terça-feira, 23 de junho de 2009

"Aí chamei o Jaime do Pacu"

leia íntegra de Lula sobre Amazônia - 23/06/2009

Local: São Paulo - SP
Fonte: Amazonia.org.br
Link: http://www.amazonia.org.br


Em longo discurso no Paraná, o presidente Lula expôs ontem sua visão a respeito da Amazônia e de temas relacionados com desenvolvimento e meio ambiente. Entre outras observações, o presidente contou os bastidores da maneira em que se envolveu pessoalmente no licenciamento das usinas do rio Madeira, revelando ter chamado um amigo dele, criador de pacu em Campo Grande, para ajudar a superar os problemas ambientais. O site Amazonia.org.br julga oportuno publicar o pronunciamento na íntegra, abaixo, sem edição.

"Na última sexta-feira, eu fui ao Mato Grosso e foi lá que eu disse a frase “que não era possível chamar de bandido aqueles que na década de 70 desmataram, porque a ordem e a palavra de ordem e o financiamento era para desmatar”. Quem não lembra, quando o Geisel levou milhares de gaúchos, não sei se paranaenses, para a Amazônia, para desmatar. Agora, preste atenção, nós também temos que olhar em função da realidade de cada região deste país. Você não pode pegar um estado que tem a agricultura pronta, que desmatou na década de 30, na década de 40, 50, 60, e dizer: Agora vamos botar tudo, acaba com tudo, vamos replantar tudo o que tinha antes para a gente começar de novo. Assim não vale.

O que nós temos que fazer? Primeiro, eu tenho discutido com o ministro Reinhold Stephanes e nós precisamos ter políticas de florestamento neste país. Nós temos milhões de hectares de terras degradadas, que nós precisamos ter uma política. Da mesma forma, sabe, que nós queremos preservar, nós temos que pagar para preservar, nós temos que pagar para a pessoa preservar a sua terra. E nós temos que pagar para as pessoas plantarem. Se um (incompreensível) a gente pagou... Eu estava vendo porque em Nova Iorque... é engraçado, quando as coisas acontecem no exterior é tudo bonito. Esses dias, eu estava vendo o Globo Rural e estava passando a água de Nova Iorque. E a Prefeitura de Nova Iorque, ela paga para que o produtor não tenha uma pocilga no riacho. Ela paga para ele fazer um tanque bem distante, ela paga para que a vaca não atravesse no riachinho para a água chegar limpa, lá em Nova Iorque. A Prefeitura paga.

Nós, aqui no Brasil, apenas proibimos. E vocês já viram aquelas plaquinhas nas gramas: é proibido pisar? É uma provocação para a gente pisar. É uma provocação. Então eu penso que ao invés de a gente ficar apenas tentando proibir, é preciso que a gente tenha imaginação fértil, coloque a nossa criatividade para funcionar para a gente saber o seguinte: é inexorável, este país finalmente vai ser o celeiro do mundo, é inexorável. Porque tem mais chinês comendo, tem mais africano comendo, mais brasileiro comendo, mais indiano comendo, o mundo está comendo mais. E quando você olha o mapa do mundo, você percebe que não tem um país que tem a quantidade de terra pronta para agricultura como tem o Brasil, que tem sol o ano inteiro, que tem chuva, que tem uma série de coisas, tecnologia de ponta.

Lógico que nós não estamos sozinhos. Nós temos inimigos, nós temos adversários, nós temos gente que vai lá fora dizer que a nossa carne não presta. Nós temos gente que vai dizer que a nossa soja é isso, que nosso milho é aquilo, que nosso etanol é o responsável pelo encarecimento do alimento. Não pense que isso é de graça. Esse é um discurso ideológico dos nossos adversários. Por que a Shell tem interesse em que a gente produza mais álcool? Por que a Esso tem interesse em que a gente produza biodiesel?

