quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Especialistas propõem Código Florestal com capítulo para cidades e veto a ocupação em áreas de inundação

[31/08/2011 09:28]
 
Governo, especialistas e entidades privadas afirmam no Senado que o novo Código Florestal deve abrigar um capítulo específico sobre as cidades, no qual seja explícita, entre outras disposições, a proibição de ocupação das áreas de inundação frequente dos rios. “Onde há inundação frequente, é território do rio”, adverte Carlos Nobre, do Ministério da Ciência e Tecnologia.


Nobre, à direita, fala a senadores sobre necessidade de o Código salvaguardar vidas nas cidades


Utilizando-se da projeção de imagens das enchentes ocorridas noa ano passado em Alagoas e em Pernambuco e das inundações na região serrana do Rio de Janeiro no início deste ano, o secretário de Políticas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência e Tecnologia, Carlos Nobre, propôs que o novo Código Florestal proíba ocupações urbanas em áreas de passagem de inundação nas APPs ripárias (várzeas de rios e corpos d’água).
“Passagem de inundação, em hidrologia, é a faixa de alagamento dos cursos d’água com grande energia cinética, que causa danos graves. Está associada à destruição e à morte”, explicou. “O Código Florestal foi pensado, até agora, do ponto de vista da biodiversidade, da água, do solo, da fertilidade, mas nunca como elemento importante na salvaguarda da vida humana. É um elemento que hoje não pode ficar fora. Onde há inundação frequente é território do rio. Aí não se pode permitir ocupação.”
Ele participou nesta terça-feira, de audiência pública sobre o novo Código Florestal nas comissões de Meio Ambiente (CMA), de Agricultura (CRA) e Ciência e Tecnologia (CCT). O debate ainda contou com a participação do arquiteto Nabil Bonduki, secretário de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Celso Santos Carvalho, da Secretaria de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, João de Deus Medeiros, da Secretaria de Florestas do Ministério do Meio Ambiente, Caio Portugal, representante do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi/SP), e de José Carlos Martins, vice-presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC).
Para o presidente da Comissão de Meio Ambiente, senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), a proposta de Nobre foi uma novidade importante. “Me impressionou muito a ideia de garantir que nas áreas urbanas a Área de Proteção Permanente seja equivalente à largura da passagem de inundação. Isso vai reduzir muito as áreas de risco no meio urbano brasileiro. No meu entendimento, foi a grande novidade desse debate.”
Um capítulo específico para as cidades
Os participantes foram unânimes ao defender que sejam incluídas no Código propostas específicas – alguns sugeriram um capítulo específico – para tratar das cidades, sobretudo no que diz respeito às ocupações em Áreas de Preservação Permanente (APPs).
Nobre ainda defendeu que o novo Código não deve permitir assentamentos em áreas urbanas não consolidadas e ou em terrenos com declividade superior a 25 graus, onde o risco de tragédias é grande. Ele advertiu que diante do crescente processo de urbanização do País nos últimos 50 anos os mesmos parâmetros não podem ser aplicados às APPs das cidades e do campo. “A faixa de segurança para ocupações vai depender de fatores como a topografia e estudos hidrológicos de cada cidade. Não é um número fixo de 15 ou 30 metros”, sugeriu Nobre.
Celso Santos, do Ministério das Cidades, disse que o governo federal enfrenta o problema das ocupações irregulares investindo em programas habitacionais como o “Minha Casa, Minha Vida” e na urbanização de assentamentos. Ele foi um dos que sustentaram a necessidade de criação de um capítulo específico para as APPs urbanas, ressaltando que o texto da Câmara já incorporou alguns conceitos importantes, como a regularização fundiária de interesse social. Em sua opinião, a maior utilidade de uma APP urbana é transformá-la em área de lazer ou esportes.
João de Deus Medeiros, do MMA, concordou e enfatizou que o Senado deve reforçar, consolidar a utilidade pública nas APPs, pois, de acordo com estatísticas, a população utiliza e defende esses espaços. Para Nabil Bonduki, também do MMA, o texto sobre as APPs é frágil e ambíguo. Ele pediu uma definição sobre a quem caberá o licenciamento e a fiscalização dessas áreas, esclarecendo as competências da União, estados e municípios.
