Se não formos corajosos na Conferência do Clima da ONU, no final do ano, as Olimpíadas podem ser jogos sem vencedores
5 de agosto de 2016. Milhares de pessoas protagonizam a cerimônia de abertura da 31ª. edição das Olimpíadas, transmitida para todo o planeta a partir do Rio de Janeiro. Foram anos de investimento, planejamento e muito trabalho para que a escolha feita no dia 2 de agosto de 2009 em Copenhagen tivesse um desfecho feliz. Mas uma outra escolha, também em Copenhagen, também em 2009, mudou tudo. Foi em dezembro, quando delegações de todos os países-membros da Organização das Nações Unidas se reuniram para deliberar sobre a continuação do Protocolo de Kyoto. O objetivo oficial era reverter a então tendência de aquecimento global provocada pelos altíssimos níveis de emissão dos gases que provocam o efeito estufa, notadamente o gás carbônico oriundo da queima de combustíveis fósseis. Oficiosamente, no entanto, ocorreu a III Guerra Mundial: uma guerra diplomática, de palavras e manobras, aparentemente sem vítimas fatais. Ledo engano: na abertura das Olimpíadas de 2016 já se conhecem as primeiras vítimas do confronto.
Se em outubro Copenhagen sediou uma decisão, em dezembro ela foi palco da mais fatal indecisão da história da humanidade. Cindidos por interesses conflitantes entre desenvolvimentistas e ambientalistas, os negociadores não avançaram o suficiente e fecharam um acordo de fachada. Alguns acharam que não havia problema; outros, que estavam empurrando para as futuras gerações o ônus de resolver o problema. Mais um engano: a partir de um determinado momento, não há volta e as futuras gerações ficam alijadas de alcançar qualquer solução. É o que se começa a ver na abertura das Olimpíadas, apesar de todo o esforço do governo brasileiro e do Comitê Olímpico Internacional para que o evento transmita uma aura de sucesso e de tranqüilidade.
Mas o mar já começa a roubar parte da orla do Rio de Janeiro que, assolado por ondas de calor cada vez mais longas e intensas, já perdeu parte da Floresta da Tijuca. Chuvas fora de época provocam enchentes – como a que foi acontecer justo na véspera da abertura das Olimpíadas! Que azar! Até parece que Deus não é brasileiro! A chuva também danificou o cultivo de hortaliças no entorno da cidade, agravando os problemas de abastecimento. Sim, porque com o avanço do desmatamento da Amazônia, o ciclo de chuvas do país foi alterado e a agricultura tem vivido, ano após ano, recordes de improdutividade. A bancada ruralista, sempre tão garbosa da crescente safra de grãos, empenha-se em obter mais subsídios do governo, emperrando a pauta de votações no Congresso e no Senado, como de praxe. Esta semana, aliás, é um alívio para eles: por causa das Olimpíadas, a imprensa quase não fala deles! Se bem que volta e meia surge um assunto mais quente que rouba as manchetes. Os blecautes, por exemplo. Desde que o Brasil começou a ter tornados e furacões, volta e meia alguma linha de transmissão é destruída pelos ventos, causando panes em todo o sistema (que, ironicamente, havia sido unificado justamente para ganhar em estabilidade e segurança). Aliás, está todo mundo torcendo hoje para que não vente lá pras bandas do Sul, causando algum problema no sistema Itaipu! E pensar que as hidrelétricas da região Norte não aliviaram em nada a situação... Ok, tem as termelétricas, mas com a escassez do petróleo, todas as companhias petrolíferas estão elevando seus preços : a Petrobrás está tão poderosa que o governo não consegue alterar as decisões “de mercado” da estatal. E o preço da eletricidade foi para a casa do chapéu! Mas como as distribuidoras haviam subido o morro, na década passada, dizendo que estavam fazendo um trabalho de responsabilidade social ao tirar os gatos e reformar as instalações elétricas, hoje a população mais carente não consegue roubar energia. E fica no escuro. Para evitar uma imagem feia na transmissão dos jogos, o governo aceitou pagar a tarifa para que os morros do Rio recebam eletricidade hoje, independente de estarem com as contas em dia ou não. Só para sair bem na foto.
