segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Vende-se um Código Florestal (para se liquidar o que resta)

por Juliete Oliveira*

1326 Vende se um Código Florestal (para se liquidar o que resta)

Em um jogo de estranhas ambiguidades, como omitir a venda de consciências e escrúpulos, é colocada em pauta, mais uma vez, pelo legislativo brasileiro a revisão do Código Florestal e, com ele, no lugar da razoabilidade de argumentos e do consenso em torno da questão, a produtividade de truculências e a coerção ilegítima.

Em que pese a verdade de que o todo tem primazia sobre cada uma das partes que o compõem, a execrável proposta de revisão no Código Florestal busca trabalhar esquartejadamente questões em que só o todo produziria heterogeneidades credíveis. Sendo a proposta resultado de uma “ideologia” que julga não ser necessário pensar o futuro, porque julga saber tudo a respeito dele e o concebe como uma inspiração linear, automática e infinita do presente.

O escritor Walter Benjamin pensava que a Segunda Guerra Mundial tinha privado o mundo das relações sociais pelas quais as gerações anteriores transmitiriam o seu saber para as seguintes: “Tornamo-nos pobres. Fomos abandonando um pedaço de herança da humanidade após outro, tivemos muitas vezes de a depositar na casa de penhores por um centésimo do seu valor, para receber de volta as moedas sem préstimo da atualidade”.

Compreendemos que a este mesmo destino estão fadados os biomas brasileiros, impedidos que estarão de transmitir grande parte de sua herança biológica aos descendentes natimortos – porque eles estão postos à venda e impelidos a desaparecer, pelo novo Código.

Em uma visão que se revela do futuro, quase sempre omitida nos arraiais políticos e pela grande mídia, creio poder interpretá-la assim: para os burocratas do legislativo e os senhores do agronegócio (leia-se também, altos acionistas das concessionárias de energia hidrelétrica), há uma ordem, uma única ordem possível: o lucro. O senhor Aldo Rebelo tornou-se, como o relator da revisão do Código Florestal determinado a aprová-la, o disc jockey animador dessa turma desenvolvimentista.

Nesse ponto da encenação e dos truques do poder, se descortina a crise da ideia do progresso e desenvolvimento, como diria Boaventura de Sousa, e com ela a crise da ideia de totalidade que a funda. A visão abreviada do mundo foi tornada possível por uma concepção do tempo presente que a reduz a um instante fugaz entre o que já não é e o que ainda não é. Aprovar a proposta do Código Florestal é agir de um modo a se pregar e bater em um piano com um martelo, e não perceber que a pobreza da experiência não é a expressão de uma carência, mas antes a expressão de uma arrogância, a arrogância de não querer ver e valorizar a realidade da vivência das diversas culturas e do passado do homem do campo, apenas porque não escapam à razão com que são capazes de identificar, valorizar e medir a natureza pelas leis do latifúndio e do mercado.

* Publicado originalmente no blog In-di-gestão Pública.

Código Florestal – o que a ciência tem a dizer


por José Goldemberg*
1 300x150 Código Florestal   o que a ciência tem a dizer

Há mais de um ano que as discussões sobre a reforma do Código Florestal dominam os trabalhos do Congresso Nacional e ocupam um lugar considerável nos meios de comunicação. O substitutivo de Aldo Rebelo polarizou os debates e acabou levando o próprio governo a uma séria derrota, quando foi aprovado por grande maioria da Câmara dos Deputados.

Praticamente ignorado em toda a discussão foi um interessante relatório preparado por um grupo de trabalho da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC), que reúne os dados científicos básicos sobre o que se sabe a respeito das florestas brasileiras e as razões por que elas precisam ser protegidas.

O Código Florestal envolve um grande número de interesses e visões conflitantes de ambientalistas, ruralistas, grandes proprietários, assentados rurais, populações indígenas e outros grupos, sendo função legítima do Congresso estabelecer as regras que conciliem esses interesses em maior ou menor grau. Os interesses envolvidos vão dos motivados por considerações econômicas pragmáticas aos mais gerais, como proteção da biodiversidade e até da paisagem. Contudo, não se pode ignorar na discussão o que a ciência tem a dizer, o que torna o Código Florestal diferente de outros códigos, como o Código Civil ou o Tributário, que definem apenas regras de comportamento social ou econômico.

No caso de florestas, decisões equivocadas podem implicar sua destruição, o que poderá ter consequências irreversíveis que afetarão não só a atual geração, mas também gerações futuras. Neste caso, é essencial adotar o Princípio da Precaução, que foi incorporado à Convenção do Clima adotada na Conferência do Rio, em 1992, e ratificada pelo Congresso Nacional. O que esse princípio nos diz é que, “quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”. Em outras palavras, é melhor prevenir do que remediar.

Isso não foi feito no passado e levou a Mata Atlântica, que se estendia ao longo de 17 Estados, desde o Piauí até o Rio Grande do Sul, praticamente à extinção. Restaram apenas 11,4% da área original. E muitas das áreas desmatadas deixaram de ser utilizadas, como é o caso de grandes extensões que foram usadas para cafezais no passado e hoje jazem abandonadas no Vale do Paraíba. O mesmo está ocorrendo em grande escala no Pará, onde metade da cobertura florestal já foi eliminada.

Esta é precisamente a situação que enfrentamos agora em relação à floresta amazônica. Existem ameaças sérias à preservação dessa floresta e cabem medidas para prevenir que elas se materializem, uma vez que sua recuperação – estimada em R$ 12 mil por hectare – supera em muito o custo do desmatamento.

Exemplo é dado pela maneira como o substitutivo Aldo Rebelo trata a faixa de proteção ao longo dos cursos d’água (matas ciliares) com menos de cinco metros de largura. No substitutivo, ela é reduzida para 15 metros, medida a partir do leito menor; no Código Florestal vigente, a faixa de proteção é de 30 metros a partir do nível mais alto.

O que a ciência nos diz é que cursos d’água de menos de cinco metros de largura compõem mais de 50% da rede de drenagem do país, e a redação proposta resulta numa redução bruta de 31% da área protegida pelo Código Florestal vigente. Esta modificação conflita frontalmente com dados que são discutidos no documento da SBPC/ABC: as matas na faixa de proteção reduzem a concentração de poluentes químicos nos rios causada pelo vazamento de fertilizantes das áreas agrícolas próximas de suas margens. Mais ainda, as matas ciliares reduzem a erosão e a perda de solo de forma significativa. Não é apenas a biodiversidade que existe nas matas ciliares e a sua beleza que precisam ser protegidas, mas o próprio curso d’água.

Vários outros casos são apresentados no documento da SBPC/ABC, justificando, por exemplo, por que áreas de proteção permanente são importantes. Mesmo quando compensadas fora da propriedade agrícola – o que é previsto no substitutivo –, elas devem necessariamente sê-lo na mesma região, com características adequadas (o mesmo bioma), e não em regiões distantes, ou em outros Estados. Caso contrário, é inútil protegê-las, porque a vida silvestre não sobreviverá. Além disso, as áreas protegidas precisam ser interligadas por corredores ecológicos, dos quais as matas ciliares são em geral os mais adequados.

A Amazônia é uma região onde está ocorrendo uma expansão rápida da fronteira agrícola, como ocorreu também em outros países. O caso mais conhecido é o dos Estados Unidos, há cerca de 150 anos, mas ela não foi predatória, porque a propriedade da terra foi sempre bem definida e respeitada. Segundo alguns analistas, este é o calcanhar de Aquiles de qualquer política fundiária para a Amazônia. Sem definir claramente a posse da terra e regularizá-la, a “grilagem” continuará a fazer avançar a fronteira agrícola.

Como se sabe, a ocupação das terras (frequentemente públicas e de custo zero) passa pelas seguintes etapas: extração da madeira de lei, instalação da pecuária e, em seguida, uma agropecuária mais moderna, principalmente soja, ou, em muitos casos, o abandono da terra degradada. Esta é uma combinação imbatível, uma vez que o risco econômico é muito baixo. Ela gera lucros rapidamente e o consequente avanço da fronteira agrícola, levando ao abandono das áreas desmatadas, como já ocorreu com a metade do Estado do Pará.

