Coletânea de artigos selecionados por sua veracidade e importância para as questões ambientais no Brasil e no Mundo.
segunda-feira, 29 de junho de 2009
A pecuária é a maior inimiga da Amazônia?
O desmatamento é desnecessário
PAULO BARRETO
A AMAZÔNIA perdeu cerca de 70 milhões de hectares para o desmatamento, uma área equivalente à França. É preciso desmatar mais?
Para quem se importa com outras espécies, o desmatamento é uma agressão à vida. Por ano, na última década, tombou cerca de 1 bilhão de árvores e foram desalojados ou mortos 32 milhões de aves e 1 milhão de macacos, entre outras vítimas.
Quem deseja evitar tragédias climáticas para seus descendentes se preocupa com as emissões dos gases de efeito estufa decorrentes do desmatamento. A metade do "peso" de uma árvore é carbono, e as queimadas para limpar o solo após o desmatamento na região respondem por mais
de 50% das emissões brasileiras.
Porém, outros consideram o desmatamento indispensável para aumentar a produção agropecuária, que gera renda, empregos e impostos. Assim, não surpreende que a imprensa
divulgue tantos conflitos entre ambientalistas e ruralistas.
A boa notícia é que esses conflitos são superáveis. É possível dobrar ou triplicar a produção agropecuária brasileira sem derrubar árvores. Para isso, segundo a Embrapa, seria
necessário aumentar a produtividade das áreas já desmatadas, principalmente nos 100 milhões de hectares de pastos degradados no país.
Então, como vencer a contradição do fato de que é desnecessário desmatar, mas o desmatamento continua?
Para começar, é preciso entender para que e por que se desmata. Cerca de 75% da área desmatada na Amazônia é ocupada com pastos para a pecuária bovina -boa parte deles de baixa produtividade. Portanto, essa pecuária que desmata sem necessidade é uma inimiga a ser combatida.
As causas do desmatamento incluem falhas de políticas públicas e do mercado. Geralmente, é mais barato e mais lucrativo desmatar novas áreas do que investir no aumento da produtividade das áreas já desmatadas. Isso decorre, em grande parte, do fato de que o Estado tem falhado em
proteger as terras públicas, das quais muitos pecuaristas se apossaram gratuitamente. Por sua vez, a abundância da terra gratuita desfavorece o investimento para aumentar a produtividade das áreas desmatadas. Outra falha pública é a impunidade dos crimes ambientais. Nem 5% do valor total das multas é arrecadado. A principal falha de mercado é o fato de que a conservação
da floresta -que produz benefícios coletivos, como a regulação climática e a proteção da biodiversidade- não é remunerada. Além disso, a exigência dos consumidores por produtos de origem sustentável ainda é incipiente.
Portanto, para zerar o desmatamento, é preciso corrigir as falhas. Os governos devem evitar a apropriação das terras públicas, punir os crimes ambientais e criar oportunidades para remunerar a conservação florestal. Uma oportunidade para obter recursos para compensar a
conservação florestal é a negociação, em dezembro deste ano, de um acordo global sobre mudanças climáticas. Um dos temas é a redução das emissões do desmatamento global, que
contribui com cerca de 20% das emissões totais. Dado que evitar desmatamento é uma das opções mais baratas para evitar emissões, é plausível estabelecer um acordo pelo qual
o Brasil seja compensado pelo desmatamento evitado. O país precisa aproveitar essa oportunidade.
Os representantes do povo devem ser estimulados nessas ações. Embora entendam o problema e a direção a seguir, precisam de força para vencer as reações de quem perde no curto prazo. Por exemplo, o presidente Lula, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, e a senadora e presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, Kátia
Abreu, têm declarado que é possível aumentar a produção agropecuária sem desmatamento. Além disso, em 2008, o governo federal tomou medidas corajosas contra o desmatamento. Mas as reações têm sido intensas. Aqueles que desejam que seus descendentes possam se maravilhar
com a biodiversidade e não sofram com catástrofes climáticas devem estimular e cobrar nossos representes -antes e após o voto. Além disso, é preciso valorizar as marcas que respeitam a natureza. É preciso lembrar que bichos, árvores e nossos descendentes não votam nem vão ao
mercado.
PAULO BARRETO , engenheiro florestal e mestre em ciências florestais pela Universidade Yale (EUA), é pesquisador sênior do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
sexta-feira, 26 de junho de 2009
Clima: OMC APOIA TARIFA CONTRA PRODUTO DE PAÍS POLUIDOR
Fiona Harvey,
Financial Times, de Londres - VALOR 26/06/2009
Os países que colocarem em vigor um sistema de limitação e comercialização de direitos de emissão de gases responsáveis pelo efeito estufa poderão impor tarifas sobre importações para proteger setores suas economias após a Organização Mundial de Comércio (OMC) ter dado apoio cauteloso a esse tipo de medida.
Em um relatório que será publicado hoje, produzido com o Programa Ambiental da ONU, a OMC diz que suas regras tornam possível a imposição de impostos de importação por razões ambientais.
"As regras permitem, sob determinadas condições, o emprego de ajustes tributários nas fronteiras sobre produtos importados e exportados", anunciou a OMC. "O objetivo de ajustes tributários aduaneiros é nivelar o campo de jogo entre setores de atividade econômica nacionais tributados e concorrentes estrangeiros não tributados, mediante medidas para assegurar que impostos internos sobre produtos sejam neutros em relação ao comércio."
A questão é crucial no âmbito das conversações sobre as políticas envolvendo emissões de carbono.
Algumas empresas e políticos americanos dizem que a cobrança de um preço sobre as emissões de carbono poderia colocar companhias nacionais em desvantagem em comparação com importações mais baratas provenientes de países onde tais condições são mais lenientes, ou inexistentes. Uma forma de evitar isso seria impor tarifas sobre importações provenientes de países onde não existam regimes duros regulamentando as emissões de carbono.
Melissa Carey, do grupo ativista Environmental Defense Fund, nos EUA, disse que "sem dúvida, existe um segmento de opinião, aqui, defendendo que a legislação de limitação e comercialização de direitos de emissão pode, e deveria, conter meios para nos assegurar algum recurso, caso importantes países em desenvolvimento não adotem metas de emissões".
Mark Kenber, diretor de políticas do Climate Group, disse que a OMC poderá estimular determinados setores a apresentar reivindicações especiais. "Isso poderá criar um precedente lamentável, porque reforçará a ideia de que há custos significativos decorrentes da legislação sobre emissões de carbono", disse ele. "As evidências sugerem que o efeito adverso sobre os negócios, decorrente das políticas de enfrentamento das mudanças climáticas, é mínimo, e muitas companhias beneficiam-se por tornarem-se mais eficientes."
A OMC disse que medidas desse tipo ainda não foram testadas, e não devem constituir "um meio de discriminação arbitrária ou injustificável, ou restrição dissimulada ao comércio internacional".
Procuradores do MPF apontam 9 pontos inconstitucionais na "MP da Grilagem"
Local: Internacional - AC
Fonte: Terra Magazine
Link: http://terramagazine.terra.
Altino Machado
Procuradores vinculados ao Grupo de Trabalho de Bens Públicos e Desapropriação do Ministério Público Federal apontaram nove pontos que consideram inconstitucionais, após análise minuciosa da Medida Provisória nº 458/2009, conhecida como “MP da Grilagem”.
O texto, aprovado em 3 de junho pelo Congresso Nacional, tem prazo até quinta-feira para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Os três procuradores do Grupo de Trabalho elaboraram nota técnica dirigida ao Presidente da República. A MP, de acordo com o exame jurídico, fere vários artigos da Constituição.
Para regularizar ocupantes ilegais de terras públicas, a nova lei, segundo os membros do MPF, atenta contra a política nacional de reforma agrária, contra a legislação de licitações e prejudica a proteção a populações tradicionais, povos indígenas, quilombolas e também posseiros pobres que foram atraídos para a Amazônia por estímulo governamental.
É a segunda manifestação pública do MPF contra a MP 458. Na primeira, duas semanas atrás, 37 procuradores da República que atuam na Amazônia assinaram um documento político, também endereçado ao presidente Lula, em que se diziam preocupados com as consequências sociais da nova legislação.
Pontos que ferem artigos ou princípios da Constituição:
1) Atribuição de terras públicas a ocupantes originariamente ilegais. O aproveitamento da omissão do Estado contraria o parágrafo único do artigo 191, que proíbe a aquisição de imóveis públicos por usucapião.
2) Dispensa de licitação para aquisição de áreas com até 1,5 mil hectares. Fere o inciso XXI do artigo 37, pelo qual alienações devem ser contratadas mediante processo de licitação pública, obedecendo-se os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Também contraria a Lei de Licitações e Contratos Administrativos, que permite a dispensa para área de até 500 hectares. Pelo texto da MP, seria permitido que o ocupante ilegal fosse beneficiado, com preferência. Mas a única circunstância que o difere de demais interessados na terra seria sua ocupação primitiva, seu pioneirismo na ilegalidade.
3) Beneficiados poderão negociar terras depois de três anos. Segundo o artigo 189 da Constituição, o prazo mínimo é de 10 anos, para evitar que a ocupação do imóvel rural seja mero objeto de especulação. O objetivo constitucional é que a terra sirva como meio de produção e promova o avanço social.
4) Inexistência de menção sobre o processo para identificação de áreas quilombolas, indígenas e ribeirinhas tradicionais. Desta forma, a MP aumenta a possibilidade de conflitos em razão da titulação indevida destes locais, alterando e comprometendo atributos que garantem a integridade do bioma amazônico, o que é expressamente vedado pela Constituição.
5) Vedação do acesso gratuito a determinados agentes públicos. A medida não permite que sejam regularizadas situações em que o ocupante, seu cônjuge ou companheiro exerçam cargo ou emprego público no Incra, no Ministério do Desenvolvimento Agrário, na Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão ou nos órgãos estaduais de terras. Ao abrir espaço para que ministros, secretários de Estado, governadores, prefeitos, senadores, deputados federais e estaduais, vereadores, membros do Poder Judiciário e do Ministério Público possam ter áreas de até 1,5 mil hectares regularizadas, a MP possibilita condutas incompatíveis com ocupantes de cargos públicos, o que afronta os princípios da moralidade administrativa e impessoalidade defendidos pelo artigo 37.
6) Despojamento de bens vinculados à terra. Em média, cada hectare de terra na Amazônia Legal tem um volume aproximado de 30 a 40 metros cúbicos de madeira, o que, em uma área de 1,5 mil hectares, equivaleria a possibilidade direta de exploração de 60 mil metros cúbicos de madeira. Fere o artigo 5 da Constituição, com base no princípio da igualdade. A MP permite que parcela do patrimônio brasileiro seja transferida para terceiros sem que seja dada a mesma possibilidade a outras pessoas supostamente interessadas.
