Por Thays Prado
Produção: Rafaela Musto
No Ano Internacional das Florestas, o primeiro entrevistado do programa Ekos do Brasil é Antônio Donato Nobre, cientista da Terra e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Segundo ele, a única maneira possível de recuperarmos o equilíbrio do planeta é replantando florestas nativas. Afinal, elas possuem um grau de sofisticação tecnológica que o ser humano jamais será capaz de reproduzir.
Aprenda com o cientista sobre a importância das florestas.
Qual é a definição de florestas?
Floresta é um tapete multicolorido, vivo, extremamente rico, um tapete que tem 400 milhões de anos. Elas são uma colônia gigantesca de organismos que saíram do oceano e vieram para a terra. E dentro da folha existem condições semelhantes às da água do mar. Então, a floresta é um mar suspenso muito elaborado, muito adaptado. E essa colônia de organismos que tem a capacidade de fazer fotossíntese é responsável pelo oxigênio que a gente respira, pela estabilidade climática do planeta e pelo conforto que apreciamos na Terra e que é desconhecido fora da Terra. Se conversarmos com um astrônomo ou astrofísico, ele vai dizer que as condições de estabilidade climática, mesmo com os grandes acidentes naturais que presenciamos – tsunamis, tormentas, secas etc. –, isso é nada quando comparado ao que existe fora da Terra.
Qual é exatamente o papel das florestas para manter o equilíbrio terrestre?
O gás carbônico funciona como alimento para a planta. Quando ela o consome, faz madeira, folhas, frutos, raízes. Ao consumir o CO2, a concentração desse gás na atmosfera diminui. Com isso, o planeta esfria e a planta cresce menos, ou consome menos CO2 e o planeta esquenta. Então, ela funciona exatamente como um termostato.
Você costuma afirmar que a Amazônia não é simplesmente o pulmão do mundo. Qual é exatamente a função da Amazônia para o Brasil e para o planeta?
Os papéis são tantos que a gente ia gastar muito tempo falando dos papéis que a gente sabe, e olha que a gente sabe muito pouco ainda, estamos aprendendo. Quando começamos a entrar nos meandros da riqueza da floresta, é inevitável pensar: “Nossa, como é que nós, um dia, desmatamos?”. Porque isso é uma brutalidade. Hoje, olhamos para trás e falamos: “Como é que um dia a gente colocou seres humanos no porão de um navio, trouxe da África para a América e escravizou essas pessoas?”. Nós fazemos isso hoje, com todo o aparato legal que nós temos, nós cometemos uma atrocidade contra uma riqueza tecnológica incompreensível.
O senhor afirma que a energia captada pela floresta, para fazer evaporar, todos os dias, 20 bilhões de toneladas de água, é equivalente a 50 mil Itaipus. Isso significa que a tecnologia da natureza é insubstituível?
A floresta é o maior parque tecnológico que a Terra já conheceu, porque cada organismo lá é uma maravilha de miniaturização e manipulação de átomos e moléculas. Toda a pesquisa nanotecnológica, que recebe bilhões, se comparada a um simples micróbio ou à pontinha de uma folha, é patética, é ridícula. E com a nossa tecnologia, precisamos de uma estrutura monstruosa, sistema a vácuo, pinça a laser… Aquilo custa milhões, a gente consegue mover alguns átomos e é isso. A natureza, em temperatura ambiente, faz tudo isso numa complexidade extraordinária e ainda se reproduz.
As plantas na Amazônia tem antifúngicos poderosíssimos. Se uma pessoa tem um fungo de pele, você pega um extrato daquela planta, passa e acabou o fungo. Por quê? Porque as plantas da Amazônia têm que lidar com fungos o tempo todo, há milhões de anos. Elas inventaram soluções superinteligentes para lidar com isso. E isso é tecnologia que pode ser aproveitada pela indústria.
Então, se nos unirmos aos povos da floresta, fizermos uma universidade dentro da floresta, criarmos institutos e começarmos a estudar isso, aprender com quem sabe, com quem tem a noção intuitiva daquela sabedoria, daqui a pouco, teremos uma indústria pujante ligada à biodiversidade. E ninguém mais vai pensar em tirar aquela floresta para plantar soja. E não é que não precise plantar soja, mas vamos plantá-la nos lugares onde podemos plantar soja, e tem lugar de montão.
O senhor afirma que recuperar as florestas é a única maneira de restabelecer o equilíbrio climático. Fale sobre isso. O que podemos fazer efetivamente?