É isso que precisamos evitar. Mas o substitutivo do atual Código Florestal aprovado na Câmara vai na direção contrária e não deveria ser votado no Senado antes de os cientistas da SBPC/ABC serem ouvidos.

* José Goldemberg é professor da Universidade de São Paulo e membro da Academia Brasileira de Ciências. Em 2008, recebeu o Prêmio Planeta Azul, considerado o Nobel do Meio Ambiente.
** Publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo.

Os Barões da Aprendizagem

Como as editoras acadêmicas adquiriram poderes feudais?

Nota do Blog: Artigo transferido para meu outro blog, Bondade Aviltada (aqui).

Futuro ameaçado

25/09/2011 - 09:00 (Míriam Leitão)

“Dizem que vai chover neste fim de semana”, me diz, esperançoso, o motorista da Globo em Brasília. Quem vem à capital sempre, como eu faço há três décadas, percebe que as secas têm piorado. O ar em Brasília esteve irrespirável nesta estação em que no centésimo dia sem chuva nasceu minha neta Manuela. Os governantes não têm ideia de que é preciso mitigar os efeitos do clima.

Os governantes que administram a capital concretada no Planalto Central, e que dirigem o país de tão abundante biodiversidade, não parecem ter muita noção das necessidades impostas nestes tempos de mudança climática. Um estudo do Imazon e do Proforest, comparando vários países, dá uma noção de como o debate no Brasil se passa como se fosse travado por alienistas.

O Brasil quer mais facilidade para desmatar, quando inúmeros países que já desmataram estão reconstruindo cobertura florestal. A capital sofre rigores da seca, que fica pior a cada ano, e nunca pensou que pode tomar medidas de mitigação para o futuro que será de piores extremos.

Quando a umidade do ar este ano chegou a 10%, senti aqui o que só havia sentido no deserto da Arábia Saudita. A mãe da presidente chegou a ser internada; a filha de cinco anos de uma ministra sangrava pelo nariz todas as noites. Quem chega de fora sente que tem piorado muito. Puxa-se o ar e é como se ele tivesse dificuldade de entrar nos pulmões, a mucosa nasal fica irritada, a coriza aumenta como numa crise alérgica, a garganta queima, a pele coça, o corpo pesa.

Tudo isso é tratado com naturalidade. E não é normal. Brasília sempre teve invernos secos com calor de dia e frio à noite. O fogo começa em algum lugar, de repente. Uma das queimadas que vi jogou para o ar material particulado que me provocou uma forte reação alérgica. Tudo tem ficado pior a cada ano e a cidade está mergulhada em discussões que parecem bizarras para quem chega de fora e tem noção do contexto.

Os governantes querem autorizar um estacionamento numa área de preservação perto do aeroporto, querem um shopping sobre nascentes que alimentam o Parque Olhos D’Água, na Asa Norte, e a Floresta Nacional vai minguando por ocupações e incêndios. Há uma guerra de pareceres sobre se a água que surge no parque é nascente ou de origem fluvial. É água numa terra calcinada, é isso que importa. Uma foto exibida na sexta-feira no Bom Dia DF mostra como partes do parque que tinham nascentes foram cimentadas para construções. O governo não se dá conta de que é preciso urgente adotar medidas de mitigação para enfrentar secas mais secas e mais longas. É preciso mais cobertura vegetal em Brasília e não mais concreto.

O Brasil inteiro trabalha na direção contrária à lógica e ao bom senso. Este ano o desmatamento está aumentando. No mínimo, o governo deveria se preocupar com a imagem externa, afinal o Brasil está na vitrine por hospedar no ano que vem a Rio+20.

O debate do Código Florestal ressuscita argumentos do século passado sobre as florestas como impedimento ao progresso. Santa Catarina passou por duas enchentes terríveis, a Região Serrana do Rio soterrou moradores, o caudaloso Rio Negro na Amazônia vive mais uma seca recorde que o transformou num fio d’água. E mesmo assim, o Brasil quer menos áreas de preservação permanente (APP).

Brasília e Brasil têm o mesmo comportamento alienado. É como se as mudanças climáticas não estivessem em nossos calcanhares, ameaçando o futuro dos brasileiros que nascem hoje. Minha primeira neta, Mariana, aos 5 anos, tem mais consciência ambiental do que a maioria dos senadores que está hoje discutindo o Código Florestal. Ela é que alerta os pais e avós sobre separação de lixo e detesta histórias em que os bichos morrem. O futuro não nos pertence — é das crianças — mas sobre ele tomamos decisões perigosas e insensatas.

O estudo do Imazon e Proforest nasceu de uma dúvida que surgiu numa reunião do Greenpeace. Será mesmo verdade que o Código Florestal, com as restrições que querem flexibilizar, só existe no Brasil, como a jabuticaba? Quando os ruralistas dizem que um código assim só existe no país querem facilidade para desmatar, perdão para quem desmatou. Quando os ambientalistas estufam o peito e dizem que uma legislação boa assim é criação brasileira se enfraquecem sem saber. O estudo compara legislações do mundo e conclui que o desafio em todos os países é proteger e aumentar coberturas florestais. Estamos na contramão da História.

O estudo foi feito por Ruth Nussbaum, do Proforest, afiliado à Universidade de Oxford, na Inglaterra, e Adalberto Veríssimo, do Imazon. Mostra que quase todos os países seguiram a mesma trilha: aumentaram o desmatamento no começo do século XX, depois estabilizaram e, em seguida, iniciaram programas de reconstrução das coberturas florestais. O Brasil ainda permanece preso à primeira fase e nos últimos anos tudo o que teve para comemorar foi queda do ritmo da destruição. Este ano nem isso poderá comemorar porque o desmatamento aumentou.

O estudo, que será divulgado no começo de outubro, traz estatísticas e constatações. A primeira é que as leis nos países analisados — Estados Unidos, Inglaterra, China, Holanda, Alemanha, entre outros — favorecem o aumento da cobertura e não o contrário; a segunda é que o desmatamento zero é possível; a terceira é que floresta é riqueza e não obstáculo.

O cerrado que queima no coração do Brasil, a Amazônia que tomba ao ritmo de 10 mil km2 por ano, os últimos fragmentos da frágil Mata Atlântica precisam que o Brasil veja o futuro que se aproxima.

sábado, 24 de setembro de 2011

Despachando os políticos para a Lua...




Você desenvolve uma consciência global instantânea, uma intensa insatisfação com o estado do mundo, e uma compulsão para fazer algo a respeito. De lá fora, da lua, a política internacional parece tão mesquinha... 


...Você quer então agarrar um político pelo cangote e arrastá-lo um quarto de milhão de milhas lá para fora e dizer-lhe: "olhe isso, seu filho de uma cadela".

Astronauta Edgar Mtichell
da Apollo 14

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Sociedade do risco e o consumo de alimentos orgânicos

por Patricia Fachin, do IHU On-Line

O Brasil possui uma área de mais de 880 mil hectares destinada à agricultura orgânica, mas “isso representa apenas 0,33% do total da área agrícola do país”, informa o sociólogo Eduardo Moro.

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Em contraposição à alimentação fast food, a procura pela alimentação orgânica tem crescido consideravelmente em diversos países do mundo. Escândalos alimentares ocorridos na Europa nos anos 1980, o clima de insegurança, as “dúvidas quanto à capacidade dos peritos em prever ou mesmo controlar incidentes envolvendo o consumo de alimentos” e as incertezas da sociedade do risco, teoria abordada por Ulrich Beck, contribuíram para que os consumidores repensassem as práticas alimentares, diz Moro à IHU On-Line.