7) Concentração de terras. A Constituição determina a destinação das terras públicas federais, preferencialmente, para o desenvolvimento da política agrícola e para propiciar uma melhor distribuição de terras por meio do plano nacional de reforma agrária. O texto da MP, contudo, possibilita a concessão de imóveis para pessoas físicas que já possuam outras propriedades, bem como para pessoas jurídicas, promovendo concentração fundiária. Para se ter uma ideia, a média de ocupação territorial humana em lotes de assentamentos rurais na Amazônia não ultrapassa os 50 hectares. Uma das razões é justamente a incapacidade isolada de operação familiar em extensões superiores ao apontado. A medida, ao ampliar esse número em até 1,5 mil hectares, evidencia a entrega do patrimônio da União a empreendimentos com primazia econômica. Além disso, a alienação de terras em si é contraditória, já que são recorrentes as ações de desapropriação para fins de reforma agrária. Futuramente, o governo precisará pagar por essas áreas caso queira reavê-las.
8) Ausência de vistoria nas áreas de até quatro módulos fiscais. Pode redundar na inconstitucional remoção das populações quilombolas, indígenas e ribeirinhas tradicionais das áreas por eles ocupadas. Além disso, o texto da MP alarga a possibilidade da utilização de “laranjas” para a regularização de terras, já que a comprovação de ocupação anterior a 2004 é feita apenas mediante declaração.
9) Degradação ambiental. A MP exige como condição para que terras sejam regularizadas o mero compromisso de recuperação das áreas degradadas. O artigo 225 da Constituição exige a recuperação efetiva.
terça-feira, 23 de junho de 2009
"Aí chamei o Jaime do Pacu"
Local: São Paulo - SP
Fonte: Amazonia.org.br
Link: http://www.amazonia.org.br
Em longo discurso no Paraná, o presidente Lula expôs ontem sua visão a respeito da Amazônia e de temas relacionados com desenvolvimento e meio ambiente. Entre outras observações, o presidente contou os bastidores da maneira em que se envolveu pessoalmente no licenciamento das usinas do rio Madeira, revelando ter chamado um amigo dele, criador de pacu em Campo Grande, para ajudar a superar os problemas ambientais. O site Amazonia.org.br julga oportuno publicar o pronunciamento na íntegra, abaixo, sem edição.
"Na última sexta-feira, eu fui ao Mato Grosso e foi lá que eu disse a frase “que não era possível chamar de bandido aqueles que na década de 70 desmataram, porque a ordem e a palavra de ordem e o financiamento era para desmatar”. Quem não lembra, quando o Geisel levou milhares de gaúchos, não sei se paranaenses, para a Amazônia, para desmatar. Agora, preste atenção, nós também temos que olhar em função da realidade de cada região deste país. Você não pode pegar um estado que tem a agricultura pronta, que desmatou na década de 30, na década de 40, 50, 60, e dizer: Agora vamos botar tudo, acaba com tudo, vamos replantar tudo o que tinha antes para a gente começar de novo. Assim não vale.
O que nós temos que fazer? Primeiro, eu tenho discutido com o ministro Reinhold Stephanes e nós precisamos ter políticas de florestamento neste país. Nós temos milhões de hectares de terras degradadas, que nós precisamos ter uma política. Da mesma forma, sabe, que nós queremos preservar, nós temos que pagar para preservar, nós temos que pagar para a pessoa preservar a sua terra. E nós temos que pagar para as pessoas plantarem. Se um (incompreensível) a gente pagou... Eu estava vendo porque em Nova Iorque... é engraçado, quando as coisas acontecem no exterior é tudo bonito. Esses dias, eu estava vendo o Globo Rural e estava passando a água de Nova Iorque. E a Prefeitura de Nova Iorque, ela paga para que o produtor não tenha uma pocilga no riacho. Ela paga para ele fazer um tanque bem distante, ela paga para que a vaca não atravesse no riachinho para a água chegar limpa, lá em Nova Iorque. A Prefeitura paga.
Nós, aqui no Brasil, apenas proibimos. E vocês já viram aquelas plaquinhas nas gramas: é proibido pisar? É uma provocação para a gente pisar. É uma provocação. Então eu penso que ao invés de a gente ficar apenas tentando proibir, é preciso que a gente tenha imaginação fértil, coloque a nossa criatividade para funcionar para a gente saber o seguinte: é inexorável, este país finalmente vai ser o celeiro do mundo, é inexorável. Porque tem mais chinês comendo, tem mais africano comendo, mais brasileiro comendo, mais indiano comendo, o mundo está comendo mais. E quando você olha o mapa do mundo, você percebe que não tem um país que tem a quantidade de terra pronta para agricultura como tem o Brasil, que tem sol o ano inteiro, que tem chuva, que tem uma série de coisas, tecnologia de ponta.
Lógico que nós não estamos sozinhos. Nós temos inimigos, nós temos adversários, nós temos gente que vai lá fora dizer que a nossa carne não presta. Nós temos gente que vai dizer que a nossa soja é isso, que nosso milho é aquilo, que nosso etanol é o responsável pelo encarecimento do alimento. Não pense que isso é de graça. Esse é um discurso ideológico dos nossos adversários. Por que a Shell tem interesse em que a gente produza mais álcool? Por que a Esso tem interesse em que a gente produza biodiesel?
A Dilma sabe, nem a Petrobras gostava da ideia. Para a gente colocar o programa do biodiesel foi quase uma imposição do governo, já que somos nós que indicamos os companheiros da Petrobras para a diretoria. Ora, imaginem uma coisa: vocês todos aqui sabem porque o Brasil criou o Pró-Álcool, todo mundo sabe. Não foi nenhum ato de genialidade. Sobretudo o Reinhold Stephanes sabe perfeitamente bem. Nós tínhamos o açúcar com o preço extraordinário no mercado internacional, na década de 70. Todo mundo “danou” a plantar cana neste país, e sobretudo no estado de São Paulo, aí o preço do açúcar despenca. O que vai fazer com o álcool ou com a cana-de-açúcar? Graças a Deus se pensou em fazer o Pró-Álcool. Até 1990, a gente teve quase toda a frota de carro brasileiro a álcool e as pessoas não gostavam. Aqui em Londrina deveria ser assim, porque dizem que quando estava muito frio o “desgramado” demorava para pegar, então as pessoas não gostavam. Mas nós tivemos quase 90% da frota a álcool. De 90 a 2000 desmontou tudo.
Outro dia falaram que eu estava elogiando usineiros, porque eu disse que eles estão sendo tratados com cidadania hoje, porque até outro dia eram tratados como os bandidos da indústria brasileira. Falar de usineiro, ninguém queria saber, porque era aquele negócio de só tomar dinheiro emprestado do governo, não pagar, não prestar conta, era uma loucura aquilo. O que está acontecendo hoje neste país? Depois que o álcool deixou de ser combustível para carro e a indústria automobilística não produzia mais nenhum carro, nós fizemos um pacto. E o que resultou deste pacto? Noventa e oito por cento dos carros vendidos no mercado interno hoje são carros flex fuel. Eles utilizam álcool, ou gasolina, ou meio a meio, a gente faz a mistura que a gente quiser. E temos que produzir mais, porque nós precisamos disputar o etanol é no mercado externo, porque eles assinam o Protocolo de Quioto, porque eles assinam “mais não sei o que lá”. Protocolo, agora, vai ter um outro de Copenhague. E querem que a gente preserve as nossas florestas. Nós vamos preservar. Agora, não metam o dedo sujo de combustível fóssil no nosso combustível limpo, não metam. Deixem que a gente vai saber cuidar disso com muito carinho. E, para isso, nós estamos fazendo o zoneamento agroecológico.
Obviamente, eu tenho dito também que hoje a gente preservar, manter o nosso ecossistema e manter a biodiversidade é uma vantagem comparativa para nós na disputa no mercado internacional. Quem viaja o mundo para comercializar sabe que preservar hoje é uma vantagem comparativa para nós. É mais qualidade, é mais respeito. Porque não pensem que nós estamos sozinhos. A campanha no mundo é uma campanha muito dura. Eu, inocente, eu fui a Genebra da outra vez, o ano passado, quando eu cheguei lá me chamaram para um debate, a primeira coisa que eu ouço é que o etanol brasileiro era o responsável pelo preço da soja em maio e em junho do ano passado, quando subiu de forma excepcional; pelo preço do feijão, que não é nem exportado.
Aí, nós temos que pegar o mapa do Brasil, mostrar que apenas 1% do território brasileiro é utilizado cana-de-açúcar, que nós temos 360 mil de terras na Amazônia que estão preservadas, que nós temos 60 milhões de hectares para recuperar. E é preciso contar toda uma história. Porque quando vem uma Primeira-Ministra alemã no Brasil, conversar comigo, a primeira coisa que ela quer saber é: “como é que anda a Amazônia? A soja está tomando conta da Amazônia? O gado está tomando conta da Amazônia? O milho está tomando conta da Amazônia? A cana...” Ou seja... E eu, educadamente, não pergunto para ela: se você está tão preocupada em preservar, por que “depelou” o seu país? Por que não manteve as florestas em pé lá?
Agora, tem uma coisa que é importante para nós. Hoje, nós temos que aproveitar que nós temos essa extraordinária floresta tropical em pé para fazer dela uma forma de ganhar dinheiro. Eu, inclusive, Requião, estou criando, acho que você... não sei se a Copel já criou, estou criando uma Secretaria Especial de Crédito de Carbono, porque cada projeto de uma usina que a gente fizer, cada projeto de uma empresa de biodiesel que a gente fizer, cada hidrelétrica que a gente fizer, a gente pode entrar com um pedido para que eles paguem o sequestro de carbono que nós vamos fazer e a diminuição da emissão de gás de efeito estufa. O que nós precisamos é nos preparar para esse enfrentamento. Porque, daqui a pouco, vai ter neguinho dizendo: “A Amazônia é internacional”. A Amazônia é de brasileiros e brasileiras, de negros e brancos.
Então, eu acho que nós precisamos ficar atentos. Nós precisamos ficar atentos nesse debate, que ele é muito delicado. Ele é muito delicado. Inclusive para empréstimo de dinheiro a empresas brasileiras, temos (incompreensível) de financiamentos multilaterais. Eles vão criando o gado e nós temos que fazer as coisas certas para que a gente tenha vantagem.
Obviamente, veja, eu acho um absurdo as pessoas derrubarem a mata ciliar. Eu acho um absurdo, porque qualquer criança de escola, no ensino fundamental, já tem consciência que se a gente “depelar” até a beira do rio vai ter erosão, consequentemente aquele rio, logo, logo, vai deixar de ser perene, com prejuízo para todo mundo. E nós não temos o direito...
Eu, agora, fui jogar peixe na represa Billings e, depois de um teste feito pelo Ministério da Pesca, eu não posso criar peixe lá, sabe por quê? É o único lugar que eu tenho para pescar quando eu não for mais Presidente, é a Represa Billings, lá em São Bernardo do Campo. Ela tem 123 quilômetros quadrados. Agora, só uma pergunta: qual foi o engraçadinho que achou que era dono do País, pegou chumbo – uma empresa de mercúrio, melhor – e poluiu a empresa [represa] toda de mercúrio. A gente não pode comer um peixe melhor, porque o peixe come mercúrio que está no fundo da lama. Olha, com que direito o cidadão, por ser empresário, tem o direito de poluir um bem coletivo de toda uma cidade ou de toda uma região? Não é possível nós aceitarmos isso como se fosse desenvolvimento. Isso é um retrocesso.