Caio Portugal, do Secovi/SP, disse que devem ser definidos critérios claros e objetivos para a mensuração das APPs. Ele pediu que o Senado aprove o Projeto de Lei Complementar (PLC) 01/2010, que delimita as competências da União, estados e municípios no tocante às questões ambientais. A seu ver, o texto que está sendo discutido no Senado, “não pode retroagir e afetar empreendimentos que obtiveram o licenciamento ambiental de forma regular e foram implantados de forma legal segundo a legislação da época“.
José Carlos Martins, vice-presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), destacou que “é inconcebível” a definição de números fixos para APPs, desconsiderando as características regionais. De acordo com ele, há estudos que podem servir de referência para o Código Florestal, porque o alto grau de subjetividade abre espaço para incorreções. “É importante que a legislação federal crie diretrizes. Mas aspectos regionais, tais como geológicos, regime de chuva, topografia, entre outros, devem ser analisados de acordo com cada região. Temos que aproveitar essa oportunidade de revisão do código para melhorar a vida das pessoas. A nossa proposta é definir parâmetros regionais para cada bacia hidrográfica”, disse o vice-presidente da CBIC.
Relatório na CCJ
Nesta quarta-feira, 31/8, o senador Luiz Henrique (PMDB-SC) apresentou seu relatório sobre o projeto de reforma do Código Florestal , o PLC 30/2011, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado. Em seguida, o presidente da CCJ, Eunício Oliveira (PMDB-CE), concedeu vista coletiva do texto e anunciou que o projeto voltará à agenda na reunião ordinária do dia 14 de setembro.
Na parte inicial do relatório, Luiz Henrique apresentou argumentação quanto à competência legislativa sobre assuntos relativos ao meio ambiente, que deve ser "concorrente", conforme previsão constitucional. O relator reafirmou sua opinião de que, na lei florestal, cabe à União apenas a definição de normas gerais, deixando aos estados a definição de normas específicas. Sob essa argumentação, ele sugere alterações para explicitar os poderes dos estados e do Distrito Federal. A preocupação está presente, por exemplo, na descrição - que ele incluiu no texto - das hipóteses de utilidade pública, interesse social e atividades de baixo impacto ambiental em Áreas de Preservação Permanente (APPs).
“Fiz alterações do ponto de vista jurídico. Temos de aprovar uma lei que seja durável, factível e que não possa ser atacada”, afirmou, referindo-se a questionamentos feitos nos últimos meses, por diversos senadores, ao texto de autoria do deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP) aprovado pela Câmara em maio.
A matéria recebeu mais de 30 emendas em sua tramitação pela CCJ, mas o relator optou por não incorporá-las ao seu parecer. Está sugerindo que seus autores as apresentem nas comissões que irão examinar o mérito, ou seja, o conteúdo do projeto e não os aspectos jurídico-formais do projeto. As comissões que tratarão do mérito são: Agricultura e Reforma Agrária (CRA); Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT); Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA).
Instrumento normatizador nacional
Para Carlos Nobre, o Código Florestal é um instrumento normatizador em escala nacional. “Alguém poderia falar que devemos remeter as questões urbanas para os planos diretores dos municípios. Em situações específicas, os planos diretores podem ter parâmetros até mais rigorosos, mas é preciso ter uma base nacional para todos os municípios seguirem”, disse em entrevista ao ISA, depois da audiência pública.
Sobre a inclusão de um novo capítulo, ele prefere que os legisladores decidam: “Eles têm várias opções e podem decidir com mais propriedade. A sugestão que o ministério trouxe hoje aqui é uma pequena modificação, no mesmo capítulo que fala de APP ripária e APP de encosta, e aí introduz mais alguns incisos que dizem: em ambientes em áreas rurais faz assim, em áreas urbanas, faz desse outro jeito.”
Mas admitiu que vários pesquisadores e cientistas que debatem esse tema sugerem a necessidade de um capítulo especial. (Também com informações das Ascom do Senado e do senador Rodrigo Rollemberg.)

ISA, Julio Cezar Garcia.