Apesar de a agricultura orgânica ter avançado nas últimas décadas, e de “mais de 60 milhões de hectares serem destinados” a essa prática, apenas dez países lideram a produção de alimentos orgânicos e “são responsáveis por quase 75% do total. (…) Esses dados evidenciam, por um lado, limitações da agricultura orgânica, mas também, ao mesmo tempo, oportunidades de desenvolvimento em outras partes do planeta”, assinala o sociólogo na entrevista a seguir, concedida por e-mail.
Ao analisar a agricultura orgânica brasileira, Moro diz que os desafios estão na produção e na comercialização dos alimentos. Para se desenvolver, esse modelo agrícola precisa de subsídio estatal, especialmente durante o período de “conversão, ou seja, quando o agricultor passa sua produção de convencional para orgânica”. Em relação à comercialização, “o desafio está no fortalecimento do mercado interno. (…) Os relatórios internacionais apontam que 70% a 90% da produção brasileira de alimentos orgânicos é destinada à exportação”, aponta.

Eduardo Moro é graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), mestre e doutorando em Sociologia Política pela mesma instituição. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Sociologia Ambiental, atuando principalmente nos seguintes temas: alimentos orgânicos, supermercados, riscos alimentares, consumo alimentar e consumidores.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como se caracteriza um alimento orgânico? Quais são as regras para se produzir um alimento orgânico?

Eduardo Moro – A partir da década de 1990, inúmeros países passaram a debater definições, normas e regras ligadas à produção e à comercialização de alimentos orgânicos. A partir destes debates, uma série de legislações passaram a vigorar, cada uma delas com especificidades inclusive no que se refere às terminologias e às definições de alimento orgânico. O que no Brasil é chamado de orgânico, por exemplo, pode ser encontrado como ecológico ou biológico em outras partes do mundo. Portanto, não existe uma única definição de alimento orgânico, tendo em vista que podem variar de país para país.
Em uma análise recente, baseada em publicações oficiais de países da América Latina e União Europeia, além de Estados Unidos e Canadá, bem como de organizações ligadas à agricultura orgânica no Brasil e no mundo, destaquei quatro aspectos que penso estarem, em maior ou menor grau, presentes na maioria das definições investigadas e que contribuem para formular uma definição “geral” de agricultura orgânica, nos moldes da pergunta. O primeiro deles é mais específico e se refere à não utilização de insumos químicos na produção. Já os demais envolvem uma perspectiva social, uma econômica e outra ambiental, ou ecológica. Esta última pode subdividir-se ainda em proteção do solo, dos recursos hídricos e na defesa do bem-estar animal.
Especificamente no caso do Brasil, acredito que a construção da definição de agricultura orgânica dá seu primeiro grande passo a partir dos debates que originaram a Instrução Normativa 007, de 17 de maio de 1999. O segundo e definitivo passo ocorre com publicação da lei n. 10.831, de 23 de dezembro de 2003, regulamentada em 27 de dezembro de 2007 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A definição presente na lei refere-se à utilização de técnicas que visam à sustentabilidade econômica e ecológica em contraposição a materiais sintéticos, organismos geneticamente modificados e radiação ionizante. É importante ressaltar que a produção e a comercialização de alimentos orgânicos envolve ainda inúmeros outros aspectos que se referem à certificação, ao transporte, ao armazenamento, etc., que deram origem a novos documentos que vêm sendo discutidos até os dias atuais.

IHU On-Line – A que você atribui o crescimento da produção e consumo de alimentos orgânicos no mundo?

Eduardo Moro – Não tenho dúvidas de que o crescimento da produção e do consumo de alimentos orgânicos ocorre por diversos fatores. Uma única razão não dá conta de explicar tal fenômeno, sobretudo dada a especificidade de cada país e a forma como cada cultura percebe a sua alimentação. Portanto a resposta que darei aqui não é a única, mas é talvez umas das mais aceitas na literatura internacional. Para muitos europeus, a década de 1980 ficou marcada pelos diversos escândalos alimentares, o mais importante deles possivelmente tenha sido a encefalopatia espongiforme bovina, conhecida como a “doença da vaca louca”. Tais acontecimentos trouxeram à tona um clima de insegurança e dúvidas quanto à capacidade dos peritos em prever ou mesmo controlar incidentes envolvendo o consumo de alimentos. Trouxeram também em seu bojo transformações marcantes nos hábitos alimentares de parte importante da população de alguns países, especialmente aqueles cujas organizações de consumidores eram mais estruturadas e atuantes. Esse cenário favoreceu a inserção dos alimentos orgânicos na dieta de muitos consumidores, tidos como mais seguros, saudáveis e livres de qualquer tipo de contaminação. Contudo, essa explicação não se aplica ao Brasil, por exemplo. Acredito que aqui o crescimento tenha se dado muito mais por uma oportunidade de mercado, como uma tendência trazida pelas redes internacionais de supermercados (assunto que ainda pretendo discutir) e como uma oportunidade na exportação de alimentos orgânicos para grandes mercados consumidores.

IHU On-Line – Quais são os desafios da produção e do consumo de alimentos orgânicos?

Eduardo Moro – Ainda que a agricultura orgânica tenha tido um grande avanço nas últimas décadas, ainda há um longo caminho a ser percorrido. Apesar de atualmente mais de 60 milhões de hectares serem destinados à agricultura orgânica em todo o mundo (incluindo áreas de extrativismo sustentável e em processo de conversão), os dez países líderes em produção são responsáveis por quase 75% do total. Mais do que isso, de um mercado com receita anual superior a US$ 54 bilhões, 97% deste montante está concentrado na Europa e nos Estados Unidos. Esses dados evidenciam, por um lado, limitações da agricultura orgânica, mas também, ao mesmo tempo, oportunidades de desenvolvimento em outras partes do planeta.

No Brasil, o caso não é muito diferente, pois, apesar de o país possuir uma área de mais de 880 mil hectares destinada à agricultura orgânica, isso representa apenas 0,33% do total da área agrícola do país. Da mesma forma, há um caminho longo a ser percorrido. Mas, tratando especificamente dos desafios do Brasil, acredito que eles residam tanto na produção como na comercialização. Não sou muito otimista quanto ao desenvolvimento da agricultura sem subsídios do Estado. Especialmente no caso da agricultura orgânica, sou ainda mais enfático ao defender o apoio do governo, sobretudo no período compreendido como “conversão”, ou seja, quando o agricultor passa sua produção de convencional para orgânica. Esse período de tempo varia de acordo com o cultivo a ser desenvolvido e o uso anterior da unidade de produção (sendo no mínimo de 12 meses), que é quando o produtor encontra dificuldades de comercializar seu produto por não ser considerado ainda um produtor orgânico.

No que concerne à comercialização, o desafio está no fortalecimento do mercado interno. Uma das grandes dificuldades em pesquisar agricultura orgânica no Brasil sempre foi a ausência e a confusão de dados acerca da produção e da comercialização. Digo isso, pois os relatórios internacionais apontam que 70% a 90% da produção brasileira de alimentos orgânicos é destinada à exportação. Embora ainda não possua todos os dados empíricos necessários, as pesquisas realizadas nos últimos anos junto ao Instituto de Risco e Sustentabilidade (IRIS-UFSC) me levam a questionar tal fato. Penso que o mercado interno brasileiro está sendo subestimado. Apesar disso, acredito também que um dos desafios da agricultura orgânica no Brasil resida justamente em mensurar de maneira clara esse mercado e, a partir disso, elaborar estratégias envolvendo poder público e privado para fomentar a venda de tais alimentos e assim popularizar cada vez mais a agricultura orgânica nas diversas regiões do país.

IHU On-Line – Se, por um lado, cresce a produção de alimentos orgânicos, por outro, o Brasil é um dos maiores usuários de agrotóxicos. Como o senhor explica essa questão?

