06.08.2010 14:59
Diálogos Capitais
"Brasil e a energia do amanhã"
"Brasil e a energia do amanhã"
Apesar da dominância no mundo dos “beberrões”, dezenas de protótipos alternativos de motores eficientes e mais simples foram demonstrados ao longo dos anos (motores cerâmicos sem arrefecimento, motores radiais com pistões rotativos, motores de 6 tempos com injeção alternada de água, turbinas, etc.). Além destes, surgiram mais recentemente sistemas híbridos que combinam a tração elétrica (com baterias) a um gerador com pequeno motor a combustão que permite grandes autonomias (um protótipo do Mini roda 1500 km com um tanque de gasolina). Isso sem falar na solução maior em termos de eficiência: células de combustível que possam extrair o hidrogênio diretamente do etanol (ou gasolina), sem qualquer combustão, e produzir eletricidade para alimentar motores elétricos. O pano de fundo é que se toda a energia química contida no biocombustível fosse eficientemente aproveitada isso equivaleria a reduzir a área requerida de cultivo para um quarto ou menos da área hoje necessária. Já sabemos que os biocombustíveis somente poderão ser considerados seriamente na arena climática quando seu cultivo não ameaçar os biomas e seus serviços ambientais, também vitais para o clima, nem a produção de alimentos. Novos motores e soluções eficientes são, portanto, partes inseparáveis da equação dos bicombustíveis no contexto das mudanças climáticas. Percebendo esta inevitabilidade climática, parece que não existe uma montadora grande no mundo que não esteja ofegante na corrida para a construção dos novos veículos híbridos ou elétricos puros que possam salvar o clima e também seus próprios negócios. O que será dos biocombustíveis neste contexto instável e de rápida transformação tecnológica? Se permanecermos apegados as tecnologias velhas pode ocorrer o mesmo que passou com o disco de vinil e a fita de videocassete depois do CD e do DVD. Como na ficção que se torna realidade, quem se importará com o etanol se tiver um carro movido a energia nuclear parado na garagem?
Outra tecnologia velha que tem seus dias contados é a produção de etanol apenas da sacarose, sem aproveitar os carboidratos abundantes presos em cadeias maiores como na celulose do bagaço e da palhada. E este tópico é motivo para outra corrida tecnológica em curso no mundo, com centenas de grupos nas melhores universidades, institutos de pesquisa e laboratórios privados buscando desenvolver patentes sobre a quebra enzimática da celulose. Um cofre (celulose) pode ser aberto de duas formas, com explosivos (digestão ácida) ou com o segredo (quebra enzimática, aquilo que todos os organismos herbívoros, xilófagos e decompositores sabem fazer com maestria e incrível eficiência). Enquanto lá fora já registram muitas patentes na segunda modalidade, no Brasil engatinha-se. Será que o líder tecnológico na produção de etanol de cana se verá em poucos anos reduzido a condição de pagador de royalties? E quando a celulose dos resíduos agrícolas locais gerarem biocombustíveis a preços competitivos, como continuar no páreo mundial considerando os custos de transporte?
A mensagem aqui, portanto, é clara: o etanol produzido a partir de açúcares da cana (uma tecnologia que em essência não mudou muito desde as capitanias hereditárias) para motores a pistão (cuja tecnologia tampouco mudou muito desde o século 19) tem um espaço precioso como auxiliar na transição energética do mundo. Mas numa época de brutal quebra de paradigmas não devemos esperar que esse etanol de hoje torne-se o salvador do clima nem da lavoura amanhã. O Brasil mostrou ser o melhor neste negócio, com as aperfeiçoadas e sofisticadas tecnologias de ontem. Estará preparado para ser também um vencedor nos próximos negócios que virão, quando o terremoto climático em curso acelerar a produção em série de descobertas e implementações tecnológicas revolucionárias?
Para evitar que o bonde da historia nos pegue de calças curtas na condição de obsolescência e inadequação para um novo mercado ultra verde que vem por aí, manda a boa providencia que nos antecipemos. Pelo lado de quem produz, o etanol de celulose é só o começo. Métodos novos de conversão química ou bioquímica da biomassa devem levar a combustíveis de maior densidade energética. Quanto mais litros por hectare e mais energia por litro tanto menor a área plantada, menor o impacto nos biomas, maior o efeito benéfico para o clima e por conseqüência mais populares se tornarão os biocombustíveis. Pelo lado da aplicação, produzir motores de combustão interna mais eficientes, mais simples e mais baratos que os atuais é o mínimo ético para começar, dada as muitas soluções tecnológicas existentes, todas completamente ao alcance das montadoras que tiverem juízo. Mas o pulo do gato será qualificar tecnologicamente os biocombustíveis para se tornarem alternativas viáveis, seguras e vantajosas às baterias nas diversas variantes de veículos elétricos ou mesmo contribuírem como fonte de energia complementar nos novos veículos híbridos. Se soubermos inovar, e enquanto não chegarem os carros da famíliaJetson movidos a flúons, o futuro dos biocombustíveis tem tudo para ser brilhante.
Artigo por Antonio Donato Nobre (antonio.nobre@inpe.br) na Revista Opiniões, out-dez 2009 (www.revista.opinioes.com.br), numero especial sobre o etanol, a bioeletricidade e a mitigação das mudanças climáticas.