Bangkok, 08/10/2009 - Depois de 6 dias de reuniões, os 1688 Delegados dos 176 países reunidos em Bangkok, Tailândia, definitivamente não atenderam as nossas expectativas, não nos fizeram sentir orgulho deles. Eles não são, aquele seleto grupo de homens e mulheres escolhidos para entrar nos livros de história por terem produzido o mais importante acordo internacional, o mais influente documento que a humanidade já viu. Não são estes que vão definir uma nova trajetória para a vida neste planeta. Quando este processo acabar, todos eles poderão cair em esquecimento. Se algum dia no futuro distante forem lembrados serão como aqueles que traíram a confiança e a esperança neles depositado pelos habitantes deste “Pálido Ponto Azul”, palavras do Carl Sagan ao se referir ao planeta terra quando visto da nave espacial Voyager I 4 bilhões de anos distante da terra em 1990. Os negociadores do novo regime de combate ao aquecimento global e seus efeitos perigosos sobre o clima, não foram capazes de se içar à altura do maior desafio jamais enfrentado pelo ser humano. Preferiram virar as costas. Dizer que não podem decidir porque dependem de instruções dos seus capitais é, no mínimo, ingênuo. Mesmo nas áreas de negociação em que têm livre arbítrio para agir, fugiram das suas responsabilidades. O aquecimento global e as mudanças de clima decorrentes representam uma ameaça global que atinge todos os homens e mulheres independente da sua contribuição à causa. Quanto mais as delegações avançarem na consolidação e sintetização dos textos de negociação nas áreas desvinculadas de políticas nacionais, mais rápido será o processo quando estes posicionamentos políticos forem resolvidos. Os países desenvolvidos ameaçam com diversas táticas de pressão sem remorso. O G77+China , os LDCs e SIDS têm que aprender jogar na primeira divisão com as mesmas táticas.
Estamos numa panela de pressão. Os ingredientes, os elementos básicos do Plano de Bali: Visão Compartilhada, Mitigação. Adaptação, Transferência de Recursos Tecnológicos e Transferência de Recursos Financeiros foram colocados na CoP 13 em Bali. Ficamos marinando nesta panela durante um ano e meio com o fogo desligado. De repente se dá conta que não vamos poder servir a refeição em Copenhagen. Ligou-se o fogo, mas baixo. Com este nível de energia o AWG – LCA e o AWG – KP não vão conseguir terminar o processo e apresentar suas recomendações na CoP 15 em Copenhagen em dezembro. Além disso, quando a panela foi fechada em Bali, os Estados Unidos ficaram de fora, não haviam ratificado o Protocolo de Quioto. Agora todos querem vir para o banquete. Eis o impasse e a causa de tantas divisões, conflitos e acusações. Os Estados Unidos se dizem arrependidos pelo seu comportamento anti-“social” e briguento do passado e querem sentar à mesa. Mas, só vão fazer isso se os países em desenvolvimento assumirem compromissos que não são obrigados a assumir. Estes, por sua vez, reclamam que os Estados Unidos querem comer de graça, sem se comprometer com compromissos de redução de emissões de gases de efeito estufa à altura das necessidades ditadas pela ciência e sem quantificar qual vai ser sua contribuição financeira para ajudar os países em desenvolvimento, os LDCs e SIDS realizarem ações de mitigação e adaptação.
O fogo, embora baixo, começa esquentar a panela e a pressão está aumentando. Os convidados para a festa na terra da noite eterna, já estão preparando as suas agendas. Chefes de Estado com dúvidas – “Vou ou não vou?”, a sociedade civil, sem dúvidas, fazendo planos e organizando-se para demonstrações na rua e outras manifestações de apoio, repúdio etc. e os delegados aqui em Bangkok, começando a ficar nervosos.
