Quem são os líderes e empresários que começaram um movimento silencioso para desenvolver a região sem destruir a floresta. E como eles estão plantando uma economia legal e sustentável
Aline Ribeiro , Querência
O sol já estava baixo quando um helicóptero com o emblema oficial do governo despontou sobre a fazenda de José Adelar Jaenisch, de 50 anos, produtor de soja de Mato Grosso. Com metralhadoras em riste, os ocupantes da aeronave apontavam em direção a uma máquina agrícola que, em terra, preparava o solo para o plantio da próxima safra. Seis viaturas reforçavam a fiscalização nas estradas vizinhas. Assustado, o motorista que pilotava o trator abandonou o veículo no mato e fugiu. Jaenisch foi se esconder na cidade. Só retornou depois que os agentes de crimes ambientais deixaram a região. "Fiquei pelo menos uma semana sem trabalhar", afirma ele. "Foi uma época de muita insegurança. Você nunca sabia o que ia te acontecer no dia seguinte."
O episódio ocorreu no município de Querência, em Mato Grosso, um dos 20 maiores produtores de soja do Brasil. Mas poderia ter sido em qualquer localidade do Pará, de Rondônia ou do Acre. Desde que o Ministério do Meio Ambiente criou, em fevereiro de 2008, a lista negra do desmatamento, a tensão no campo aumentou - e se alastrou. O ministério mirou nos 36 municípios campeões de desmatamento. Fazendeiros e madeireiros ilegais foram presos. Centenas de serrarias fecharam. Os bancos deixaram de liberar financiamento aos produtores. Na prática, é como se todas essas cidades estivessem com o nome sujo na praça.
Naquela tarde, os fiscais sobrevoavam a fazenda de Jaenisch para conferir o que as imagens de satélite já haviam apontado: ele desmatara mais que o permitido. Jaenisch comprou 1.250 hectares de terras em Querência em 2001. De acordo com o Código Florestal, que define o uso do solo privado no Brasil, ele deveria manter 80% (ou 1.000 hectares) da área preservada, conhecida como reserva legal. Mas fez o oposto. Usando a técnica do correntão, um cabo de aço puxado por dois tratores, aparou 80% da mata para plantar soja, exatamente o que teria de proteger. Por ter desobedecido à regra, foi cobrado.
A despeito da dívida ambiental, a situação para Jaenisch melhorou. Em abril deste ano, Querência deixou a lista suja. Foi o segundo (e por enquanto o último) município do Brasil a limpar o nome.
Querência seguiu o rastro de Paragominas, no Pará, que alcançou o feito no ano passado, ao reduzir em quase 90% suas taxas de derrubada. A partir da experiência pioneira de Paragominas, uma sequência de cidades começou a se mexer. O Pará, um dos campeões de desmatamento nos últimos 20 anos, lançou um programa decisivo para reverter sua má fama, o Municípios Verdes. A intenção é criar um modelo econômico baseado em ações responsáveis. E deixar para trás as práticas predatórias. Das 144 cidades paraenses convidadas a assinar o pacto, 89 aderiram. Suas prefeituras agora recebem dados de satélite com as áreas desmatadas. O mapeamento é essencial para punir os infratores.
As histórias de Paragominas, Querência e outras cidades que buscam a legalidade dão sinais de que há uma reviravolta silenciosa tomando forma na floresta. Parte por pura pressão jurídica e financeira. São municípios que querem recuperar mercado, sossego e dinheiro para plantar ou engordar o boi. Outros o fazem por convicção. Dizem acreditar na importância da floresta na manutenção do ciclo de chuvas e do equilíbrio climático. "Quando a sociedade quer e o poder público está motivado, é possível conciliar o desenvolvimento local com a conservação", afirma Mauro Pires, do Ministério do Meio Ambiente. "O protagonismo desses municípios nos surpreendeu."
Abandonar a lista, porém, não é um trabalho simples. As cidades precisam cumprir algumas obrigações, entre elas: reduzir o desmatamento para menos de 40 quilômetros quadrados por ano e conseguir que 80% da área do município (com exceção de terras indígenas e unidades de conservação) tenha um documento chamado Cadastro Ambiental Rural (CAR), um relato de todas as ilegalidades do passado. Aí reside o maior desafio. Fazer o tal cadastramento é o mesmo que um criminoso decidir, por vontade própria, ir a uma delegacia se entregar. O fazendeiro em situação ilegal tem medo de ser punido ao declarar suas dívidas. Para complicar, o Código Florestal está em revisão no Congresso. Dependendo do que for decidido, os agricultores e pecuaristas poderão ficar isentos de reparar seus erros pretéritos. Isso reduz a vontade de se regularizar imediatamente. A menos que eles estejam sentindo a pressão no bolso.
É o caso de Querência. Acuada com a rejeição das compradoras de soja e com a restrição dos bancos, a cidade decidiu fazer direito - tornando mais tranquila a rotina de produtores como Jaenisch. Em meados de 2009, os agricultores do município começaram um processo inovador de mobilização social, ao criar um conselho de meio ambiente para gerenciar a saída da lista. Diversos segmentos da sociedade, da Igreja Católica ao sindicato rural, ganharam um assento no órgão. "A gente queria um colegiado para envolver todo mundo", afirma Marcelo Cunha, diretor do conselho. "Organizamos um movimento de baixo para cima, sem o governo." Querência conseguiu registrar 85,5% de sua área no CAR. Jaenisch foi um dos que confessaram os pecados de sua fazenda.
À frente dessa mudança de direção está o produtor Neuri Wink, de 49 anos, simpatizante dos ruralistas mais tradicionais. Sua trajetória resume bem a colonização de Mato Grosso. Gaúcho convicto (ele mantém a tradição de tomar chimarrão na cuia, a despeito do calor escaldante dali), chegou à região em 1988 numa caravana organizada por uma cooperativa de compra de terras. Nos anos 1960 e 1970, o governo federal fazia campanhas para levar sulistas e nordestinos aos solos desabitados do Norte e do Centro-Oeste. Acreditava-se que a chegada dos imigrantes era uma forma de impedir que as potências estrangeiras desejassem a Amazônia. O nome Querência, a propósito, é uma espécie de provocação. Para os gaúchos, a palavra "querência" significa algo como a terra amada de origem. O governo propunha fundar, em Mato Grosso, uma nova terra natal para o povo.
Wink sustenta até hoje o discurso dos tempos da colonização. Nutre uma repulsa escancarada pelas ONGs estrangeiras. Diz que elas pregam a preservação para retardar nosso crescimento. Afirma que, no futuro, a Amazônia será ocupada pelos mesmos americanos que hoje brigam por sua proteção. Um dia antes de a reportagem de ÉPOCA chegar a Querência, ele se reuniu com outros produtores de soja para discutir, entre outros assuntos, o que dizer à imprensa. Na manhã seguinte, começou a conversa incisivo: "Quero saber se vocês vão transcrever o que eu falar ou o que vão interpretar", disse ele. "Porque aqui é assim, combinado não sai caro." Apesar da postura conservadora (ou talvez por causa dela), Wink convence os outros produtores a regularizar suas terras. Em alguns casos, explica a necessidade do reflorestamento e apresenta práticas socioambientais aos colegas. É uma espécie de avalista das novidades. Tudo o que experimenta em sua propriedade ganha potencial para ser reproduzido.
Quando pisou em Querência pela primeira vez, tudo o que Wink encontrou foi floresta. Não havia estradas, casas ou qualquer indício de infraestrutura urbana. Ele foi atraído pelo baixo custo dos terrenos. Com o valor de 1 hectare no Sul, compravam-se 30 hectares em Mato Grosso. Wink começou do zero. Dormiu durante meses embaixo de uma lona, até conseguir dinheiro para construir um casebre de madeira. Hoje tem 1.220 hectares. Preservou 33% de sua área (quando chegou, a lei era menos restritiva. Obrigava a proteger 50%, em vez dos 80% atuais) e, no restante, colocou bois, soja e milho. Recentemente, decidiu plantar seringueiras, as árvores que dão o látex. Sua propriedade, de nome Certeza, é uma das poucas dali que combinam lavoura e pecuária com floresta, um sistema chamado silvoagropastoril. Além de aproveitar melhor o solo, o método eleva a produtividade. Wink mantém seis bois por hectare, seis vezes a média brasileira, sem colocar máquinas e funcionários adicionais. Seus seringais são ainda mais promissores. Ele estima que os 10 hectares vão render, no futuro, R$ 40 mil por ano de lucro. "É melhor que o INSS, não é?", diz, agora num tom mais descontraído.
A mudança na região teve um empurrãozinho externo. O grande incentivador de um novo modelo de produção é o engenheiro-agrônomo Rodrigo Junqueira, de 39 anos, coordenador do Instituto Socioambiental (ISA). Ele precisou de muita saliva para cair nas graças de Wink. Os dois se conhecem há seis anos, mas só há pouco conseguiram sentar à mesma mesa para debater. O ISA é a única ONG que os produtores de Querência respeitam. Ainda assim, há resistências. "Os conflitos são inerentes", diz Junqueira. "Não é porque trabalhamos juntos que viramos amiguinhos." Junqueira teve de participar de dezenas de dias de campo, momento em que os produtores se reúnem numa fazenda para trocar experiências, antes de tocar em assuntos delicados, como recuperação de nascentes ou a importância de cessar o desmatamento. Paciente, é um catequizador das causas verdes. E seus esforços já tiveram algum êxito. Centenas de proprietários na região estão plantando mata nativa com o uso de máquinas agrícolas. O próprio Wink já reflorestou 19 hectares.
Se em Querência a ordem é cumprir a lei pelo bem das finanças, mais ao Norte, na cidade de Alta Floresta, a regularização chegou também pela necessidade climática. No ano passado, o município de 50 mil habitantes compreendeu na prática a importância de pagar seu débito ambiental. Apesar de estar no meio da Amazônia, um dos lugares mais úmidos do planeta, Alta Floresta ficou durante semanas sem água. Os rios que alimentam o sistema de abastecimento de 25 mil casas secaram. Foi preciso estourar algumas represas de criação de peixes para drenar a água e suavizar a estiagem. Detalhe: a cidade tem nada menos que 11.000 quilômetros de rios e 6 mil nascentes. Embora haja fontes em abundância, 4 mil delas estão degradadas pela erosão do solo.
Da tragédia veio a lição para recompor o entorno das nascentes e regularizar as propriedades. Começou de uma parceria incomum. A Secretaria de Meio Ambiente do município se uniu à de Agricultura para persuadir os produtores a fazer o CAR e recuperar os olhos-d'água. A grande novidade de Alta Floresta foi incluir os pequenos agricultores. Como eles são numerosos e suas terras não fazem tanto volume, inseri-los em geral não é prioritário. É mais fácil chegar aos 80% da área cadastrada do município com os grandes fazendeiros. "Queremos deixar a lista com todos juntos", afirma a prefeita de Alta Floresta, Maria Izaura Dias Afonso.