A Dilma sabe, nem a Petrobras gostava da ideia. Para a gente colocar o programa do biodiesel foi quase uma imposição do governo, já que somos nós que indicamos os companheiros da Petrobras para a diretoria. Ora, imaginem uma coisa: vocês todos aqui sabem porque o Brasil criou o Pró-Álcool, todo mundo sabe. Não foi nenhum ato de genialidade. Sobretudo o Reinhold Stephanes sabe perfeitamente bem. Nós tínhamos o açúcar com o preço extraordinário no mercado internacional, na década de 70. Todo mundo “danou” a plantar cana neste país, e sobretudo no estado de São Paulo, aí o preço do açúcar despenca. O que vai fazer com o álcool ou com a cana-de-açúcar? Graças a Deus se pensou em fazer o Pró-Álcool. Até 1990, a gente teve quase toda a frota de carro brasileiro a álcool e as pessoas não gostavam. Aqui em Londrina deveria ser assim, porque dizem que quando estava muito frio o “desgramado” demorava para pegar, então as pessoas não gostavam. Mas nós tivemos quase 90% da frota a álcool. De 90 a 2000 desmontou tudo.

Outro dia falaram que eu estava elogiando usineiros, porque eu disse que eles estão sendo tratados com cidadania hoje, porque até outro dia eram tratados como os bandidos da indústria brasileira. Falar de usineiro, ninguém queria saber, porque era aquele negócio de só tomar dinheiro emprestado do governo, não pagar, não prestar conta, era uma loucura aquilo. O que está acontecendo hoje neste país? Depois que o álcool deixou de ser combustível para carro e a indústria automobilística não produzia mais nenhum carro, nós fizemos um pacto. E o que resultou deste pacto? Noventa e oito por cento dos carros vendidos no mercado interno hoje são carros flex fuel. Eles utilizam álcool, ou gasolina, ou meio a meio, a gente faz a mistura que a gente quiser. E temos que produzir mais, porque nós precisamos disputar o etanol é no mercado externo, porque eles assinam o Protocolo de Quioto, porque eles assinam “mais não sei o que lá”. Protocolo, agora, vai ter um outro de Copenhague. E querem que a gente preserve as nossas florestas. Nós vamos preservar. Agora, não metam o dedo sujo de combustível fóssil no nosso combustível limpo, não metam. Deixem que a gente vai saber cuidar disso com muito carinho. E, para isso, nós estamos fazendo o zoneamento agroecológico.

Obviamente, eu tenho dito também que hoje a gente preservar, manter o nosso ecossistema e manter a biodiversidade é uma vantagem comparativa para nós na disputa no mercado internacional. Quem viaja o mundo para comercializar sabe que preservar hoje é uma vantagem comparativa para nós. É mais qualidade, é mais respeito. Porque não pensem que nós estamos sozinhos. A campanha no mundo é uma campanha muito dura. Eu, inocente, eu fui a Genebra da outra vez, o ano passado, quando eu cheguei lá me chamaram para um debate, a primeira coisa que eu ouço é que o etanol brasileiro era o responsável pelo preço da soja em maio e em junho do ano passado, quando subiu de forma excepcional; pelo preço do feijão, que não é nem exportado.

Aí, nós temos que pegar o mapa do Brasil, mostrar que apenas 1% do território brasileiro é utilizado cana-de-açúcar, que nós temos 360 mil de terras na Amazônia que estão preservadas, que nós temos 60 milhões de hectares para recuperar. E é preciso contar toda uma história. Porque quando vem uma Primeira-Ministra alemã no Brasil, conversar comigo, a primeira coisa que ela quer saber é: “como é que anda a Amazônia? A soja está tomando conta da Amazônia? O gado está tomando conta da Amazônia? O milho está tomando conta da Amazônia? A cana...” Ou seja... E eu, educadamente, não pergunto para ela: se você está tão preocupada em preservar, por que “depelou” o seu país? Por que não manteve as florestas em pé lá?