Mitigação e Transferência de Recursos Financeiros são os dois pontos que estão emperrando o processo das negociações. Ontem, recebemos com grande surpresa e alegria a notícia que a Noruega vai assumir um compromisso de redução de emissões de gases de efeito estufa de 40% até 2020 e referente ao ano base de 1990. Será o primeiro país a assumir um compromisso coerente com a sua responsabilidade moral e cientifica. É um exemplo para todos os países do Anexo I. Politicamente, é possível ser ambicioso. Quanto à questão específica de mecanismos de compensação para a Redução de Emissões de Desmatamento e Degradação de Florestas – REDD, há boas e más notícias. O Grupo de Contato sobre Ação Aumentada de Mitigação e as Medidas Respectivas de Implementação (parágrafo 1 (b) iii do Plano de Ação de Bali reuniu-se pela última vez em Bangkok esta manhã). Um documento de trabalho foi preparado pelo “Chair” do Grupo visando a consolidação de diversas propostas para um texto de negociação. Este texto, embora represente um avanço no processo (a boa notícia) o seu conteúdo em alguns aspectos é muito preocupante. Citamos alguns exemplos. No primeiro capítulo sobre Objetivos, Abrangência e Princípios Orientadores o texto diz “Todas as Partes devem coletivamente mirar a perda de cobertura florestal nos países em desenvolvimento até 2030....” Ora bem, o objetivo de REDD é preservar as florestas naturais, porque são as florestas naturais que têm a maior concentração de carbono e, além do mais, são os maiores sustentos da biodiversidade e serviços ambientais. Admitir que REDD visa preservar “cobertura florestal” é abrir a porteira para a especulação e dar acesso ao mecanismo pelos investidores em projetos de reflorestamento e plantios mono-culturais de arvores, que muitos insistem em confundir ou chamar de reflorestamenti. Isto seria contrário aos objetivos de REDD. O documento não faz qualquer referência à conservação de florestas naturais, ponto que foi assinalado por Tuvalu, Costa Rica, Venezuela, Índia, União Europeu e Brasil. A conservação de florestas naturais, não quer dizer que não se pode tocar nelas. Quer dizer que, se tocar na floresta natural tem que ser de forma sustentável. Só isso. Mas, quando o facilitador da reunião afirmou que o argumento parecia razoável e solicitou aos países permissão para reintroduzir “conservação de florestas naturais” no documento todos aprovaram menos a União Européia que bloqueou. O texto não foi corrigido. Outro ponto que preocupa é a ausência de qualquer referência aos vetores de pressão sobre as florestas: agricultura, pecuária, madeireiras etc. Um regime de REDD que ignora esses vetores de pressão será, certamente, incompleto, omisso e perigosamente arriscado. Nos corredores, corre no rádio peão que os grandes madeireiros multinacionais se infiltraram no processo e que chegaram ao ponto de assessorar o redator do texto. “Onde há fumaça há fogo”. - dizia a minha avozinha.
Em matéria de finanças o problema é simples e complexo. Fato – os países desenvolvidos não estão dispostos a mostrar as suas cartas, ou seja, mostrar quanto de recursos irão disponibilizar. Conseqüentemente o nível de desconfiança por parte dos países em desenvolvimento cresce a cada dia. Isto é muito ruim para as negociações. O combate a mudanças de clima requer um contexto de cooperação entre nações. Para algumas delas isto é uma questão de sobrevivência. Por outro lado a definição do “quanto” e “quando” é uma decisão política que é construída nas grandes capitais, fora dos plenários e salas de reunião das sessões de negociação da UNFCCC.
O cenário geral continua desolador. O jogo não terminou e pode ser que o gol da vitória aconteça no último segundo da prorrogação do segundo tempo em Copenhagen. Milagres acontecem. Mas, é melhor não contar com eles.
Hoje é o penúltimo dia das negociações em Bangkok. É o dia para as últimas reuniões dos Grupos de Contato dos dois AWGs. Amanhã será o Plenário de Encerramento e teremos a exata noção de quanto foi feito e quanto ainda falta fazer. Teremos o prazer de escrever o nosso último Boletim sobre as negociações de Bangkok do conforto do nosso lar em Juquitiba, São Paulo na próxima semana.
Portanto, a contagem dos pontos em Bangkok está assim: tempo desperdiçado 10 dias; tempo de progresso 0 dias e rodadas restantes 1 dia.
Morrow Gaines Campbell III, especialista em mudança de clima e representante do Vitae Civilis – Instituto para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz nas negociações internacionais preparatórias da CoP-15
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¹O Grupo dos 77 (G 77) foi estabelecido em 1964 em Gênova, por um conjunto de 77 países em desenvolvimento numa conferencia das Nações Unidas sobre Desenvolvimento e Comércio (UNCTAD).
²LDC – Países menos desenvolvidos
³Pequenos Países Insulares em Desenvolvimento
4O AWG-LCA foi estabelecido pela CoP-13, em dezembro de 2007, em Bali, Indonésia para ser um processo de acompanhamento do diálogo sobre ação cooperativa de longo prazo para abordar mudança de clima amplificando a implantação da Convenção. Este órgão subsidiário novo recebeu um mandato para inaugurar um processo para assegurar a plena, efetiva e sustentada implementação da Convenção por meio de ação cooperativa de longo prazo até e para além de 2012. O AWG-LCA deve completar seu trabalho até a CoP-15, em Copenhagen, em 2009.
5Na sua segunda sessão, o AWG-KP, em Nairóbi, novembro de 2006, adotou um programa de trabalho para seu mandato cobrindo:
a) Análise de potenciais de mitigação e faixas de metas de redução de emissões para países do Anexo I; b) Análise de possíveis meios para atingir metas de mitigação; c) Consideração de compromissos adicionais pelas Partes de Anexo I; O AWG-KP tem mandato para relatar o status do seu trabalho em cada CMP. Seu objetivo é completar seu trabalho e ter seus resultados adotados pela Conferência das
Partes o mais cedo possível para assegurar que não existirá nenhum vazio entre o primeiro e segundo período de compromisso que deverá começar em 1 de janeiro de 2013.