E olha que a gente nem tem muito o que reclamar aqui! Do outro lado do Atlântico, na África, a coisa está muito pior. Lá, as mudanças climáticas praticamente inviabilizaram as chances de vida humana e animal. O processo de desertificação do continente avança a passos largos. Os migrantes do clima não têm mais onde se refugiar. Os conflitos por terra e pelas poucas fontes de água estão deixando saldos sangrentos. Mas isso sai pouco no noticiário. Nunca ninguém deu muita bola para a África mesmo... O que sai mais são os problemas na Ásia. A Índia nunca teve uma política eficiente de controle de natalidade e o incentivo ao uso das fontes de água potável no início do século levou a uma escassez quase total. O Brasil exportou a tecnologia de cisternas para eles, já que as monções trazem um volume de água absurdo ao subcontinente indiano. Mas com o aquecimento global o ritmo delas se alterou, bem como a duração e a intensidade: chove muito mais, mas durante menos dias. Resultado: as chuvas destroem as cisternas, ao invés de enchê-las. O Banco Mundial já liberou vários milhões para o desenvolvimento de uma tecnologia mais eficiente, mas enquanto ela não chega as pessoas vão morrendo de fome, de doenças tropicais, em desastres ambientais. Com a China é a mesma coisa, mas como a economia deles cresceu barbaramente nos últimos anos, o dano se concentra mais na fronteira oeste, onde estão as comunidades rurais mais pobres. Nas cidades, o governo liberou programas de assistência inspirados no welfare state ocidental. Repercutiu muito bem no último encontro do G20! Aliás, vários presidentes de países europeus vieram para a abertura das Olimpíadas! Eles não perdem uma chance de viajar porque a chapa está quente lá no velho continente: as mudanças climáticas inviabilizaram a agricultura nos países ao redor do Mediterrâneo. A luta não é mais por subsídios, como no começo do século, quando essa pauta emperrou as negociações de Doha. Agora, a luta é por terras mais ao norte. Está o maior embroglio desde que a Itália resolveu questionar a posse da Groenlândia pela Dinamarca. Sim, hoje a Groenlândia já se destaca na produção de grãos! A União Européia quer agora transformar a Dinamarca em uma espécie de Antártida, à qual todos têm direito.
Mas agora tenho que parar. Já vai começar a transmissão da cerimônia de abertura dos jogos. Parece que o tema escolhido foi meio ambiente. Acho que vai ser bem bonito!
5 de agosto de 2016. Milhares de pessoas protagonizam a cerimônia de abertura da 31ª. edição das Olimpíadas, transmitida para todo o planeta a partir do Rio de Janeiro. Foram anos de investimento, planejamento e muito trabalho para que a escolha feita no dia 2 de agosto de 2009 em Copenhagen tivesse um desfecho feliz. Mas uma outra escolha, também em Copenhagen, também em 2009, mudou tudo. Foi em dezembro, quando delegações de todos os países-membros da Organização das Nações Unidas se reuniram para deliberar sobre a continuação do Protocolo de Kyoto. O objetivo oficial era reverter a então tendência de aquecimento global provocada pelos altíssimos níveis de emissão dos gases que provocam o efeito estufa, notadamente o gás carbônico oriundo da queima de combustíveis fósseis. Oficiosamente, no entanto, ocorreu a III Guerra Mundial: uma guerra diplomática, de palavras e manobras, aparentemente sem vítimas fatais. Ledo engano: na abertura das Olimpíadas de 2016 já se conhecem as primeiras vítimas do confronto.
Se em outubro Copenhagen sediou uma decisão, em dezembro ela foi palco da mais fatal indecisão da história da humanidade. Cindidos por interesses conflitantes entre desenvolvimentistas e ambientalistas, os negociadores não avançaram o suficiente e fecharam um acordo de fachada. Alguns acharam que não havia problema; outros, que estavam empurrando para as futuras gerações o ônus de resolver o problema. Mais um engano: a partir de um determinado momento, não há volta e as futuras gerações ficam alijadas de alcançar qualquer solução. É o que se começa a ver na abertura das Olimpíadas, apesar de todo o esforço do governo brasileiro e do Comitê Olímpico Internacional para que o evento transmita uma aura de sucesso e de tranqüilidade.
