Por ocasiao do anuncio publico do relatorio
"O Futuro Climatico da Amazonia" recebi muitas demandas de entrevistas.
Para ajudar os meios a permanecerem fieis às minhas respostas, passo a
publicar neste blog as entrevistas concedidas.
Época- Qual é a contribuição da Amazônia para as chuvas do Sul, Sudeste e Centro-oeste?
Contribuição
total. O aporte liquido (no sentido de saldo) de vapor a estas regioes,
que podemos chamar da bacia do Prata - o que inclui além do Brasil,
Bolivia, Paraguai, parte da Argentina- se dá principalmente nos meses de
verão (de novembro a março). E é justamente neste periodo que chegam os
fluxos dos chamados rios aereos de vapor procedentes da Amazônia. As
frentes frias que procedem do sul do continente e chegam nestas regioes
em outras épocas do ano são massas de ar frio que transportam pouquíssima umidade.
Época- Qual é a contribuição da floresta para as chuvas que caem na própria Amazônia?
Contribuiçao
total. As florestas transpiram grandes volumes de vapor d'água - o que
mantem umido o ar que adentra o continente por milhares de kilometros-;
elas tambem emitem "aromas" que sao responsaveis pela formaçao de uma
poeira finissima com afinidade pela agua, as "sementes de condensação"-
sem as quais nao se formam nuvens nem chuvas-; por fim, com essa imensa evaporação (um fluxo maior que o do Rio Amazonas) - e a correspondente poderosa condensação
nas nuvens-, a pressão atmosférica na Amazônia cai, o que acelera e
"suga" os ventos aliseos que vem do oceano atlântico carregados de
umidade - esse efeito é similar a de uma "bomba" de agua, sem a qual os
ventos úmidos do oceano, fonte de toda agua, nao adentrariam a bacia Amazônica-. Tire a floresta e os tres fatores determinantes para as
chuvas desaparecem, o que implica redução massiva das chuvas.
Época- Temos evidência de que a floresta já perdeu parte da sua capacidade de
produzir umidade para a Amazônia / outras regiões? Há como
medir isso? O que a ciência indica até o momento?
Nao
é a floresta, no seu estado pristino, que perdeu capacidade de fomentar
a umidade atmosferica, e com isso favorecer chuvas benignas. É sua destruição, sua ausencia, e mesmo sua incineraçao, gerando fumaça e
fuligem, que sao responsáveis por destroçar o sistema climático amigo
que existia antes, substituindo-o por um dramaticamente inóspito novo
clima.
Imagens
de satelite mostram a destruiçao bruta e a degradaçao das florestas, a
cena do crime, alem de mostrar também a geração e o deslocamento das
nuvens de fumaça e fuligem que matam as chuvas; Torres de observação e
outros instrumentos de superficie coletam em tempo real as mudanças no
clima, as alteraçoes na concentração de vapor de agua, os efeitos da
fumaça e fuligem; modelos atmosféricos e modelos de vegetação que
simulam no computador as condicoes reais e sao aferidos por observacoes
tanto de satélites quanto de superfície, mostram a evoluçao do cenario
de alteração climática, uma evolução nada boa; e por fim, nova analise teórica, baseada em leis fisicas, permitem antecipar o que deve
acontecer nos cenarios futuros. A ciência indica até o momento que o
clima já está mudando na Amazônia, mais nas zonas mais desmatadas, mas não somente.
Época- Podemos dizer que a estiagem que atinge o Sudeste desde 2013 é uma
consequência da redução do fluxo da umidade da Amazônia, ou ela
tem a ver com outros fatores?
Podemos
dizer que no ultimo verao nao chegaram aqui os fluxos de umidade que a
Amazonia exporta. Quanto desta falta teria a ver com o enfraquecimento
dos rios aereos de vapor e quanto a ver com o efeito de bloqueio
atmosferico decorrente de mudanças climaticas ainda está sendo estudado.
