sábado, 11 de agosto de 2012

O Momento em que Vivemos: "desequilíbrio"

Entrevista – John P. Milton

O guru dos gurus
Por Cristina Tavelin
 

Se fosse escolher apenas uma palavra para descrever o momento em que vivemos, o americano John P. Milton não teria dúvidas: desequilíbrio. Os reflexos do termo ele enxerga no desgaste dos sistemas de suporte da natureza, no crescimento excessivo das cidades se sobrepondo ao meio ambiente, na desigualdade social e no sentimento de inadequação do próprio indivíduo. Para ele, as explicações sobre por que o mundo chegou a esse ponto de instabilidade generalizada são muitas. O momento, agora, é de perguntar como mudar esse cenário.

Segundo Milton – considerado um dos pioneiros da Ecologia e o primeiro a integrar o Council of Economic Advisers da Casa Branca, em 1970 –, a mudança deve começar pela reconexão com a fonte principal da vida. Ou seja, do ser humano com o meio ambiente e consigo mesmo.  Esse princípio vem do livro-base do Taoísmo, Tao Te Ching, no qual a natureza é descrita como imutável e a “fonte” como fundação infinita, amorfa e inominável permeando todas as formas de existência.  Não por acaso, o nome da organização criada por Milton – The Way of Nature Fellowship – foi extraído dessa obra.

Ao longo dos últimos 60 anos, as ideias visionárias de J.P. Milton, com inspiração na espiritualidade e nas filosofias orientais, vieram atraindo a atenção dos chamados “gurus da gestão de negócios”, como Peter Senge, Joseph Jaworski e Otto Scharmer. Hoje, ele procura levar seus ensinamentos aos executivos de grandes empresas globais. Após vivenciarem processos como o Sacred Passage, de imersão na natureza, e o Nature Quest, treinamento de conscientização e meditação, essas lideranças “têm mudado a forma de ver e fazer negócios” – acredita o guru dos gurus.

Membro fundador da organização ambientalista Friends of the Earth e da Academy for Systemic Change, iniciada por Peter Senge, Milton conversou com Ideia Sustentável durante sua última passagem pelo Brasil e falou sobre experiências com empresas nada sustentáveis, troca de valores entre Oriente e Ocidente e a ascensão dos princípios femininos – e de mulheres na liderança – para a evolução da sociedade.

Ideia Sustentável: Gostaria que o senhor falasse um pouco sobre o atual distanciamento entre o ser humano e a natureza. Quais dilemas enfrentamos por causa dessa desintegração?

John P. Milton: Há a causa e o modo como nos deixamos afetar pela desintegração. A causa, obviamente, é um pouco complexa.  Acredito que esteja relacionada ao fato de termos nos tornado muito confiantes. De algum modo, quando começamos a desenvolver o sentido de self (segundo o fundador da Psicologia Analítica, Carl Gustav Jung, o self representa o centro de toda a personalidade, o “si mesmo”, regido principalmente pelos instintos), a consciência de nosso ego (seguindo a linha de pensamento junguiana, o ego é a parte mais superficial do indivíduo e tem como algumas de suas funções a comprovação da realidade e o controle de impulsos) fica mais forte e passamos a ver a natureza como um objeto à parte de nós mesmos, a manipulá-la em favor de nossos propósitos. Dessa forma, perdemos a conexão profunda com o planeta e a experiência natural da unidade que nos levava a uma vida equilibrada e harmoniosa, com ligações mais naturais e ecológicas. Não se tem ecologia, relacionamento, equilíbrio ou respeito quando se trata algo como um objeto.

IS: Essa visão da natureza como objeto é uma consequência da sociedade de consumo?

JM: Certamente. A partir do momento em que desenvolvemos essa atitude mais precária do ego, isso se reflete em nossas filosofias, sistemas políticos e econômicos. Quando criamos culturas de alto consumo e dependência de objetos exteriores para fazer com que as pessoas sintam-se felizes, já estamos nos separando da vida natural. Se você tem uma vida ligada à comunidade, aos seus amigos, à família e aos seus vizinhos, leva uma vida mais feliz; se está perto da natureza, não precisa pagar pelo ar que respira e, em um ambiente normal, pela água que bebe. Quando se vive de modo a receber diretamente o que se precisa, não há necessidade de comprar um monte de coisas para ser feliz. Uma pessoa torna-se consumista quando está infeliz e tenta obter objetos externos para suprir essa falta… Já a felicidade é natural.

IS: Como poderíamos, então, entrar novamente em contato com a natureza e a espiritualidade mesmo vivendo em áreas metropolitanas? Isso é possível num sistema no qual as pessoas são educadas para servir ao mercado?