Agora, tem uma coisa que é importante para nós. Hoje, nós temos que aproveitar que nós temos essa extraordinária floresta tropical em pé para fazer dela uma forma de ganhar dinheiro. Eu, inclusive, Requião, estou criando, acho que você... não sei se a Copel já criou, estou criando uma Secretaria Especial de Crédito de Carbono, porque cada projeto de uma usina que a gente fizer, cada projeto de uma empresa de biodiesel que a gente fizer, cada hidrelétrica que a gente fizer, a gente pode entrar com um pedido para que eles paguem o sequestro de carbono que nós vamos fazer e a diminuição da emissão de gás de efeito estufa. O que nós precisamos é nos preparar para esse enfrentamento. Porque, daqui a pouco, vai ter neguinho dizendo: “A Amazônia é internacional”. A Amazônia é de brasileiros e brasileiras, de negros e brancos.

Então, eu acho que nós precisamos ficar atentos. Nós precisamos ficar atentos nesse debate, que ele é muito delicado. Ele é muito delicado. Inclusive para empréstimo de dinheiro a empresas brasileiras, temos (incompreensível) de financiamentos multilaterais. Eles vão criando o gado e nós temos que fazer as coisas certas para que a gente tenha vantagem.

Obviamente, veja, eu acho um absurdo as pessoas derrubarem a mata ciliar. Eu acho um absurdo, porque qualquer criança de escola, no ensino fundamental, já tem consciência que se a gente “depelar” até a beira do rio vai ter erosão, consequentemente aquele rio, logo, logo, vai deixar de ser perene, com prejuízo para todo mundo. E nós não temos o direito...

Eu, agora, fui jogar peixe na represa Billings e, depois de um teste feito pelo Ministério da Pesca, eu não posso criar peixe lá, sabe por quê? É o único lugar que eu tenho para pescar quando eu não for mais Presidente, é a Represa Billings, lá em São Bernardo do Campo. Ela tem 123 quilômetros quadrados. Agora, só uma pergunta: qual foi o engraçadinho que achou que era dono do País, pegou chumbo – uma empresa de mercúrio, melhor – e poluiu a empresa [represa] toda de mercúrio. A gente não pode comer um peixe melhor, porque o peixe come mercúrio que está no fundo da lama. Olha, com que direito o cidadão, por ser empresário, tem o direito de poluir um bem coletivo de toda uma cidade ou de toda uma região? Não é possível nós aceitarmos isso como se fosse desenvolvimento. Isso é um retrocesso.

Então eu penso que hoje nós não precisamos mais ideologizar esses temas e sentar em torno de uma mesa e discutir como é que a gente faz e melhor. Eu estou vendo aqui os nossos premiados. E eu lembro como se fosse hoje, a Dilma participou quando nós fomos aprovar o projeto da hidrelétrica do Rio Madeira, Santo Antônio e Juruá... Jirau. A briga, vocês não queiram imaginar, não queiram imaginar o que nós perdemos de meses discutindo os grãos de areia que estavam no fundo do rio. Não queiram imaginar. Precisamos contratar o melhor professor do mundo nessa matéria, que era um indiano que veio dos Estados Unidos, me entregou um pote de areia de fundo do mar para mostrar como é que a areia corria, que não ia fazer isso, que não ia fazer aquilo.

Quando nós resolvemos o problema da areia, me chega outro e diz dos peixes, que tinha muito bagre e que os bagrinhos não iam conseguir nadar, para represar lá nos Andes, aquele negócio todo. Eu me comprometi, quando deixar a Presidência, comprar uma canoa, pegar os bagrinhos, colocar na canoa, levar do outro lado e trazê-los de volta. Não, não.