Podemos tentar recuperar as florestas que destruímos, e a natureza nos favorece nisso. É preciso reverter os desertos, as áreas que foram degradadas, enquanto é tempo, porque quando chega numa situação de Saara, não é possível reverter.
Nós temos essa capacidade de replantar florestas. No projeto Y Ikatu Xingu, os indígenas coletavam sementes das árvores nativas da floresta e os agricultores adaptaram uma plantadeira de soja para plantá-las. E eles recuperaram muitos hectares de uma floresta de galeria, porque reconheceram que foi um erro terem-na destruído.
Além disso, daqui a pouco, isso vai ser remunerado. Reconstruir os habitats vai gerar o que se chama de serviços ambientais. Nós estamos em um momento muito favorável e o mundo inteiro está demandando isso. Daqui a pouco, todas as empresas terão que colocar, em seus produtos, qual é o footprint (pegada) de floresta.
Reconstruir a floresta é a forma mais fácil de contrapormos um desequilíbrio de magnitudes nunca antes vistas. Eu não saberia dizer se isso vai resolver o problema, mas é a melhor opção que nós temos.
No Ano Internacional das Florestas, qual é a sua sugestão para revalorizarmos as florestas, que são tão importantes para o planeta como um todo?
Precisamos ligar a vida urbana com a vida rural, precisamos sentir empatia e simpatia pelos agricultores, de forma que eles percebam que a pessoa que vive no asfalto tem sensibilidade com a realidade que ocorre no campo. E todos juntos, entrarmos num grande projeto de reflorestamento nacional. Isso não vai tirar área para a agricultura. E, se a gente aplicar tecnologia, a agricultura vai aumentar sua produção, nos lugares que são adequados para isso.
Podemos usar a ciência e a tecnologia a serviço do esclarecimento e da otimização. Chamemos assim: paisagens produtivas. Não precisamos ter ou agricultura ou reserva florestal, com os ambientalistas protegendo a reserva de um lado e os agricultores querendo produzir de outro. Porque a reserva florestal é fundamental para a produção. A reserva produz água potável, produz oxigênio, limpa o ar, produz uma série de serviços que interessam à agricultura, interessam ao urbano, interessam a todo mundo. Então, vamos falar de paisagens produtivas, onde o ambientalista e o agricultor se dão as mãos vão trabalhar juntos. Nós estamos no mesmo barco, e o barco está afundando, precisamos encontrar soluções.
Produção: Rafaela Musto
No Ano Internacional das Florestas, o primeiro entrevistado do programa Ekos do Brasil é Antônio Donato Nobre, cientista da Terra e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Segundo ele, a única maneira possível de recuperarmos o equilíbrio do planeta é replantando florestas nativas. Afinal, elas possuem um grau de sofisticação tecnológica que o ser humano jamais será capaz de reproduzir.
Aprenda com o cientista sobre a importância das florestas.
Qual é a definição de florestas?
Floresta é um tapete multicolorido, vivo, extremamente rico, um tapete que tem 400 milhões de anos. Elas são uma colônia gigantesca de organismos que saíram do oceano e vieram para a terra. E dentro da folha existem condições semelhantes às da água do mar. Então, a floresta é um mar suspenso muito elaborado, muito adaptado. E essa colônia de organismos que tem a capacidade de fazer fotossíntese é responsável pelo oxigênio que a gente respira, pela estabilidade climática do planeta e pelo conforto que apreciamos na Terra e que é desconhecido fora da Terra. Se conversarmos com um astrônomo ou astrofísico, ele vai dizer que as condições de estabilidade climática, mesmo com os grandes acidentes naturais que presenciamos – tsunamis, tormentas, secas etc. –, isso é nada quando comparado ao que existe fora da Terra.
Qual é exatamente o papel das florestas para manter o equilíbrio terrestre?
O gás carbônico funciona como alimento para a planta. Quando ela o consome, faz madeira, folhas, frutos, raízes. Ao consumir o CO2, a concentração desse gás na atmosfera diminui. Com isso, o planeta esfria e a planta cresce menos, ou consome menos CO2 e o planeta esquenta. Então, ela funciona exatamente como um termostato.
Você costuma afirmar que a Amazônia não é simplesmente o pulmão do mundo. Qual é exatamente a função da Amazônia para o Brasil e para o planeta?
Os papéis são tantos que a gente ia gastar muito tempo falando dos papéis que a gente sabe, e olha que a gente sabe muito pouco ainda, estamos aprendendo. Quando começamos a entrar nos meandros da riqueza da floresta, é inevitável pensar: “Nossa, como é que nós, um dia, desmatamos?”. Porque isso é uma brutalidade. Hoje, olhamos para trás e falamos: “Como é que um dia a gente colocou seres humanos no porão de um navio, trouxe da África para a América e escravizou essas pessoas?”. Nós fazemos isso hoje, com todo o aparato legal que nós temos, nós cometemos uma atrocidade contra uma riqueza tecnológica incompreensível.
