Agricultura de várzea não justifica redução de matas ciliaresAntonio Donato Nobre, Ricardo R. Rodrigues |
Valor Econômico - 24/08/2012 |
No país dos superlativos, o gigantismo do nosso sistema hidrológico
também entra no rol de maior do mundo: são mais de 9 milhões de
quilômetros de rios. Enfileirados dariam 220 voltas na Terra, ou
cobririam 22 vezes a distância à Lua. Da estabilidade, vigor e saúde
desses rios dependem o suprimento das cidades, a segurança hidrológica,
a geração de eletricidade, a irrigação na agricultura e a
sobrevivência de preciosa biodiversidade. As bacias hidrográficas
adequadamente florestadas, como ainda vemos em parte da Amazônia, mantém
rios ricos e saudáveis. No contraponto, as terras agrícolas degradadas
e os efluentes urbanos e industriais tem péssimas consequências.
A destruição indiscriminada dos ecossistemas resulta sempre em elevados prejuízos. Com a degradação das terras, das águas, do clima e da biodiversidade surgem múltiplos impactos na saúde e também consequências econômicas, nem sempre devidamente reconhecidas ou contabilizadas. A complacência com a destruição é herança da mentalidade colonial europeia e da revolução industrial, dois aríetes históricos que deixaram um rastro de destruição mundo afora. Mas a consciência sobre a necessidade de preservação das florestas não é recente nem é um luxo urbano. Em 1537 o governador desta colônia portuguesa, Duarte Coelho, determinou: "E assim mando que todo povo se sirva e logre dos ditos matos,..., tirando fazer roça que não farão,... e... árvores maiores... não cortarão sem minha licença..., porque tais árvores são para outras coisas de maior substância..., e assim resguardarão todas as madeiras e matos que estão ao redor dos ribeiros e fontes." Em meados do século XIX, D. Pedro II, premido pela degradação da água que abastecia o Rio de Janeiro, desapropriou fazendas no maciço da Tijuca e mandou reflorestar a mata Atlântica. Hoje, como no tempo do descobrimento, fluem cristalinas as águas alí. Como resposta a séculos de abuso, o primeiro código florestal de 1934 já veio tarde. O desrespeito generalizado ao "resguardo das madeiras e matos ao redor de ribeiros e fontes" comprometeu águas por toda parte. E para azar dos rios, o despejo crescente de esgotos e todo tipo de contaminantes somou-se à centenária erosão das terras desnudas. O código florestal evoluiu no interesse do bem comum, peitando a arraigada mentalidade desmatadora, oferecendo assim um mínimo de proteção para as florestas, e com elas para as águas e para os rios. Apesar disso, para muitos a lei era regra de papel, e as florestas continuaram a tombar. Acumulou-se extenso passivo de ilegalidade nas propriedades, situação colocada em evidencia pelo eficiente cerco de fiscalização e punição dos anos recentes. A reação no setor rural foi curiosa: se a obediência é inescapável, então desconstrua-se a lei. Suportados por uma azeitada máquina política no Congresso e investindo pesado em retórica, lideranças deste setor vem tentando justificar o afrouxamento na lei.
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Coletânea de artigos selecionados por sua veracidade e importância para as questões ambientais no Brasil e no Mundo.