Mas o mar já começa a roubar parte da orla do Rio de Janeiro que, assolado por ondas de calor cada vez mais longas e intensas, já perdeu parte da Floresta da Tijuca. Chuvas fora de época provocam enchentes – como a que foi acontecer justo na véspera da abertura das Olimpíadas! Que azar! Até parece que Deus não é brasileiro! A chuva também danificou o cultivo de hortaliças no entorno da cidade, agravando os problemas de abastecimento. Sim, porque com o avanço do desmatamento da Amazônia, o ciclo de chuvas do país foi alterado e a agricultura tem vivido, ano após ano, recordes de improdutividade. A bancada ruralista, sempre tão garbosa da crescente safra de grãos, empenha-se em obter mais subsídios do governo, emperrando a pauta de votações no Congresso e no Senado, como de praxe. Esta semana, aliás, é um alívio para eles: por causa das Olimpíadas, a imprensa quase não fala deles! Se bem que volta e meia surge um assunto mais quente que rouba as manchetes. Os blecautes, por exemplo. Desde que o Brasil começou a ter tornados e furacões, volta e meia alguma linha de transmissão é destruída pelos ventos, causando panes em todo o sistema (que, ironicamente, havia sido unificado justamente para ganhar em estabilidade e segurança). Aliás, está todo mundo torcendo hoje para que não vente lá pras bandas do Sul, causando algum problema no sistema Itaipu! E pensar que as hidrelétricas da região Norte não aliviaram em nada a situação... Ok, tem as termelétricas, mas com a escassez do petróleo, todas as companhias petrolíferas estão elevando seus preços : a Petrobrás está tão poderosa que o governo não consegue alterar as decisões “de mercado” da estatal. E o preço da eletricidade foi para a casa do chapéu! Mas como as distribuidoras haviam subido o morro, na década passada, dizendo que estavam fazendo um trabalho de responsabilidade social ao tirar os gatos e reformar as instalações elétricas, hoje a população mais carente não consegue roubar energia. E fica no escuro. Para evitar uma imagem feia na transmissão dos jogos, o governo aceitou pagar a tarifa para que os morros do Rio recebam eletricidade hoje, independente de estarem com as contas em dia ou não. Só para sair bem na foto.
E olha que a gente nem tem muito o que reclamar aqui! Do outro lado do Atlântico, na África, a coisa está muito pior. Lá, as mudanças climáticas praticamente inviabilizaram as chances de vida humana e animal. O processo de desertificação do continente avança a passos largos. Os migrantes do clima não têm mais onde se refugiar. Os conflitos por terra e pelas poucas fontes de água estão deixando saldos sangrentos. Mas isso sai pouco no noticiário. Nunca ninguém deu muita bola para a África mesmo... O que sai mais são os problemas na Ásia. A Índia nunca teve uma política eficiente de controle de natalidade e o incentivo ao uso das fontes de água potável no início do século levou a uma escassez quase total. O Brasil exportou a tecnologia de cisternas para eles, já que as monções trazem um volume de água absurdo ao subcontinente indiano. Mas com o aquecimento global o ritmo delas se alterou, bem como a duração e a intensidade: chove muito mais, mas durante menos dias. Resultado: as chuvas destroem as cisternas, ao invés de enchê-las. O Banco Mundial já liberou vários milhões para o desenvolvimento de uma tecnologia mais eficiente, mas enquanto ela não chega as pessoas vão morrendo de fome, de doenças tropicais, em desastres ambientais. Com a China é a mesma coisa, mas como a economia deles cresceu barbaramente nos últimos anos, o dano se concentra mais na fronteira oeste, onde estão as comunidades rurais mais pobres. Nas cidades, o governo liberou programas de assistência inspirados no welfare state ocidental. Repercutiu muito bem no último encontro do G20! Aliás, vários presidentes de países europeus vieram para a abertura das Olimpíadas! Eles não perdem uma chance de viajar porque a chapa está quente lá no velho continente: as mudanças climáticas inviabilizaram a agricultura nos países ao redor do Mediterrâneo. A luta não é mais por subsídios, como no começo do século, quando essa pauta emperrou as negociações de Doha. Agora, a luta é por terras mais ao norte. Está o maior embroglio desde que a Itália resolveu questionar a posse da Groenlândia pela Dinamarca. Sim, hoje a Groenlândia já se destaca na produção de grãos! A União Européia quer agora transformar a Dinamarca em uma espécie de Antártida, à qual todos têm direito.
Mas agora tenho que parar. Já vai começar a transmissão da cerimônia de abertura dos jogos. Parece que o tema escolhido foi meio ambiente. Acho que vai ser bem bonito!