sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Copenhagen e Auschwitz

Texto de Silvia Dias

São Paulo, 09/10 - Hoje é o último dia da conferência de Bangkok - mais um dos encontros preparatórios para a CoP15, a tão esperada conferência das Nações Unidas que deverá definir o que acontece depois de 2012, quando se encerra o prazo de validade dos atuais compromissos com a redução dos gases de efeito firmados por meio do Protocolo de Kyoto. Tem muita coisa em jogo. Países que não têm metas de redução mas que são grande poluidores, como China, Índia e Brasil, estão sendo pressionados a assumir metas. Estes, por sua vez, argumentam que quem polui há mais tempo (= países desenvolvidos) devem não só ter metas mais agressivas como também ajudar as nações em desenvolvimento a alcançar suas metas por meio da transferência de tecnologia e pelo aporte de recursos financeiros. Novos mecanismos financeiros, como o pagamento para se manter a floresta em pé (REDD), têm potencial para redesenhar algumas economias. Não por acaso, esses encontros se tornam frustrantes: o processo democrático, por meio do qual todos opinam e participam, já é lento por si só - junte a isso uma miríade de lobbies de diferentes setores (econômicos, políticos, sociais) e o banho-maria está criado! Tudo cozinha muuuuito lentamente. As organizações não governamentais ligadas à questão ambiental bem que tentaram: enviaram observadores, organizaram protestos, pressionaram por meio da imprensa... Mas o saldo desse encontro foi o bom e velho "empurrar com a barriga" - para Barcelona, que é onde acontece a próxima reunião preparatória, e para Copenhagen. Só que a ONU só decide por consenso - e dificilmente será possível chegar a um consenso em Copenhagen se não houver um arremedo de consenso antes. E o que se vê a cada dia é mais discórdia, mais picuinha - e um número cada vez maior de lobbies contrários a qualquer medida drástica de controle das emissões dos gases de efeito estufa.

Talvez no futuro esse processo seja usado para ilustrar como funciona a irracionalidade humana. Porque sobrepor interesses individuais aos coletivos vai levar todos nós a uma situação que prejudicará inclusive quem defendeu seus próprios interesses. Portanto, além do viés individualista há, acima de tudo, o foco no curto prazo. Mas ainda assim pode-se questionar porque para indústrias de base, por exemplo, os planos econômicos são feitos dentro de um horizonte de no mínimo 10 anos. Ou seja, 2020 é presente para eles! A questão não é o tempo, mas a racionalidade técnica que é empregada na construção dos argumentos e dos cenários e que dá uma sensação de sensatez ao insensato. E não é porque essas pessoas não estejam "acessando seus sentimentos", para usar uma expressão grata aos alternativos. É porque não há uma crítica sobre os fins quando os meios são supostamente racionais. E da mesma forma que os ambientalistas se cercam de estudos que mostram o aquecimento, quem está contra (que não são só empresas, veja bem - há setores governamentais que também estão se movimentando) contratando especialistas e estudos que dão racionalidade a seus argumentos. Mais que empoderados (= cheios de poder), todos passam a se sentir enrazonados (= cheios de razão, nos diversos sentidos da palavra). Ninguém quer acabar com a humanidade ou o planeta ou as próximas gerações intencional ou conscientemente. Todo mundo acha que tem razão. E tem: razões técnicas. Racionalidade dos meios. Irracionalidade dos fins. Sabe o nazismo? Quando se usavam técnicas e pesquisas científicas para provar a superioridade de uma raça sobre a outra? E, depois, para criar métodos eficientes de eliminação das raças ditas inferiores? Pois é... Parece que não aprendemos a lição.

Fonte: Blog: http://ascendidamente.blogspot.com

Silvia Dias é jornalista, com experiência em comunicação corporativa com especialização em sustentabilidade.