Eduardo Moro – Mesmo me considerando um otimista quanto ao crescimento da agricultura orgânica nos próximos anos, acho pouco provável que ela venha a se tornar o modelo dominante de agricultura no país. Portanto, não me surpreende que o Brasil apresente – por um lado – o crescimento da agricultura orgânica e – por outro – mantenha-se como um dos maiores usuários de agrotóxicos do planeta. A agricultura orgânica encontra-se em um processo de implementação no Brasil e rivaliza com modelos de produção consolidados e amplamente utilizados desde a Revolução Verde. Não podemos esperar que em um curto período a agricultura orgânica promova reduções drásticas na utilização de agrotóxicos, mas “apenas” que se mantenha enquanto uma alternativa economicamente viável e ambientalmente sustentável para aquele produtor que esteja disposto a buscar novas alternativas. Porém, repito que isso será possível somente com planejamento, contando com apoio e diálogo do poder público e da indústria privada.

IHU On-Line – Qual o papel dos supermercados na oferta de alimentos orgânicos?

Eduardo Moro – Tomando de empréstimo as palavras da professora doutora Julia Guivant, o crescimento dos supermercados levou feiras livres e lojas especializadas a ocuparem um papel secundário na venda de alimentos orgânicos no Brasil. A própria pesquisadora demonstra a importância dos supermercados através de pesquisas em supermercados no Rio de Janeiro, São Paulo e Florianópolis. Justamente na capital catarinense é que realizei minha primeira pesquisa relacionando alimentos orgânicos e o papel dos supermercados no ano de 2006. Naquela oportunidade, visitei doze lojas de sete diferentes redes de supermercados presentes na região, e pela primeira vez presenciei in loco o crescimento na oferta de alimentos orgânicos (principalmente vegetais in natura) nas gôndolas dos supermercados. Uma das conclusões daquele trabalho foi de que a cidade de Florianópolis possuía um mercado consolidado, podendo ser comparado em diversos aspectos com capitais mais populosas, como São Paulo e Rio de Janeiro.

Alimentos orgânicos nos supermercados

No ano seguinte, voltei a campo, ampliando a pesquisa para as capitais dos estados que compõem a região sul. Novamente pude constatar a presença de alimentos orgânicos na maioria dos supermercados, assim como a crescente oferta de produtos processados em gôndolas não refrigeradas. Mais do que isso, pude observar o papel destacado das grandes redes de supermercados internacionais, que não focavam sua oferta em determinadas cidades ou regiões dos estados. Ao contrário, passavam a inserir os alimentos orgânicos em políticas de venda que envolvia todo o conjunto de lojas.
Recentemente, vale ressaltar, surge uma tendência importante na venda de alimentos orgânicos: a comercialização em “pequenos supermercados” ou “supermercados de bairro”. Embora ainda não tenha realizado nenhuma pesquisa acerca desse tema, acredito que essas lojas passam gradativamente a aderir à venda de alimentos orgânicos. Mas o mais importante é o que está por trás do avanço dos supermercados. É fundamental considerar que a relação entre supermercados e consumidores se dá numa perspectiva de ganho para todas as partes, ou seja, ao passo que consumidores demandam alimentos orgânicos e reivindicam a existência destes nas gôndolas do supermercado, consumidores “comuns” – que não teriam informação ou mesmo interesse em buscar alimentos orgânicos em outros canais de venda – “convertem-se” em compradores dada a oferta. Sob essa ótica, a inserção dos supermercados traria uma relação de ganho, para os produtores, para os próprios supermercados e para os consumidores.

IHU On-Line – Quais as implicações dos alimentos geneticamente modificados na agricultura orgânica?

Eduardo Moro – Minha intenção aqui não é debater os possíveis riscos ou benefícios dos organismos geneticamente modificados. Restrinjo-me a responder como imagino que os transgênicos podem implicar na produção e na comercialização dos alimentos orgânicos. Conforme a lei 10.831, a chamada “Lei dos Orgânicos”, é proibida a utilização de qualquer organismo geneticamente modificado na produção orgânica. Essa informação é central. Diante disso, os transgênicos surgem como um entrave para o avanço da agricultura orgânica. No que se refere à produção, por exemplo, há o risco de contaminação de uma lavoura orgânica pelo pólen oriundo de culturas transgênicas, tanto através de vetores abióticos como biológicos. Já no mercado alimentício, os transgênicos surgem como mais uma opção e passam disputar a atenção de parte importante dos consumidores nas gôndolas dos supermercados. Parece-me claro que, até o momento, o consumidor adepto a um “estilo de vida” dito saudável tem evitado o consumo de transgênicos. Entretanto, devemos considerar o caráter heterogêneo do consumidor no Brasil e os diferentes graus de informação. Diante disso, para muitos indivíduos que poderiam vir a se “converter” em consumidores de alimentos orgânicos, os transgênicos surgem como nova opção de compra.

IHU On-Line – A expansão do agronegócio brasileiro impede ou prejudica de alguma maneira a produção de alimentos orgânicos?

Eduardo Moro – Dentre os diversos grupos ou “correntes” que defendem a agricultura orgânica no Brasil, alguns defendem que a venda seja mantida num modelo “tradicional”, ou seja, em pequenas feiras livres,  com contato direto com o produtor, mantendo relações de proximidade e confiança entre aquele que compra e aquele que vende. Em contrapartida, outros defendem que a produção orgânica seja inserida no agronegócio do país, comercializada em redes de supermercados, certificada por agências especializadas e exportada para grandes mercados consumidores. Essas perspectivas dicotômicas divergem também quanto à expansão do agronegócio. Acredito que o crescimento do agronegócio no país pode representar uma oportunidade para a agricultura orgânica desde que haja incentivo governamental aos pequenos produtores, que a produção atenda às exigências de certificação dos mercados internacionais e de que o mercado interno aquecido contribua na absorção da produção. Portanto, o destaque da produção agrícola brasileira pode contribuir para o aumento na produção, exportação e comercialização de produtos orgânicos, mas para isso necessita-se de planejamento e apoio.

IHU On-Line – Quais setores agrícolas costumam investir na produção orgânica?

Eduardo Moro – No ano de 2003, logo que comecei a pesquisar sobre a oferta de alimentos orgânicos em feiras livres e em supermercados, os principais produtos ofertados eram vegetais in natura dispostos a granel, embalagens plásticas ou em bandejas de isopor. Os produtos mais comuns eram verduras e legumes (como alface, brócolis, couve, repolho, rúcula e outras), ervas (como hortelã, endro, manjerona, entre outras) e frutas (principalmente ameixas e laranjas). Grande parte desses itens era produzida por pequenos e médios agricultores, organizados em cooperativas ou associações e certificados de forma participativa. Com o passar dos anos, novos itens somaram-se aos que citei anteriormente, sobretudo alimentos processados, como açúcar, farinha, biscoitos, sucos, arroz, achocolatados, cafés, entre outros. Neste caso, a produção passou também a envolver empresas de médio e grande porte, tanto aquelas de nome conhecido no mercado, que adotaram a chamada produção “paralela”, como por empresas dedicadas exclusivamente à produção orgânica. Não vou detalhar aqui as consequências desta transformação, embora tenha se tornado visível a proliferação de itens e marcas de alimentos orgânicos nas gôndolas dos grandes supermercados.

IHU On-Line – Como a teoria de Ulrich Beck pode ser aplicada à produção de alimentos orgânicos?

