segunda-feira, 17 de novembro de 2014

A transposição do Amazonas


Lauro Eduardo Bacca (artigo para o JSC de 12/11/2014)
A transposição do rio São Francisco, que já sofre com a seca, pretende levar 127 metros cúbicos por segundo de águas do velho Chico para o Nordeste brasileiro. O volume equivale à vazão do rio Itajaí Açu em tempos normais e os dois canais previstos somam uma distância que vai de Blumenau a São Paulo. O projeto é altamente questionável, mereceria artigos à parte, sem contar que o custo da obra já beira a casa dos R$10 bilhões.
Por incrível que pareça, muito mais fácil é a transposição de uma quantidade 1.800 vezes maior de águas da Amazônia a um custo de uns 100 trilhões de reais, possibilitando amplo fornecimento de água para vastas regiões do Centro Oeste, Sul e Sudeste brasileiras, além do Paraguai, partes da Argentina e Uruguai. Isso tudo sem tirar uma gota sequer do rio Amazonas.
Não, caro e preclaro leitor, não estou louco. Essa transposição já existe e é feita de graça pela natureza, coisa que já se sabia algum tempo, mas que agora tem mensuração científica.
O rio Amazonas despeja todos os dias no Oceano 17 trilhões de litros, quase um quinto da soma das águas de todos os rios do mundo. Já a quantidade de água que a imensa floresta lança na atmosfera, sabe-se agora, chega a 20 trilhões de litros/dia, ou seja, a Amazônia joga mais água na atmosfera pela transpiração das árvores do que no oceano Atlântico pelo rio!
Grande parte dessa umidade, levada pelos ventos, bate na Cordilheira dos Andes, dá meia volta e dirige-se para o Sul–Sudeste, formando o já conhecido “rio aéreo”, que possibilita muita chuva nas regiões já mencionadas, viabilizando a agricultura, o agronegócio, os grandes mananciais e grandes hidrelétricas, além do abastecimento de muitas cidades, como o da agora sedenta São Paulo.
Nos últimos 40 anos o Brasil deixou acontecer a destruição total, por corte raso, de 763 mil km² de floresta amazônica, área equivalente a uma Alemanha e França somadas, fora outros 1,25 milhões de km² de floresta que já está degradada. A pastagem ou a soja plantada no mesmo espaço, além de reter bem menos água no solo, evapora apenas um quarto da água que era evaporada pela floresta original, quantia insuficiente para formar o grande “rio aéreo” na direção sul/sudeste.
Ironicamente, enquanto torramos uma fábula de recursos para transpor água do São Francisco para o Nordeste, destruímos uma transposição mil vezes maior que a natureza nos faz de graça a partir da Amazônia, inclusive para as cabeceiras do próprio rio São Francisco!  

Estamos matando o mais saudável dos doadores enquanto usamos um anêmico para doar sangue.