JM: Na Europa, a educação tende a promover ainda mais essa desconexão. Em meu país, Os Estados Unidos, muitas escolas não têm sequer uma janela. E o conteúdo ensinado foca-se na Matemática, Gramática, Literatura… Há um pequeno vislumbre da natureza em Biologia, mas mesmo nessa matéria o que se faz normalmente é pegar algum pobre animal, seja ele um sapo ou um rato, e dissecá-lo. Não se transmite o respeito e o apreço pela vida, algo que a educação deveria fazer. Se o fizesse, abriria uma porta para uma ligação mais profunda com o meio ambiente.

Nas cidades, há muitas pessoas e muitos carros. Penso que estamos criando uma outra forma de vida, baseada em chips de silício, computadores e motores de combustão interna. E nós, seres humanos, virando servos ou escravos dessas máquinas. A notícia boa é que podemos ter uma experiência de profunda reconexão com a natureza mesmo vivendo em uma metrópole: basta simplesmente reservar um pouco de tempo para isso, tirar alguns dias para estar em contato com a natureza e seguir algumas regras básicas para se conectar: a presença no “agora” e o relaxamento. Se você ama alguém, por exemplo, quer estar junto à pessoa e aprofundar esse relacionamento. O mesmo acontece com a natureza. Quando se deseja fazer uma conexão, é necessário dar-se um tempo para obter essa experiência. Sem celulares, câmeras. Hoje em dia há muitas distrações.

IS: A proximidade da morte muitas vezes leva as pessoas a refletirem sobre o significado da vida. O senhor acha que a sensação de “morte” do planeta, gerada a partir das mudanças climáticas e suas consequências, cria também uma necessidade de restabelecer o contato com a natureza?
 
JM: Sim, há uma verdadeira urgência nisso porque temos realizado experimentos em nós mesmos e na natureza e não fazemos ideia de qual será o troco disso tudo. Alteramos o clima, o teor de CO2 da atmosfera, derramamos veneno nos oceanos, bombardeamos nossos corpos com radiação, construímos reatores nucleares. Apenas uma dessas ações já teria um impacto muito ruim, imagine todas elas juntas! Nosso corpo, por exemplo, está à mercê de dezenas de impactos causados pela poluição. Fazemos o mesmo com o corpo do planeta. Estamos enfraquecendo os sistemas que produzem oxigênio, água e, claro, acreditamos que mesmo assim ficaremos imunes. Fazemos tudo isso para produzir e consumir. E por quê? Para poder comprar objetos que nos deixam felizes. Porém, ao processar objetos, produzimos a poluição despejada na Terra, deixando-a ainda mais arruinada. É algo estúpido. Não faz sentido. Portanto, a única maneira de mudar esse cenário é começar a perceber o erro e criar um tipo diferente de vida, primeiro, por meio de uma reconexão com a natureza e, em seguida, trocando ideias sobre novas maneiras de estabelecer um novo tipo de cultura mais harmoniosa com o planeta.

IS: Falemos agora sobre a sua troca de experiências com os grandes nomes da gestão dos negócios, como Peter Senge. Quando o procuraram, quais eram suas principais dúvidas e anseios? O que desejavam mudar? Quais as características comuns a esses pensadores com um nível avançado de consciência?

JM: Ninguém nunca me perguntou isso. É uma boa questão! Tenho atuado de maneira próxima a Peter Senge e já trabalhei no passado com Otto Scharmer, criador da Teoria U, Betty Sue Flowers, Joseph Jaworski e Adam Kahan. Todos estão fazendo um grande trabalho. Uma característica comum a todos eles é a preocupação com o que está à nossa frente. Eles perceberam que indivíduos, organizações e empresas se deparariam com um enorme impacto e todos sofreríamos com isso. Hoje, as empresas se comportam como um “câncer” no corpo do planeta. E o câncer pode matar seu hospedeiro. Ele domina o corpo e faz uma grande “festa” por algum tempo, mas, em seguida, o corpo morre, já que as células cancerosas não convivem em harmonia com o restante das células e tecidos.
Assim, indivíduos como Peter Senge e J. Jaworski perceberam que a cultura e as organizações caminhavam na direção de se tornarem mais parecidas com uma célula cancerosa; perceberam a necessidade de uma mudança no sentido de trabalhar de forma mais harmoniosa umas com as outras e com os sistemas de suporte ao planeta – por seu próprio interesse. Todos esses pensadores participaram do Nature Quest, do Sacred Passage ou do Awarness Training comigo para aprender e se aprofundar ainda mais sua conexão com a natureza. Eles incluíram algumas das ideias dessa experiência em seus materiais e na própria maneira de pensar. Como resultado, desde então, tenho trabalhado com um bom número de empresas tentando ajudá-las a concluir o mesmo processo como organizações globais. Abordo dois temas. Um deles é a conexão profunda com a natureza; o outro, a busca de maneiras para se obter uma conexão profunda com a “fonte” – um campo de pura consciência e espaço subjacentes a todas as formas de vida e bens materiais. Quando isso é canalizado, obtém-se um tipo poderoso de criatividade, ligada à Terra, a novas maneiras de pensar uma sociedade mais harmoniosa e equilibrada.