Quem lidera a empreitada é a paranaense Irene Duarte, de 50 anos, secretária de Meio Ambiente. Com um jeito quase maternal, convence do latifundiário ao agricultor familiar a impedir que o boi beba nas nascentes, uma das principais causas da degradação. É chamada de Marina Silva de Alta Floresta. Somado à liderança inerente, ela tem a seu favor um aliado notável, o secretário de Agricultura, Valdemar (mais conhecido por Chico) Gamba, de 46 anos. Gamba é produtor rural e fala a mesma língua dos agricultores. Usa da facilidade para laçar os colegas rebeldes. "Enquanto eles brigam lá em cima, a gente se une aqui embaixo", diz Irene, em referência à divergência travada entre os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura em torno das mudanças do Código Florestal.
Irene e Gamba fizeram 61 reuniões com agricultores, incluindo fins de semana e feriados, para explicar a cartilha ambiental. Um dos objetivos é recuperar as nascentes degradadas. Com recursos do Fundo Amazônia, R$ 2,8 milhões repassados pelo BNDES, a prefeitura comprou sementes, mudas e 3.000 quilômetros de arame. Distribuiu o material aos pequenos produtores, que cercaram 870 nascentes e plantaram as espécies nativas no entorno. Outra meta é que 100% da área da cidade esteja no CAR. Até a última semana, 78,2% do município se cadastrara. O resultado coloca Alta Floresta quase fora da lista das campeãs do desmatamento. A saída é uma questão de tempo.
O conjunto da obra conferiu ao município visibilidade internacional. A prefeita Maria Izaura foi a Nagoya para contar a história de Alta Floresta. O clima de segurança chegou também ao campo. No passado, quando os fiscais ambientais apareciam nos sítios com suas caminhonetes, costumavam encontrar só as crianças em casa. Os adultos se escondiam. Hoje os produtores esperam ansiosamente a visita. Um deles, de tão orgulhoso, transformou o CAR num quadro e o pendurou na parede. O atestado de que agora está dentro da lei ganhou destaque na sala.
Há ainda os que transformaram a recomposição de florestas em oportunidade de negócio. O agricultor Aguinaldo da Silva arrendou um pedacinho de terra próximo a sua chácara para ganhar um dinheiro extra. Em vez de pagar pelo arrendamento, tem o compromisso de recuperar as nascentes do vizinho. Silva intercalou o plantio de árvores nativas com espécies com valor econômico, como mandioca, abacaxi e bucha. Como não usa agrotóxico, conseguiu certificar parte dos produtos com um selo orgânico e lucrou R$ 9 mil na primeira colheita. "A gente ganha um pouco mais porque tem um portfólio variado", diz ele, numa clara demonstração do tino para o comércio. "Sem contar o marketing."
É ilusão pensar que, por vontade própria, os produtores rurais cessarão o desmatamento ilegal ou tirarão dinheiro do bolso para salvar a floresta. Se não for pela punição, a única maneira de convencê-los é com estímulos financeiros. Há alguns fundos dispostos a investir em quem se compromete com a Amazônia. Um deles, o Fundo Amazônia, conta com US$ 1 bilhão prometido pela Noruega, além de outros recursos. O governo federal estuda agora destinar um porcentual dos repasses para Estados e municípios às práticas verdes. Para essas cidades, sair da lista suja da devastação, apesar de um feito considerável, é só um passo de um longo caminho. Os municípios precisam encontrar meios de viver alinhados com uma nova ótica de produção, a economia florestal. "Pior que entrar na lista é voltar para ela", afirma Mauro Pires, do MMA. "Mas esses municípios já têm mostrado que há muita solução criativa para esse Brasil do interior."
Coletânea de artigos selecionados por sua veracidade e importância para as questões ambientais no Brasil e no Mundo.
sexta-feira, 23 de dezembro de 2011
Ele fabrica Florestas
Opecuarista Luiz Castelo usa uma técnica inovadora que aproveita as máquinas agricolas para replantar mata nativa. Sua fazenda em Mato Grosso recupera nascentes na Amazônia
Aline Rlbeiro (texto) e Stefano Martini (fotos), de São José do Xingu
A senadora Kátia Abreu, presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), nem bem trocou de partido e já carregou simpatizantes. Assim que a líder do agronegócio no Congresso formalizou sua entrada no recém-criado Partido Social Democrático (PSD), no fim de setembro, um pequeno grupo de pecuaristas se reuniu numa fazenda no interior de Mato Grosso para celebrar. Sentados ao redor de uma mesa na varanda, entre uns tragos de vinho e um naco de carneiro, os produtores assinavam o documento que os filiaria à nova legenda de Kátia.
O maior entusiasta da noite era o dono da propriedade, o empresário paulistano Luiz Castelo, de 61 anos. Mesmo apoiando o esforço de Kátia para flexibilizar as leis ambientais do país que, segundo os ruralistas, emperram a produção, Castelo tem iniciativas conservacionistas. Está à frente de um trabalho inédito de recomposição de floresta. Sua propriedade é uma das que mais recuperam nascentes degradadas na Amazônia.
Castelo tem uma área de 13.000 hectares na pequena São José do Xingu, uma cidade de 5 mil habitantes (e quase nenhum asfalto) no nordeste de Mato Grosso. Ali cria gado, planta milho e soja. Por ano, engorda boi suficiente para alimentar milhares de bocas. Além de produzir comida, suas terras têm uma missão ecológica importante: engrossar o caudaloso Rio Xingu com a água que brota de suas 41 nascentes.
A propriedade de Castelo, apelidada de Bang Bang (nome herdado dos tempos em que tudo ali se resolvia na bala), é uma das fazendas cujos olhos-d'água desembocam no Xingu. Parte da sobrevivência do rio depende da consciência de produtores como ele. Até há pouco tempo, as fontes da fazenda Bang Bang estavam em situação irregular. Pela lei ambiental, o fazendeiro precisa manter uma cobertura vegetal com pelo menos 50 metros de raio em torno da nascente. É a única maneira de garantir que ela não seque para sempre.
Por força da lei, a infração da Bang Bang começou a ser corrigida em 2004, quando Castelo recebeu a visita de fiscais da Secretaria de Meio Ambiente do Estado. Eles apresentaram duas alternativas ao fazendeiro: 1) começar o reflorestamento e cumprir a legislação; 2) pagar uma multa alta e ser enquadrado como criminoso ambiental. Castelo optou pela primeira. "A única resistência em recuperar mata se chama dinheiro", afirma.
O plantio começou imediatamente. Exigiu tempo e recursos. Reconstruir floresta com plantas nativas, além de trabalhoso, é caro. A Bang Bang investiu mais de R$ 1,5 milhão na compra de mudas, sementes e material para a cerca. Dos 342 hectares que desmatou além da conta, já recompôs 319 hectares (o equivalente a 319 campos de futebol). Recuperar cada hectare custou uma média de R$ 4.700. Há empresas especializadas em replantar na Mata Atlântica. Cobram R$ 20 mil por hectare. Mas Castelo, no nordeste de Mato Grosso, não teve opção.
Plantar as mudas, uma a uma, seria economicamente inviável numa área daquele tamanho. O desafio foi encontrar uma fórmula eficiente de recuperação, próxima ao funcionamento da própria natureza. A primeira estratégia foi tentar uma técnica conhecida, que consiste em pegar as folhas e os galhos do chão da floresta e espalhar na área de pasto ou mata degradada a recuperar. A esperança é que as sementes, misturadas ao material, brotem. Não deu certo. Castelo achou a solução pela internet. Descobriu que o Instituto Socioambiental (ISA) testava um sistema de reflorestamento com uma mistura de sementes nativas, adubos e areia, chamada muvuca. Além de custar um terço do plantio de mudas, o método prometia uma agilidade enorme na restauração de grandes áreas. Mas os agricultores ainda tinham resistência. Ninguém ali tinha nenhuma experiência em recomposição vegetal. A fim de aproximá-los do tema, o ISA inseriu um ingrediente importante na receita: o uso de máquinas agrícolas. A mesma plantadeira que semeia pasto ou soja seria adaptada para espalhar as sementes das árvores amazônicas. "Para convencer esses produtores, teríamos de falar sobre o que eles gostam e sabem fazer", diz Rodrigo Junqueira, do ISA. "Colocar as máquinas foi uma maneira de integrar os peões e incorporar seus conhecimentos." Foi um sucesso. Castelo já replantou quase tudo. A metodologia hoje é usada em 160 propriedades e já recuperou 1.000 hectares no entorno do Xingu. Por seu alto grau de inovação, foi destaque na Mostra de Tecnologias Sustentáveis do Instituto Ethos em 2010.
Nenhuma floresta teria rebrotado na Bang Bang sem Marta Jeane de Carvalho, de 46 anos, gerente administrativa da fazenda. Ela liderou a recuperação das 41 nascentes. Frequentou 160 horas de um curso de formação de agente socioambiental do ISA. Antes das aulas, mal sabia distinguir um ipê de uma peroba. Hoje, caminha pelas matas com as espécies na ponta da língua. Ela passou fins de semana inteiros embrenhada na floresta. Negociou a compra de sementes com índios da aldeia vizinha. Aprendeu a fazer rapel para coletar os grãos na copa das árvores. Incorporou antialérgico a sua rotina para conviver com carrapatos e mosquitos, novos companheiros de trabalho. "A floresta virou parte da minha vida", diz ela.
Essas fábricas de fazer floresta criaram na região uma profissão curiosa: o coletor de sementes. No fim de 2007, o ISA criou uma rede para reunir os profissionais que abastecem as fazendas em recuperação. É uma espécie de berçário da mata. A rede tem hoje 300 famílias. As mais produtivas ganham R$ 35 mil por ano. Deusdete de Souza, de 62 anos, abandonou a motosserra para trabalhar com reflorestamento. "Hoje pego semente para pagar a madeira que tirei no passado", afirma ele. "Derrubar não é profissão, não. Tenho prazer é em ver a árvore crescendo." A expectativa do instituto é ampliar a capacidade da rede. Em cinco anos, pretende dobrar o fornecimento de sementes às propriedades. Se depender de gente como Castelo, Marta, Junqueira e Souza, elas certamente vão florescer.
Época, 19/12/2011, p. 46 a 55.
“O TAMANHO DAS PESSOAS”
– Willian Shakespeare
O tamanho das pessoas, varia conforme o grau de envolvimento…
Uma pessoa é enorme para você, quando fala do que leu e viveu, quando trata você com carinho e respeito, quando olha nos olhos e sorri destravado.
É pequena para você quando só pensa em si mesma, quando se comporta de uma maneira pouco gentil, quando fracassa justamente no momento em que teria que demonstrar o que há de mais importante entre duas pessoas:
A amizade,
O respeito,
O carinho,
O zelo,
E até mesmo o amor.
Uma pessoa é gigante para você quando se interessa pela sua vida, quando busca alternativas para o seu crescimento, quando sonha junto com você. E pequena quando desvia do assunto.
Uma pessoa é grande quando perdoa, quando compreende, quando se coloca no lugar do outro, quando age não de acordo com o que esperam dela, mas de acordo com o que espera de si mesma.
Uma pessoa é pequena quando se deixa reger por comportamentos clichês.