Eduardo Moro – O alemão Ulrich Beck publicou em 1986 um livro (traduzido para o inglês em 1992) que tornou bastante conhecida a premissa de que viveríamos em um período que denominou de modernidade tardia, caracterizado como uma “sociedade do risco”. Na obra, Beck diferencia os riscos de períodos pré-modernos daqueles presentes nos dias atuais, dando destaque aos que envolvem o meio ambiente e que trazem consigo uma série de transformações na sociedade moderna.
Em 2010, o autor escreveu um novo livro com o intuito de “atualizar” a primeira versão e passou a discutir também os riscos gerados pelo terrorismo, marcado pelos ataques de 11 de setembro. Em termos gerais, algumas coisas que falei anteriormente podem ser relacionadas com a teoria de Beck. Muitos dos escândalos alimentares que ocorreram nas últimas décadas trouxeram à mente das populações riscos antes inimagináveis. Esses riscos globais e de graves consequências, “democráticos” em um sentido negativo e, muitas vezes, imperceptíveis pela ciência moderna geraram um cenário altamente favorável para a adoção de hábitos alimentares mais seguros. A crescente “encenação” (ou como diria Beck, “escenificação”) dos riscos no cotidiano dos consumidores de diversas partes do mundo trouxe profundas transformações nos hábitos alimentares, como a diminuição no consumo de carne, por exemplo, ou a adoção de uma dieta composta com alimentos orgânicos. Mesmo sem ter lido Beck, atualmente os consumidores estão conscientes dos riscos alimentares como uma nova forma de risco.

IHU On-Line – Qual costuma ser o perfil dos consumidores de alimentos orgânicos?
Eduardo Moro – Analisando as principais pesquisas que investigam os consumidores de alimentos orgânicos no Brasil e no mundo, arrisco-me afirmar que a maioria delas está centrada na distinção entre valores individuais e/ou coletivos. Em outros termos, pesquisadores investigam se a compra ocorre motivada pelo cuidado com a saúde (do consumidor ou de sua família) e/ou pela proteção ao meio ambiente. Os resultados variam consideravelmente, embora apontem predominantemente para indivíduos inseridos no primeiro grupo (ligados a valores individuais). Em número reduzido surgem pesquisas que investigam possíveis perfis, sobretudo baseados em indicadores socioeconômicos, ou elaboram tipologias dos consumidores de alimentos orgânicos. No Brasil são bastante comuns em meios de comunicação e até mesmo em trabalhos acadêmicos afirmações generalistas baseadas em dados como sexo, idade, renda e escolaridade. Uma delas é que os consumidores de alimentos orgânicos são preponderantemente mulheres, de faixa etária entre 35 e 50 anos, possuidores de um elevado nível de escolaridade e com alta renda. Acredito que tais informações são apenas pistas acerca de um grupo que acredito ser bem mais heterogêneo e repleto de especificidades. Nos últimos anos, novas pesquisas vêm sendo desenvolvidas, algumas delas trazendo novidades em termos metodológicos e na abrangência dos indivíduos investigados, o que poderá contribuir num futuro próximo na percepção de quem são os consumidores de alimentos orgânicos no Brasil.

* Publicado originalmente no site IHU On-Line.

O Veneno está na Mesa

O Brasileiro toma na média 5,2 litros de agrotóxicos por ano!

O Veneno Está na Mesa (Parte 04)

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Adiada votação de parecer sobre Código Florestal

Projeto no Senado teve novas alterações do relator


Novo pedido de ‘vista coletiva’ sobre o projeto de reforma do Código Florestal (PLC 30/2011) levou ao adiamento, por mais uma semana, da votação da matéria na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Essa decisão foi motivada por duas modificações feitas pelo relator, Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC), em seu substitutivo e que foram apresentadas pelo próprio senador durante reunião nesta quarta-feira (14).

Na primeira mudança, Luiz Henrique retirou do texto a possibilidade de os governadores definirem situações em que a vegetação de Áreas de Preservação Permanente (APPs) poderia ser suprimida. A possibilidade havia sido incluída pelo relator na primeira versão de seu voto, quando ele acrescentou ao artigo 3º do projeto o detalhamento das hipóteses de utilidade pública, interesse social e atividade de baixo impacto social que poderiam motivar a intervenção em área protegida.

Com a modificação apresentada nesta quarta, o relator mantém regra prevista na legislação em vigor, segundo a qual a autorização para uso de APP é prerrogativa exclusiva da União. Ao defender as alterações, o senador argumentou que as mesmas resultavam de entendimento mantido com a ministra do Meio Ambiente, Izabela Teixeira.

A descentralização de poder na regulação ambiental, prevista na primeira versão do relatório de Luiz Henrique e defendida por ele em diversas ocasiões, foi questionada em debate realizado com juristas nesta terça-feira (veja mais abaixo detalhes). Os especialistas alertaram para o risco de conflitos entre normas fixadas pela União e normas que passariam a ser definidas pelos estados, apontando ainda a possibilidade de disputas interestaduais.

A outra modificação anunciada pelo relator é um ajuste na redação do parágrafo 5º do artigo 33, pelo qual serão convertidas em serviços de preservação ambiental as multas que incidirem sobre imóvel rural que aderir ao Programa de Regularização Ambiental.  Na reunião da CCJ, Luiz Henrique afirmou que esta e outras mudanças propostas por ele em seu relatório seriam ajustes para aprimorar a técnica legislativa, de forma a evitar que a matéria "transborde aos tribunais”.

Novo CFB fere a Constituição

 
O projeto do novo Código Florestal Brasileiro (CFB), aprovado na Câmara e que tramita no Senado, fere o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, garantido pela Constituição. Esta é a opinião de Cristina Godoy Freitas, promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo, e Mário José Gisi, subprocurador-geral da República.

Eles participaram nesta terça (13) de audiência conjunta das comissões de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), de Meio Ambiente (CMA), de Ciência e Tecnologia (CCT) e de Agricultura (CRA), para discutir o projeto de reforma do código. “O legislador constituinte fez opção expressa de defesa do meio ambiente. É uma cláusula pétrea, não pode ser modificada”, explica Cristina Godoy.
Para a promotora, o texto fere o dispositivo constitucional ao prever a regularização das atividades agropecuárias em Área de Preservação Permanente (APP) consolidadas até julho de 2008. A norma, na opinião de Mário José Gisi, "é uma afronta à sociedade brasileira".

Gisi manifestou ainda receio quanto a riscos à proteção dos topos de morros, defendendo a doção de normas para ajudar a reverter a destruição de áreas montanhosas. “São imagens tristes, de morros 'derretendo', APPs descuidadas”, disse, citando como exemplo região entre o Rio de Janeiro e São Paulo de antiga ocupação com o cultivo de café.

Outra preocupação dos representantes do Ministério Público diz respeito às mudanças nas faixas de mata ao longo dos rios. No código em vigor, a APP é definida a partir do leito maior do rio. Já o projeto determina que a mata seja medida a partir da calha regular do rio. “Com isso, várzeas ficarão desprotegidas e cursos d'água terão suas APPs diminuídas”, diz a promotora.

Ela afirma ainda que, se transformado em lei, o texto também resultará em redução da proteção ambiental por excluir da lista de APPs os cursos d'água sazonais ou intermitentes, aqueles que correm em alguns períodos do ano.


Com informações da Agência Senado

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Para juristas, Código Florestal estimula desmatamento, fere Constituição e anula compromissos do país

[14/09/2011 11:25]
 
Audiência pública com juristas, Ministério Público e especialistas, nesta terça-feira (13/9) reforçou opiniões de que o projeto do novo Código Florestal (PLC 30/2011), aprovado na Câmara e agora discutido no Senado, fere a Constituição, favorece desmatamento, anistia desmatadores irregulares e esvazia compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. Ao final da audiência, a senadora Kátia Abreu discutiu com um dos convidados e levou bronca de colega senador.



Juristas, promotores e especialistas na audiência pública (Foto: Márcia Kalume/Agência Senado)


Para reforçar o entendimento de que a ocupação de áreas de proteção permanente nos morros – nos moldes admitidos pelo novo texto do Código Florestal – têm causado tragédias em algumas regiões do país, o professor e doutor em direito ambiental Paulo Affonso Leme Machado advertiu: “Cada morro que rolar, o senador que tiver assinado um texto fraco será coautor das mortes que ocorrerem.”
Machado participou nesta terça-feira (13/9) da audiência pública promovida por comissões do Senado encarregadas de discutir as mudanças no Código. Além dele, participaram como convidados a promotora de Justiça Cristina Godoy de Araújo Freitas, do Ministério Público de São Paulo, o subprocurador-geral da República, Mário José Gisi, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim – que é também ex-ministro da Justiça e da Defesa – e o ministro do Superior Tribunal de Justiça Antônio Herman de Vasconcelos Benjamin.