IS: Poderia citar alguns passos simples para o início de uma mudança interna de valores e atitudes?

JM: Pode-se começar a partir dos princípios universais do The Way of Nature Fellowship, elaborados para serem entendidos por qualquer pessoa, independentemente de seus antecedentes culturais ou religiosos. A partir deles é possível desenvolver os próprios princípios. Ao dominar as etapas de relaxamento e da presença, há uma série natural de estágios, começando com os relacionamentos, pela experiência da comunhão. Em uma casa, por exemplo, existe o aterramento elétrico para evitar choques. No corpo humano, isso também tem de acontecer. Quando não se canaliza isso, podemos ter “curto-circuitos”, sobrecargas, literalmente, com a quantidade enorme de ondas eletromagnéticas que recebemos de WiFis e celulares, por exemplo. Portanto, é preciso retomar o contato com a Terra para o corpo voltar ao equilíbrio. Os benefícios advindos da meditação, como silêncio e paz interior, são muito importantes nesse sentido. Esse é o começo. Quando não há meditação, não há espaço para concentra-se e se conectar em meio a tanto ruído.

IS: Quais conteúdos o senhor trabalha junto às organizações?

JM: Busco obter uma noção do que faz a empresa ou o seu líder se moverem, quais são seus principais desafios e, em seguida, olhos para seus pares. Juntamente com eles podemos ter alguma ideia sobre como mudar o rumo da organização para um caminho mais ecológico – tanto no que faz quanto no que toma da natureza, a forma como toma e o que pode devolver a ela. As empresas devem aprender a realizar algo ainda melhor a partir do que extraem do meio ambiente. Refletimos sobre como líderes e gestores podem viver uma experiência de conexão com a natureza e começar a repensar as empresas de maneira mais sustentável e criativa.

IS: Quais são os principais benefícios dessa imersão na natureza? Poderíamos dizer que o processo liberta os gestores de uma sensação ilusória de poder, desenvolvendo-lhes um senso de humildade?

JM: Sim. Esse é um ponto muito importante, porque muitas das organizações são demasiadamente hierárquicas, enquanto a natureza é comunitária. Quando Charles Darwin escreveu a teoria evolucionista, enfatizou a concorrência, a sobrevivência do mais apto. Mas, do ponto de vista de um ecologista, vejo que na maioria das vezes ela não diz respeito à concorrência e hierarquia, e sim à forma como uma espécie ajuda a outra, como trabalham juntas para dar suporte a todo o sistema. No caso de uma empresa ou organização é a mesma coisa. Depois da experiência de imersão na natureza, as pessoas começam a perceber que a relação cooperativa é muito mais forte do que a tentativa de domínio, controle e manipulação. A natureza é mais parecida com um sistema integral. Basicamente, toda organização saudável funciona de forma simbiótica. No meio ambiente, uma espécie oferece apoio à outra e ambas se beneficiam dos resultados. Um bom exemplo são os líquens, encontrados em rochas – organismos formados por fungos e certos tipos de algas. O fungo fornece a arquitetura, a casa, e as algas, o alimento – capturam-noo e cedem parte ao fungo. Eles não estão competindo. Simplesmente trabalham juntos, como uma equipe.

IS: A partir do momento em que esses gestores ou líderes de negócios desenvolvem um novo tipo de consciência, como podem influenciar toda a organização? Poderia citar alguns exemplos de empresas ou governos cujos líderes têm uma visão mais holística?

JM: Um exemplo clássico nos Estados Unidos é a Nike, que fez um trabalho muito bom em reciclagem, questões de justiça social e gênero, tornando-se mais equilibrada em seu estilo de liderança. Outra organização que espero que esteja na direção correta é a Apple, pois tem a oportunidade e a obrigação de tornar-se mais consciente em seu relacionamento com fornecedores na China, por exemplo, onde as condições de trabalho eram insustentáveis. Para tanto, a empresa está revendo todo o seu sistema para ficar atenta a qualquer problema. A Celestial Seasonings, fabricante de chás, também tem feito um bom trabalho na reciclagem de suas embalagens.