Uma mesma pessoa pode aparentar grandeza ou miudeza dentro de um relacionamento, pode crescer ou decrescer num espaço de poucas semanas.
Uma decepção pode diminuir o tamanho de um amor que parecia ser grande.
Uma ausência pode aumentar o tamanho de um amor que parecia ser ínfimo.
É difícil conviver com esta elasticidade: as pessoas se agigantam e se encolhem aos nossos olhos. Nosso julgamento é feito não através de centímetros e metros, mas de ações e reações, de expectativas e frustrações.
Uma pessoa é única ao estender a mão, e ao recolhê-la inesperadamente, se torna mais uma.
O egoísmo unifica os insignificantes. Não é a altura, nem o peso, nem os músculos que tornam uma pessoa grande...
enviado por
Alessandra Lucas
quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
Ser jovem
General MacArthur
A juventude não é um período de vida: ela é um estado de espírito, um efeito da vontade, uma qualidade da imaginação, uma intensidade emotiva, uma vitória da coragem sobre a timidez, do gosto da aventura sobre o amor ao comodismo.
Não se envelhece por haver vivido um certo número de anos, fica-se velho quando se abandona seu ideal, os anos enrugam o rosto, a renúncia ao ideal enruga a alma.
As preocupações, as dúvidas, os temores, os desesperos são inimigos que lentamente nos inclinam para a terra e nos torna pó antes da morte.
Jovem é aquele que se admira, que se maravilha e pergunta como criança insaciável: “E depois?”...
Jovem é aquele que desafia os acontecimentos e encontra alegrias no jogo da vida.
És tão jovem quanto a tua fé. Tão velho quanto a tua descrença. Tão jovem quanto a confiança em ti mesmo. Tão jovem quanto a esperança, tão velho quanto o teu desânimo, teu abatimento.
Serás tão jovem enquanto te conservares receptivo ao que é belo, bom e grandioso, sensível às mensagens da natureza, do homem, do infinito.
E se algum dia teu coração for dominado pelo pessimismo e corroído pelo desencanto, que Deus tenha piedade de tua alma de velho.
extraido do boletim da SBPC PE
José Antônio Aleixo da Silva, Editor/Redator
Secretário da SBPC Nacional
A juventude não é um período de vida: ela é um estado de espírito, um efeito da vontade, uma qualidade da imaginação, uma intensidade emotiva, uma vitória da coragem sobre a timidez, do gosto da aventura sobre o amor ao comodismo.
Não se envelhece por haver vivido um certo número de anos, fica-se velho quando se abandona seu ideal, os anos enrugam o rosto, a renúncia ao ideal enruga a alma.
As preocupações, as dúvidas, os temores, os desesperos são inimigos que lentamente nos inclinam para a terra e nos torna pó antes da morte.
Jovem é aquele que se admira, que se maravilha e pergunta como criança insaciável: “E depois?”...
Jovem é aquele que desafia os acontecimentos e encontra alegrias no jogo da vida.
És tão jovem quanto a tua fé. Tão velho quanto a tua descrença. Tão jovem quanto a confiança em ti mesmo. Tão jovem quanto a esperança, tão velho quanto o teu desânimo, teu abatimento.
Serás tão jovem enquanto te conservares receptivo ao que é belo, bom e grandioso, sensível às mensagens da natureza, do homem, do infinito.
E se algum dia teu coração for dominado pelo pessimismo e corroído pelo desencanto, que Deus tenha piedade de tua alma de velho.
extraido do boletim da SBPC PE
José Antônio Aleixo da Silva, Editor/Redator
Secretário da SBPC Nacional
terça-feira, 20 de dezembro de 2011
Que país é este?
André Trigueiro
O leitor haverá de me perdoar se nas linhas abaixo resolvi deixar de lado meu otimismo incorrigível para enumerar, de maneira resumida, assuntos sobre os quais o Brasil parece ter perdido a noção do perigo ou mesmo do bom senso.
Por que quando o assunto é agrotóxico, o país campeão mundial no uso dessas substâncias venenosas ainda tem legislação frouxa, fiscalização deficiente e uma estranha burocracia que impede a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) de agir rápido quando se constata a necessidade de retirar do mercado um determinado produto de elevada toxicidade? Nas lavouras brasileiras são usados pelo menos dez produtos proibidos na União Européia, Estados Unidos e um deles até no Paraguai.
Por que quando o assunto é transgênico, os protocolos de biossegurança que antecedem o licenciamento de novas substâncias geneticamente modificadas parecem ser sistematicamente desprezados por parte da maioria dos doutores que integram a CTNbio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), onde os Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente têm direito a voto, mas são minoria?
Por que no país do pré-sal o precedente aberto pelo mega-vazamento de óleo da BP no Golfo do México (o maior desastre natural dos Estados Unidos) não serviu de lição para que evitássemos o vexame do vazamento da Chevron na Bacia de Campos, da forma como aconteceu, escancarando inúmeras lacunas de ordem legal, institucional e operacional para deleite das companhias que já operam 10 mil poços de petróleo no Brasil e transformarão em breve nosso leito marinho num gigantesco paliteiro com novos buracos abertos sabe lá Deus (ou Netuno) de que jeito?
Como foi possível aprovar um novo Código Florestal que foi alvo de questionamentos importantes da comunidade científica – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Academia Brasileira de Ciências e da própria Agência Nacional de Águas (ANA) – nos precipitando em uma direção cujos impactos ambientais, econômicos e sociais não temos como avaliar hoje com clareza?
Até quando celebraremos – especialmente os economistas de plantão – sucessivos recordes nas vendas de automóveis, sem considerar os violentos impactos sobre a mobilidade urbana? Até quando vamos ignorar os reflexos dos monumentais engarrafamentos, a qualquer dia e hora da semana, sobre nossa saúde(inalação de poluentes, e estresse físico e emocional para quem está preso dentro do seu próprio carro e, principalmente, para os que penam no transporte público), nossa qualidade de vida (menos tempo para o descanso, lazer ou para a família), o meio ambiente (agravamento do efeito estufa), a segurança pública(maior exposição dos motoristas a assaltantes), a gestão municipal (impossibilidade de atendimentos emergenciais, porque as ambulâncias, viaturas da polícia e carros de bombeiros não conseguem mais chegar rápido a seus destinos) etc?
Por que preferimos rotular todos os políticos de desonestos e corruptos, sem exceções, em vez de destacar a atuação heróica de alguns – são poucos, é verdade – mas que merecem nosso apoio porque sem eles tudo seria mais difícil? Lembrando Sêneca:” A maior desgraça de quem não gosta de política é ser governado por quem gosta”.
Como é possível nos afirmarmos como potência mundial, se nossos indicadores na área da educação são simplesmente vexatórios? Como é possível aceitar que ainda tenhamos 14 milhões de pessoas que não saibam ler e uma legião de mais de 36 milhões de analfabetos funcionais, que mal conseguem assinar o próprio nome?
Como pleitear a condição de país desenvolvido se metade (56%) dos domicílios do país não tem acesso à rede de esgoto e onde a monumental letargia das diferentes esferas de governo impede qualquer previsão seguras de quando esse problema será resolvido?
Todas essas questões poderiam estar sendo tratadas de outro jeito se tivéssemos a coragem de repeti-las mais e mais vezes.
Artigo publicado na edição de dezembro da Revista GQ
Obituário do Código Florestal (1934-2011)
VALOR, 20dez11, p. A11
Por José Eli da Veiga
Obituário: ele faleceu na noite da terça-feira, 6/12, vítima de múltiplos atropelamentos no Congresso. O corpo passará o verão em necrotério, pois há quem proponha seu esquartejamento antes da cerimônia no Planalto. Crueldade que só poderá ser evitada se deputados e senadores forjados na luta pela redemocratização aproveitarem o recesso para meditar sobre três questões.
O Código que está para ser revogado amadureceu em 15 anos de deliberações democráticas. Começou a tramitar em 2 de janeiro de 1950, quando o "Projeto Daniel de Carvalho" foi encaminhado ao Congresso por mensagem presidencial de Eurico Gaspar Dutra. Resultou a lei federal do "Novo Código Florestal" (NCF), só promulgada dia 15 de setembro de 1965, já por Castello Branco, em conjuntura que Elio Gaspari tão bem caracterizou como "Ditadura envergonhada" (Companhia Das Letras, 2002). Antes do Ato Institucional no 2 que dissolveu os partidos, tornou indireta a escolha do presidente da República e transferiu para a Justiça Militar o julgamento de crimes políticos.
Esse esclarecimento é crucial para desmentir ladainha da cruzada dos grupos mais interessados em afrouxamento das normas de conservação agroambiental. Infelizmente, também por desinformados simpatizantes da mobilização que alerta a opinião pública para as injustiças e retrocessos contidos nos projetos da Câmara (PLC 30) e do Senado (Substitutivo 1358). O NCF não foi "obra dos militares". Afirmá-lo é conspurcar a memória das lutas pela democracia.
A obra dos militares foi inversa. Por 27 anos foram promovidos desmatamentos de áreas vocacionadas à preservação permanente, assim como sabotagens de outros dispositivos de proteção desses "bens de interesse comum a todos os habitantes do país". Não apenas nos dois decênios de ditadura "escancarada", "encurralada" e "derrotada" (1965-1985), como também no tragicômico setenado de Sarney e Collor (1985-1992). As salvaguardas do artigo 225 da Constituição de 1988 só puderam surtir efeito dez anos depois, com a Lei de Crimes Ambientais, também esmiuçada pelo Congresso entre 1992 e 1998.
A principal consequência política dessa história institucional é a admissibilidade de se anistiar aqueles produtores agropecuários que - até 1998 - descumpriram o NCF por terem sido oficialmente tangidos a suprimir vegetação nativa de áreas sensíveis.
O corolário é que nada tem de anistia, mas sim de torpe indulto, qualquer perdão a desmatamento feito sem licença a partir de 1999.
Ao não estabelecerem tal distinção, PLC e Substitutivo tratam como se fosse farinha do mesmo saco duas realidades opostas: áreas rurais legitimamente "consolidadas" por árduo e cuidadoso trabalho de abnegados produtores agropecuários, versus terras travestidas de pastagens para a especulação fundiária. A predatória aposta que alavancou 80% do déficit de áreas de preservação permanente: 44 dos faltantes 55 milhões de hectares (Mha).
Só isso explica a ilusão de que a bovinocultura ocupe área 3,5 vezes maior que o total das lavouras. A maior parte dos 211 milhões de hectares tidos como pastos constitui gigantesco estoque imobiliário voltado a rendimentos que nada têm a ver com atividades produtivas (lucros "extraordinários" em economês). Serão os senhores desses domínios os principais ganhadores caso o NCF seja revogado por diploma semelhante ao PLC ou ao Substitutivo senatorial.