Então eu penso que hoje nós não precisamos mais ideologizar esses temas e sentar em torno de uma mesa e discutir como é que a gente faz e melhor. Eu estou vendo aqui os nossos premiados. E eu lembro como se fosse hoje, a Dilma participou quando nós fomos aprovar o projeto da hidrelétrica do Rio Madeira, Santo Antônio e Juruá... Jirau. A briga, vocês não queiram imaginar, não queiram imaginar o que nós perdemos de meses discutindo os grãos de areia que estavam no fundo do rio. Não queiram imaginar. Precisamos contratar o melhor professor do mundo nessa matéria, que era um indiano que veio dos Estados Unidos, me entregou um pote de areia de fundo do mar para mostrar como é que a areia corria, que não ia fazer isso, que não ia fazer aquilo.
Quando nós resolvemos o problema da areia, me chega outro e diz dos peixes, que tinha muito bagre e que os bagrinhos não iam conseguir nadar, para represar lá nos Andes, aquele negócio todo. Eu me comprometi, quando deixar a Presidência, comprar uma canoa, pegar os bagrinhos, colocar na canoa, levar do outro lado e trazê-los de volta. Não, não.
Quando a pessoa, Requião, estava falando que a gente não podia fazer hidrelétrica por causa dos bagres, eu perguntei: que bagres? Talvez ela não tivesse lembrado, mas ela não conhecia um nome de um bagre. E eu falei: é o mandi-chorão que você está falando? É o bagre africano? É o pintado? É a pirarara? É o cachara? Ou seja, porque, na verdade, era uma coisa muito teórica. E eu peguei um companheiro nosso, Requião, lá de Campo Grande, o Jaime, do projeto Pacu, que é o maior criador de peixe hoje, em cativeiro, no Brasil, e ele cria todos esses bagres lá no rio Madeira, onde a gente está fazendo a hidrelétrica, em cativeiro. E eu tenho lá no lago do Alvorada, não no lago grande, o lago pequeno lá dentro, eu tenho peixe de 20 quilos.
Então, conseguimos. Conseguimos finalmente. Quando estava tudo pronto apareceu alguém para dizer o seguinte: olha, mas não pode porque tem uma poça d’água lá que tem mercúrio e não pode fazer hidrelétrica. Tivemos que pegar o Ministério da Saúde e colocar uma equipe para ir lá. Ficava mais barato assentar as famílias em um prédio de cobertura em Copacabana do que não fazer hidrelétrica. Tivemos que mostrar que não tinha. Finalmente nós começamos as duas hidrelétricas.
Eu estou dizendo isso para vocês porque quando a gente reforça a carga ideológica no debate... hoje a gente não deve ficar debatendo se é preciso desmatar ou não desmatar. É correto que a gente desmate o que for necessário, e que a gente cumpra determinadas regras. Porque também, vamos ser francos, a gente aqui não sente muito, mas às vezes um cidadão do Sul do País ir lá para o Acre, comprar uma quantidade de terras que ele não conhece, chega lá, contrata 50 jagunços, manda tocar fogo, toca fogo em tudo, pensando que vai dar capim, e nem capim vai dar.
É preciso que tenha o estudo do solo correto, é preciso saber se aquilo vai produzir alguma coisa. Porque nós somos um país civilizado, e hoje o Brasil não é um país marginal. Hoje ninguém fala mais que o Brasil é um país pobre, é um país de terceiro mundo. Hoje, este país é convidado para participar do G-8, do G-20, do G-14, do G-13, do G-5, ou seja, este país tem importância política. E isso aumenta a nossa responsabilidade. Aumenta a responsabilidade de um trabalhador humilde, de um trabalhador sem-terra e do maior fazendeiro deste país. Aumenta. Todos nós vamos ter que ter mais responsabilidade, para que a gente utilize a tecnologia para ela substituir a quantidade de terra que nós precisamos para fazer as coisas.
Hoje, a gente deve se lembrar sempre, de vez em quando alguém fala: “O preço da carne está barato”. Mas é importante lembrar que teve um tempo que a gente demorava 48 meses para abater um boi. Hoje, com 18 meses a gente está abatendo, se for criado corretamente. Antigamente a gente colhia uma quantidade de produto por hectare que hoje a gente está colhendo dez vezes mais. Tudo isso é lucro, tudo isso é vantagem do Brasil na competitividade.
Vocês sabem que outro dia eu perguntei para o Furlan quanto tempo demorava um frango. Pouco tempo atrás era 90 dias para matar um frango, hoje já está com menos de 40 dias, daqui a pouco ele nem nasce, a gente já pega ele do ovo e já come, tal é a rapidez do avanço tecnológico.
Então, companheiros, nós precisamos, neste momento, é mais sabedoria do governo. Eu estava cansado. Eu estava cansado de ver a briga, porque governo é que nem mãe. Vocês já viram uma mãe, quando tem dois filhos que querem a mesma coisa, ou seja, que querem coisas diferentes? Um fala: “Eu quero ir para Nova Iorque”. O outro fala: “Eu quero ir para Londrina”. A mãe está em São Paulo, ou está em Pernambuco, ou seja, quem que a mãe atende? Ela não vai poder privilegiar um, ela vai ter que convencer e tentar mediar, para que a gente... pode não ir a Londrina, ou a Nova Iorque, mas a gente vai em algum lugar."
Borat baixa em Lula
O presidente Lula fala cada coisa...
Em sua passagem pelo Cazaquistão, o espírito de Borat, aquele que se orgulhava de ter como irmã a quarta melhor prostituta do país, parece ter lhe deixado especialmente inspirado.
"Não li a reportagem do presidente Sarney, mas penso que ele tem história no Brasil suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum", disse o presidente.
Eu, pessoa comum, acho que Sarney deve ser tratado pior do que nós.
1) Pela nomeação secreta de parentes a cargos no Senado e as tentativas de minimizar ou esconder os escândalos em série na Casa que preside.
2) Por ter sido um péssimo primeiro presidente do Brasil pós-ditadura, guiando a nova democracia aos porões do fisiologismo, da corrupção e do centrão, de onde não conseguimos escapar.
3) Pela miséria no Maranhão após décadas de sarneyzismo.
4) Por ter trocado de Estado como quem troca de partido para se eleger senador.
5) Pelas recorrentes investigações, inconclusivas, claro, contra seus aliados mais próximos, incluindo filhos.
Apesar dessa ficha toda, Lula acha que Sarney deve ser tratado melhor do que uma pessoa comum. Precisa do maranhense (e do PMDB) para abafar a CPI da Petrobras, entre outros serviços essenciais.
Mais Borat, quero dizer, Lula: "Elas [denúncias] não têm fim e depois não acontece nada." Puro boratismo: já que a Justiça é incapaz de punir políticos, vamos parar de denunciá-los.
Mais: "O que não se pode é todo dia você arrumar uma vírgula a mais, você vai desmoralizando todo mundo, cansando todo mundo, inclusive a imprensa corre o risco. Porque a imprensa também tem que ter a certeza de que ela não pode ser desacreditada porque, na hora em que a pessoa começar a pensar 'olha, eu não acredito no Senado, não acredito na Câmara, não acredito no Poder Executivo, no STF [Supremo Tribunal Federal], também não acredito na imprensa', o que vai surgir depois?"
O raciocínio tortuoso para tentar intimidar a mídia pressupõe que o descrédito seja doença contagiosa, o que a Organização Mundial da Saúde contesta. E tomara que surja algo depois do descrédito geral.
E o que o petista chama de "uma vírgula a mais" (evidências de nepotismo, desvios de conduta de servidores e benefícios irregulares com dinheiro público) estão mais para pontos de exclamação!
Se Lula foi fundamental ao consolidar a mudança de patamar da economia brasileira, ao garantir a estabilidade econômica, vai sendo também tristemente fundamental na consolidação da podridão política no país, o segundo ato maculando o primeiro.
Sérgio Malbergier
segunda-feira, 22 de junho de 2009
Sobre os estacionamentos, os parques!
A dinâmica das revoltas em dezembro do ano passado trouxe mais uma mania na Grécia. Com a euforia do "verde", parques e jardins estão crescendo e se espalhando pelas cidades gregas, principalmente na capital do país, Atenas, uma das capitais com mais concreto da Europa.
Cansados de serem esquecidos pelos prefeitos, políticos e governo, a população está ocupando e construindo eles mesmos, com as próprias mãos, em autogestão, espaços verdes no lugar de estacionamentos públicos e privados para carros. Equipados com britadeiras ou picaretas, eles destroem o concreto para plantar árvores.
Um movimento que vem crescendo com a adesão de toda a população e está deixando suas marcas. Ninguém, nem a polícia, nem as autoridades parece poder ou querer acabar com o movimento. Organizados em milícias, durante a noite, os populares patrulham os jardins revolucionários para protegê-los, e organizam “vaquinhas” para obter fundos para comprar mudas, adubo e terra.
Os tribunais gregos foram tomados de assalto por estes comitês verdes, a fim de serem reconhecidas e legitimadas suas ações, o que deixou os promotores sem reação. Essa febre verde não parece estar perto de se acalmar, pois a cada dia novos bairros e cidades são "contaminados" por este “vírus verde”: Brilissia, Elaionas, Challandri, Exarchia, Botaniko, Patras, Tessalônica.. .
Neste sábado (4), em Tessalônica, no bairro Cidade Alta, mais um espaço cimentado sofreu uma intervenção-plantio de populares da vizinhança.
Fotos, aqui: http://athens.indymedia.org/
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"SER" no mundo significa transformar e retransformar o mundo e não
adaptar-se a ele. Paulo Freire
Enviado por Daniel Nobre (danielnobrex@gmail.com)
Rodovia BR-319: Decisão Crítica sobre a Abertura do Coração da Amazônia ao Desmatamento
O EIA-RIMA da Rodovia BR-319
Philip M. Fearnside, Paulo Maurício Lima de Alencastro Graça
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA
O EIA-RIMA para a rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho) trata de uma das decisões mais importantes diante o governo brasileiro hoje: se deveriam abrir as partes central e norte da Amazônia à migração oriunda do notório “arco de desmatamento", que
atualmente se restringe ao sul da Amazônia. A proposta reabertura da rodovia BR-319, uma estrada abandonada há mais de 20 anos, facilitaria em muito o movimento de atores do arco de desmatamento, inclusive grileiros (apropriadores ilegais de grandes áreas de
terra pública) e de sem terras (grupos organizados de camponeses pequenos que não possuem terras) (Fearnside & Graça, 2006; Fearnside, 2008). A região de Manaus, por exemplo, tem sido poupada de conflitos agrários resultantes da busca por terra, tais como a invasão de fazendas por sem terras, e o ciclo resultante de desmatamento onde os posseiros desmatam para estabelecer as suas reivindicações e os grandes proprietários de terras desmatam para evitar que as terras sejam invadidas ou então confiscadas pelo governo para fins de reforma agrária. A situação inusitada na Amazônia central somente é possível por causa da dificuldade de chegar até esta área na ausência de uma conexão por estrada. O EIA-RIMA especificamente rejeita um aumento da migração como impacto da BR-319, declarando que "A existência de uma migração reprimida é um fenômeno questionável, já que, desde os tempos da colonização da Amazônia, o uso da
via fluvial tem sido intenso, sendo o principal meio de acesso às diversas cidades da região" (UFAM, 2009a, Vol. 1, pág. 189). Infelizmente, a migração tem sido uma ocorrência repetida quando outras áreas foram abertas por estradas, como foi o caso da BR-364 em Rondônia (por exemplo, Fearnside, 1986).
