Opecuarista Luiz Castelo usa uma técnica inovadora que aproveita as máquinas agricolas para replantar mata nativa. Sua fazenda em Mato Grosso recupera nascentes na Amazônia
Aline Rlbeiro (texto) e Stefano Martini (fotos), de São José do Xingu
A senadora Kátia Abreu, presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), nem bem trocou de partido e já carregou simpatizantes. Assim que a líder do agronegócio no Congresso formalizou sua entrada no recém-criado Partido Social Democrático (PSD), no fim de setembro, um pequeno grupo de pecuaristas se reuniu numa fazenda no interior de Mato Grosso para celebrar. Sentados ao redor de uma mesa na varanda, entre uns tragos de vinho e um naco de carneiro, os produtores assinavam o documento que os filiaria à nova legenda de Kátia.
O maior entusiasta da noite era o dono da propriedade, o empresário paulistano Luiz Castelo, de 61 anos. Mesmo apoiando o esforço de Kátia para flexibilizar as leis ambientais do país que, segundo os ruralistas, emperram a produção, Castelo tem iniciativas conservacionistas. Está à frente de um trabalho inédito de recomposição de floresta. Sua propriedade é uma das que mais recuperam nascentes degradadas na Amazônia.
Castelo tem uma área de 13.000 hectares na pequena São José do Xingu, uma cidade de 5 mil habitantes (e quase nenhum asfalto) no nordeste de Mato Grosso. Ali cria gado, planta milho e soja. Por ano, engorda boi suficiente para alimentar milhares de bocas. Além de produzir comida, suas terras têm uma missão ecológica importante: engrossar o caudaloso Rio Xingu com a água que brota de suas 41 nascentes.
A propriedade de Castelo, apelidada de Bang Bang (nome herdado dos tempos em que tudo ali se resolvia na bala), é uma das fazendas cujos olhos-d'água desembocam no Xingu. Parte da sobrevivência do rio depende da consciência de produtores como ele. Até há pouco tempo, as fontes da fazenda Bang Bang estavam em situação irregular. Pela lei ambiental, o fazendeiro precisa manter uma cobertura vegetal com pelo menos 50 metros de raio em torno da nascente. É a única maneira de garantir que ela não seque para sempre.
Por força da lei, a infração da Bang Bang começou a ser corrigida em 2004, quando Castelo recebeu a visita de fiscais da Secretaria de Meio Ambiente do Estado. Eles apresentaram duas alternativas ao fazendeiro: 1) começar o reflorestamento e cumprir a legislação; 2) pagar uma multa alta e ser enquadrado como criminoso ambiental. Castelo optou pela primeira. "A única resistência em recuperar mata se chama dinheiro", afirma.
O plantio começou imediatamente. Exigiu tempo e recursos. Reconstruir floresta com plantas nativas, além de trabalhoso, é caro. A Bang Bang investiu mais de R$ 1,5 milhão na compra de mudas, sementes e material para a cerca. Dos 342 hectares que desmatou além da conta, já recompôs 319 hectares (o equivalente a 319 campos de futebol). Recuperar cada hectare custou uma média de R$ 4.700. Há empresas especializadas em replantar na Mata Atlântica. Cobram R$ 20 mil por hectare. Mas Castelo, no nordeste de Mato Grosso, não teve opção.
Plantar as mudas, uma a uma, seria economicamente inviável numa área daquele tamanho. O desafio foi encontrar uma fórmula eficiente de recuperação, próxima ao funcionamento da própria natureza. A primeira estratégia foi tentar uma técnica conhecida, que consiste em pegar as folhas e os galhos do chão da floresta e espalhar na área de pasto ou mata degradada a recuperar. A esperança é que as sementes, misturadas ao material, brotem. Não deu certo. Castelo achou a solução pela internet. Descobriu que o Instituto Socioambiental (ISA) testava um sistema de reflorestamento com uma mistura de sementes nativas, adubos e areia, chamada muvuca. Além de custar um terço do plantio de mudas, o método prometia uma agilidade enorme na restauração de grandes áreas. Mas os agricultores ainda tinham resistência. Ninguém ali tinha nenhuma experiência em recomposição vegetal. A fim de aproximá-los do tema, o ISA inseriu um ingrediente importante na receita: o uso de máquinas agrícolas. A mesma plantadeira que semeia pasto ou soja seria adaptada para espalhar as sementes das árvores amazônicas. "Para convencer esses produtores, teríamos de falar sobre o que eles gostam e sabem fazer", diz Rodrigo Junqueira, do ISA. "Colocar as máquinas foi uma maneira de integrar os peões e incorporar seus conhecimentos." Foi um sucesso. Castelo já replantou quase tudo. A metodologia hoje é usada em 160 propriedades e já recuperou 1.000 hectares no entorno do Xingu. Por seu alto grau de inovação, foi destaque na Mostra de Tecnologias Sustentáveis do Instituto Ethos em 2010.
Nenhuma floresta teria rebrotado na Bang Bang sem Marta Jeane de Carvalho, de 46 anos, gerente administrativa da fazenda. Ela liderou a recuperação das 41 nascentes. Frequentou 160 horas de um curso de formação de agente socioambiental do ISA. Antes das aulas, mal sabia distinguir um ipê de uma peroba. Hoje, caminha pelas matas com as espécies na ponta da língua. Ela passou fins de semana inteiros embrenhada na floresta. Negociou a compra de sementes com índios da aldeia vizinha. Aprendeu a fazer rapel para coletar os grãos na copa das árvores. Incorporou antialérgico a sua rotina para conviver com carrapatos e mosquitos, novos companheiros de trabalho. "A floresta virou parte da minha vida", diz ela.
Essas fábricas de fazer floresta criaram na região uma profissão curiosa: o coletor de sementes. No fim de 2007, o ISA criou uma rede para reunir os profissionais que abastecem as fazendas em recuperação. É uma espécie de berçário da mata. A rede tem hoje 300 famílias. As mais produtivas ganham R$ 35 mil por ano. Deusdete de Souza, de 62 anos, abandonou a motosserra para trabalhar com reflorestamento. "Hoje pego semente para pagar a madeira que tirei no passado", afirma ele. "Derrubar não é profissão, não. Tenho prazer é em ver a árvore crescendo." A expectativa do instituto é ampliar a capacidade da rede. Em cinco anos, pretende dobrar o fornecimento de sementes às propriedades. Se depender de gente como Castelo, Marta, Junqueira e Souza, elas certamente vão florescer.
Época, 19/12/2011, p. 46 a 55.