Além de indultar as criminosas devastações dos últimos 13 anos, e premiar especuladores fundiários disfarçados de pecuaristas, esses dois projetos embutem uma terceira atrocidade: dispensam todos os imóveis rurais com área de até 4 módulos fiscais, por alegada compaixão por empreendedores agropecuários de pequeno/médio porte. Aí se tira proveito da reinante confusão entre duas categorias legais: imóveis e estabelecimentos. Uma coisa é propriedade/posse fora de perímetro urbano ("imóvel rural"). Outra é empreendimento agrícola, pecuário e/ou florestal ("estabelecimento agrícola"). Nem toda propriedade imobiliária abriga negócio produtivo.
Atinge 56 milhões de hectares o hiato entre a área ocupada por imóveis rurais de até 4 módulos fiscais (136 milhões de hectares) e a dos estabelecimentos agrícolas familiares (80 milhões de hectares). Lacuna que corresponde a 544 mil imóveis, cuja área média é, portanto, de 103 hectares. A maior parte não entra no Censo Agropecuário pelo simples fato de se tratar de terras nas quais inexiste atividade produtiva relevante. É a fatia da especulação imobiliária voltada ao mercado dos sítios e chácaras de recreio, turbinado pelas famílias urbanas emergentes. Neste caso, solidariedade aos agricultores familiares só serve de pretexto para contentar outros ocupantes do andar de cima com desobrigações de práticas conservacionistas.
Esta é, em suma, a economia política da revogação do NCF: um pacto do latifúndio mais tropical com as bucólicas elites urbanas. Aliança que já demonstrou imensa força parlamentar. Principalmente por contar com estarrecedora adesão do PT, a reboque da esquisita titular do Meio Ambiente.
José Eli da Veiga é professor dos programas de pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP) e do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), escreve mensalmente às terças-feiras. Página web: www.zeeli.pro.br
Revogação do atual Código Florestal é um pacto do latifúndio mais tropical com as mais bucólicas elites urbanas
Crianças decoram cartilha ecológica e viram fiscais da natureza
IRENE RUBERTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Onde quer que estejam, crianças são bombardeadas por mensagens de preservação ambiental. Elas decoram a cartilha verde e lideram a adoção de novos hábitos.
É um exército mirim em formação. A patrulhinha economiza água, separa o lixo e chama a atenção de quem não segue regras ecologicamente corretas. Uma graça.
O problema é que a missão "salvar o planeta" é pesada demais para a pouca idade. "Algumas informações estão muito distantes da capacidade cognitiva de crianças", diz Adriana Braga, bióloga e professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de São Paulo.
"Escolas já me procuraram porque os alunos estavam em pânico, sem dormir, diziam que ia pegar fogo na Terra e a água ia invadir a casa deles", afirma Braga, que integra grupo de pesquisa em educação ambiental. "Se para adultos enfrentar desafios ambientais já dá sensação de impotência, imagine para a criança." Menores de sete anos não têm total noção de tempo e espaço. Não entendem onde ficam as áreas litorâneas que poderiam ser alagadas, por exemplo. "Absorvem alguns conceitos, mas não tudo", afirma a professora. Mas as crianças levam a sério seu papel de guardiões do planeta e convocam pais e irmãos para a luta.
Mariana Petrosink da Costa, 5, cobra responsabilidade verde do irmão mais velho e controla até o tempo que ele fica no banho. "Ela chama a atenção do irmão de 16 anos", diz a mãe, a autônoma Kátia Petrosink da Costa, 44. Depois que Mariana começou a frequentar a escola, há dois anos, a família mudou seus hábitos. Antes, só reciclavam óleo. Agora separam também garrafas e plásticos. A menina pede que escovem os dentes com a torneira fechada -ela mesma usa uma caneca para fazer bochechos.
Mariana também recolhe cartões telefônicos jogados na rua. Inventou uma brincadeira: repete "olhou para o chão, achou um cartão" sempre que pega mais um. "Vivo com a bolsa cheia de papéis de bala, ela não joga nada fora e pede para eu guardar", conta a mãe. Mariana estuda na zona leste, numa chamada "escola verde" da rede municipal paulistana, com projetos de conscientização ambiental. A menina chega em casa contando tudo o que ouviu lá. "A criança reproduz na família o que incorporou na escola; ela tem força em casa, tem ascendência sobre a família, funciona como um fiscalzinho", diz a professora da UFRJ e mestre em educação Tania Zagury.
MEDOS E PESADELOS
Maria Eduarda Arb Comparato, 6, faz sua própria seleção de recicláveis. Tem uma "caixa de criatividade", onde guarda embalagens vazias. Usa o material para inventar brinquedos. "Com um pote de glitter vazio fiz um chocalho sozinha", afirma.
A menina já levou 22 tubos do interior do rolo de papel higiênico à escola, para que cada colega fizesse um bonequinho com aquilo, conta a mãe, a psicóloga Luciana Arb Comparato, 36.
Em casa, Maria Eduarda chama a atenção do culpado, se nota desperdício de água. "Precisa economizar, senão as árvores morrem e a gente fica sem ar e morre também."
Depois de visitar com a escola uma exposição sobre água, fez questão de que os pais e o irmão menor fossem também, para aprender sobre a importância dos mananciais.
"Ela é muito antenada com isso, mas acho que lida de forma saudável", diz a mãe.
A educadora Tania Zagury afirma que é essencial mostrar aos pequenos que há saídas. "Se a criança se mostrar muito preocupada, cabe aos pais passar tranquilidade, conversar e tirar todas as dúvidas do filho."
Em duas faixas de idade as crianças se mostram mais suscetíveis a medos e pesadelos. Primeiro, aos dois anos, quando ainda têm uma visão fantasiosa do mundo. Depois, aos sete, quando começam a compreender a realidade e ficam preocupadas com situações concretas.
PASSANDO CONCEITO
Para a professora Adriana Braga, uma forma de despertar a consciência ambiental dos pequenos é trabalhar valores como o respeito à vida e o cuidado com os outros.
"Ensinar que o brinquedo da escola é de todo mundo, por isso deve ser bem cuidado, que a sala de aula deve ficar limpa, porque será usada por outra turma, são maneiras de passar conceitos sobre a responsabilidade com o espaço coletivo, a essência da questão ambiental", diz. Segundo ela, as crianças recebem excesso de informações e às vezes só repetem o que ouvem, sem consciência.
A professora conta que, conversando com um grupo de alunos, todos disseram que não se devia jogar lixo pela janela do carro. Ao questionar o porquê, ouviu: "Porque a natureza fica brava", "Deus fica triste" e até "Se ninguém estiver olhando, não tem problema".
As mensagens ecológicas estão por toda a parte, mas é na escola que as principais noções de consciência ambiental são passadas. O tema é encaixado em projetos de todas as disciplinas e séries. "Às vezes os professores não têm consciência, só reproduzem o conteúdo porque há a pressão para trabalhá-lo", diz Braga. As irmãs Carolina, 5, e Amanda, 9, ajudam a separar o lixo em casa. Elas lavam os potes vazios e jogam na lixeira com separador de recicláveis. "Quando a professora perguntou o que faziam pelo ambiente, a mais nova disse que ia à escola de carona porque polui menos", conta a odontopediatra Adriana Ziemer Moreira, 40, a mãe, que se reveza com outras para levar as meninas.
As irmãs também dizem não brincar no banho, para não gastar água. "Elas não têm paranoia, mas é bom pensar no futuro", diz a mãe.
Um estudo na Inglaterra mostrou que 82% das crianças de 7 a 14 anos acham mais importante aprender sobre questões ambientais do que ter aulas de ciência, história e tecnologia da informação.
Das entrevistadas, 64% afirmaram ter influência sobre os pais com relação ao meio ambiente. Em outra etapa, feita com pais de crianças na mesma faixa etária, a pesquisa confirmou que elas mudam os hábitos familiares: seis em cada dez pais afirmaram que seus filhos os influenciam a ser mais "ecológicos".
A pesquisa foi feita pelo grupo inglês Co-Operative, que tem um programa educacional de escolas verdes. Ouviu 1.027 crianças e 1.002 adultos. O interesse dos mais novos pelo tema revela que a geração anterior é mais mal informada: metade dos pais admitiu dificuldades para responder às perguntas dos filhos sobre o tema.
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Onde quer que estejam, crianças são bombardeadas por mensagens de preservação ambiental. Elas decoram a cartilha verde e lideram a adoção de novos hábitos.
É um exército mirim em formação. A patrulhinha economiza água, separa o lixo e chama a atenção de quem não segue regras ecologicamente corretas. Uma graça.
O problema é que a missão "salvar o planeta" é pesada demais para a pouca idade. "Algumas informações estão muito distantes da capacidade cognitiva de crianças", diz Adriana Braga, bióloga e professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de São Paulo.
"Escolas já me procuraram porque os alunos estavam em pânico, sem dormir, diziam que ia pegar fogo na Terra e a água ia invadir a casa deles", afirma Braga, que integra grupo de pesquisa em educação ambiental. "Se para adultos enfrentar desafios ambientais já dá sensação de impotência, imagine para a criança." Menores de sete anos não têm total noção de tempo e espaço. Não entendem onde ficam as áreas litorâneas que poderiam ser alagadas, por exemplo. "Absorvem alguns conceitos, mas não tudo", afirma a professora. Mas as crianças levam a sério seu papel de guardiões do planeta e convocam pais e irmãos para a luta.
Na Lata | |||
A menina Mariana Petrosink brinca com cartões telefônicos que recolhe na rua |
Mariana Petrosink da Costa, 5, cobra responsabilidade verde do irmão mais velho e controla até o tempo que ele fica no banho. "Ela chama a atenção do irmão de 16 anos", diz a mãe, a autônoma Kátia Petrosink da Costa, 44. Depois que Mariana começou a frequentar a escola, há dois anos, a família mudou seus hábitos. Antes, só reciclavam óleo. Agora separam também garrafas e plásticos. A menina pede que escovem os dentes com a torneira fechada -ela mesma usa uma caneca para fazer bochechos.
Mariana também recolhe cartões telefônicos jogados na rua. Inventou uma brincadeira: repete "olhou para o chão, achou um cartão" sempre que pega mais um. "Vivo com a bolsa cheia de papéis de bala, ela não joga nada fora e pede para eu guardar", conta a mãe. Mariana estuda na zona leste, numa chamada "escola verde" da rede municipal paulistana, com projetos de conscientização ambiental. A menina chega em casa contando tudo o que ouviu lá. "A criança reproduz na família o que incorporou na escola; ela tem força em casa, tem ascendência sobre a família, funciona como um fiscalzinho", diz a professora da UFRJ e mestre em educação Tania Zagury.
MEDOS E PESADELOS
Maria Eduarda Arb Comparato, 6, faz sua própria seleção de recicláveis. Tem uma "caixa de criatividade", onde guarda embalagens vazias. Usa o material para inventar brinquedos. "Com um pote de glitter vazio fiz um chocalho sozinha", afirma.
Na Lata | |
Maria Eduarda Comparato, 6, que reaproveita tudo em casa, de embalagens de presentes a potes de iogurte |
A menina já levou 22 tubos do interior do rolo de papel higiênico à escola, para que cada colega fizesse um bonequinho com aquilo, conta a mãe, a psicóloga Luciana Arb Comparato, 36.
Em casa, Maria Eduarda chama a atenção do culpado, se nota desperdício de água. "Precisa economizar, senão as árvores morrem e a gente fica sem ar e morre também."