Ao mesmo tempo que as observações do clima na Amazônia não deixam
duvida de que o desmatamento na Amazônia esta prejudicando o clima amigo
por lá - as cabeceiras dos rios aéreos de vapor-, o que deve ser um
alerta severo para quem vive a "jusante" dos ventos portadores de
umidade deste rio aereo, uma massa de ar quente, seco e com alta pressao
tem estacionado sobre a região Sudeste, o que tem dificultado a
penetraçao de umidade oriunda da Amazônia. O que podemos falar com convicção porem é que houvessem "florestas nativas" no Sudeste, tal fenômeno deletério não ocorreria nestas proporções, ou não permaneceria
estacionado por tanto tempo, porque as matas resfriam a superficie, e
sao fontes poderosas de vapor, dois fatores que conduzem a chuvas.
Época- Se a Amazônia, em algum momento, perde a capacidade de gerar umidade,
quem vai sofrer primeiro? A própria Amazônia, o Centro-oeste?
Quais seriam as primeiras consequências, o que veríamos primeiro?
Como
ressalto no relatório, nao é mais apropriado usar o tempo futuro no
verbo relativo a sua pergunta. Para saber das primeiras consequências
basta assistir o noticiário. Já estamos testemunhando a perda dos
serviços ao clima devido a destruição de floresta, a cada ano os
agricultores no Mato Grosso percebem as chuvas chegando mais tarde, tem
que atrasar o plantio de suas lavouras. Hoje a ONS, a operadora do
sistema elétrico nacional, avisou que vai faltar energia eletrica por
falta de agua nos reservatorios das usinas hidrelétricas. O racionamento
de agua já afeta mtas cidades no Pais, fora da tradicional zona da seca
no Nordeste. O que mais precisamos para despertar para a realidade?
Época- O desmatamento vem acontecendo desde a década de 1970 de forma
progressiva, embora o ritmo tenha reduzido. É de se esperar que a
redução
da capacidade da floresta ocorra de forma progressiva, ou pode ser uma
mudança brusca, de um ano para outro?
Para
o clima interessa somente o saldo devedor; as taxas anuais maiores ou
menores sao cocegas nas bordas do sistema se considerado o principal da
divida (somente de corte raso, uma area equivalente a tres vezes a área
do Estado de SP). E é essa divida enorme que agora cobra a fatura, e
demanda pagamento imediato. Como digo no relatorio, o desmatamento sem
limite encontrou no clima um juiz que sabe muito bem contar arvores
(decepadas), nao esquece nem perdoa. O sistema climático está por um
lado sentindo a ausencia das arvores de forma progressiva, como é o caso
da progressiva extensão da duração da estação seca na Amazonia; mas
pode gerar surpresas decorrente da acumulação sinergisticas de vários
fatores, como parece ser a situação atual do sudeste.
Época- Há um limite? Quanto que a floresta tem que perder de cobertura
florestal ou quanto dela pode ser degradado até que essa função de
gerar umidade seja comprometida?
O
fato do sistema climático estar mostrando claros sintomas de desarranjo
já deve indicar que chegamos no limite. Cinco anos atrás, em entrevista
para o Jornal Valor, respondi pergunta similar, alertando já naquela epoca
que estávamos mto próximos do limite, a partir do qual veríamos mais e
mais desastres climáticos. Sem ter uma bola de cristal, meu palpite de
cinco a seis anos como um prazo curto para aparecerem os sintomas mais
fortes da destruição que estávamos infligindo ao berço esplêndido,
parece que acertou. Agora, a resposta sobre quanto tempo ainda temos é
um categórico: nenhum! Acabou-se o prazo para complacencia e
procrastrinação em relacao ao desmatamento. Eu nao saberia dizer se já
passamos do ponto de nao retorno, a partir do qual deceremos
forçosamente no abismo climático, mas quero crer que temos ainda a
oportunidade de mudar de curso e evitar o pior. Por isso proponho um
"esforço de guerra" no esclarecimento da sociedade, primeiro, e então
no combate vigoroso ao desmatamento. Mas somente zerar o desmatamento
para ontem já não será suficiente. Se queremos ter alguma chance de
sucesso, precisamos "replantar e restaurar" florestas por todo o Pais.
Essa a melhor apólice de seguro que podemos comprar.