O EIA-RIMA contém a confissão extraordinária de que a BR-319 tem "baixa importância para o Pólo Industrial de Manaus" (UFAM, 2009a, Vol. 1, pág. 216). Seguramente, isto deve ser uma das declarações mais extraordinárias nos 23 anos de história do EIA-RIMA no Brasil. A importância alegada da BR-319 para o Pólo Industrial de Manaus sempre foi a principal justificativa para a existência da rodovia. Infelizmente, a afirmação da inexistência de interesse é completamente verdadeira, e isto foi declarado publicamente pelo representante da Federação das Indústrias do Amazonas (FIAM) no evento realizado na Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA) em 19 de março de 2008. Evento que teve por objetivo debater a proposta, que estava sendo apoiada pelo governo do Estado do Amazonas naquele momento, para substituir o projeto da rodovia BR-319 por uma ferrovia. Ampla informação existe
mostrando que a cabotagem em navios oceânicos de Manaus para Santos é um meio muito mais barato para transportar a produção das fábricas em Manaus para São Paulo do que transporte por qualquer rota rodoviária (Fearnside & Graça, 2006, 2009; Peixoto, 2006; Teixeira, 2007). Por exemplo, Teixeira (2007), investigando as opções de transporte de carga geral nas conexões com a região amazônica, concluiu que o transporte marítimo por cabotagem reduz os custos do transporte na ligação Manaus-São Paulo em 37%, quando comparado com os atuais meios de transporte. Por sua vez, a mesma autora, quando considera a construção da rodovia (BR-319) ligando ao resto da malha rodoviária brasileira, os custos aumentam em 19% em relação à rota atual, que utiliza a hidrovia até Belém.
O EIA-RIMA calcula o benefício da rodovia como a receita bruta do frete e do tráfego de passageiros que os autores esperam passar pela rota. Esta receita, é claro, não constitui nenhum tipo de benefício, mas sim um custo a ser pago por aqueles que usam a rodovia. Por esta lógica, quanto mais ineficiente e mais caro o transporte, maior o "benefício" que poderia ser contabilizado (L. Fleck, declaração pública, 15 de abril de 2009)! O benefício deveria ser calculado como a diferença entre o custo de transporte entre Manaus e São Paulo pela rodovia e o custo de transporte pela alternativa mais barata. Neste caso, a alternativa mais barata para a maioria do frete seria transporte em contêineres por cabotagem, e o "benefício" seria negativo porque a alternativa é mais barata que a rodovia. Observa-se que a viagem que precisa ser comparada para a maior parte do cálculo está entre Manaus e São Paulo, não entre Manaus e Porto Velho (UFAM, 2009a, Vol.1, item Análise Financeira do Projeto, pág. 191). Porto Velho serve apenas como um entreposto para os caminhoneiros em trânsito para São Paulo, e não como o destino final do transporte.
A quantidade de tráfego que os autores do EIA-RIMA esperam está baseada em suposições extraordinariamente otimistas. Eles esperam 375.000 passageiros de ônibus por ano a partir de 2012, data esperada de inauguração da rodovia (UFAM, 2009a, Vol. 1, pág. 193), o que é aproximadamente igual à população inteira da cidade de Porto Velho, que era de 368.345 habitantes em 2007 (UFAM, 2009a, Vol. 4, pág. 25). Vale à pena lembrar que atualmente o número de imigrantes chegando a Manaus é 1,8 vezes maior que o número de emigrantes saindo da cidade (UFAM, 2009a, Vol. 4, p. 208), e que a proporção de viagens no sentido Porto Velho-Manaus deve guardar uma proporção similar em comparação às viagens Manaus-Porto Velho depois de abrir a estrada. Esta migração líquida de desempregados para Manaus não representaria um benefício para Manaus de hipótese alguma, mas sim um custo enorme em termos de gastos municipais com serviços e em termos de outros impactos sociais.
Os autores do EIA declaram: “a rodovia BR-319 é encarada como uma promissora rota de exportação de commodities do agronegócio (soja e álcool)” (UFAM, 2009a, Vol. 1, p. 184). Porém, é improvável que este tipo de frete seja transportado por estrada, uma vez que estes produtos são muito mais baratos transportados a granel, em barcaças, do que fracionar o frete em contêineres ou caminhões. Poupar alguns poucos dias em transporte não justifica o custo substancialmente mais alto de transportar este tipo de frete por caminhão. A literatura de transporte trata a “carga geral” (carga fracionada) de uma maneira completamente diferente do transporte a granel (p. exemplo, cereais, carvão, minerais, etc.), devido aos custos muito discrepantes associados ao transporte, carregamento e administração destas duas classes distintas de frete. O EIA simplesmente usa uma equivalência de 60 t de grãos como igual a um contêiner (UFAM, 2009a, Vol. 1, pág. 192). As quantidades de produtos agrícolas que o EIA-RIMA espera que sejam transportadas para Manaus estão baseado na suposição de que 20% do potencial agrícola de Rondônia e de uma grande área em Mato Grosso serão transportados para Manaus pela rodovia. Nenhuma relação com a demanda em Manaus é demonstrada. A produção na área da qual os produtos agrícolas são obtidos totalizou 28 milhões de toneladas em 2006 (UFAM, 2009a, Vol. 1, pág. 192). Isto é composto de 49,2% soja, 16,0% madeira, 15,9% milho, 15,9% lenha, 2,5% culturas permanentes, 0,3% álcool e 0,2% açúcar (UFAM, 2009a, Vol. 1, pág. 185).
Um dos aspectos mais notáveis do EIA-RIMA é a seletividade com que são comparados os impactos e os benefícios. A abrangência máxima dos impactos está limitada à "área de influência indireta" ao longo da rota da rodovia, abarcando a faixa entre os rios Madeira e Purus (UFAM, 2009b, págs. 12-13), enquanto os benefícios são reivindicados para uma área muito maior, inclusive a cidade de Manaus, áreas agrícolas em Mato Grosso, e até mesmo outros países conectados à rede rodoviária pela infraestrutura planejada sob a IIRSA (Iniciativa para Infra-Estrutura da América do Sul) (UFAM, 2009a, Vol. 1, pág. 158). A "área de influência" para passageiros inclui uma população de 6,4 milhões que engloba Manaus, Rondônia e grande parte de Mato Grosso (UFAM, 2009a, Vol. 1, pág. 193). Impactos ao norte do rio Amazonas, incluindo os na cidade de Manaus, no Distrito Agropecuário da SUFRAMA ao norte de Manaus que
provavelmente será invadido por sem terras, e no Estado de Roraima e outras áreas para
as quais acesso rodoviário de Manaus já existe, não são mencionados. Também não são consideradas as estradas prováveis a serem construídas para ligar a BR-319 à área de floresta intacta ao oeste do Rio Purus (Figura 1).
O EIA especificamente exclui a consideração dessas estradas planejadas, observando “É interessante notar que a rodovia AM-366 faz parte de um planejamento de expansão rodoviária antigo. Segundo o planejado, esta rodovia seguiria em direção oeste, atravessando o rio Purus em direção à sede do município de Tefé, bifurcando-se na altura do rio Coari em direção a cidade de Coari e, a partir de Tefé, indo até o rio Juruá. Antes disso, apresentaria ainda uma ligação com a sede do município de Beruri. Segundo o planejado, esta rodovia seguirá, embora este planejamento faça parte do mapa oficial do planejamento do Ministério dos Transportes. A exceção da rodovia BR-319, nenhuma dessas estradas está no planejamento do Governo Federal” (UFAM, 2009b, Vol. 1, p. 58). No entanto, estas estradas adicionais, que se ramificam a partir da BR-319, fazem parte dos planos oficiais do Departamento Nacional de Infraestrutura de
Transportes (DNIT) e continuam sendo exibidas no site da internet do DNIT até hoje (Brasil, DNIT, 2002).
O fator chave na conclusão dos autores do EIA-RIMA sobre a viabilidade ambiental da obra é a sua crença em um cenário de “forte governança ambiental.” Eles concluem “quando se coteja com o cenário de governança ambiental forte, todos os indicadores (VPL [valor liquido presente], TIR [taxa interna de retorno] e IBC [indice custo/benefício]) se mostram altamente favoráveis ao projeto. Nesse cenário, os custos ambientais são mitigados a um nível desejável que torna o projeto socialmente desejável” UFAM, 2009a,Vol. 1, págs. 202-203). O exemplo dado desta “forte governança ambiental” é: “Não necessariamente o fato de ter rodovias em áreas de
concentração de recursos naturais implica em degradação do patrimônio natural. Um exemplo de turismo sustentável é aquele realizado no Parque Nacional de Yellowstone” (UFAM, 2009a, Vol. 1, pág. 204). Isto é seguido pelo mapa do parque de Yellowstone, indicando as estradas existentes dentro do parque, onde, é claro, ninguém desmata nada (Figura 2). Por coincidência, um de nós (PMF) é um ex-funcionário do Serviço de Parques Nacionais, dos EUA, e trabalhou como naturalista em um parque não muito distante de Yellowstone. A noção de que um cenário similar ao parque de Yellowstone se instalará na área aberta pela BR-319 é totalmente fora da realidade na área atualmente, onde há um cenário típico do “arco do desmatamento” ao seu redor, caracterizado pela disputa por terras e todos os seus desdobramentos (grileiros, posseiros, madeireiros ilegais). Parece mais realista que após o tempo que levaria para o cenário atual evoluir para o de Yellowstone, já não teria praticamente mais floresta na área! Presumir que um
cenário tão fora da realidade atual se instala com a rapidez necessária para evitar graves
impactos ambientais é extremamente perigoso como presunção para embasar decisões como a da abertura da estrada.
A falta de uma justificativa econômica se torna até irônica com a argumentação de que “Cada vez mais a sociedade brasileira questiona a elevada carga tributária, que atualmente está em torno de 37% do PIB. Portanto, é importante a aplicação eficiente dos recursos públicos na forma de projetos que atendam ao interesse da sociedade” (UFAM, 2009a, Vol. 1, pág. 177). Evidentemente, concordamos com a importância de não desperdiçar o dinheiro do contribuinte, o que deve ser um forte argumento contra a realização desta obra. Os autores do EIA-RIMA até sugeriram repassar parte do ônus mal contabilizado desta obra para os usuários, por meio da cobrança de um novo tipo de imposto na forma de um “pedágio ambiental” (UFAM, 2009a, Vol. 1, págs. 211-212).