IS: O senhor já treinou líderes do setor de petróleo e do tabaco. Como foram essas experiências com empresas pouco ou nada sustentáveis?
 
JM: Trabalhei com empresas pouco conscientes na esperança de que talvez algumas mudanças pudessem ocorrer. A Philip Morris foi um caso interessante porque seu CEO passou por parte do processo de treinamento, mas quando percebeu a dimensão do impacto e o tipo de transformação proposta, achou difícil continuar. Uma mudança boa foi o fato de deixarem de ser apenas uma empresa de tabaco e se envolverem mais com outros tipos de negócio, como alimentos orgânicos e outros direcionamentos muito mais criativos para gerar uma contribuição à sociedade. Quando uma organização começa a estabelecer novos rumos, aberturas acontecem. Certa vez trabalhei com uma companhia de petróleo que mais tarde iniciou uma mudança muito ambiciosa, direcionando parte de seu capital para energias alternativas.

IS: Quais países, organizações ou indivíduos têm potencial para se tornarem grandes lideres globais?

JM: A China possui corporações controladas pelo Estado. Assim, o governo pode oferecer vantagens às empresas de lá que não se encontram em outros países. É muito mais difícil agir sem esse tipo de apoio. A desvantagem é que, por serem empresas estatais controladas, naturalmente não há nenhuma concorrência pura, o mercado de oportunidades não tem lugar. Mas há o lado positivo – também por serem estatais, elas podem responsabilizar-se como nação. O setor de energia solar, por exemplo, é muito importante, e deve haver bastante apoio para impulsioná-lo.

Um bom exemplo está na decisão de Barack Obama para tentar obter o maior apoio possível às energias alternativas por meio de uma declaração pública. Os combustíveis fósseis têm criado dois tipos de problema. Por um lado, eles mantêm a antiga dependência americana dos países do Oriente Médio e da Venezuela. Por outro, contribuem massivamente para a poluição e, consequentemente, as mudanças climáticas. Precisamos nos desvencilhar disso o mais rápido possível. Assim, o apoio de um líder ou um grupo de líderes à energia verde de forma ativa é essencial. Estamos em uma situação de crise em nossa relação com o planeta e precisamos de lideranças esclarecidas para guiar as empresas a formas de negócios mais verdes. Se ficarmos esperando que o funcionamento normal do mercado resolva os problemas, não haverá solução. Precisamos de técnicas e abordagens para que os líderes se tornem muito mais esclarecidos e iluminados em relação à natureza. Costumo dizer aos meus alunos americanos que o futuro do planeta está nas mãos de três países: China, Índia e Brasil. Essa é uma das razões pela qual desejava vir aqui.

IS: Na sua opinião, os países do Ocidente estão absorvendo algumas características importantes do Oriente, como a valorização da cultura e da espiritualidade, ou ainda não conseguem pensar a vida de maneira holística?

JM: Tenho duas perspectivas, uma mais positiva e outra negativa. Primeiro a negativa. O Oriente está começando a ficar realmente frenético, rápido, contraído e perdendo boa parte da beleza e da harmonia que possuía no passado. Embora o Ocidente tenha absorvido parte da sensibilidade da cultura oriental, também tem sido influenciado por alguns aspectos negativos, como o maior controle sobre a população por meio da manipulação da mídia. Antigamente, dizia-se que China e Rússia faziam “lavagem cerebral” nas pessoas. Hoje, o Ocidente, assim como o Oriente, também utiliza a mídia primeiramente para “travá-las” em uma determinada perspectiva; depois, os governos usam o controle dos meios de comunicação para controlar também as consciências.