Depois de visitar com a escola uma exposição sobre água, fez questão de que os pais e o irmão menor fossem também, para aprender sobre a importância dos mananciais.
"Ela é muito antenada com isso, mas acho que lida de forma saudável", diz a mãe.
A educadora Tania Zagury afirma que é essencial mostrar aos pequenos que há saídas. "Se a criança se mostrar muito preocupada, cabe aos pais passar tranquilidade, conversar e tirar todas as dúvidas do filho."
Em duas faixas de idade as crianças se mostram mais suscetíveis a medos e pesadelos. Primeiro, aos dois anos, quando ainda têm uma visão fantasiosa do mundo. Depois, aos sete, quando começam a compreender a realidade e ficam preocupadas com situações concretas.
PASSANDO CONCEITO
Para a professora Adriana Braga, uma forma de despertar a consciência ambiental dos pequenos é trabalhar valores como o respeito à vida e o cuidado com os outros.
"Ensinar que o brinquedo da escola é de todo mundo, por isso deve ser bem cuidado, que a sala de aula deve ficar limpa, porque será usada por outra turma, são maneiras de passar conceitos sobre a responsabilidade com o espaço coletivo, a essência da questão ambiental", diz. Segundo ela, as crianças recebem excesso de informações e às vezes só repetem o que ouvem, sem consciência.
A professora conta que, conversando com um grupo de alunos, todos disseram que não se devia jogar lixo pela janela do carro. Ao questionar o porquê, ouviu: "Porque a natureza fica brava", "Deus fica triste" e até "Se ninguém estiver olhando, não tem problema".
As mensagens ecológicas estão por toda a parte, mas é na escola que as principais noções de consciência ambiental são passadas. O tema é encaixado em projetos de todas as disciplinas e séries. "Às vezes os professores não têm consciência, só reproduzem o conteúdo porque há a pressão para trabalhá-lo", diz Braga. As irmãs Carolina, 5, e Amanda, 9, ajudam a separar o lixo em casa. Elas lavam os potes vazios e jogam na lixeira com separador de recicláveis. "Quando a professora perguntou o que faziam pelo ambiente, a mais nova disse que ia à escola de carona porque polui menos", conta a odontopediatra Adriana Ziemer Moreira, 40, a mãe, que se reveza com outras para levar as meninas.
Na Lata | ||
As irmãs Amanda e Carolina jogam lixo na lata de lixo reciclavel |
As irmãs também dizem não brincar no banho, para não gastar água. "Elas não têm paranoia, mas é bom pensar no futuro", diz a mãe.
Um estudo na Inglaterra mostrou que 82% das crianças de 7 a 14 anos acham mais importante aprender sobre questões ambientais do que ter aulas de ciência, história e tecnologia da informação.
Das entrevistadas, 64% afirmaram ter influência sobre os pais com relação ao meio ambiente. Em outra etapa, feita com pais de crianças na mesma faixa etária, a pesquisa confirmou que elas mudam os hábitos familiares: seis em cada dez pais afirmaram que seus filhos os influenciam a ser mais "ecológicos".
A pesquisa foi feita pelo grupo inglês Co-Operative, que tem um programa educacional de escolas verdes. Ouviu 1.027 crianças e 1.002 adultos. O interesse dos mais novos pelo tema revela que a geração anterior é mais mal informada: metade dos pais admitiu dificuldades para responder às perguntas dos filhos sobre o tema.
segunda-feira, 19 de dezembro de 2011
Clima - para onde vamos só com boas intenções
Washington Novaes
O mundo das palavras é sempre muito fértil, costuma permitir interpretações diferentes para o mesmo objeto descrito - às vezes, até contraditórias entre elas. Quando esse mundo das palavras adentra o território da diplomacia, os resultados podem ser ainda mais surpreendentes - e este é o caso do desfecho da reunião da Convenção do Clima, no último domingo, em Durban. Como as negociações continuavam emperradas, a linguagem diplomática encarregou-se de superar as últimas resistências a uma declaração de intenções, considerada por muitos participantes e representantes de governos - inclusive o brasileiro - como um "documento histórico", em que "todos os países convergiram para o mesmo objetivo".
E aonde se chegou, afinal? Exatamente ao que estava previsto há meses e foi registrado em artigo neste espaço: por falta de consenso entre os participantes - que impossibilita aprovar documentos que tornem obrigatórias as decisões -, ficar-se-ia apenas numa declaração de intenções, em que os países anunciariam o desejo de chegar até 2015 (ou 2020) a um documento "vinculante" (obrigatório), com os signatários se comprometendo a reduzir, a partir daí, suas emissões de gases poluentes que intensificam mudanças climáticas. A declaração de Durban foi mais longe ao não estabelecer sanções para quem não cumprir o prometido.
Paralelamente, aprovou-se uma prorrogação, até 2017 (como queriam os países-ilhas, União Europeia e Brasil propunham 2020) do Protocolo de Kyoto, pelo qual, em 1997, se estabeleceu que os países industrializados reduziriam suas emissões em 5,2%, calculadas sobre as de 1990. Até hoje essa decisão não foi cumprida, os países industrializados aumentaram suas emissões. Mas era importante ter em vigor um documento como o de Kyoto, porque a ele está vinculado o Mecanismo do Desenvolvimento Limpo, pelo qual um país industrializado (ou uma de suas empresas) pode financiar em outro país projeto que leve à redução de emissões e contabilizar essa redução em seu balanço próprio. E hoje há um "mercado mundial de carbono" que já envolve muitos bilhões de dólares; como ficaria sem o protocolo? Então, Kyoto continua. E com todos fechando os olhos para a ausência de Japão, Rússia, Canadá e para a falta de consenso.
Será cumprida a intenção aprovada nesse roteiro de Durban? Os antecedentes não levam a muito otimismo. Em 2008, na Indonésia, aprovou-se o chamado "roteiro de Bali", pelo qual se desenhou o caminho que deveria levar em 2009, na reunião da convenção em Copenhague, a um acordo com obrigações de redução de emissões. Mas na Dinamarca a diferença de posições entre EUA e países industrializados, de um lado, e os "emergentes", de outro, fechou as portas a um acordo - com os emergentes lembrando que a obrigação mais antiga e maior de reduzir emissões era dos industrializados e os industrializados dizendo que sem os emergentes de nada adiantaria a decisão, já que estes são hoje os maiores emissores (China, Índia e Brasil estão entre os cinco maiores). Com o impasse em Copenhague, transferiu-se a decisão para 2010 em Cancún. Mas ali o impasse também persistiu.
Agora, aprovada a declaração de Durban, incluídos os emergentes, pergunta-se: o Congresso dos EUA aprovará a redução de emissões no país, desbloqueando o caminho - ao contrário do que tem feito até agora? E se os EUA ou outro país não cumprirem, o que acontecerá? Não há sanções previstas. A primeira proposta de texto dizia que ele teria força legal, mas o impasse levou a uma redação que tornou tudo mais vago, ao ser modificada para "um resultado acordado, com força legal", que possa ser aprovado em 2015 e entre em vigor em 2020, com metas obrigatórias de redução de emissões para todos os países. Também se aprovou a criação do fundo que porá US$ 100 bilhões anuais de contribuintes industrializados à disposição de outros países para enfrentarem os problemas do clima. Mas não se definiu quem contribuirá e com quanto. Nem com que tecnologias.
Curiosamente, o Brasil, depois de receber de ambientalistas o troféu "Fóssil do Dia", pela proposta de novo Código Florestal, recebeu também elogios do secretário-geral do Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Achim Steiner, pois, a seu ver, o País não deve ser criticado por causa desse projeto, "porque nenhum país fez o que o Brasil fez para combater emissões nos últimos dois anos". É discutível, se considerados os compromissos de redução como "voluntários" e verificáveis só quando possível confrontá-la com o que seriam esses poluentes em 2020.
Além disso, há outros estudos a demonstrar que o País continua emitindo acima de dez toneladas anuais de carbono por habitante, segundo estudo do renomado Nicholas Stern, ex-economista-chefe do Banco Mundial. A própria redução de emissões na área do desmatamento precisa ser encarada com cautela, uma vez que tomou como base de comparação anos de desmatamento muito mais alto e grande parte da redução coincidiu com a crise econômica de 2008-2009 e queda das vendas de produtos amazônicos. De qualquer forma, ainda é um desmatamento alto, acima de seis mil quilômetros quadrados anuais, sem levar em consideração áreas cobertas por nuvens (que impedem o registro por satélites) ou onde o desmatamento é seletivo, sem corte raso de toda a vegetação.
Para completar: cientistas dizem que para não haver uma expansão dramática nos "eventos climáticos extremos" não se devem ultrapassar 2 graus Celsius no aumento da temperatura da Terra (já subiu 0,8 grau) - e para isso as emissões não podem superar 32 bilhões de toneladas anuais de carbono (mas com aumento de 6%, em 2010 elas já chegaram a 30,6 bilhões de toneladas). Superado esse ponto, a temperatura poderá aumentar entre 3,5 e 5 graus neste século. Iniciar só em 2020 o cumprimento das intenções de Durban é compatível com essa advertência?
Washington Novaes é jornalista
O mundo das palavras é sempre muito fértil, costuma permitir interpretações diferentes para o mesmo objeto descrito - às vezes, até contraditórias entre elas. Quando esse mundo das palavras adentra o território da diplomacia, os resultados podem ser ainda mais surpreendentes - e este é o caso do desfecho da reunião da Convenção do Clima, no último domingo, em Durban. Como as negociações continuavam emperradas, a linguagem diplomática encarregou-se de superar as últimas resistências a uma declaração de intenções, considerada por muitos participantes e representantes de governos - inclusive o brasileiro - como um "documento histórico", em que "todos os países convergiram para o mesmo objetivo".
E aonde se chegou, afinal? Exatamente ao que estava previsto há meses e foi registrado em artigo neste espaço: por falta de consenso entre os participantes - que impossibilita aprovar documentos que tornem obrigatórias as decisões -, ficar-se-ia apenas numa declaração de intenções, em que os países anunciariam o desejo de chegar até 2015 (ou 2020) a um documento "vinculante" (obrigatório), com os signatários se comprometendo a reduzir, a partir daí, suas emissões de gases poluentes que intensificam mudanças climáticas. A declaração de Durban foi mais longe ao não estabelecer sanções para quem não cumprir o prometido.
Paralelamente, aprovou-se uma prorrogação, até 2017 (como queriam os países-ilhas, União Europeia e Brasil propunham 2020) do Protocolo de Kyoto, pelo qual, em 1997, se estabeleceu que os países industrializados reduziriam suas emissões em 5,2%, calculadas sobre as de 1990. Até hoje essa decisão não foi cumprida, os países industrializados aumentaram suas emissões. Mas era importante ter em vigor um documento como o de Kyoto, porque a ele está vinculado o Mecanismo do Desenvolvimento Limpo, pelo qual um país industrializado (ou uma de suas empresas) pode financiar em outro país projeto que leve à redução de emissões e contabilizar essa redução em seu balanço próprio. E hoje há um "mercado mundial de carbono" que já envolve muitos bilhões de dólares; como ficaria sem o protocolo? Então, Kyoto continua. E com todos fechando os olhos para a ausência de Japão, Rússia, Canadá e para a falta de consenso.
