quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Entrevista dada, Revista Época


Por ocasiao do anuncio publico do relatorio "O Futuro Climatico da Amazonia" recebi muitas demandas de entrevistas. Para ajudar os meios a permanecerem fieis às minhas respostas, passo a publicar neste blog as entrevistas concedidas.


Época- Qual é a contribuição da Amazônia para as chuvas do Sul, Sudeste e Centro-oeste?

Contribuição total. O aporte liquido (no sentido de saldo) de vapor a estas regioes, que podemos chamar da bacia do Prata - o que inclui além do Brasil, Bolivia, Paraguai, parte da Argentina- se dá principalmente nos meses de verão (de novembro a março). E é justamente neste periodo que chegam os fluxos dos chamados rios aereos de vapor procedentes da Amazônia. As frentes frias que procedem do sul do continente e chegam nestas regioes em outras épocas do ano são massas de ar frio que transportam pouquíssima umidade.

Época- Qual é a contribuição da floresta para as chuvas que caem na própria Amazônia?

Contribuiçao total. As florestas transpiram grandes volumes de vapor d'água - o que mantem umido o ar que adentra o continente por milhares de kilometros-; elas tambem emitem "aromas" que sao responsaveis pela formaçao de uma poeira finissima com afinidade pela agua, as "sementes de condensação"- sem as quais nao se formam nuvens nem chuvas-; por fim, com essa imensa evaporação (um fluxo maior que o do Rio Amazonas) - e a correspondente poderosa condensação nas nuvens-, a pressão atmosférica na Amazônia cai, o que acelera e "suga" os ventos aliseos que vem do oceano atlântico carregados de umidade - esse efeito é similar a de uma "bomba" de agua, sem a qual os ventos úmidos do oceano, fonte de toda agua, nao adentrariam a bacia Amazônica-. Tire a floresta e os tres fatores determinantes para as chuvas desaparecem, o que implica redução massiva das chuvas.
 
Época- Temos evidência de que a floresta já perdeu parte da sua capacidade de produzir umidade para a Amazônia / outras regiões? Há como medir isso? O que a ciência indica até o momento?

Nao é a floresta, no seu estado pristino, que perdeu capacidade de fomentar a umidade atmosferica, e com isso favorecer chuvas benignas. É sua destruição, sua ausencia, e mesmo sua incineraçao, gerando fumaça e fuligem, que sao responsáveis por destroçar o sistema climático amigo que existia antes, substituindo-o por um dramaticamente inóspito novo clima.

Imagens de satelite mostram a destruiçao bruta e a degradaçao das florestas, a cena do crime, alem de mostrar também a geração e o deslocamento das nuvens de fumaça e fuligem que matam as chuvas; Torres de observação e outros instrumentos de superficie coletam em tempo real as mudanças no clima, as alteraçoes na concentração de vapor de agua, os efeitos da fumaça e fuligem;  modelos atmosféricos e modelos de vegetação que simulam no computador as condicoes reais e sao aferidos por observacoes tanto de satélites quanto de superfície, mostram a evoluçao do cenario de alteração climática, uma evolução nada boa; e por fim, nova analise teórica, baseada em leis fisicas, permitem antecipar o que deve acontecer nos cenarios futuros. A ciência indica até o momento que o clima já está mudando na Amazônia, mais nas zonas mais desmatadas, mas não somente.

Época-  Podemos dizer que a estiagem que atinge o Sudeste desde 2013 é uma consequência da redução do fluxo da umidade da Amazônia, ou ela tem a ver com outros fatores?

