Lauro Eduardo Bacca
(artigo para o JSC de 12/11/2014)
A transposição do rio São Francisco, que já sofre com a
seca, pretende levar 127 metros cúbicos por segundo de águas do velho Chico para
o Nordeste brasileiro. O volume equivale à vazão do rio Itajaí Açu em tempos
normais e os dois canais previstos somam uma distância que vai de Blumenau a
São Paulo. O projeto é altamente questionável, mereceria artigos à parte, sem
contar que o custo da obra já beira a casa dos R$10 bilhões.
Por incrível que pareça, muito mais fácil é a transposição
de uma quantidade 1.800 vezes maior de águas da Amazônia a um custo de uns 100
trilhões de reais, possibilitando amplo fornecimento de água para vastas
regiões do Centro Oeste, Sul e Sudeste brasileiras, além do Paraguai, partes da
Argentina e Uruguai. Isso tudo sem tirar uma gota sequer do rio Amazonas.
Não, caro e preclaro leitor, não estou louco. Essa
transposição já existe e é feita de graça pela natureza, coisa que já se sabia há algum tempo, mas que
agora tem mensuração científica.
O rio Amazonas despeja todos os dias no Oceano 17 trilhões
de litros, quase um quinto da soma das águas de todos os rios do mundo. Já a
quantidade de água que a imensa floresta lança na atmosfera, sabe-se agora,
chega a 20 trilhões de litros/dia, ou seja, a Amazônia joga mais água na
atmosfera pela transpiração das árvores do que no oceano Atlântico pelo rio!
Grande parte dessa umidade, levada pelos ventos, bate na
Cordilheira dos Andes, dá meia volta e dirige-se para o Sul–Sudeste, formando o
já conhecido “rio aéreo”, que possibilita muita chuva nas regiões já mencionadas,
viabilizando a agricultura, o agronegócio, os grandes mananciais e grandes
hidrelétricas, além do abastecimento de muitas cidades, como o da agora sedenta
São Paulo.
Nos últimos 40 anos o Brasil deixou acontecer a destruição total,
por corte raso, de 763 mil km² de floresta amazônica, área equivalente a uma
Alemanha e França somadas, fora outros 1,25 milhões de km² de floresta que já está
degradada. A pastagem ou a soja plantada no mesmo espaço, além de reter bem
menos água no solo, evapora apenas um quarto da água que era evaporada pela
floresta original, quantia insuficiente para formar o grande “rio aéreo” na
direção sul/sudeste.
Ironicamente, enquanto torramos uma fábula de recursos para
transpor água do São Francisco para o Nordeste, destruímos uma transposição mil
vezes maior que a natureza nos faz de graça a partir da Amazônia, inclusive
para as cabeceiras do próprio rio São Francisco!
Estamos matando o mais saudável dos doadores enquanto usamos um anêmico para doar sangue.
Estamos matando o mais saudável dos doadores enquanto usamos um anêmico para doar sangue.