Pela perspectiva otimista vejo que o Oriente está aprendendo algumas das habilidades práticas do Ocidente, como fazer bons negócios e ser um pouco mais “materialista” – no sentido de produzir mais alimentos e algumas das novas tecnologias de mídia social. Essa perspectiva está se espalhando agora em grande parte da Ásia e fornecendo um meio para o continente se tornar mais democrático, porque não há controle do governo sobre esse tipo de mídia social. Assim, elas permitem que a consciência evolua rapidamente. A China pode sofrer um bom impacto nesse sentido. Talvez não enxerguemos isso agora, mas essa mídia vai possibilitar um ponto de vista melhor e muito mais democrático ao país ao longo do tempo. Esperamos que seja de forma pacífica. Ainda nessa perspectiva, vejo tradições extraordinárias de sabedoria – o Taoísmo chinês ou o Budismo Hinayana, os ensinamentos do Buda tanto para a iluminação quanto para uma vida em harmonia com a natureza; ou ainda, o grande conhecimento de alguns dos povos indígenas do Tibete, da tradição Hindu. Todos são ensinamentos magistrais de como alcançar a essência. E estamos em um momento no qual temos uma necessidade urgente de acessá-la, pois criamos toda esta sociedade de alta tecnologia desconectada da natureza e de nós mesmos. O Oriente tem respostas para esse tipo de dilema há mais de mil anos, mas só agora contamos com professores que incorporam interiormente esses ensinamentos. Vemos surgir ocidentais com treinamento muito profundo nessas abordagens e que podem representar uma ponte entre os dois pólos. É um sinal de esperança, porque significa que começamos a ter pessoas dentro da própria cultura ocidental que ouviram alguns dos grandes segredos do Oriente e podem trazê-los exatamente no momento em que mais se precisa deles.

 IS: O senhor acredita que temos hoje espaço para pensar e tomar decisões com base na intuição e em outros aspectos subjetivos?
 
JM: Temos de fazer isso – começar a honrar muito mais o poder dos princípios femininos em todas as ações, em nossa espiritualidade, nos processos de governo, nas práticas de negócio. Uma das razões dessa discussão ser tão importante é que, se olharmos demais para o lado masculino, nosso comportamento torna-se insensível, agressivo. O relacionamento interpessoal e com planeta fica inapropriado. Precisamos ser mais sensíveis, comunicativos, sentir o mundo, desenvolver a receptividade – uma característica altamente evoluída do feminino que, quando cultivada, nos faz aprender a ouvir profundamente nós mesmo, os outros e a natureza. E precisamos disso para alcançar um tipo diferente de cultura. Sem o poder do feminino não será possível. Nas empresas, precisa-se dessa capacidade de ouvir profundamente a essência de si mesmo.

É como o Yin e o Yang (Yin e Yang representam o princípio da dualidade de acordo com a filosofia chinesa. Baseiam-se no conceito Tao, que deu origem à tradição filosófica do taoismo). Desenvolvemos o Yang a tal extremo que o Yin está clamando para ser solto e se expressar. Isso deve acontecer. Ensino, durante os treinamentos, algumas das práticas da arte marcial chinesa sobre como se tornar mais receptivo quando alguém o ataca e como essa receptividade permite uma conexão com o outro, fazendo com que o poder agressivo se perca no vazio. Assim, é possível captar a energia e transformá-la em uma força positiva, deixando tudo mais leve, quase como uma dança.

IS: Partindo dessa necessidade de ascensão dos princípios femininos, o número de mulheres na liderança de empresas e governos deve crescer nos próximos anos?

JM: Creio que sim. Seria adequado. Sabemos que há um papel claro para o masculino também, mas o que chamo de “homem iluminado” ou “homem liberto” surge apenas com a aceitação completa do “feminino sagrado”. A partir dessa experiência de receptividade profunda nasce um novo tipo de energia Yang, muito libertadora. A reação desse indivíduo torna-se muito mais sensível e intuitiva. Esse pensamento é apropriado tanto para as mulheres quanto para os homens. Na atualidade, muitas mulheres adotaram diversas características masculinas no jeito de ser – mais agressivas, duras ou blindadas, pensando que, dessa forma, se tornariam fortes e poderosas. O essencial é dominar a verdadeira natureza feminina. Esse aperfeiçoamento ajuda, naturalmente, a cultura a se transformar; e ela se transforma, parcialmente, por meio de uma aceitação do aspecto feminino altamente evoluído. Para isso precisamos da liderança feminina – especialmente daquelas mulheres que realmente abraçaram o feminino sagrado no nível mais profundo. E também precisamos de homens que façam o mesmo para que o masculino real e verdadeiro, o masculino “iluminado”, possa surgir.

IS: Qual a sua opinião sobre conferências como a Rio+20? O senhor acredita que elas tragam alguma mudança de fato?

JM: Tenho uma crítica sobre algumas dessas conferências. Várias decisões são tomadas antes que elas aconteçam. Dessa forma, o evento torna-se um carimbo para fazer com que as decisões de trás das portas sejam aceitáveis publicamente. E essa não é a forma correta de tomada de decisão. Um processo participativo e autêntico deveria vir do povo em um fluxo conjunto com os órgãos decisórios, assim ele seria realmente um reflexo da sociedade. Mas isso não tem acontecido.

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