Os dois representantes do Ministério Público, Cristina e Gisi, enfatizaram que o projeto em discussão fere o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, garantido pela Constituição.Para a promotora, isso se dá com a regularização das atividades agropecuárias em áreas de preservação permanente (APPs) consolidadas até julho de 2008. O subprocurador concordou, classificando a norma como “uma afronta à sociedade brasileira”.

“Se formos admitir a figura da área rural consolidada, que seja pelo menos até a edição da Lei 7.803/89, que ampliou as APPs”, opinou Gisi. Ele ainda defendeu a adoção de normas para ajudar a reverter a destruição de áreas montanhosas.

Outra preocupação dos representantes do Ministério Público diz respeito às mudanças nas faixas de mata ao longo dos rios. No código em vigor, a APP é definida a partir do leito maior do rio. Já o projeto determina que a mata seja medida a partir da calha regular do rio. “Pelo novo texto, várzeas ficarão desprotegidas e cursos d’água terão suas APPs diminuídas”— disse a promotora.

Compromisso internacionais

Gisi lembrou que o Brasil, como signatário de tratados internacionais incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro como normas internas, sobretudo o Pacto de San José de Costa Rica e o Protocolo de San Salvador, precisa observar tais princípios no processo de alteração do Código Florestal. “Não pode haver retrocesso, pois o país assumiu compromissos.”
Ele citou ainda a Convenção Internacional de Combate à Desertificação: “O projeto de reforma do Código Florestal não prevê qualquer obrigação de recuperação das áreas degradadas, seja pelo particular, seja pelo poder público”. O subprocurador também citou a Convenção das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, onde o Brasil se comprometeu a reduzir as emissões de gases geradores de efeito estufa em 38% até 2020. “Mas, o país caminha em sentido contrário aos compromissos que assumiu”, afirmou.
A promotora Cristina Godoy citou exemplos em todo o país de redução inevitável, em especial nas áreas de proteção permanente. No caso dos reservatórios artificiais ela exemplificou: “Na barragem de Sobradinho, na Bahia, hoje, com APP de 100 metros, teria 28,7 mil hectares de proteção, mas com o novo texto a exigência de proteção cairia para 4,3 mil hectares.” Em outros caso, como na Serra do Guararu, região de Guarujá, litoral de São Paulo, a área de proteção cairá para 1% apenas do que é exigido pelo atual código, revelou ela. “Segundo o IPEA, as porcentagens de áreas de reserva legal que serão perdidas com a proposta seriam de 13% na Amazônia, 48% na caatinga, 18,5% no cerrado, 45% na mata atlântica e 5% no pantanal”, disse ela.

Fabricante de seca

O professor Paulo Affonso apresentou às comissões sete propostas de mudanças no projeto. Ao justificar, por exemplo, a mudança no texto que trata de manejo sustentável, comentou: “As florestas não são protegidas só pelo seu próprio valor, mas porque são protetoras das águas e da estabilidade do solo. Com um mínimo de conhecimento, as pessoas sabem que eliminar a área de preservação permanente é abrir a porta para o deserto. Quem destrói a floresta de preservação permanente é um fabricante de seca.”

Da mesma forma, ao tratar de áreas consolidadas, disse que o texto cria a anistia sem utilizar esse nome: “Perdoar não significa entender que tudo está certo e que se pode fazer o que quiser, ainda que cause prejuízo. O perdão admissível é o que leva a alguma reparação da falta. O projeto de lei introduz um conceito de anistia sem usar esse nome.”

Nas modificações, ele sugeriu ainda a eliminação do artigo 10º, que trata das áreas consolidadas em bordas dos tabuleiros ou chapadas, no topo dos morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de cem metros. Citando as tragédias do RJ, Paulo Affonso afirmou: “Legalizar uma atividade tão perigosa fere a organização do país, pois incentiva a ilegalidade e encoraja a prática de comportamentos desrespeitosos ao meio ambiente.”

Rigor na definição de conceitos

Convidado pela senadora Kátia Abreu, que é presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), o ex-ministro Nelson Jobim conclamou os senadores a serem rigorosos na definição de conceitos e expressões e a evitar conflitos estaduais. “Se adotarem expressões e conceitos dúbios, o Código vai provocar questionamento judiciário, vocês vão transferir suas responsabilidades para os juízes. Não transfiram para o poder executivo ou para o juiz o que vocês podem resolver aqui.”

O subprocurador Gisi acrescentou: “A falta de implementação dos programas de recuperação ambiental resulta da morosidade do poder executivo em regulamentar as políticas públicas relacionadas à gestão ambiental. Há necessidade de se estabelecer, na lei, a data para início da implementação desses programas, e não transferir essa competência ao executivo”.

Mário Gisi ainda destacou os efeitos do PLC 30/2011 nas áreas de reserva legal: “Na prática, diminui em 50%.” E considerou inaceitável a recomposição por espécies exóticas. “É plenamente aceitável e razoável que se estabeleçam mecanismos de aproveitamento da madeira ou de uso daquela área, todavia, com espécies nativas, com projeto submetido ao Sisnama [Sistema Nacional do Meio Ambiente]”.

Incentivos à recuperação

A previsão, no novo Código, de mecanismos de incentivo para a recuperação de áreas protegidas, ao lado das medidas de comando e controle, foi outro aspecto bastante citado na audiência pública. O senador Eduardo Braga (PMDB-AM), sugeriu medidas como redução de taxas de juros de programas de crédito e compensações tributárias para aqueles que protegem os recursos naturais.

Em resposta às senadoras Ana Amélia (PP-RS) e Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), sobre a omissão do Código em relação às cidades, Herman Benjamin, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), lembrou que tramitam no Congresso diversos projetos sobre o tema. “A Lei de Parcelamento do Solo Urbano, por exemplo, está aguardando votação na Câmara”, disse.
Para ele, esgotar o assunto no Código Florestal deixaria de fora outras possibilidades constantes nos projetos. O ministro sugere que o assunto esteja previsto na nova lei, mas com a possibilidade de regulação em lei específica.

União versus estados

Uma das principais controvérsias na discussão do novo Código é a questão dos limites da União e dos estados para legislarem sobre o assunto. O senador Luiz Henrique (PMDB-SC), que é um dos relatores da proposta, pretende ampliar a atuação dos estados. Já o professor Paulo Affonso afirmou que não pode haver conflito entre as normas fixadas pela União e as normas formuladas pelos estados. O ministro do Superior Tribunal de Justiça Herman Benjamin disse que o novo código deve fixar exigências mínimas que terão de ser respeitadas pelos estados. E o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim ressaltou que a legislação não pode levar a disputas interestaduais.

Encerrada a audiência, a promotora Cristina Godoy disse, em entrevista ao ISA, que a sociedade pode reagir, caso o Senado ignore as advertências da ciência e dos juristas e aprove um texto que represente retrocesso na proteção ambiental. “Existem diversas possibilidades de analisar a constitucionalidade da lei que vier a ser aprovada. Isso pode ser feito por uma ação direta, ou difusamente, pelo promotores de Justiça, em cada uma das ações ou termos de ajustamento de conduta firmados pelo Ministério Público.”

Votação imprevisível

De acordo com os senadores que participaram do debate ontem, as divergências registradas na audiência podem levar a Comissão de Constituição e Justiça a pedir o adiamento da votação do relatório do senador Luiz Henrique na reunião desta quarta-feira (14/9). A secretaria da CCJ disse ao site do ISA que ainda não há qualquer decisão sobre votar ou adiar. Isso só acontecerá durante a reunião, que começa às 10 horas.