A análise de custos ambientais realizada pelo EIA, considerou quatro cenários (um sem governança e os demais com governança fraca, moderada e forte) para a mensuração dos custos ambientais da pavimentação da rodovia BR319. Nesta análise os autores concluíram que devido aos altos custos ambientais a reconstrução da rodovia só teria viabilidade econômica no caso de um cenário de governança ambiental (UFAM, 2009a, Vol.1, pág. 203). No entanto, os custos ambientais para a realização de uma governança ambiental, tais como a implementação de Unidades de Conservação, postos de fiscalização, contratação de pessoal, não foram considerados na análise de custos. De acordo com dados preliminares de um estudo realizado pela Conservação Estratégica (CSF-Brasil), em abril de 2009, a implantação de 29 parques e reservas ao longo da
rodovia gerará um custo estimado de R$ 578 milhões, que não será coberto pela economia nos transportes. O custo para a implementação dessas áreas de proteção ambiental atualmente pelo governo é estimado em apenas 39 milhões de reais (Brasil, Ministério dos Transportes, 2009, pág. 5). Apesar da “blindagem verde” proposta para a BR 319, é possível que grandes áreas de florestas remotas bem conservadas sejam atingidas pelo desmatamento caso as estradas laterais planejadas pelo DNIT venham a ser realizadas. Por exemplo, já existe a um trecho aberto da extensão BR-174, que liga a BR-319 a Manicoré, atualmente intransitável, que ultrapassa essa “blindagem verde”. Pior, a estrada planejada cruzando o rio Purus em Tapauá abriria uma vasta área para desmatamento atrás da estreita fila proposta ao lado da rodovia BR-319.
Nenhum estudo de viabilidade existe para a BR-319. Um estudo de viabilidade consiste em uma estimativa detalhada dos custos e benefícios financeiros de um projeto proposto. Obviamente, este é um elemento fundamental no processo de tomada de decisão para qualquer projeto de infraestrutura. No caso da rodovia BR-319, o Ministério dos Transportes argumentou que nenhum estudo de viabilidade é preciso, pois considera que este projeto é apenas uma "recuperação" de uma estrada existente. O mesmo argumento era usado pelo Ministério dos Transportes ao reivindicar que nenhum EIARIMA seria necessário, mas isto não foi aceito pelos tribunais e agora foi elaborado um EIA-RIMA. A pergunta de por que um estudo de viabilidade também não foi realizado permanece. Por exemplo, a rodovia BR-163 (Santarém-Cuiabá), que também é um projeto de “reconstrução” de rodovia, tem os dois tipos de relatório: o EIA-RIMA e o estudo de viabilidade. Qualquer tomada de decisão racional sobre projetos de infra-estrutura como a rodovia BR-319 deve pesar todos os custos e benefícios para todas as alternativas,
inclusive a opção sem o projeto, antes que uma decisão fosse tomada. A finalidade de avaliações ambientais é de prover informações para tomar uma decisão racional. Neste caso, a consideração dos custos e benefícios é altamente seletiva, omitindo as comparações econômicas principais que precisam ser feitas relativo ao transporte entre Manaus e São Paulo (não somente entre Manaus e Porto Velho), e omitindo os impactos ambientais principais que seriam o resultado da migração para áreas fora da área ao longo da extensão de rodovia planejada para reconstrução. A apresentação das informações no EIA-RIMA deve ser de uma forma objetiva para permitir uma decisão livre sobre a obra pela sociedade e pelas autoridades competentes. Os autores do RIMA não demonstram nenhuma preocupação em manter uma posição neutra sobre a obra, concluindo que: “Ao final, reiteramos a relevância desta obra como instrumento de integração dos estados do Amazonas e Roraima ao restante do país e a importância de que ela seja executada com
base em alicerces econômicos, sociais e ecológicos fortes e equilibrados” (UFAM,
terça-feira, 16 de junho de 2009
O desmatamento da Amazônia, miragem econômica para os brasileiros
16/06/2009
Não só o desmatamento progressivo da Amazônia tem consequências nefastas para o meio ambiente do Brasil e do planeta, como ele também não beneficia, a médio prazo, do ponto de vista econômico e humano, as populações que participam dele ou que o acompanham, ao se estabelecerem nas regiões desflorestadas. É essa a conclusão essencial de um estudo de campo conduzido por uma equipe internacional de seis pesquisadores e publicada, na sexta-feira (12), pela revista americana "Science".Segundo os autores da pesquisa, o desflorestamento leva, em um estágio inicial, a uma melhora de vida das populações locais, que se reflete no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Esse índice, adotado pela ONU, é calculado a partir de três critérios: a expectativa de vida, o nível de renda e a taxa de alfabetização.
Ele progride tão rápido quanto a média nacional brasileira, ou até mais, ao longo da fronteira do desflorestamento. Mas, à medida que essa fronteira se desloca, os progressos do desenvolvimento humano diminuem: este último encontra nas regiões já desflorestadas um nível comparável - e baixo - àquele registrado nas zonas não desflorestadas.
O desmatamento e a extensão da agricultura e da pecuária às custas da floresta atraem para a fronteira "migrantes" de toda espécie - grandes fazendeiros, pequenos "colonos", camponeses sem-terra, madeireiros, comerciantes, garimpeiros - em busca de lucro ou simplesmente de uma vida melhor. A chegada desses brasileiros, menos pobres que a população local, contribui parcialmente para os progressos do IDH. Mas muitos deles também são mais pobres e menos instruídos que a média nacional. O boom do desenvolvimento se deve então, sobretudo, à exploração dos recursos naturais, facilitada por um melhor escoamento dos produtos graças às novas estradas asfaltadas, e à implantação da rede governamental de educação e saúde.
No entanto, esses progressos são efêmeros. O IDH cai rapidamente nas localidades das regiões desflorestadas, de acordo com o declínio de produtividade das atividades econômicas causado, por exemplo, pelo esgotamento dos recursos madeireiros ou pela degradação dos pastos. O estudo lembra que, no início dos anos 1990, mais de 75% das terras desflorestadas na Amazônia eram dedicadas à pecuária, e mais de um terço já foram abandonadas.
Essa pesquisa foi realizada em 286 municípios, em estágios diversos de desmatamento, que representam a imensa maioria do território e da população amazônica. Ela termina em 2000, ano dos últimos números de recenseamento conhecidos. Conclusão do estudo: "O atual modo de desenvolvimento da Amazônia está muito longe do desejável, seja para os homens, seja para a natureza".
O que fazer? "É preciso combinar as abordagens", explica uma das autoras do estudo, Ana Rodrigues, do Centro de Ecologia Funcional e Evolutiva no CNRS de Montpellier. "Valorizar mais as regiões desflorestadas. E, sobretudo, reduzir o desmatamento, promover o reflorestamento nas zonas degradadas, incentivar as populações florestais a conduzirem atividades de desenvolvimento sustentável". Por exemplo, remunerando os serviços voltados ao ecossistema pelos habitantes da floresta, como se começa a fazer no Brasil.
Lista de multinacionais
Em um relatório recente, o Greenpeace destacou que a pecuária intensiva de bovinos é responsável por 80% do desflorestamento. Segundo a organização ecologista, "no decorrer dos últimos anos, um hectare de floresta foi destruído a cada 18 segundos em média pelos criadores de gado". O Brasil se tornou o principal exportador de carne bovina, com um terço da tonelagem mundial.
O Greenpeace critica o governo por incentivar a pecuária, ao ajudar financeiramente as grandes empresas do setor e fechar os olhos para as explorações ilegais. Ele cita uma longa lista de multinacionais, compradoras de produtos provenientes de explorações envolvidas no desflorestamento ilícito.
Um intenso debate opõe atualmente ecologistas e exploradores rurais a respeito de um projeto de lei prestes a ser votado sobre a regularização fundiária na Amazônia. Em princípio - dar uma garantia jurídica aos agricultores, especialmente os mais vulneráveis - , o texto obtém unanimidade em seu favor.
Mas os ecologistas, que têm o apoio do ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, acusam os parlamentares de terem distorcido o projeto ao introduzirem diversas cláusulas consideradas favoráveis demais ao agronegócio. O ministro espera que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decida em seu favor.
Tradução: Lana Lim
Jean-Pierre Langellier
No Rio de Janeiro (Brasil)
Reserva impediria savanização da Amazônia, diz estudo
No estudo, os cientistas tentaram verificar qual porcentual de devastação marcaria o colapso da vegetação amazônica. Eles criaram um modelo de teste que indicou razoável fidelidade para prever cenários futuros. Então, testaram o que aconteceria se 63% da vegetação desaparecesse e só sobrassem as árvores das unidades de conservação e reservas indígenas - cerca de 2,3 milhões de quilômetros quadrados. Apesar dos danos para a biodiversidade e para as populações tradicionais, segundo o modelo, os fragmentos protegidos de mata não entrariam em colapso com desmatamento.
"Percebemos que haveria uma variação relativamente pequena no regime de chuvas, mesmo se só sobrassem as áreas de preservação", explica o engenheiro florestal Claudio Belmonte de Athayde Bohrer, coautor do artigo e pesquisador da Universidade Federal Fluminense. "As atuais unidades de conservação oferecem uma proteção mínima", afirma. "Mas é preciso que o governo garanta sua efetividade." Para o principal autor do artigo, Robert Walker, da Universidade de Michigan, as reservas são 'uma ótima ideia brasileira'. 'Mas a lei precisa ser colocada em prática com rigor'. As informações são do jornal "O Estado de S. Paulo".sábado, 13 de junho de 2009
Banco Mundial rescinde contrato com a Bertin e exige dinheiro de volta: Amigos da Terra pede que o BNDES faça o mesmo
São Paulo, 13 de junho de 2009 - Amigos da Terra - Amazônia Brasileira anuncia que, após três anos de acompanhamento, conseguiu confirmar, na noite de ontem, um importante objetivo de campanha: fazer com que a International Finance Corporation (IFC), braço para setor privado do Banco Mundial, voltasse atrás em sua decisão de financiar a expansão na Amazônia do frigorífico Bertin, objeto de um contrato em março de 2007. Fontes internas do IFC, em Washington, confirmaram à entidade que o banco já decidiu cancelar o contrato com o frigorífico - maior exportador do Brasil e segunda empresa do setor no mundo - e solicitar o imediato pagamento do valor ainda pendente, equivalente a US$ 30 milhões. O banco também convocou uma reunião interna no final do mês para avaliar os próximos passos.
Desde 2006 Amigos da Terra tem mantido informada a diretoria do IFC sobre as graves violações de sua política que este empréstimo, de US$ 90 milhões, representava. Junto com as entidades do GT Florestas do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais, alertou o conselho do banco para a falta de estudos sobre os impactos e para os impactos que seriam gerados pelo aumento de sua capacidade industrial em três estados da Amazônia. Depois, chegou a informar o conselho sobre o fato de que os documentos submetidos para a aprovação interna apontavam para informações substancialmente diferentes da realidade. Mesmo assim, o empréstimo foi assinado.
