DD Presidente da República
Sr. Presidente,
Vivemos ontem um dia histórico para o país e um marco para a Amazônia, com a aprovação final, pelo Senado Federal, da Medida Provisória 458/09, que trata sobre a regularização fundiária da região. Os objetivos de estabelecer direitos, promover justiça e inclusão social, aumentar a governança pública e combater a criminalidade, que sei terem sido sua motivação, foram distorcidos e acabaram servindo para reafirmar privilégios e o execrável viés patrimonialista que não perde ocasião de tomar de assalto o bem público, de maneira abusiva e incompatível com as necessidades do País e os interesses da maioria de sua população.
Infelizmente, após anos de esforços contra esse tipo de atitude, temos, agora, uma história feita às avessas, em nome do povo mas contra o povo e contra a preservação da floresta e o compromisso que o Brasil assumiu de reduzir o desmatamento persistente que dilapida um patrimônio nacional e atenta contra os esforços para conter o aquecimento global.
O maior problema da Medida Provisória são as brechas criadas para anistiar aqueles que cometeram o crime de apropriação de grandes extensões de terras públicas e agora se beneficiam de políticas originalmente pensadas para atender apenas aqueles posseiros de boa-fé, cujos direitos são salvaguardados pela Constituição Federal.
Os especialistas que acompanham a questão fundiária na Amazônia afirmam categoricamente que a MP 458, tal como foi aprovada ontem, configura grave retrocesso, como aponta o Procurador Federal do Estado do Pará, Dr. Felício Pontes: “A MP nº 458 vai legitimar a grilagem de terras na Amazônia e vai jogar por terra quinze anos de intenso trabalho do Ministério Público Federal, no Estado do Pará, no combate à grilagem de terras”.
Essa é a situação que se espraiará por todos os Estados da Amazônia. E em sua esteira virá mais destruição da floresta, pois, como sabemos, a grilagem sempre foi o primeiro passo para a devastação ambiental.
Sendo assim, Senhor Presidente, está em suas mãos evitar um erro de grandes proporções, não condizente com o resgate social promovido pelo seu governo e com o respeito devido a tantos companheiros que deram a vida pela floresta e pelo povo Amazônia. São tantos, Padre Jósimo, Irmã Dorothy, Chico Mendes, Wilson Pinheiro – por quem V. Excia foi um dia enquadrado na Lei de Segurança Nacional – que regaram a terra da Amazônia com o seu próprio sangue, na esperança de que, um dia, em um governo democrático e popular, pudéssemos separar o joio do trigo.
Em memória deles, Sr. Presidente, e em nome do patrimônio do povo brasileiro e do nosso sonho de um País justo e sustentável, faço este apelo para que vete os dispositivos mais danosos da MP 458, que estão discriminados abaixo.
Permita-me também, Senhor Presidente, e com a mesma ênfase, lhe pedir cuidados especiais na regulamentação da Medida Provisória. É fundamental que o previsto comitê de avaliação da implementação do processo de regularização fundiária seja caracterizado pela independência e tenha assegurada a efetiva participação da sociedade civil, notadamente os segmentos representativos do movimento ambientalista e do movimento popular agrário.
Por tudo isso, Sr. Presidente, peço que Vossa Excelência vete os incisos II e IV do artigo 2º; o artigo 7º e o artigo 13.
Com respeito e a fraternidade que tem nos unido, atenciosamente,
Senadora Marina Silva
Vetos Solicitados à PLV nº 9, de 2009 (proveniente da MP 458)
1. _Incisos II e IV do art. 2º:
Texto do PLV nº 9, de 2009:
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, entende-se por:
II – ocupação indireta: aquela exercida somente por interposta pessoa;
IV – exploração indireta: atividade econômica exercida em imóvel rural, por meio de preposto ou assalariado;
Justificativa do veto
Os incisos II e IV do artigo 2º estabelecem a definição, para efeitos da aplicação da lei, de ocupação indireta e de exploração indireta.
Essas formas de ocupação e exploração não devem ser beneficiadas com a regularização fundiária, pois não consideram os critérios de relevante interesse público e da função social da terra. Para ser coerente com o veto ao art. 7º, a definição dessas formas de ocupação e exploração deixa de ter uso para a aplicação da lei.
2. Art. 7º:
Texto do PLV nº 9, de 2009:
Art. 7º Mediante processo licitatório que assegure ao ocupante direito de preferência, far-se-á a regularização em área de até quinze módulos e não superior a mil e quinhentos hectares, com ocupação mansa e pacífica, anterior a 1º de dezembro de 2004, efetivada por:
I – pessoa natural que exerça exploração indireta da área ou que seja proprietária de imóvel rural em qualquer parte do território nacional, respeitado o disposto nos incisos I, III e V do caput do art. 5º;
II – pessoa jurídica constituída sob as leis brasileiras, anteriormente à data referida no caput deste artigo, que tenha sede e administração no País, respeitado o disposto nos incisos II e III do caput do art. 5º.
Justificativa do veto
O art. 7º amplia extraordinariamente as possibilidades de legalização de terras griladas, permitindo a transferência de terras da União para pessoas jurídicas, para quem já possui outras propriedades rurais e para a ocupação indireta.
A titulação em nome de prepostos, que no projeto ganha a denominação de “ocupação indireta”, é a forma mais evidente de legalização da grilagem. Nas últimas décadas, a região amazônica vem sofrendo com toda a sorte de esquemas de falsificação de documentos em órgãos públicos e cartórios, invariavelmente com a utilização de prepostos que encobertam estratégias de ocupação irregular e concentração fundiária.
A possibilidade de titulação para pessoas jurídicas, além de ampliar as possibilidades de fraude, oferece um caminho rápido e de baixo risco de burla ao disposto no parágrafo primeiro do artigo 188 da Constituição Federal, que condiciona à aprovação do Congresso Nacional a alienação ou concessão de terras públicas com área superior a 2.500 hectares. A titulação de 1.500 hectares a uma empresa e de outros 1.500 ao sócio proprietário dessa mesma empresa, em área contígua, é absolutamente compatível com o projeto aprovado pelo Congresso, mas incompatível com a Constituição Federal.
O art. 7º desrespeita também o disposto no caput do artigo 188 da Constituição Federal ao incorporar formas de regularização completamente estranhas e antagônicas aos objetivos da política agrária, enquanto o comando constitucional determina que a regularização fundiária deve ser compatibilizada a esta
3. Art. 13:
Texto do PLV nº 9, de 2009:
Art. 13. Os requisitos para a regularização fundiária dos imóveis de até quatro módulos fiscais serão averiguados por meio de declaração do ocupante, sujeita a responsabilização nas esferas penal, administrativa e civil, dispensada a vistoria prévia.
Justificativa do veto
O Estado brasileiro não pode abrir mão do instrumento mais importante de controle do processo de regularização fundiária, porque não desenvolveu capacidade organizacional para realizar o processo com a segurança exigida pela sociedade.
A vistoria é fundamental para a identificação da ocupação direta, da utilização indevida de prepostos para ampliar os limites permitidos pelo projeto e, principalmente, da existência de situações de conflito na área a ser regularizada, o que, em muitos casos, pode significar a usurpação de direitos de pequenos posseiros isolados, com dificuldade de acesso a informação, de mobilidade e de reivindicação de seus direitos.
Por meio da regulamentação, pode ser definido procedimentos mais ágeis de vistoria nas pequenas propriedades, de até 1 Módulo Fiscal, conferindo a eficiência desejada na ação de regularização, sem abrir mão dos instrumentos de controle mínimos e da segurança necessária para a sociedade.