Senador critica senadora

A senadora Kátia Abreu foi duramente criticada por seu colega Pedro Taques (PDT-MT) depois que impediu o subprocurador Mário Gisi de responder a um questionamento dela. “Agora o senhor não vai falar não. Eu o ouvi e agora o senhor vai me ouvir”, disse ela ao representante do MPF. A senadora não havia gostado da fala de Gisi, que definiu como predatória a agricultura praticada extensivamente no Brasil, com excesso de uso de agrotóxicos.

Kátia Abreu rebateu: “Agrotóxico para o senhor não deve ser problema porque ganha R$ 20 mil e pode comprar orgânicos que custam 160% mais caro.” O senador Pedro Taques protestou e lembrou que o regimento do Senado recomenda tratar os convidados com urbanidade e respeito: “Quando vim para o Senado, jurei respeitar o regimento interno. Não jurei seguir o estatuto da CNA” , disse o senador, referindo-se ao cargo da senadora como presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil. “E o senhor não deveria ter jurado o corporativismo de ficar aqui defendendo a sua turma”, respondeu ela, referindo-se à condição de Taques como ex-membro do MP, quando era procurador.

“Quem tem turma é vossa excelência”, rebateu o pedetista, enquanto o presidente Rodrigo Rollemberg punha fim ao desentendimento.

Universitários cobram

Os membros do Comitê Universitário em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável do Distrito Federal encaminharam carta-aberta ao senador Jorge Viana (PT/AC) e à ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira solicitando as razões que levaram os dois a elogiar o relatório do senador Luiz Henrique (PMDB/SC)sobre o Código Florestal.

O documento é assinado por dez centros acadêmicos da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade Católica de Brasília (UCB) e questiona “como, ao mesmo tempo que se dizem defensor e defensora do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, podem elogiar um relatório que beneficia e incentiva aquelas e aqueles que praticaram o desmatamento ilegal”. Leia aqui a íntegra da carta.

(Com informações da Agência Senado.)

ISA, Julio Cezar Garcia.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Belo Monte confirma a energia da colônia

04/7/2011 - 08h41
por Lucio Flavio Pinto*

Se a hidrelétrica de Belo Monte, a maior obra de infraestrutura em andamento no Brasil, é inviável, como apregoam os seus críticos, por que o governo a aprovou, por que há empresas privadas interessadas nela e tantos técnicos – e mesmo cientistas – se manifestam em defesa do projeto?

113 300x183 Belo Monte confirma a energia da colônia

A resposta a essa pergunta fundamental serve de prova dos nove da operação. Muitos reagem com aprovação imediata à iniciativa. Afinal, ela não passou pelo teste dos engenheiros e matemáticos? Logo, tem consistência.

Tudo que é sólido, porém, se dissolve no ar, advertiu o filósofo da crítica radical (aquela que pega os fatos por sua raiz). Belo Monte pode se enquadrar nesse truísmo. Mas, para que a sua equação funcione, é preciso que a incógnita permaneça irrevelada até o fim, fim esse que corresponde ao fato consumado, ao leite derramado, à morte de Inês no poema formador da língua, agora em processo de deformação.

Esta incógnita é o governo. Belo Monte devia fazer parte de uma nova família, criada pela política de privatização do Estado dos social-democratas tucanos e mantida, com atualizações e adequações, pelos antigos jovens turcos petistas (hoje mais para nouveaux riches, quando não arrivistas). O Estado recuaria para a função reguladora e as empresas particulares assumiriam a vanguarda do processo econômico. Colocariam no jogo o que é sua razão de ser (e, por suposto, sua supremacia): o capital de risco.

Mas metade das ações da Norte Engenharia, que já começou a construir a usina de Belo Monte, no Rio Xingu, é da Chesf, a empresa federal de energia do Nordeste. Estatais e fundos de previdência são também os maiores acionistas das empresas que constroem as hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio, no Rio Madeira, em Rondônia.

Ao invés de assumirem o comando das obras, as empresas privadas retroagiram à sua função original, de empreiteiras, conforme o velho modelo capitalista, refinado durante o regime militar (1964-1985). Algumas delas (nem sempre as principais) mantiveram participação no capital das concessionárias de energia para atuar com mais desenvoltura no futuro, quando o investimento estiver amortizado e for o momento de faturar tarifas das mais caras do planeta.

Não podia ser de outra forma? Na ótica delas, não. Em dez anos, o orçamento de Belo Monte saltou de R$ 10,4 bilhões para R$ 31,2 bilhões. Quanto será o valor de chegada? No caso da hidrelétrica de Tucuruí, que deu a partida com US$ 2,1 bilhões, o custo final ultrapassou US$ 10 bilhões. No orçamento de Belo Monte não está incluída a linha de transmissão (que, na melhor das hipóteses, sairá por mais de dois terços da obra de geração) e alguns outros itens milionários.

Uma das causas dessa triplicação entre 2001 e 2011 é a complexidade do projeto de engenharia. Originalmente, o projeto seguiria o esquema convencional. Como alagaria área enorme e precisaria de mais de um barramento rio acima, provocou grande reação na opinião pública. Para não criar grandes reservatórios, o desenho foi modificado.

O tamanho da área de inundação diminuiu significativamente, mas teve efeitos adversos. Sem retenção de água, a usina passará a funcionar com água corrente. Como no verão a vazão do rio é mínima, a hidrelétrica ficará paralisada durante três ou quatro meses. Com isso, a média de energia que poderá gerar estará abaixo de 40% da sua capacidade nominal. Isto significa quilowatt mais caro. Muito mais.
Além disso, um complicado sistema de diques terá que ser construído para manter a vazão lateral do rio até a casa de força, onde estarão as 20 enormes turbinas. Diante da complexidade do desafio, ninguém poderá garantir que não haverá vazamento. Será mais um fator de perda de energia a complicar a viabilização do negócio.

Para que o projeto não fosse à ruína, além de assumir o controle acionário da empresa responsável pela obra, o governo garantirá o financiamento. O BNDES se comprometeu a entrar com 80% do custo de Belo Monte. Como é uma despesa gigantesca, o dinheiro sairá do caixa do tesouro nacional, fonte de R$ 200 bilhões incorporados ao banco nos últimos dois anos (recorde em todos os tempos). Se o equilíbrio financeiro ficar ameaçado ou for comprometido, sabe-se de onde virá a salvação.

Trata-se mesmo de uma tarefa salvífica, missionária. É o que explica o desdém de todos os participantes do projeto pelas exigências prévias para o licenciamento ambiental. A licença foi dada mesmo com o óbvio descumprimento das cláusulas acertadas com o Ministério Público Federal. A presunção é de que o governo, grande ausente na área, agitada pela iminência da grande obra, surgirá de súbito para fazer o que não foi feito. A fundo perdido.
 
Sua atitude não será a socialização dos prejuízos e privatização dos lucros, tão reprovável quanto contumaz? Talvez seja, mas para o governo o que importa é a meta traçada no novo Plano Decenal, apresentado no final do mês passado: extrair da Amazônia, em 2020, 23% das necessidades brasileiras de energia. A participação atual da região é de 10%.

Se acontecer esse incremento, de 265%, com a oferta de mais 28 mil megawatts extraídos dos rios amazônicos, as participações das demais regiões cairão: do Sudeste/Centro-Oeste, de 60% para 46,6%; e do Sul, de 16% para 14% (apenas o Nordeste terá um ligeiro aumento, de 14% para 17%).

A Amazônia se tornará, de vez, na grande província energética brasileira. Cederá a força motriz da sua bacia hidrográfica, a maior do mundo, para ser transformada em produtos acabados a milhares de quilômetros de distância. Não era exatamente esse o paraíso vislumbrado por Euclides da Cunha um século atrás. Mas seu vaticínio se realizará: será um paraíso perdido. Pobre Amazônia rica.

* Lúcio Flávio Pinto é jornalista paraense e publica o Jornal Pessoal.
** Publicado originalmente no site Adital.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O MANIFESTO DA "SLOW SCIENCE"

Nós somos cientistas. Nós não blogamos. Nós não twittamos. Fazemos as coisas a nosso ritmo.