Sucessivamente, se confirmaram todos os desdobramentos antecipados pela entidade. A Bertin não só seguiu comprando gado de produtores ilegais, mas ampliou suas compras na região, afetando terras indígenas e florestas de forma crescente. Objeto de multas milionárias por parte do IBAMA, procurou sustá-las até que foram objeto de divulgação pública. Em abril deste ano, no relatório A Hora da Conta, Amigos da Terra denunciou que a Bertin realizava, em sua planta de Tucumã, compra de gado de São Félix do Xingu, algo que contrariava um compromisso assumido com a IFC em janeiro de 2008.
O Ministério Público Federal usou amplas partes de referido relatório de Amigos da Terra para entrar, na semana passada, com uma ação contra a empresa, inclusive com pedido de indenização milionária por danos provocados. Também na semana passada, a Greenpeace divulgou os mapas georeferenciados de diversas fazendas fornecedoras da empresa, todas em condição de ilegalidade. Na última quarta-feira, os principais supermercados anunciaram o corte do fornecimento de gado amazônico da Bertin e de outros frigoríficos, atendendo assim a intimação do MPF.
O diretor de Amigos da Terra - Amazônia Brasileira, Roberto Smeraldi, comemorou a decisão: "Parabenizamos o IFC pela decisão e esperamos que isso sirva de lição no futuro. Agora o importante é que o BNDES faça o mesmo: como pode um banco público seguir sócio de uma empresa com tamanhos passivos? Na segunda-feira solicitaremos a inclusão dos financiadores no pólo passivo das ações que estão correndo na Justiça Federal". O BNDES, no ano passado, financiou a Bertin com mais de R$ 2,5 bilhões e adquiriu expressiva participação na mesma. Smeraldi concluiu: "conforme alertamos em nosso relatório de abril, chegou realmente a hora da conta: a hora em que os bancos acatem nossa proposta de começar financiar uma drástica redução da área ocupada pela pecuária na Amazônia, para um terço da área hoje utilizada, pondo fim a qualquer expansão."
sexta-feira, 12 de junho de 2009
Para "Economist", Brasil deveria remunerar preservação na Amazônia
A melhor maneira de evitar o desmatamento de florestas tropicais envolve uma mistura de duas ideias: o estabelecimento claro dos direitos de propriedade sobre a terra e um incentivo econômico para que esses proprietários não cortem as árvores, diz artigo publicado na revista britânica "The Economist" que chega às bancas nesta sexta-feira.
Segundo a revista, "se essas políticas podem funcionar em algum lugar, é no Brasil, que possui 60% da maior floresta tropical do mundo. O Brasil tem motivos poderosos para preservar a Amazônia".
"O desmatamento causa danos terríveis à reputação de um país que é pioneiro em energia renovável. Ele põe em risco a fábrica de chuvas da Amazônia, que permite ao Brasil ser um dos maiores exportadores de produtos agrícolas", afirma a reportagem.
Segundo a revista, o Brasil, pelo menos, tem leis que restringem o desmatamento, além de um sofisticado sistema de monitoramento, mas "o problema é implementar a lei numa vasta área, onde muitos dos moradores não gostam das regras".
"O primeiro passo é um registro próprio de terras confirmando quem possui o quê. Cerca de 15% a 20% da Amazônia pertence a proprietários privados, que deveriam manter 80% da floresta intactos (apesar de isso não ocorrer com frequência)".
"A maior parte restante é de terras federais, mas na prática, está lá para quem quiser: títulos de propriedade são forjados, pessoas são mortas e o desmatamento se acelera por causa de disputas."
Segundo o artigo, a lei aprovada este mês no Congresso, que legitima a propriedade de terrenos de até 1.500 hectares ocupados antes de 2005 e proíbe registros posteriores, tenta por fim "à bagunça".
A lei arrisca beneficiar proprietários que usaram de violência para tomar posse da terra, diz a Economist, e o governo deveria complementar a lei com a decisão de tornar o resto da Amazônia em propriedade pública, como parques ou reservas.
"No momento faz sentido econômico cortar árvores: aqueles que o fazem podem vender madeira e transformar a terra em fazendas e ranchos para a criação de gado. Então a segunda ideia para salvar as florestas se baseia em mudar incentivos econômicos, pagando as pessoas para que não cortem árvores - uma ideia conhecida no jargão da diplomacia de mudanças climáticas como 'redução de emissões por desmatamento e degradação' (REDD, na sigla em inglês)."
"Como os países ricos já desmataram suas florestas enquanto se desenvolviam, parece justo que eles agora paguem parte deste custo", afirma a "Economist".
Apesar das dificuldades, vale tentar, diz a revista, simplesmente porque evitar o desmatamento é extremamente eficiente para desacelerar as emissões dos gases que provocam o efeito estufa.
"O REDD merece um lugar no acordo mundial sobre clima a ser negociado em Copenhague em dezembro, para substituir o Protocolo de Kyoto que expira em 2012 Mas eles (esquemas de créditos de carbono) só têm alguma chance de funcionar se os países onde operarem definirem claramente os direitos sobre terras florestais. Mesmo com falhas, a tentativa do Brasil em fazê-lo é um passo adiante", conclui o artigo.
Riqueza vinda do desmatamento só dura 15 anos
A política atual do governo na Amazônia, especialmente a recente aprovação da Medida Provisória da regularização fundiária, favorece a continuidade do modelo de desenvolvimento que traz riqueza no início e, menos de duas décadas depois, mergulha os municípios na miséria de novo.
A afirmação é de Adalberto Veríssimo, pesquisador do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia). Esse modelo, batizado de "boom-colapso", é descrito hoje por Veríssimo e colegas na revista científica "Science".
A pesquisa analisou dados de qualidade de vida de 286 municípios na floresta amazônica.
Constatou que, no curto prazo, o desmatamento realmente melhora o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Porém, os benefícios duram apenas entre 12 e 16 anos --quando acaba a exploração de madeira e a produtividade da pecuária.
Depois desse "boom", o município passa a apresentar índices de qualidade de vida parecidos com os do período anterior ao desflorestamento.
Segundo Veríssimo, para alterar o padrão de economia baseada no uso predatório dos recursos naturais, o governo precisa arbitrar. "Se deixar por conta do mercado, vai se manter o "boom-colapso", porque alguns ganham no curto prazo."
De acordo com ele, a exploração de madeira rende por cerca de dez anos, e a pecuária em área desmatada, que tem solo pobre, por cinco anos.
Em sua opinião, a MP da regularização fundiária --que aguarda a sanção presidencial e não foi objeto do estudo na "Science"-- é um mecanismo que estimula a ocupação de florestas públicas e seu desmatamento. Por meio dela, o governo envia um sinal claro de que tolera a situação.
"O trabalho mostra mais uma vez que o desmatamento não compensa do ponto de vista socioeconômico. Agora, teimosamente, o Brasil vem com políticas que parecem dizer o contrário", afirma. A medida irá permitir que 67,4 milhões de hectares de terras da União na Amazônia -equivalente aos territórios da Alemanha e da Itália somados- sejam doados ou vendidos sem licitação, até o limite de 1.500 hectares.
O grupo internacional de seis pesquisadores analisou os dados de IDH (como expectativa de vida, alfabetização e renda per capita) de municípios que possuem floresta em seu território, com diferentes estágios de desmatamento.
Vários municípios no Amazonas, por exemplo, estão na pré-fronteira de desmatamento. Em situação intermediária está São Félix do Xingu (PA), em que já houve aumento de riqueza por conta do desmate. E Paragominas (PA) está na fase final, pós-fronteira.
O próprio Imazon havia publicado, em 2007, um estudo sobre "boom-colapso". Porém, segundo Ana Rodrigues, autora principal do artigo da "Science", a pesquisa atual refinou a metodologia. "Cada município foi classificado usando informação de imagens de satélite com base na extensão florestal remanescente e na intensidade de desflorestamento. O resultado é uma imagem mais detalhada da trajetória de desenvolvimento humano em relação ao avanço da fronteira."
A pesquisadora, antes na Universidade de Cambridge e hoje no Centro de Ecologia Funcional e Evolutiva (França), espera que os resultados ajudem a reforçar, não só no Brasil, mas no mundo, "a mensagem de que é necessário um modelo de desenvolvimento diferente para a Amazônia".
Para Veríssimo, cabe ao governo federal subsidiar atividades alternativas ao desmatamento nos municípios.
quinta-feira, 11 de junho de 2009
*Supermercados suspendem compras de fazendas envolvidas no desmatamento da Amazônia*
<http://www.greenpeace.org/
divulgado há 10 dias, e à ação civil pública (ACP) do Ministério Público Federal (MPF) no Pará
<http://www.greenpeace.org/
Veja abaixo a íntegra da nota divulgada pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras) no início da noite desta quarta-feira:
*ABRAS repudia práticas denunciadas pelo Greenpeace.*
* *
*Wal-Mart, Carrefour e Pão de Açúcar suspendem as compras de fazendas envolvidas no desmatamento da Amazônia e deverão trabalhar com auditoria de origem. *
* *
*Em reunião realizada na Associação Brasileira de Supermercados (Abras), no dia 8 de junho, as três maiores redes de supermercados do País, Carrefour, Wal-Mart e Pão de Açúcar decidiram suspender as compras das fazendas envolvidas no desmatamento da Amazônia. A ação é um repúdio às práticas denunciadas pelo Greenpeace. O setor supermercadista, através da Abras não irá compactuar com as ações denunciadas e reagirá energicamente. *
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*A posição definida pelas empresas inclui notificar os frigoríficos, suspender compras das fazendas denunciadas pelo Ministério Público do Estado do Pará e exigir dos frigoríficos as Guias de Trânsito Animal anexadas às Notas Fiscais. Como medida adicional, as três redes solicitarão, ainda, um plano de auditoria independente e de reconhecimento internacional que assegure que os produtos que comercializam não são procedentes de áreas de devastação da Amazônia. *
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*Trata-se de uma resposta conjunta setorial ao relatório publicado pelo Greenpeace no início deste mês e conseqüente ação civil pública do Ministério Público Federal do Pará, que encaminhou recomendação às grandes redes de supermercados e outros 72 compradores de produtos bovinos para que deixem de comprar carne proveniente da destruição da floresta. *
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“Estamos felizes com o anúncio dos supermercados”, disse André Muggiati, do Greenpeace. “Esta decisão expressa a opinião do consumidor final, que não quer comprar a destruição da Amazônia. Agora, é a vez dos frigoríficos que atuam na Amazônia assumirem sua responsabilidade de não mais comercializar gado de fazendas que desmatam”.
Outra boa notícia é que o Ministério Público Federal pretende ampliar as ações de combate ao desmatamento com responsabilização da cadeia produtiva da pecuária para outros estados da Amazônia, como Mato Grosso e Rondônia.
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Greenpeace is an independent global campaigning organisation that acts to change attitudes and behaviour, to protect and conserve the environment and to promote peace. It comprises 28 independent national/regional offices in over 40 countries across Africa, the Americas, Asia, Europe and the Pacific, as well as a co-ordinating body, Greenpeace International.