Será cumprida a intenção aprovada nesse roteiro de Durban? Os antecedentes não levam a muito otimismo. Em 2008, na Indonésia, aprovou-se o chamado "roteiro de Bali", pelo qual se desenhou o caminho que deveria levar em 2009, na reunião da convenção em Copenhague, a um acordo com obrigações de redução de emissões. Mas na Dinamarca a diferença de posições entre EUA e países industrializados, de um lado, e os "emergentes", de outro, fechou as portas a um acordo - com os emergentes lembrando que a obrigação mais antiga e maior de reduzir emissões era dos industrializados e os industrializados dizendo que sem os emergentes de nada adiantaria a decisão, já que estes são hoje os maiores emissores (China, Índia e Brasil estão entre os cinco maiores). Com o impasse em Copenhague, transferiu-se a decisão para 2010 em Cancún. Mas ali o impasse também persistiu.
Agora, aprovada a declaração de Durban, incluídos os emergentes, pergunta-se: o Congresso dos EUA aprovará a redução de emissões no país, desbloqueando o caminho - ao contrário do que tem feito até agora? E se os EUA ou outro país não cumprirem, o que acontecerá? Não há sanções previstas. A primeira proposta de texto dizia que ele teria força legal, mas o impasse levou a uma redação que tornou tudo mais vago, ao ser modificada para "um resultado acordado, com força legal", que possa ser aprovado em 2015 e entre em vigor em 2020, com metas obrigatórias de redução de emissões para todos os países. Também se aprovou a criação do fundo que porá US$ 100 bilhões anuais de contribuintes industrializados à disposição de outros países para enfrentarem os problemas do clima. Mas não se definiu quem contribuirá e com quanto. Nem com que tecnologias.
Curiosamente, o Brasil, depois de receber de ambientalistas o troféu "Fóssil do Dia", pela proposta de novo Código Florestal, recebeu também elogios do secretário-geral do Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Achim Steiner, pois, a seu ver, o País não deve ser criticado por causa desse projeto, "porque nenhum país fez o que o Brasil fez para combater emissões nos últimos dois anos". É discutível, se considerados os compromissos de redução como "voluntários" e verificáveis só quando possível confrontá-la com o que seriam esses poluentes em 2020.
Além disso, há outros estudos a demonstrar que o País continua emitindo acima de dez toneladas anuais de carbono por habitante, segundo estudo do renomado Nicholas Stern, ex-economista-chefe do Banco Mundial. A própria redução de emissões na área do desmatamento precisa ser encarada com cautela, uma vez que tomou como base de comparação anos de desmatamento muito mais alto e grande parte da redução coincidiu com a crise econômica de 2008-2009 e queda das vendas de produtos amazônicos. De qualquer forma, ainda é um desmatamento alto, acima de seis mil quilômetros quadrados anuais, sem levar em consideração áreas cobertas por nuvens (que impedem o registro por satélites) ou onde o desmatamento é seletivo, sem corte raso de toda a vegetação.
Para completar: cientistas dizem que para não haver uma expansão dramática nos "eventos climáticos extremos" não se devem ultrapassar 2 graus Celsius no aumento da temperatura da Terra (já subiu 0,8 grau) - e para isso as emissões não podem superar 32 bilhões de toneladas anuais de carbono (mas com aumento de 6%, em 2010 elas já chegaram a 30,6 bilhões de toneladas). Superado esse ponto, a temperatura poderá aumentar entre 3,5 e 5 graus neste século. Iniciar só em 2020 o cumprimento das intenções de Durban é compatível com essa advertência?
Washington Novaes é jornalista
A tolerante lei da selva
Embora o Código Florestal que saiu do Senado seja melhor que o da Câmara, fica no ar a suspeita da estratégia do bode na sala
Jonal o Estado de Sao Paulo, DOMINGO, 11 DE DEZEMBRO DE 2011
aliás J5
Há alguns anos, podia-se ainda apostar com certa segurança que o Estado não teria nem condições técnicas nem vontade política suficientes para fazer cumprir a lei e conter o desmatamento. Mas várias iniciativas nos últimos 13 anos mostraram aos infratores que estava em risco sua imunidade diante do Estado: medidas legislativas, intervenções de comando e controle – embora às vezes só pontuais e efêmeras – e aperfeiçoamento da capacidade de monitoramento via satélite começaram a mudar a situação. Diante disso, parece ter surgido nova estratégia: se a lei passa a ter de ser cumprida, mude-se a lei.
É isso talvez que explique o paradoxo a que estamos assistindo: o Poder Executivo brasileiro pode se gabar hoje na COP-17 de mudanças climáticas, em Durban, da redução do desmatamento; ao mesmo tempo, o Poder Legislativo está enfiando goela abaixo uma legislação que flexibiliza a proteção das florestas e anistia boa parte do passivo ambiental.
Desde o Código Florestal de 1965, muita coisa mudou. A locomotiva econômica deixou de ser a indústria e passou a ser o agronegócio. Alguns dirão que voltamos à nossa vocação colonial. A produção de alimentos passou ao primeiro plano.
Mas mudou também a ciência desde essa época e isso graças a investimentos em ciência, tecnologia e inovação que, entre outros, deram grandes frutos no agronegócio. Ora, as duas mais importantes entidades científicas do Brasil, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e a Academia Brasileira de Ciências, passaram um ano e meio preparando e divulgando documentos e recomendações para o aperfeiçoamento do novo Código Florestal. O que restou disso?
Sim, o texto que saiu do Senado é melhor do que o texto absurdo que tinha saído da Câmara. Já se aventou que tenha sido essa mesmo a idéia, usar-se a já consagrada estratégia do bode: põe-se um bode na sala, todos reclamam, tira-se o bode e há uma melhora.
É isso talvez que explique o paradoxo a que estamos assistindo: o Poder Executivo brasileiro pode se gabar hoje na COP-17 de mudanças climáticas, em Durban, da redução do desmatamento; ao mesmo tempo, o Poder Legislativo está enfiando goela abaixo uma legislação que flexibiliza a proteção das florestas e anistia boa parte do passivo ambiental.
Desde o Código Florestal de 1965, muita coisa mudou. A locomotiva econômica deixou de ser a indústria e passou a ser o agronegócio. Alguns dirão que voltamos à nossa vocação colonial. A produção de alimentos passou ao primeiro plano.
Mas mudou também a ciência desde essa época e isso graças a investimentos em ciência, tecnologia e inovação que, entre outros, deram grandes frutos no agronegócio. Ora, as duas mais importantes entidades científicas do Brasil, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e a Academia Brasileira de Ciências, passaram um ano e meio preparando e divulgando documentos e recomendações para o aperfeiçoamento do novo Código Florestal. O que restou disso?
Sim, o texto que saiu do Senado é melhor do que o texto absurdo que tinha saído da Câmara. Já se aventou que tenha sido essa mesmo a idéia, usar-se a já consagrada estratégia do bode: põe-se um bode na sala, todos reclamam, tira-se o bode e há uma melhora.
O novo código parece apostar num futuro de obediência à lei: estabelece mecanismos de estimulo à conservação e restauração, os pagamentos por serviço ambiental e indica algumas fontes importantes de recursos; condiciona o credito agrícola e a liberação das multas à regularização ambiental; estabelece o Cadastro Ambiental Rural, que poderá se tornar um poderoso instrumento de monitoramento e controle ambiental; e aumenta a proteção em áreas urbanas.
Mas, por outro lado, o código cedeu a injunções descabidas: a proteção das nascentes e dos pequenos rios foi diminuída; as áreas úmidas na Amazônia e Pantanal ficaram mais desprotegidas, assim como grande parte das várzeas de todos os rios de planície; foi criada na 25a hora uma regra de ocupação de apicuns e manguezais que não teve nenhum estudo científico, mas obedece a interesses empresariais; abriu-se mão de uns 20 milhões de hectares de áreas a serem restauradas.
Isso sem falar das brechas conscientemente abertas: enquanto é consenso que a agricultura familiar deveria ter tratamento privilegiado, o texto atual do projeto de lei estendeu abusivamente a proprietários de quatro módulos fiscais, o que deveria ser restrito à agricultura familiar. Fez passar gato por lebre, pois agricultu- ra familiar se define (desde a Lei 11326/2006 art 3o) por quatro critérios que devem ser simultaneamente observados: uso de mão de obra e gestão familiar, ser a principal fonte de renda da família e, finalmente, tamanho. Estender o tratamento diferenciado a qualquer proprietário de área inferior a quatro módulos fiscais pode, é evidente, incitar a usar os bem conhecidos “laranjas”.
Tenta-se caracterizar o embate no Congresso em torno do Código Florestal como uma luta entre dois campos extremados, de ambientalistas e ruralistas. Na realidade, os atores em jogo são muito mais diversos. Uma parte dos produtores rurais está consciente dos problemas de sustentabilidade do agronegócio e sabe que o aumento da produção reside no aumento da produtividade, que cresceu muito em alguns setores, e não na derrubada de novas florestas e na redução das áreas de reserva legal para alargar a área de produção. Mas quem vem se considerando vencedor e celebrando ruidosamente é a parte mais retrógrada do ruralismo. É aquela que nunca quis cumprir a lei, sempre teve baixa produtividade na sua atividade agrícola e ficou apostando na anistia que, em larga medida, conseguiu. Pois anistiar-se quem desmatou ilegalmente até 2008 não faz sentido algum. Muito antes disso, os infratores já sabiam o que estavam fazenHá alguns anos, podia-se ainda apostar com certa segurança que o Estado não teria nem condições técnicas nem vontade política suficientes para fazer cumprir a lei e conter o desmatamento. Mas várias iniciativas nos últimos 13 anos mostraram aos infratores que estava em risco sua imunidade diante do Estado: medidas legislativas, intervenções de comando e controle – embora às vezes só pontuais e efêmeras – e aperfeiçoamento da capacidade de monitoramento via satélite começaram a mudar a situação. Diante disso, parece ter surgido nova estratégia: se a lei passa a ter de ser cumprida, mude-se a lei.
É isso talvez que explique o paradoxo a que estamos assistindo: o Poder Executivo brasileiro pode se gabar hoje na COP-17 de mudanças climáticas, em Durban, da redução do desmatamento; ao mesmo tempo, o Poder Legislativo está enfiando goela abaixo uma legislação que flexibiliza a proteção das florestas e anistia boa parte do passivo ambiental.
Desde o Código Florestal de 1965, muita coisa mudou. A locomotiva econômica deixou de ser a indústria e passou a ser o agronegócio. Alguns dirão que voltamos à nossa vocação colonial. A produção de alimentos passou ao primeiro plano.
Mas mudou também a ciência desde essa época e isso graças a investimentos em ciência, tecnologia e inovação que, entre outros, deram grandes frutos no agronegócio. Ora, as duas mais importantes entidades científicas do Brasil, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e a Academia Brasileira de Ciências, passaram um ano e meio preparando e divul- gando documentos e recomendações para o aperfeiçoamento do novo Código Florestal. O que restou disso?