Mas não nos levem a mal - dizemos sim para a ciência acelerada do início do século 21. Dizemos sim ao constante fluxo de publicações revisadas por peer-review e a seu impacto; dizemos sim para blogs de ciência e para a necessidade de mídia e de relações públicas; dizemos sim à crescente especialização e diversificação em todas as disciplinas. Nós também dizemos sim para que a investigação retroalimente na saúde pública e na prosperidade futura. Todos nós estamos neste jogo também.

No entanto, sustentamos que isto não pode ser tudo. A ciência precisa de tempo para pensar. Ciência precisa de tempo para ler, e tempo para falhar. A ciência nem sempre sabe o que pode ser crucial agora. A ciência se desenvolve de modo inconstante, com movimentos bruscos e saltos imprevisíveis para a frente - ao mesmo tempo, no entanto, arrasta-se progredindo em uma escala de tempo muito lenta, para a qual deve haver espaço e para a qual a justiça deve ser feita.

A ciência lenta foi praticamente a única ciência concebível por centenas de anos; hoje, argumentamos, ela merece ser revivida e necessita proteção. A sociedade deve dar aos cientistas o tempo necessário, mas mais importante, os cientistas devem fazer a seu ritmo.

Precisamos de tempo para pensar. Precisamos de tempo para digerir. Precisamos de tempo para nos desentendermos, especialmente quanto a promoção do diálogo perdido entre humanidades e ciências naturais. Nós não podemos
continuamente dizer o que nossa ciência significa, para que ela servirá, porque nós simplesmente ainda não sabemos. A ciência precisa de tempo.

-Junte-se a nós, enquanto pensamos.


ACADEMIA De CIÊNCIA-LENTA


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(c)
ACADEMIA DAS CIÊNCIAS LENTAS, 2010
BERLIM, Alemanha · ACADEMY@SLOW-SCIENCE.ORG

Geração solar em fase de definição


Por Daniela Chiaretti para o jornal Valor 


A energia solar recebeu um golpe duro nos Estados Unidos nos últimos dias com o anúncio sucessivo de três fabricantes de painéis fotovoltaicos pedindo concordata. A crise econômica global e a forte agressividade chinesa estão por trás da insolvência. Contudo, longe de ser um sinal pessimista, analistas garantem que o mercado americano continua robusto, que o setor segue crescendo no mundo e que, mais do que nunca, o Brasil deveria investir em energia solar. 

De 2009 até hoje, os preços dos painéis solares no mundo caíram 40%, puxados pelo vertiginoso aumento na capacidade de produção da China, diz o americano Christopher Flavin, especialista em energias renováveis. Empresas emergentes de alta tecnologia, mas pouco capitalizadas como a Evergreen Solar, a SpectraWatt e a Solyndra não aguentaram a pressão. "Elas planejavam baixar seus preços, mas não nesta escala, onde não conseguiriam competir", diz Flavin, presidente emérito do Worldwatch Institute, instituto internacional de pesquisa em energia sediado em Washington. 

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A primeira a anunciar a insolvência, no meio de agosto, foi a Evergreen Solar, empresa de Massachusetts de inicio promissor e 130 funcionários. Segundo noticiou na ocasião a agência Bloomberg, a empresa culpou, de um lado, a concorrência chinesa, formada por uma indústria alimentada por fortes subsídios governamentais, e do outro, a falta de políticas que estimulem a adoção de energias limpas nos Estados Unidos. A empresa anunciou, porém, que a unidade em Wuhan, na China, continuará funcionando. "No meu entendimento, eles estão mexendo a operação e se mudando para a China", arrisca Ralph Cavanagh, co-diretor do programa de energia da Natural Resources Defense Council (NRDC), uma das maiores ONGs dos Estados Unidos. 

No fim de agosto foi a vez da SpectraWatt, de Nova York, a jogar a toalha. De novo o mesmo filme: "Os fabricantes nos EUA estão sob forte pressão provocada pelas empresas emergentes chinesas, que recebem considerável apoio financeiro do governo", disse o porta-voz da SpectraWatt. "Este apoio, acoplado aos baixos custos de produção chineses criaram uma vantagem competitiva que os tornou líderes em preço." 

Há poucos dias foi a Solyndra, da Califórnia, com receita de US$ 140 milhões em 2010, a assumir as dificuldades e demitir 1.100 funcionários. Foi um susto não só para o mercado. Há um ano, a empresa recebeu US$ 535 milhões em empréstimos garantidos pelo Departamento de Energia do governo federal. Em
maio de 2010 o presidente Barack Obama visitou instalações da Solyndra, um dos ícones do movimento de investir em tecnologias verdes e gerar empregos. Os republicanos aproveitaram a deixa e criticaram o governo, acusando-o de emprestar recursos a empresas pouco eficientes. 

Cavanagh diz que as críticas são injustas, que o episódio ganhou peso político e que a Solyndra quebrou porque fez uma aposta errada: criou uma tecnologia para painéis solares não baseada em placas de silício acreditando que os preços do silício continuariam altos. "Mas os preços caíram em função da demanda global e o produto deles ficou pouco atraente", diz. Ele lembra que turbulências no setor são recorrentes porque os subsídios expiram e as políticas de governo são voláteis. O impacto desta quebradeira, opina, tem sido usado politicamente contra Obama. 

O maior empréstimo dado pelo Departamento de Energia a empresas de tecnologia verde foi de US$ 1,9 bilhão. "As críticas não procedem. A empresa respondia por parte muito pequena do portfólio de empréstimos", disse ao Valor. Para Cavanagh, o mercado dos EUA é "robusto e está expandindo rápido". Sua previsão é que, em 2013, a indústria de painéis solares no mundo tenha capacidade instalada de 100 mil megawatts (MW), mais do que a capacidade de energia nuclear dos EUA. Em 2010, diz, o mundo tinha capacidade para produzir 40 mil MW de energia solar e os EUA tinham cerca de 3 mil MW. Em 2011 a cifra global deverá ser de 60 mil MW. 

Pelos dados de Flavin, o mercado de energia solar dobrou em 2010, nos EUA, mas ainda é tímido, representando 5% do mercado mundial. O mercado global, na mesma ocasião, registrou um crescimento de 132%. "O pequeno mercado dos EUA é resultado de uma política relativamente fraca", diz ele, lembrando que vários outros países têm o mesmo problema. O mercado é dominado por poucos países com fortes políticas para o setor, como a Alemanha, a Itália e República Tcheca. "O mercado europeu continua crescendo, mas em ritmo menor em função da crise", explica. Em sua opinião, os EUA não precisariam dar ajuda direta à indústria, mas deveriam estimular mais o mercado. "As forças de mercado podem ser cruéis e destruir grandes companhias." 

Mas se a queda de preços é ruim para os fabricantes, é boa para os consumidores, lembra Cavanagh. Ele diz que o Brasil pode se beneficiar da baixa de preços e investir no setor, já que é um país solar. Flavin concorda. "Esta é uma tremenda oportunidade para o Brasil ampliar sua matriz energética solar", recomenda. "A boa performance da economia brasileira está atraindo empresas chinesas e europeias que querem investir no Brasil." 

A indústria mundial "olha com atenção para novos mercados como o brasileiro, pois precisa escoar sua capacidade de produção crescente frente a margens de retorno decrescentes", diz Ricardo Ruther, professor da Universidade Federal de Santa Catarina. "Ao mesmo tempo, no Brasil, o custo da energia convencional continua em tendência de alta e já se vislumbra a viabilidade econômica da geração fotovoltaica em diversas regiões do país", continua Ruther, também diretor técnico do IDEAL, instituto que trabalha no desenvolvimento de renováveis na América Latina. Este é o momento, sugere, para que o Brasil formule "políticas públicas bem pensadas, para incorporar esta tecnologia de forma progressiva e sustentável na matriz energética nacional."