**MILHARES DE PESSOAS CONGESTIONAM TELEFONE DO LULA PEDINDO VETO À VENDA DA AMAZÔNIA**
Votada na semana passada pelo Senado a Medida Provisória 458, também conhecida com a MP da Grilagem, irá privatizar 67 milhões de acres da Amazônia que são hoje um patrimônio da União avaliado em 70 bilhões de reais. A MP que deveria beneficiar pequenos agricultores foi alterada pela bancada Ruralista para beneficiar grandes proprietários que muitas vezes são responsáveis pelas violentas disputas de terra na região.
“Esta ação da população demonstra que há uma clara indignação dos brasileiros em permitir que a Amazônia, já absurdamente devastada, seja entregue mais ainda ao agronegócio. Os brasileiros têm orgulho da sua responsabilidade de proteger a Amazônia. A não ser que o Presidente Lula vete as provisões mais perigosas, ele estará condenando a Amazônia a especulação, desmatamento, destruição e violência” – disse Ricken Patel, Diretor Executivo da Avaaz.org, a organização civil que coordenou esta ação. .
As pessoas ligaram para o gabinete do Presidente Lula pedindo mudanças em três partes da Medida Provisória. As alterações garantiriam uma clara diferenciação entre quem são os pequenos agricultores, que realmente tem direito ao título legal das terras que ocupam; e o agronegócio que é o grande responsável pelo desmatamento e queimadas, e consequentemente por grande parte das emissões de carbono do país. As mudanças que precisam ser feitas pelo Presidente Lula são:
* Vetar os incisos II e IV do artigo 2º que permite a “ocupação e exploração indireta”. O veto aos incisos garantirá que apenas as pessoas que moram na terra tenham direito ao título legal.
* Vetar artigo 7º que permite dar títulos a empresas privadas. Somente pessoas físicas devem ter o direito de regularizar suas terras.
* Proibir a comercialização das terras por 10 anos após a regulamentação (ao invés de 3 anos como foi proposto) para evitar a especulação comercial das terras.
Contato: Graziela Tanaka, Coordenadora de Campanhas: 55 21 2509-0368 portugues@avaaz.org, Alice Jay, Diretora de Campanhas, Avaaz.org, +34608934971, Disponível para entrevistas em Inglês, Diretor Executivo, Ricken Patel: + 1 888 92 28229 ou media@avaaz.org
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NOTA PARA OS EDITORES
Avaaz, que significa “voz” em várias línguas, é uma comunidade global de 3.4 milhões de pessoas que se mobilizam pelas principais questões que assolam o planeta. O objetivo da Avaaz é garantir que os valores e opiniões de sociedade civil global determinem a tomada de decisão política à nível regional ou internacional. Os membros da Avaaz se mobilizam por um mundo mais justo e pacífico e por uma globalização mais humana. www.avaaz.org
terça-feira, 9 de junho de 2009
A INSENSATEZ
O confronto entre ruralistas e ambientalistas é completamente insensato. Mesmo se a questão for analisada apenas do ponto de vista da economia, são os ambientalistas quem têm razão. Os ruralistas comemoram vitórias que se voltarão contra eles no futuro. Os frigoríficos terão que provar aos supermercados do Brasil que não compram gado de áreas de desmatamento.
O mundo está caminhando num sentido, e o Brasil vai em direção oposta. Em acelerada marcha para o passado.
O debate, as propostas no Congresso, a aprovação da MP 458, os erros do governo, a cumplicidade da oposição, tudo isso mostra que a falta de compreensão é generalizada no país.
A fritura pública do ministro Carlos Minc, da qual participou com gosto até o senador oposicionista Tasso Jereissati (PSDB-CE), é um detalhe. O trágico é a ação pluripartidária para queimar a Amazônia.
Até a China começa a mudar. Nos Estados Unidos, o governo George Bush foi para o lixo da história. O presidente Barack Obama começa a dirigir o país em outro rumo. Está tramitando no Congresso americano um conjunto de parâmetros federais para a redução das emissões de gases de efeito estufa. O que antes era apenas um sonho da Califórnia, agora será de todo o país.
Neste momento em que a ficha começa a cair no mundo, no Brasil ainda se pensa que é possível pôr abaixo a maior floresta tropical do planeta, como se ela fosse um estorvo.
A MP 458, agora dependendo apenas de sanção presidencial, é pior do que parece. É péssima. Ela legaliza, sim, quem grilou e dá até prazo. Quem ocupou 1.500 hectares antes de primeiro de dezembro de 2004 poderá comprá-la sem licitação e sem vistoria. Tem preferência sobre a terra e poderá pagar da forma mais camarada possível: em 30 anos e com três de carência. E, se ao final da carência quiser vender a terra, a MP permite. Em três anos, o imóvel pode ser passado adiante. Para os pequenos, de até quatrocentos hectares, o prazo é maior: de dez anos. E se o grileiro tomou a terra e deixou lá trabalhadores porque vive em outro lugar? Também tem direito a ficar com ela, porque mesmo que a terra esteja ocupada por "preposto" ela pode ser adquirida. E se for empresa? Também tem direito.
Os defensores da MP na Câmara e no Senado dizem que era para regularizar a situação de quem foi levado para lá pelo governo militar e, depois, abandonado.
Conversa fiada. Se fosse, o prazo não seria primeiro de dezembro de 2004.
Disseram que era para beneficiar os pequenos posseiros. Conversa fiada. Se fosse, não se permitiria a venda ocupada por um preposto, nem a venda para pessoa jurídica.
A lei abre brechas indecorosas para que o patrimônio de todos os brasileiros seja privatizado da pior forma. E a coalizão que se for$a favor dos grileiros é ampla. Inclui o PSDB. O DEM nem se fala porque comandou a votação no Senado, através da relatoria da líder dos ruralistas, Kátia Abreu.
Mais uma vez, Pedro Simon (PMDB-RS), quase solitário, estava na direção certa.
A ex-ministra Marina Silva diz que o dia da aprovação da MP 458 foi o terceiro pior dia da vida dela.
"O primeiro foi quando perdi meu pai, o segundo, quando Chico Mendes morreu" desabafou.
Ela sente como se tivesse perdido todos os avanços dos últimos anos.
Minha discordância com a senadora é que eu não acredito nos avanços. Acho que o governo Lula sempre foi ambíguo em relação ao meio ambiente, e o governo Fernando Henrique foi omisso. Se tivessem tido postura, o Brasil não teria perdido o que perdeu.
Só nos dois primeiros anos do governo Lula, 2003 e 2004, o desmatamento alcançou 51 mil Km. Muitos que estavam nesse ataque recente à Floresta serão agora "regularizados".
O Greenpeace divulgou esta semana um relatório devastador. Mostrando que 80% do desmatamento da Amazônia se deve à pecuária. A ONG deu nome aos bois: Bertin, Marfrig, JBS Friboi são os maiores. O BNDES é sócio deles e os financia. Eles fornecem carne para inúmeras empresas, entre elas, as grandes redes de supermercados: Carrefour, Wal-Mart e Pão de Açúcar.
Reuni ontem no programa Espaço Aberto, da Globonews, o coordenador do estudo, André Muggiatti e o presidente da Abras (Associação Brasileira de Supermercados), Sussumu Honda. O BNDES não quis ir.
A boa notícia foi a atitude dos supermercados. Segundo Sussumu Honda, eles estão preocupados e vão usar seu poder de pressão contra os frigoríficos, para que eles mostrem, através de rastreamento, a origem do gado cuja carne é posta em suas prateleiras.
Os exportadores de carne ameaçam processar o Greenpeace. Deveriam fazer o oposto e recusar todo o fornecedor ligado ao desmatamento. O mundo não comprará a carne brasileira a esse preço. Os exportadores enfrentarão barreiras. Isso é certo.
O Brasil é tão insensato que até da anêmica Mata Atlântica tirou 100 mil hectares em três anos.
Nossa marcha rumo ao passado nos tirará mercado externo. Mas isso é o de menos. O trágico é perdermos o futuro. Símbolo irônico das nossas escolhas é aprovar a MP 458 na semana do Meio Ambiente.
Um escândalo mundial
Entrevista com Rubens Ricúpero para a Carta Capital
por Luiz Antonio Cintra
Assim o ex-ministro define a proposta de redução da área de reserva legal na Amazônia e outros projetos da bancada ruralista.
Primeiro ministro do Meio Ambiente do Brasil, durante o governo Itamar Franco, o economista e diplomata Rubens Ricupero está acostumado a lidar com os impasses entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental. O dilema também fazia parte de sua rotina na Unctad, a agência de pesquisa e planejamento ligada à ONU que ele presidiu de 1995 a 2004.
De olho no debate atual e na pressão sobre a legislação ambiental, Ricupero considera que o País corre o risco de perder uma parcela do prestígio político que o habilita a ser protagonista em foros internacionais. “Esses projetos de lei, se aprovados, significarão um escândalo mundial, pois vão ocorrer no pior timing possível, em um momento em que os EUA estão dispostos a mudar de orientação.”
CartaCapital: O Brasil lida bem com as questões ambientais?
Rubens Ricupero: Houve um avanço expressivo na conscientização da sociedade e no nível de institucionalização do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente. Contudo, esse avanço não correspondeu a uma eficácia na solução dos grandes problemas ambientais. Com altos e baixos, o desmatamento da Amazônia infelizmente prossegue. Os meios para evitar que isso aconteça, para prevenir, para chegar ao local do desmate, continuam muito precários. As multas são aplicadas mas não pagas. O mais grave é que no momento a gente vê no Congresso iniciativas que, se vitoriosas, seriam um retrocesso muito sério.
CC: O senhor poderia dar exemplos?
RR: O licenciamento ambiental é um exemplo. Querem tirar o licenciamento da esfera federal e passar aos estados e municípios. Outro ponto é o índice de preservação da floresta nativa, que a bancada ruralista quer diminuir de 80% para 50%, no caso da Amazônia. Como explicar que essa maior consciência não tenha uma repercussão no sistema político? Refiro-me ao Executivo, aos ministros dos Transportes, Energia, Agricultura, mas também ao Congresso e à Justiça. A exceção aí é o Ministério Público, o único a atuar com consciência ambiental.
CC: A que se deve esse descompasso?
RR: É mais uma prova de que o sistema político brasileiro é irresponsável, no sentido de que ele não responde à opinião pública. Como o mecanismo de eleição no Brasil depende muito mais de dinheiro e de apoio de grupos do que de programas, existe essa situação, por sinal, muito constante na história do Brasil. Da minha experiência como ministro, concluí que dar aos estados e municípios a atribuição do licenciamento ambiental seria uma loucura. Ao contrário do que ocorre na Europa, onde vigora o princípio de que se deve dar mais poder à autoridade local, já que quanto mais próxima do problema supostamente é mais capaz de resolvê-lo. Acontece que, no Brasil, na Amazônia, não há distinção entre os devastadores e os políticos, sobretudo os prefeitos, com algumas poucas exceções, convém mencionar.
CC: Há quem reclame da demora em obter um licenciamento para projetos de infraestrutura. O senhor concorda com essas críticas?