O senhor afirma que a energia captada pela floresta, para fazer evaporar, todos os dias, 20 bilhões de toneladas de água, é equivalente a 50 mil Itaipus. Isso significa que a tecnologia da natureza é insubstituível?
A floresta é o maior parque tecnológico que a Terra já conheceu, porque cada organismo lá é uma maravilha de miniaturização e manipulação de átomos e moléculas. Toda a pesquisa nanotecnológica, que recebe bilhões, se comparada a um simples micróbio ou à pontinha de uma folha, é patética, é ridícula. E com a nossa tecnologia, precisamos de uma estrutura monstruosa, sistema a vácuo, pinça a laser… Aquilo custa milhões, a gente consegue mover alguns átomos e é isso. A natureza, em temperatura ambiente, faz tudo isso numa complexidade extraordinária e ainda se reproduz.
As plantas na Amazônia tem antifúngicos poderosíssimos. Se uma pessoa tem um fungo de pele, você pega um extrato daquela planta, passa e acabou o fungo. Por quê? Porque as plantas da Amazônia têm que lidar com fungos o tempo todo, há milhões de anos. Elas inventaram soluções superinteligentes para lidar com isso. E isso é tecnologia que pode ser aproveitada pela indústria.
Então, se nos unirmos aos povos da floresta, fizermos uma universidade dentro da floresta, criarmos institutos e começarmos a estudar isso, aprender com quem sabe, com quem tem a noção intuitiva daquela sabedoria, daqui a pouco, teremos uma indústria pujante ligada à biodiversidade. E ninguém mais vai pensar em tirar aquela floresta para plantar soja. E não é que não precise plantar soja, mas vamos plantá-la nos lugares onde podemos plantar soja, e tem lugar de montão.
O senhor afirma que recuperar as florestas é a única maneira de restabelecer o equilíbrio climático. Fale sobre isso. O que podemos fazer efetivamente?
Podemos tentar recuperar as florestas que destruímos, e a natureza nos favorece nisso. É preciso reverter os desertos, as áreas que foram degradadas, enquanto é tempo, porque quando chega numa situação de Saara, não é possível reverter.
Nós temos essa capacidade de replantar florestas. No projeto Y Ikatu Xingu, os indígenas coletavam sementes das árvores nativas da floresta e os agricultores adaptaram uma plantadeira de soja para plantá-las. E eles recuperaram muitos hectares de uma floresta de galeria, porque reconheceram que foi um erro terem-na destruído.
Além disso, daqui a pouco, isso vai ser remunerado. Reconstruir os habitats vai gerar o que se chama de serviços ambientais. Nós estamos em um momento muito favorável e o mundo inteiro está demandando isso. Daqui a pouco, todas as empresas terão que colocar, em seus produtos, qual é o footprint (pegada) de floresta.
Reconstruir a floresta é a forma mais fácil de contrapormos um desequilíbrio de magnitudes nunca antes vistas. Eu não saberia dizer se isso vai resolver o problema, mas é a melhor opção que nós temos.
No Ano Internacional das Florestas, qual é a sua sugestão para revalorizarmos as florestas, que são tão importantes para o planeta como um todo?
Precisamos ligar a vida urbana com a vida rural, precisamos sentir empatia e simpatia pelos agricultores, de forma que eles percebam que a pessoa que vive no asfalto tem sensibilidade com a realidade que ocorre no campo. E todos juntos, entrarmos num grande projeto de reflorestamento nacional. Isso não vai tirar área para a agricultura. E, se a gente aplicar tecnologia, a agricultura vai aumentar sua produção, nos lugares que são adequados para isso.
Podemos usar a ciência e a tecnologia a serviço do esclarecimento e da otimização. Chamemos assim: paisagens produtivas. Não precisamos ter ou agricultura ou reserva florestal, com os ambientalistas protegendo a reserva de um lado e os agricultores querendo produzir de outro. Porque a reserva florestal é fundamental para a produção. A reserva produz água potável, produz oxigênio, limpa o ar, produz uma série de serviços que interessam à agricultura, interessam ao urbano, interessam a todo mundo. Então, vamos falar de paisagens produtivas, onde o ambientalista e o agricultor se dão as mãos vão trabalhar juntos. Nós estamos no mesmo barco, e o barco está afundando, precisamos encontrar soluções.