terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Que país é este?




André Trigueiro

O leitor haverá de me perdoar se nas linhas abaixo resolvi deixar de lado meu otimismo incorrigível para enumerar, de maneira resumida, assuntos sobre os quais o Brasil parece ter perdido a noção do perigo ou mesmo do bom senso.


Por que quando o assunto é agrotóxico, o país campeão mundial no uso dessas substâncias venenosas ainda tem legislação frouxa, fiscalização deficiente e uma estranha burocracia que impede a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) de agir rápido quando se constata a necessidade de retirar do mercado um determinado produto de elevada toxicidade? Nas lavouras brasileiras são usados pelo menos dez produtos proibidos na União Européia, Estados Unidos e um deles até no Paraguai.
Por que quando o assunto é transgênico, os protocolos de biossegurança que antecedem o licenciamento de novas substâncias geneticamente modificadas parecem ser sistematicamente desprezados por parte da maioria dos doutores que integram a CTNbio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), onde os Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente têm direito a voto, mas são minoria?

Por que no país do pré-sal o precedente aberto pelo mega-vazamento de óleo da BP no Golfo do México (o maior desastre natural dos Estados Unidos) não serviu de lição para que evitássemos o vexame do vazamento da Chevron na Bacia de Campos, da forma como aconteceu, escancarando inúmeras lacunas de ordem legal, institucional e operacional para deleite das companhias que já operam 10 mil poços de petróleo no Brasil e transformarão em breve nosso leito marinho num gigantesco paliteiro com novos buracos abertos sabe lá Deus (ou Netuno) de que jeito?

Como foi possível aprovar um novo Código Florestal que foi alvo de questionamentos importantes da comunidade científica – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Academia Brasileira de Ciências e da própria Agência Nacional de Águas (ANA) – nos precipitando em uma direção cujos impactos ambientais, econômicos e sociais não temos como avaliar hoje com clareza?

Até quando celebraremos – especialmente os economistas de plantão – sucessivos recordes nas vendas de automóveis, sem considerar os violentos impactos sobre a mobilidade urbana? Até quando vamos ignorar os reflexos dos monumentais engarrafamentos, a qualquer dia e hora da semana, sobre nossa saúde(inalação de poluentes, e estresse físico e emocional para quem está preso dentro do seu próprio carro e, principalmente, para os que penam no transporte público), nossa qualidade de vida (menos tempo para o descanso, lazer ou para a família), o meio ambiente (agravamento do efeito estufa), a segurança pública(maior exposição dos motoristas a assaltantes), a gestão municipal (impossibilidade de atendimentos emergenciais, porque as ambulâncias, viaturas da polícia e carros de bombeiros não conseguem mais chegar rápido a seus destinos) etc?

Por que preferimos rotular todos os políticos de desonestos e corruptos, sem exceções, em vez de destacar a atuação heróica de alguns – são poucos, é verdade – mas que merecem nosso apoio porque sem eles tudo seria mais difícil? Lembrando Sêneca:” A maior desgraça de quem não gosta de política é ser governado por quem gosta”.

Como é possível nos afirmarmos como potência mundial, se nossos indicadores na área da educação são simplesmente vexatórios? Como é possível aceitar que ainda tenhamos 14 milhões de pessoas que não saibam ler e uma legião de mais de 36 milhões de analfabetos funcionais, que mal conseguem assinar o próprio nome?

Como pleitear a condição de país desenvolvido se metade (56%) dos domicílios do país não tem acesso à rede de esgoto e onde a monumental letargia das diferentes esferas de governo impede qualquer previsão seguras de quando esse problema será resolvido?

Todas essas questões poderiam estar sendo tratadas de outro jeito se tivéssemos a coragem de repeti-las mais e mais vezes.

Artigo publicado na edição de dezembro da Revista GQ