RR: O licenciamento pode ser aprimorado, com mais recursos e mais meios técnicos. Mas o que está por trás desse discurso não é exatamente boa intenção. Falei em Amazônia, mas o panorama não é diferente na Mata Atlântica e no Cerrado, onde a situação também é crítica. Ao falar em desenvolvimento, em geral não se pode evitar o que seria um dilema entre o desenvolvimento ou o meio ambiente. Mas no Brasil esse dilema não se coloca dessa forma, mesmo porque, hoje em dia é indiscutível a verdade da mudança climática. Daqui a alguns meses será publicado o primeiro livro que representa a adaptação ao Brasil do estudo coordenado pelo economista Nicholas Stern, sobre o impacto do meio ambiente na economia. Mostrará todo o impacto da mudança climática na economia brasileira. Posso afirmar que as revelações são terríveis. Daqui a algumas décadas, metade do Nordeste terá de ser esvaziado de população devido à escassez de chuvas. É completamente irracional sustentar a ideia de que pode haver desenvolvimento contra o meio ambiente. Alguns países realmente não têm alternativa, como a China e a Índia, onde a eletricidade vem do carvão.
CC: Nesse caso, os dois países servem de antiexemplo, não?
RR: Para eles, há um dilema terrível, pois terão de encontrar alternativas para a energia produzida pelo carvão. No nosso caso, isso não se aplica. Mais de 70% da responsabilidade brasileira pela emissão de gases de efeito estufa, e o Brasil é o quarto ou quinto hoje em dia no ranking mundial, vem das queimadas da Amazónia. E a Amazónia tem uma contribuição mínima no desenvolvimento brasileiro. Até mesmo em agricultura, já foi provado pela Embrapa, as áreas já desmaiadas e degradadas serviriam abundantemente para cultivos, sem a necessidade de tocar na floresta restante. Outra vantagem é a matriz energética relativamente limpa. Ao mesmo tempo que somos muito vulneráveis por causa da Amazónia, das queimadas, somos privilegiados na área ambiental. O País só é potência em matéria ambiental. De todos os países chamados BRIC (Brasil, Rússia, índia e China), o Brasil é o único que não é potência nuclear, militar convencional ou económica. Mas o único grande problema mundial que não pode ser resolvido sem o Brasil é o ambiental.
CC: E esse capital político corre risco?
RR: Temos a possibilidade de desempenhar, nas negociações internacionais sobre as mudanças climáticas, um papel extraordinariamente útil, de ser o facilitador de um acordo, uma espécie de ponte entre os desenvolvidos e os em desenvolvimento. Infelizmente, não estamos desempenhando esse papel. O Itamaraty tem tido uma posição retrógrada, fiel àquela ideia de que, como somos um país em desenvolvimento, não precisamos dar nenhuma contribuição. Nossa responsabilidade é menor, porém ela existe. Mas tem sido interpretada como nenhuma responsabilidade, é a posição tradicional do Itamaraty, que faz isso, em grande parte, por uma razão defensiva, por temer um acordo que envolva compromissos em relação à Amazónia, o que no fundo o Brasil terá dificuldades de cumprir, porque vem fracassando na tentativa de evitar o desmatamento. Não é como no caso da China e da índia, por temer o sacrifício do desenvolvimento. No nosso caso, o problema é que temos um calcanhar de aquiles seriíssimo com o desmatamento descontrolado.
CC: O que significará a redução da proteção ambiental?
RR: Esses projetos de lei, se aprovados, significarão um escândalo mundial, porque vão ocorrer no pior timing possível, num momento em que os EUA estão dispostos a mudar de orientação. Seria uma estupidez o Brasil cogitar uma lei que praticamente significa um sinal verde para destruir ainda mais a região amazônica, refiro-me aqui a reduzir a 50% a reserva legal, estaremos jogando fora a única área em que teríamos realmente condições de ser um protagonista de primeira ordem.
domingo, 7 de junho de 2009
Senadora Marina Silva, Carta Aberta ao Presidente Lula
Sr. Presidente,
Vivemos ontem um dia histórico para o país e um marco para a Amazônia, com a aprovação final, pelo Senado Federal, da Medida Provisória 458/09, que trata sobre a regularização fundiária da região. Os objetivos de estabelecer direitos, promover justiça e inclusão social, aumentar a governança pública e combater a criminalidade, que sei terem sido sua motivação, foram distorcidos e acabaram servindo para reafirmar privilégios e o execrável viés patrimonialista que não perde ocasião de tomar de assalto o bem público, de maneira abusiva e incompatível com as necessidades do País e os interesses da maioria de sua população.
Infelizmente, após anos de esforços contra esse tipo de atitude, temos, agora, uma história feita às avessas, em nome do povo mas contra o povo e contra a preservação da floresta e o compromisso que o Brasil assumiu de reduzir o desmatamento persistente que dilapida um patrimônio nacional e atenta contra os esforços para conter o aquecimento global.
O maior problema da Medida Provisória são as brechas criadas para anistiar aqueles que cometeram o crime de apropriação de grandes extensões de terras públicas e agora se beneficiam de políticas originalmente pensadas para atender apenas aqueles posseiros de boa-fé, cujos direitos são salvaguardados pela Constituição Federal.
Os especialistas que acompanham a questão fundiária na Amazônia afirmam categoricamente que a MP 458, tal como foi aprovada ontem, configura grave retrocesso, como aponta o Procurador Federal do Estado do Pará, Dr. Felício Pontes: “A MP nº 458 vai legitimar a grilagem de terras na Amazônia e vai jogar por terra quinze anos de intenso trabalho do Ministério Público Federal, no Estado do Pará, no combate à grilagem de terras”.
Essa é a situação que se espraiará por todos os Estados da Amazônia. E em sua esteira virá mais destruição da floresta, pois, como sabemos, a grilagem sempre foi o primeiro passo para a devastação ambiental.
Sendo assim, Senhor Presidente, está em suas mãos evitar um erro de grandes proporções, não condizente com o resgate social promovido pelo seu governo e com o respeito devido a tantos companheiros que deram a vida pela floresta e pelo povo Amazônia. São tantos, Padre Jósimo, Irmã Dorothy, Chico Mendes, Wilson Pinheiro – por quem V. Excia foi um dia enquadrado na Lei de Segurança Nacional – que regaram a terra da Amazônia com o seu próprio sangue, na esperança de que, um dia, em um governo democrático e popular, pudéssemos separar o joio do trigo.
Em memória deles, Sr. Presidente, e em nome do patrimônio do povo brasileiro e do nosso sonho de um País justo e sustentável, faço este apelo para que vete os dispositivos mais danosos da MP 458, que estão discriminados abaixo.
Permita-me também, Senhor Presidente, e com a mesma ênfase, lhe pedir cuidados especiais na regulamentação da Medida Provisória. É fundamental que o previsto comitê de avaliação da implementação do processo de regularização fundiária seja caracterizado pela independência e tenha assegurada a efetiva participação da sociedade civil, notadamente os segmentos representativos do movimento ambientalista e do movimento popular agrário.
Por tudo isso, Sr. Presidente, peço que Vossa Excelência vete os incisos II e IV do artigo 2º; o artigo 7º e o artigo 13.
Com respeito e a fraternidade que tem nos unido, atenciosamente,
Senadora Marina Silva
Vetos Solicitados à PLV nº 9, de 2009 (proveniente da MP 458)
1. _Incisos II e IV do art. 2º:
Texto do PLV nº 9, de 2009:
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, entende-se por:
II – ocupação indireta: aquela exercida somente por interposta pessoa;
IV – exploração indireta: atividade econômica exercida em imóvel rural, por meio de preposto ou assalariado;
Justificativa do veto
Os incisos II e IV do artigo 2º estabelecem a definição, para efeitos da aplicação da lei, de ocupação indireta e de exploração indireta.
Essas formas de ocupação e exploração não devem ser beneficiadas com a regularização fundiária, pois não consideram os critérios de relevante interesse público e da função social da terra. Para ser coerente com o veto ao art. 7º, a definição dessas formas de ocupação e exploração deixa de ter uso para a aplicação da lei.
2. Art. 7º:
Texto do PLV nº 9, de 2009:
Art. 7º Mediante processo licitatório que assegure ao ocupante direito de preferência, far-se-á a regularização em área de até quinze módulos e não superior a mil e quinhentos hectares, com ocupação mansa e pacífica, anterior a 1º de dezembro de 2004, efetivada por:
I – pessoa natural que exerça exploração indireta da área ou que seja proprietária de imóvel rural em qualquer parte do território nacional, respeitado o disposto nos incisos I, III e V do caput do art. 5º;
II – pessoa jurídica constituída sob as leis brasileiras, anteriormente à data referida no caput deste artigo, que tenha sede e administração no País, respeitado o disposto nos incisos II e III do caput do art. 5º.
Justificativa do veto
O art. 7º amplia extraordinariamente as possibilidades de legalização de terras griladas, permitindo a transferência de terras da União para pessoas jurídicas, para quem já possui outras propriedades rurais e para a ocupação indireta.
A titulação em nome de prepostos, que no projeto ganha a denominação de “ocupação indireta”, é a forma mais evidente de legalização da grilagem. Nas últimas décadas, a região amazônica vem sofrendo com toda a sorte de esquemas de falsificação de documentos em órgãos públicos e cartórios, invariavelmente com a utilização de prepostos que encobertam estratégias de ocupação irregular e concentração fundiária.
A possibilidade de titulação para pessoas jurídicas, além de ampliar as possibilidades de fraude, oferece um caminho rápido e de baixo risco de burla ao disposto no parágrafo primeiro do artigo 188 da Constituição Federal, que condiciona à aprovação do Congresso Nacional a alienação ou concessão de terras públicas com área superior a 2.500 hectares. A titulação de 1.500 hectares a uma empresa e de outros 1.500 ao sócio proprietário dessa mesma empresa, em área contígua, é absolutamente compatível com o projeto aprovado pelo Congresso, mas incompatível com a Constituição Federal.
O art. 7º desrespeita também o disposto no caput do artigo 188 da Constituição Federal ao incorporar formas de regularização completamente estranhas e antagônicas aos objetivos da política agrária, enquanto o comando constitucional determina que a regularização fundiária deve ser compatibilizada a esta
3. Art. 13:
Texto do PLV nº 9, de 2009:
Art. 13. Os requisitos para a regularização fundiária dos imóveis de até quatro módulos fiscais serão averiguados por meio de declaração do ocupante, sujeita a responsabilização nas esferas penal, administrativa e civil, dispensada a vistoria prévia.
Justificativa do veto
O Estado brasileiro não pode abrir mão do instrumento mais importante de controle do processo de regularização fundiária, porque não desenvolveu capacidade organizacional para realizar o processo com a segurança exigida pela sociedade.
A vistoria é fundamental para a identificação da ocupação direta, da utilização indevida de prepostos para ampliar os limites permitidos pelo projeto e, principalmente, da existência de situações de conflito na área a ser regularizada, o que, em muitos casos, pode significar a usurpação de direitos de pequenos posseiros isolados, com dificuldade de acesso a informação, de mobilidade e de reivindicação de seus direitos.
Por meio da regulamentação, pode ser definido procedimentos mais ágeis de vistoria nas pequenas propriedades, de até 1 Módulo Fiscal, conferindo a eficiência desejada na ação de regularização, sem abrir mão dos instrumentos de controle mínimos e da segurança necessária para a sociedade.