Sim, o texto que saiu do Senado é melhor do que o texto absurdo que tinha saído da Câmara. Já se aventou que tenha sido essa mesmo a ideia, usar-se a já consagrada estratégia do bode: põe-se um bode na sala, todos reclamam, tira-se o bode e há uma melhora.
Mas, por outro lado, o código cedeu a injunções descabidas: a proteção das nascentes e dos pequenos rios foi diminuída; as áreas úmidas na Amazônia e Pantanal ficaram mais desprotegidas, assim como grande parte das várzeas de todos os rios de planície; foi criada na 25a hora uma regra de ocupação de apicuns e manguezais que não teve nenhum estudo científico, mas obedece a interesses empresariais; abriu-se mão de uns 20 milhões de hectares de áreas a serem restauradas.
Isso sem falar das brechas conscientemente abertas: enquanto é consenso que a agricultura familiar deveria ter tratamento privilegiado, o texto atual do projeto de lei estendeu abusivamente a proprietários de quatro módulos fiscais, o que deveria ser restrito à agricultura familiar. Fez passar gato por lebre, pois agricultu- ra familiar se define (desde a Lei 11326/2006 art 3o) por quatro critérios que devem ser simultaneamente observados: uso de mão de obra e gestão familiar, ser a principal fonte de renda da família e, finalmente, tamanho. Estender o tratamento diferenciado a qualquer proprietário de área inferior a quatro módulos fiscais pode, é evidente, incitar a usar os bem conhecidos “laranjas”.
Tenta-se caracterizar o embate no Congresso em torno do Código Florestal como uma luta entre dois campos extremados, de ambientalistas e ruralistas. Na realidade, os atores em jogo são muito mais diversos. Uma parte dos produtores rurais está consciente dos problemas de sustentabilidade do agronegócio e sabe que o aumento da produção reside no aumento da produtividade, que cresceu muito em alguns setores, e não na derrubada de novas florestas e na redução das áreas de reserva legal para alargar a área de produção. Mas quem vem se considerando vencedor e celebrando ruidosamente é a parte mais retrógrada do ruralismo. É aquela que nunca quis cumprir a lei, sempre teve baixa produtividade na sua atividade agrícola e ficou apostando na anistia que, em larga medida, conseguiu. Pois anistiar-se quem desmatou ilegalmente até 2008 não faz sentido algum. Muito antes disso, os infratores já sabiam o que estavam fazenHá alguns anos, podia-se ainda apostar com certa segurança que o Estado não teria nem condições técnicas nem vontade política suficientes para fazer cumprir a lei e conter o desmatamento. Mas várias iniciativas nos últimos 13 anos mostraram aos infratores que estava em risco sua imunidade diante do Estado: medidas legislativas, intervenções de comando e controle – embora às vezes só pontuais e efêmeras – e aperfeiçoamento da capacidade de monitoramento via satélite começaram a mudar a situação. Diante disso, parece ter surgido nova estratégia: se a lei passa a ter de ser cumprida, mude-se a lei.
É isso talvez que explique o paradoxo a que estamos assistindo: o Poder Executivo brasileiro pode se gabar hoje na COP-17 de mudanças climáticas, em Durban, da redução do desmatamento; ao mesmo tempo, o Poder Legislativo está enfiando goela abaixo uma legislação que flexibiliza a proteção das florestas e anistia boa parte do passivo ambiental.
Desde o Código Florestal de 1965, muita coisa mudou. A locomotiva econômica deixou de ser a indústria e passou a ser o agronegócio. Alguns dirão que voltamos à nossa vocação colonial. A produção de alimentos passou ao primeiro plano.
Mas mudou também a ciência desde essa época e isso graças a investimentos em ciência, tecnologia e inovação que, entre outros, deram grandes frutos no agronegócio. Ora, as duas mais importantes entidades científicas do Brasil, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e a Academia Brasileira de Ciências, passaram um ano e meio preparando e divul- gando documentos e recomendações para o aperfeiçoamento do novo Código Florestal. O que restou disso?
Sim, o texto que saiu do Senado é melhor do que o texto absurdo que tinha saído da Câmara. Já se aventou que tenha sido essa mesmo a ideia, usar-se a já consagrada estratégia do bode: põe-se um bode na sala, todos reclamam, tira-se o bode e há uma melhora.
O novo código parece apostar num futuro de obediência à lei: estabelece mecanismos de estimulo à conservação e restaura- ção, os pagamentos por serviço ambiental e indica algumas fontes importantes de recursos; condiciona o credito agrícola e a liberação das multas à regularização ambiental; estabelece o Cadastro Ambiental Rural, que poderá se tornar um poderoso instrumento de monitoramento e controle ambiental; e aumenta a proteção em áreas urbanas.
Mas, por outro lado, o código cedeu a injunções descabidas: a proteção das nascentes e dos pequenos rios foi diminuída; as áreas úmidas na Amazônia e Pantanal ficaram mais desprotegidas, assim como grande parte das várzeas de todos os rios de planície; foi criada na 25a hora uma regra de ocupação de apicuns e manguezais que não teve nenhum estudo científico, mas obedece a interesses empresariais; abriu-se mão de uns 20 milhões de hectares de áreas a serem restauradas.
Isso sem falar das brechas conscientemente abertas: enquanto é consenso que a agricultura familiar deveria ter tratamento privilegiado, o texto atual do projeto de lei estendeu abusivamente a proprietários de quatro módulos fiscais, o que deveria ser restrito à agricultura familiar. Fez passar gato por lebre, pois agricultu- ra familiar se define (desde a Lei 11326/2006 art 3o) por quatro critérios que devem ser simultaneamente observados: uso de mão de obra e gestão familiar, ser a principal fonte de renda da família e, finalmente, tamanho. Estender o tratamento diferenciado a qualquer proprietário de área inferior a quatro módulos fiscais pode, é evidente, incitar a usar os bem conhecidos “laranjas”.
Tenta-se caracterizar o embate no Congresso em torno do Código Florestal como uma luta entre dois campos extremados, de ambientalistas e ruralistas. Na realidade, os atores em jogo são muito mais diversos. Uma parte dos produtores rurais está consciente dos problemas de sustentabilidade do agronegócio e sabe que o aumento da produção reside no aumento da produtividade, que cresceu muito em alguns setores, e não na derrubada de novas florestas e na redução das áreas de reserva legal para alargar a área de produção. Mas quem vem se considerando vencedor e celebrando ruidosamente é a parte mais retrógrada do ruralismo. É aquela que nunca quis cumprir a lei, sempre teve baixa produtividade na sua atividade agrícola e ficou apostando na anistia que, em larga medida, conseguiu. Pois anistiar-se quem desmatou ilegalmente até 2008 não faz sentido algum. Muito antes disso, os infratores já sabiam o que estavam fazendo. Data mais justificável, e olhe lá, seria 24 de agosto de 2001, data da medida provisória que definia e regulamentava as atividades em reserva legal e áreas de proteção permanente. Ou a data de 1998, da Lei de Crimes Ambientais. Quem obedeceu e tem consciência limpa deve hoje se sentir “otário”. Coincidência ou não, consta que “otário” na gíria policial é justamente quem tem ficha limpa.
Mas, por outro lado, o código cedeu a injunções descabidas: a proteção das nascentes e dos pequenos rios foi diminuída; as áreas úmidas na Amazônia e Pantanal ficaram mais desprotegidas, assim como grande parte das várzeas de todos os rios de planície; foi criada na 25a hora uma regra de ocupação de apicuns e manguezais que não teve nenhum estudo científico, mas obedece a interesses empresariais; abriu-se mão de uns 20 milhões de hectares de áreas a serem restauradas.
Isso sem falar das brechas conscientemente abertas: enquanto é consenso que a agricultura familiar deveria ter tratamento privilegiado, o texto atual do projeto de lei estendeu abusivamente a proprietários de quatro módulos fiscais, o que deveria ser restrito à agricultura familiar. Fez passar gato por lebre, pois agricultu- ra familiar se define (desde a Lei 11326/2006 art 3o) por quatro critérios que devem ser simultaneamente observados: uso de mão de obra e gestão familiar, ser a principal fonte de renda da família e, finalmente, tamanho. Estender o tratamento diferenciado a qualquer proprietário de área inferior a quatro módulos fiscais pode, é evidente, incitar a usar os bem conhecidos “laranjas”.
Tenta-se caracterizar o embate no Congresso em torno do Código Florestal como uma luta entre dois campos extremados, de ambientalistas e ruralistas. Na realidade, os atores em jogo são muito mais diversos. Uma parte dos produtores rurais está consciente dos problemas de sustentabilidade do agronegócio e sabe que o aumento da produção reside no aumento da produtividade, que cresceu muito em alguns setores, e não na derrubada de novas florestas e na redução das áreas de reserva legal para alargar a área de produção. Mas quem vem se considerando vencedor e celebrando ruidosamente é a parte mais retrógrada do ruralismo. É aquela que nunca quis cumprir a lei, sempre teve baixa produtividade na sua atividade agrícola e ficou apostando na anistia que, em larga medida, conseguiu. Pois anistiar-se quem desmatou ilegalmente até 2008 não faz sentido algum. Muito antes disso, os infratores já sabiam o que estavam fazendo. Data mais justificável, e olhe lá, seria 24 de agosto de 2001, data da medida provisória que definia e regulamentava as atividades em reserva legal e áreas de proteção permanente. Ou a data de 1998, da Lei de Crimes Ambientais. Quem obedeceu e tem consciência limpa deve hoje se sentir “otário”. Coincidência ou não, consta que “otário” na gíria policial é justamente quem tem ficha limpa.
O Brasil está perdendo uma ocasião histórica de ficar à frente de uma política que alie de forma inteligente e equitativa a produção e a sustentabilidade. Maior proteção da vegetação natural assegura sustentabilidade ambiental, maior produtividade assegura sustentabilidade econômica. Quanto à sustentabilidade social, ela seria servida pela compensação da reserva legal fora da propriedade, na forma de servidão florestal, uma maneira inteligente de distribuição de renda, onde o grande, para regularizar sua reserva legal, paga para o pequeno proprietário (geralmente em regiões de menor aptidão agrícola).
Precisamos, em suma, de uma política que pense no futuro e não só no imediato. Que se dê conta de que, tendo o País, por si só, a maior biodiversidade do planeta – 1/5 de todas espécies vivas –, ele não pode dilapidar essa riqueza não renovável. Que saiba que a reserva legal e a proteção das nascentes e de outras áreas de proteção permanente trazem enormes benefícios ao próprio agronegócio. As florestas preservadas à beira dos rios filtram a água e retêm agrotóxicos, amortizam enchentes, previnem a erosão da terra e o assoreamento dos rios. Graças a elas, ainda há peixes e navegação possível em vários rios.
Daqui a alguns meses se celebram os 20 anos da Cúpula do Rio. O país terá de explicar um novo Código Florestal que re- trocede.