Quando a pessoa, Requião, estava falando que a gente não podia fazer hidrelétrica por causa dos bagres, eu perguntei: que bagres? Talvez ela não tivesse lembrado, mas ela não conhecia um nome de um bagre. E eu falei: é o mandi-chorão que você está falando? É o bagre africano? É o pintado? É a pirarara? É o cachara? Ou seja, porque, na verdade, era uma coisa muito teórica. E eu peguei um companheiro nosso, Requião, lá de Campo Grande, o Jaime, do projeto Pacu, que é o maior criador de peixe hoje, em cativeiro, no Brasil, e ele cria todos esses bagres lá no rio Madeira, onde a gente está fazendo a hidrelétrica, em cativeiro. E eu tenho lá no lago do Alvorada, não no lago grande, o lago pequeno lá dentro, eu tenho peixe de 20 quilos.

Então, conseguimos. Conseguimos finalmente. Quando estava tudo pronto apareceu alguém para dizer o seguinte: olha, mas não pode porque tem uma poça d’água lá que tem mercúrio e não pode fazer hidrelétrica. Tivemos que pegar o Ministério da Saúde e colocar uma equipe para ir lá. Ficava mais barato assentar as famílias em um prédio de cobertura em Copacabana do que não fazer hidrelétrica. Tivemos que mostrar que não tinha. Finalmente nós começamos as duas hidrelétricas.

Eu estou dizendo isso para vocês porque quando a gente reforça a carga ideológica no debate... hoje a gente não deve ficar debatendo se é preciso desmatar ou não desmatar. É correto que a gente desmate o que for necessário, e que a gente cumpra determinadas regras. Porque também, vamos ser francos, a gente aqui não sente muito, mas às vezes um cidadão do Sul do País ir lá para o Acre, comprar uma quantidade de terras que ele não conhece, chega lá, contrata 50 jagunços, manda tocar fogo, toca fogo em tudo, pensando que vai dar capim, e nem capim vai dar.

É preciso que tenha o estudo do solo correto, é preciso saber se aquilo vai produzir alguma coisa. Porque nós somos um país civilizado, e hoje o Brasil não é um país marginal. Hoje ninguém fala mais que o Brasil é um país pobre, é um país de terceiro mundo. Hoje, este país é convidado para participar do G-8, do G-20, do G-14, do G-13, do G-5, ou seja, este país tem importância política. E isso aumenta a nossa responsabilidade. Aumenta a responsabilidade de um trabalhador humilde, de um trabalhador sem-terra e do maior fazendeiro deste país. Aumenta. Todos nós vamos ter que ter mais responsabilidade, para que a gente utilize a tecnologia para ela substituir a quantidade de terra que nós precisamos para fazer as coisas.

Hoje, a gente deve se lembrar sempre, de vez em quando alguém fala: “O preço da carne está barato”. Mas é importante lembrar que teve um tempo que a gente demorava 48 meses para abater um boi. Hoje, com 18 meses a gente está abatendo, se for criado corretamente. Antigamente a gente colhia uma quantidade de produto por hectare que hoje a gente está colhendo dez vezes mais. Tudo isso é lucro, tudo isso é vantagem do Brasil na competitividade.

Vocês sabem que outro dia eu perguntei para o Furlan quanto tempo demorava um frango. Pouco tempo atrás era 90 dias para matar um frango, hoje já está com menos de 40 dias, daqui a pouco ele nem nasce, a gente já pega ele do ovo e já come, tal é a rapidez do avanço tecnológico.

Então, companheiros, nós precisamos, neste momento, é mais sabedoria do governo. Eu estava cansado. Eu estava cansado de ver a briga, porque governo é que nem mãe. Vocês já viram uma mãe, quando tem dois filhos que querem a mesma coisa, ou seja, que querem coisas diferentes? Um fala: “Eu quero ir para Nova Iorque”. O outro fala: “Eu quero ir para Londrina”. A mãe está em São Paulo, ou está em Pernambuco, ou seja, quem que a mãe atende? Ela não vai poder privilegiar um, ela vai ter que convencer e tentar mediar, para que a gente... pode não ir a Londrina, ou a Nova Iorque, mas a gente vai em algum lugar."