferir Marina

A PROFUNDA convicção de que o Brasil só se tornará uma nação desenvolvida se vier a ser simultaneamente competitivo e ambientalmente sustentável é o que move todos os que já veem na senadora Marina Silva a melhor solução pós-Lula.

Folha de S. Paulo, 1º de outubro de 2009.

TENDÊNCIAS/DEBATES

JOSÉ ELI DA VEIGA

A base de apoio de um governo Marina Silva será necessariamente construída pela atração daquilo que há de melhor no PT e no PSDB

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A PROFUNDA convicção de que o Brasil só se tornará uma nação desenvolvida se vier a ser simultaneamente competitivo e ambientalmente sustentável é o que move todos os que já veem na senadora Marina Silva a melhor solução pós-Lula. E, para explicar os motivos dessa aposta, são unânimes em também enfatizar valores de vida e de convivência consagrados na sexagenária Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Porém, alguns revelam duas sérias propensões a dúvidas ou restrições.
Por um lado, que a espiritualidade de Marina possa trazer prejuízos ao racionalismo iluminista que vem ajudando a sociedade a se livrar de inúmeras superstições e preconceitos limitadores de autonomia individual e de liberdades cívicas.

Por outro, que as inescapáveis circunstâncias políticas da viabilização de sua candidatura não ofereçam as imprescindíveis condições de governabilidade.
Na primeira tendência chega a haver insinuações de atitude obscurantista pelo fato de Marina Silva não ser categórica sobre meia dúzia de questões: acesso legal das mulheres ao aborto, direito de usar drogas leves, conquistas da comunidade LGBT, educação científica separada da religiosa nas escolas confessionais e normas de biossegurança para cultivos transgênicos ou pesquisas com células-tronco.

Antes de tudo, não se deve esquecer que são questões sobre as quais há sérias controvérsias ético-científicas que racham a sociedade brasileira.
Podem ser ótimas para inquirir a senadora, porque ela assume sua condição de evangélica. Mas, fosse ela tão hipócrita quanto exigem as práticas mais costumeiras da política, tais polêmicas nem seriam lembradas. Muito menos usadas em tentativas de estigmatizá-la ou tachá-la de fundamentalista.
Pois bem, eu sou ateu há mais de 40 anos e radical adepto do darwinismo generalizado. Entendo as religiões como frutos da adaptação cultural.
Por isso, não tenho dúvida em optar pelos valores humanos que guiam a senadora. Pois ele são infinitamente superiores àqueles preferidos por materialistas vulgares e que servem até para justificar toda a nojeira que tem sido praticada no Senado e na Câmara dos Deputados pelos dois oligopólios partidários.



Por que deveria eu ter aversão a uma crente que nutre mais respeito pela diversidade cultural e pelas liberdades civis do que todas as raposas políticas juntas? Apenas uma lembrança: as que agora bajulam o ilegítimo e horrendo regime iraniano.

Sobre a segunda tendência, como estimar as chances de governabilidade? A base de apoio de um governo Marina será necessariamente construída pela atração daquilo que há de melhor no PT e no PSDB, alijando do poder os arranjos que foram montados por oligarcas com o propósito de chantagear os presidentes FHC e Lula. Só Marina poderá isolar essa corja.

Se der Ciro ou Dilma, o poder será exercido em parceria com esquema bem semelhante ao que está sendo regido por Sarney, Renan, Temer & Cia. Ltda. Se der Serra ou Aécio, esse mesmo arranjo será recauchutado sob a égide dos demos.



Por isso, a pergunta básica ao eleitor bem informado é: o que será melhor para a sociedade brasileira? Um governo de rude gerência executiva, necessariamente refém de sinhozinhos que organizam e comandam fisiológicos e oportunistas de todas as siglas e regiões, ou uma coalizão entre social-democratas e verdes conduzida por meiga, firme e serena seringueira negra com larga experiência política senatorial e ministerial?

Além disso, não será melhor que a chefia do Estado siga rigorosamente código de ética em que a sustentabilidade ambiental seja algo intrínseco?
Ou seria melhor que ficasse para quem já foi capaz de falsificar méritos universitários e ignora os riscos que corre a espécie humana, por falta de precaução com uma dezena de problemas usualmente classificados de "ambientais", mas que, a rigor, são de segurança e tão sérios quanto a violência alimentada pelo narcotráfico ou por todas as máfias e gangues que põem em xeque o Estado de Direito?

Enfim, está mais do que na hora de parar com esse besteirol de dizer que a alternativa verde seria "ambientalista". O que a distingue de candidaturas vermelhas, rosas ou de colorida plumagem não é qualquer apego romântico à preservação da natureza.

Ao contrário, é a consciência de que não haverá desenvolvimento se o crescimento econômico minar a sustentabilidade ambiental. De que crescer sem conservar é cavar a própria cova.


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JOSÉ ELI DA VEIGA , 61, é professor titular da Faculdade de Economia da USP. www.zeeli.pro.br