Precisamos, em suma, de uma política que pense no futuro e não só no imediato. Que se dê conta de que, tendo o País, por si só, a maior biodiversidade do planeta – 1/5 de todas espécies vivas –, ele não pode dilapidar essa riqueza não renovável. Que saiba que a reserva legal e a proteção das nascentes e de outras áreas de proteção permanente trazem enormes benefícios ao próprio agronegócio. As florestas preservadas à beira dos rios filtram a água e retêm agrotóxicos, amortizam enchentes, previnem a erosão da terra e o assoreamento dos rios. Graças a elas, ainda há peixes e navegação possível em vários rios.
Daqui a alguns meses se celebram os 20 anos da Cúpula do Rio. O país terá de explicar um novo Código Florestal que re- trocede.
do. Data mais justificável, e olhe lá, seria 24 de agosto de 2001, data da medida provisória que definia e regulamentava as atividades em reserva legal e áreas de proteção permanente. Ou a data de 1998, da Lei de Crimes Ambientais. Quem obedeceu e tem consciência limpa deve hoje se sentir “otário”. Coincidência ou não, consta que “otário” na gíria policial é justamente quem tem ficha limpa.
O Brasil está perdendo uma ocasião histórica de ficar à frente de uma política que alie de forma inteligente e equitativa a produção e a sustentabilidade. Maior proteção da vegetação natural assegura sustentabilidade ambiental, maior produtividade assegura sustentabilidade econômica. Quanto à sustentabilidade social, ela seria servida pela compensação da reserva legal fora da propriedade, na forma de servidão florestal, uma maneira inteligente de distribuição de renda, onde o grande, para regularizar sua reserva legal, paga para o pequeno proprietário (geralmente em regiões de menor aptidão agrícola). Precisamos, em suma, de uma política que pense no futuro e não só no imediato. Que se dê conta de que, tendo o País, por si só, a maior biodiversidade do planeta – 1/5 de todas espécies vivas –, ele não pode dilapidar essa riqueza não renovável. Que saiba que a reserva legal e a proteção das nascentes e de outras áreas de proteção permanente trazem enormes benefícios ao próprio agronegócio. As florestas preservadas à beira dos rios filtram a água e retêm agrotóxicos, amortizam enchentes, previnem a erosão da terra e o assoreamento dos rios. Graças a elas, ainda há peixes e navegação possível em vários rios.
Daqui a alguns meses se celebram os 20 anos da Cúpula do Rio. O país terá de explicar um novo Código Florestal que retrocede.
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MANUELA CARNEIRO DA CUNHA É ANTROPÓLO- GA, PROFESSORA TITULAR APOSENTADA DA USP
E EMÉRITA DA UNIVERSIDADE DE CHICAGO RICARDO RIBEIRO RODRIGUES É PROFESSOR TITULAR DA ESALQ/USP E DIRIGE O LABORATÓRIO DE ECOLOGIA E RESTAURAÇÃO FLORESTAL JEAN-PAUL METZGER, BIÓLOGO, PROFESSOR DA USP, PRESIDE A SEÇÃO BRASILEIRA DA UNIÃO INTERNACIONAL DE ECOLOGIA DE PAISAGENS OS TRÊS PARTICIPARAM DO GRUPO DE TRABALHO DA SBPC E DA ABC SOBRE O CÓDIGO FLORESTAL
sábado, 17 de dezembro de 2011
Péssima Inversão de Valores
"People were created to be loved
Things were created to be used
The reason why the world is in CHAOS,
is because things are being loved,
and people are being used."
As pessoas foram criadas para serem amadas
As coisas foram criadas para serem usadas
A razão pela qual o mundo está um CAOS,
é porque as coisas estão sendo amadas,
e as pessoas estão sendo usadas.
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As coisas foram criadas para serem usadas
A razão pela qual o mundo está um CAOS,
é porque as coisas estão sendo amadas,
e as pessoas estão sendo usadas.
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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011
Amargo regresso
COLUNA NO GLOBO
Mirian Leitão
O que salvou a lavoura no PIB zero do terceiro trimestre foi a lavoura. Ela cresceu e, em algumas culturas, com menor área ocupada. Segundo o Inpe, o desmatamento caiu no ano. É possível, portanto, reverter a equação que fazia a destruição aumentar toda vez que que o Produto Interno Bruto acelerava. O novo Código Florestal é resultado de um processo democrático, mas representa um retrocesso.O nome do jogo é aumento de produtividade e não expansão da fronteira agrícola para áreas ainda preservadas. O eficiente, moderno e o melhor para o Brasil é fazer mais com menos. Aumentar a produtividade dos fatores de produção como a terra, esse insumo precioso.
O país viveu nos últimos meses um debate insano e travado aos berros. No final, quem perdeu foi o meio ambiente. O agronegócio recuou, em alguns pontos, graças ao trabalho dos relatores no Senado como Luiz Henrique e Jorge Viana, políticos de maior temperança do que o relator na Câmara, Aldo Rebelo. Mesmo assim, o Código que pousará na mesa da presidente Dilma será um retrocesso em relação ao de 1965.
Curiosamente, os militares, que brandiam propagandas antiambientais — “vamos acabar com o inferno verde”, diziam — fizeram um Código com mais sintonia com o século XXI.
Sim, haverá anistia a quem desmatou, ao contrário do que o governo e os defensores do novo Código dizem. A data de 22 de julho de 2008 é aleatória e construída para favorecer quem desmatou. Afinal, a Lei de Crimes Ambientais, de 1998, é de 10 anos antes e foi aprovada na democracia. Era para ter sido respeitada.
O senador Luiz Henrique diz que na versão do Senado há normas rígidas para a recomposição do que foi desmatado ilegalmente antes de julho de 2008. De fato, o Senado impôs a obrigatoriedade de recompor em parte. O engenheiro ambiental Tasso Azevedo explica, no entanto, que nas propriedades até quatro módulos não haverá recomposição; nas beiras de rio só haverá parte da recuperação da mata ciliar. O déficit entre o que foi destruído e o que será recomposto será de 20 milhões de hectares, no mínimo. Parte do replantio será com espécies exóticas, portanto, não é vegetação nativa. Os proprietários que tinham sido multados por desmatarem ilegalmente terão agora a suspensão da multa e não poderão ser autuados por um período. Não tinham acesso a crédito e voltarão a ter desde que façam o Cadastro Ambiental Rural. O governo terá que num prazo determinado criar incentivos para que os donos da terra refaçam parte do que desmataram.
A derrota no Código não é dos ambientalistas, é da luta por um Brasil moderno, que produza dentro de novos padrões, que preserve aquilo que não podemos repor: a biodiversidade. A derrota foi da esperança de atualização do padrão de produção no país. A vitória é dos que apostam que as leis devem ser adaptadas aos que a descumpriram. A palavra “consolidação” tanto usada no debate é o eufemismo para a aceitação do desrespeito à lei.
O argumento é de que agora — que o código vai mudar para que todos os que o descumpriram sejam legalizados — a lei passará a ser cumprida. O risco é ocorrer o oposto e se consagrar o princípio de que existem leis no Brasil que pegam e outras que não pegam.
O senador Luiz Henrique disse no programa que fiz na Globonews sobre o assunto que o Código anterior não poupou nenhuma árvore. A lei teria sido boa, mas ineficaz. De fato, as estatísticas assombram: 215 mil km2 desmatados na Floresta Amazônica nos últimos 15 anos. Até a escassa Mata Atlântica continua sendo derrubada: 7,5 mil km2 em 15 anos.
Mas a curva recente do desmatamento confirma que exigir o cumprimento da lei é melhor do que adaptá-la aos faltosos. Quando o desmatamento bateu recorde no governo Fernando Henrique (29 mil km2 em um ano), ele elevou a reserva legal da Amazônia e aprovou a Lei de Crimes Ambientais. O ritmo da destruição caiu. Quando voltou a subir no governo Lula (27 mil km2 em 2004), foram adotadas medidas repressivas e a taxa caiu. Em 2011, após o alerta de que o ritmo tinha acelerado, a ação do governo evitou o pior.
Algumas entidades empresariais do agronegócio, como em Paragominas, por exemplo, começam a dizer que é preciso lutar pelo desmatamento zero. Produtores, consumidores, ONGs, governo e Ministério Público fizeram pactos como a moratória da soja e a carne legal. Esse caminho vinha dando certo: cumprir a lei e não alterá-la.
O Brasil é um dos maiores produtores de vários produtos agropecuários. A vocação agrícola é um dos nossos melhores ativos, é o que tem segurado a balança comercial e evitou o PIB negativo no terceiro trimestre. Será sempre uma fonte de riqueza. Mas ao mesmo tempo o rastro desse avanço nas últimas décadas foi em grande parte o uso abusivo e criminoso dos recursos naturais, o excesso de agrotóxicos, o desrespeito à lei. Não são todos os produtores, mas em grande parte, sim. É inegável. Não se briga com números e fatos.
Houve um retrocesso no Brasil com o novo Código. Não há esperança de reversão. O risco é ficar ainda pior na Câmara, com a supressão de algumas melhorias. Foi uma escolha coletiva num processo democrático, mas foi insensata. Desatualizada.
sexta-feira, 9 de dezembro de 2011
INPE anuncia menor área **ainda enorme** de desmatamento anual desde 1988
Nota do Blog: Abaixo alguns slides do anuncio feito sobre desmatamento no ultimo ano. O grupo de monitoramento da vegetação do INPE é hoje respeitado internacionalmente por pioneirismo e qualidade. Nos últimos anos o desmatamento na Amazônia vem caindo de maneira muito significativa, o que reflete uma gama de fatores, dentre eles ações consistentes de monitoramento e contenção. E para estas últimas, o INPE tem fornecido o melhor e mais eficaz dado sobre estado da cobertura e uso da terra. Mais informações no site do INPE (aqui). O site do projeto PRODES apresenta informaçoes detalhadas sobre os resultados históricos do desmatamento (frequencia anual) assim como sobre a metodologia empregada (aqui). O site do projeto DETER apresenta informações detalhadas sobre resultados em alta frequencia temporal de detecção das atividades de alteração na vegetação, assim como sobre a metodologia empregada (aqui).
**Nota do Blog: 1 hectare (ha) corresponde a 10 mil metros quadrados (m2). 1 kilometro quadrado (km2) contem 100 ha. Portanto, 6 mil km2 equivalem a 600 MIL ha, ou 6 bilhoes de m2! Esta area é equivalente a da grande regiao metropolitana de Sao Paulo. A maior fazenda registrada no municipio de Querencia, do MT, com gigantescos 170 mil ha, possui um quarto da área desmatada na Amazonia em 2011.
**Nota do Blog: 1 hectare (ha) corresponde a 10 mil metros quadrados (m2). 1 kilometro quadrado (km2) contem 100 ha. Portanto, 6 mil km2 equivalem a 600 MIL ha, ou 6 bilhoes de m2! Esta area é equivalente a da grande regiao metropolitana de Sao Paulo. A maior fazenda registrada no municipio de Querencia, do MT, com gigantescos 170 mil ha, possui um quarto da área desmatada na Amazonia em 2011.
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