Podemos dizer que no ultimo verao nao chegaram aqui os fluxos de umidade que a Amazonia exporta. Quanto desta falta teria a ver com o enfraquecimento dos rios aereos de vapor e quanto a ver com o efeito de bloqueio atmosferico decorrente de mudanças climaticas ainda está sendo estudado. Ao mesmo tempo que as observações do clima na Amazônia não deixam duvida de que o desmatamento na Amazônia esta prejudicando o clima amigo por lá - as cabeceiras dos rios aéreos de vapor-, o que deve ser um alerta severo para quem vive a "jusante" dos ventos portadores de umidade deste rio aereo, uma massa de ar quente, seco e com alta pressao tem estacionado sobre a região Sudeste, o que tem dificultado a penetraçao de umidade oriunda da Amazônia. O que podemos falar com convicção porem é que houvessem "florestas nativas" no Sudeste, tal fenômeno deletério não ocorreria nestas proporções, ou não permaneceria estacionado por tanto tempo, porque as matas resfriam a superficie, e sao fontes poderosas de vapor, dois fatores que conduzem a chuvas.

Época- Se a Amazônia, em algum momento, perde a capacidade de gerar umidade, quem vai sofrer primeiro? A própria Amazônia, o Centro-oeste? Quais seriam as primeiras consequências, o que veríamos primeiro?

Como ressalto no relatório, nao é mais apropriado usar o tempo futuro no verbo relativo a sua pergunta. Para saber das primeiras consequências basta assistir o noticiário. Já estamos testemunhando a perda dos serviços ao clima devido a destruição de floresta, a cada ano os agricultores no Mato Grosso percebem as chuvas chegando mais tarde, tem que atrasar o plantio de suas lavouras. Hoje a ONS, a operadora do sistema elétrico nacional, avisou que vai faltar energia eletrica por falta de agua nos reservatorios das usinas hidrelétricas. O racionamento de agua já afeta mtas cidades no Pais, fora da tradicional zona da seca no Nordeste. O que mais precisamos para despertar para a realidade?

Época- O desmatamento vem acontecendo desde a década de 1970 de forma progressiva, embora o ritmo tenha reduzido. É de se esperar que a redução da capacidade da floresta ocorra de forma progressiva, ou pode ser uma mudança brusca, de um ano para outro?

Para o clima interessa somente o saldo devedor; as taxas anuais maiores ou menores sao cocegas nas bordas do sistema se considerado o principal da divida (somente de corte raso, uma area equivalente a tres vezes a área do Estado de SP). E é essa divida enorme que agora cobra a fatura, e demanda pagamento imediato. Como digo no relatorio, o desmatamento sem limite encontrou no clima um juiz que sabe muito bem contar arvores (decepadas), nao esquece nem perdoa. O sistema climático está por um lado sentindo a ausencia das arvores de forma progressiva, como é o caso da progressiva extensão da duração da estação seca na Amazonia; mas pode gerar surpresas decorrente da acumulação sinergisticas de vários fatores, como parece ser a situação atual do sudeste.

Época- Há um limite? Quanto que a floresta tem que perder de cobertura florestal ou quanto dela pode ser degradado até que essa função de gerar umidade seja comprometida?

O fato do sistema climático estar mostrando claros sintomas de desarranjo já deve indicar que chegamos no limite. Cinco anos atrás, em entrevista para o Jornal Valor, respondi pergunta similar, alertando já naquela epoca que estávamos mto próximos do limite, a partir do qual veríamos mais e mais desastres climáticos. Sem ter uma bola de cristal, meu palpite de cinco a seis anos como um prazo curto para aparecerem os sintomas mais fortes da destruição que estávamos infligindo ao berço esplêndido, parece que acertou. Agora, a resposta sobre quanto tempo ainda temos é um categórico: nenhum! Acabou-se o prazo para complacencia e procrastrinação em relacao ao desmatamento. Eu nao saberia dizer se já passamos do ponto de nao retorno, a partir do qual deceremos forçosamente no abismo climático, mas quero crer que temos ainda a oportunidade de mudar de curso e evitar o pior. Por isso proponho um "esforço de guerra" no esclarecimento da sociedade, primeiro, e então no combate vigoroso ao desmatamento. Mas somente zerar o desmatamento para ontem já não será suficiente. Se queremos ter alguma chance de sucesso, precisamos "replantar e restaurar" florestas por todo o Pais. Essa a melhor apólice de seguro que podemos comprar.