A situação do saneamento brasileiro é trágica. De acordo com o IBGE, somente 44% da população brasileira tem acesso à rede de esgotamento sanitário e 79% tem acesso a água tratada. Do total de esgoto gerado, apenas 29% é tratado. Cento e sete milhões de brasileiros não têm acesso à rede de esgotamento sanitário, 134 milhões não têm os esgotos de suas casas tratados e 40 milhões não têm acesso a água tratada. Oito milhões não têm nem sequer banheiro. Como mudar este quadro? Como e quando será possível universalizar os serviços de saneamento?
A universalização do saneamento é um sonho possível, mas para o conjunto do país não é realizável da noite para o dia. Não é para a Copa de 2014, nem para as Olimpíadas de 2016. Mas dá para fazer em menos de 15 anos. Isso representaria uma das maiores contribuições deste século para a saúde e para o meio ambiente.
Estimamos que o investimento total para a universalização seja da ordem de R$ 255 bilhões. Colocamos quatro cenários para a universalização do saneamento no Brasil sob diferentes hipóteses.
Num primeiro cenário, a hipótese de manutenção do atual nível de investimento. De acordo com dados oficiais, o investimento em saneamento caiu a partir de 1999 e se manteve entre R$ 4 bilhões e R$ 6 bilhões até 2008, último ano disponível da série. Mantidos os atuais patamares de investimentos e de produtividade, a universalização da água ocorreria em 2039 e do esgoto (coleta e tratamento) apenas em 2060. É inaceitável esperar mais meio século para serviços básicos, disponíveis em vários países desenvolvidos desde meados do o século passado!
Num segundo cenário, supõe-se a duplicação do atual patamar de investimentos sem aumentar a produtividade. O horizonte de tempo para a universalização do saneamento ainda é muito distante: 2031.
1 Este artigo faz parte de trabalho inédito mais amplo apresentado no Encontro Nacional de Economia de 2010.
Numa terceira situação, trabalha-se com a manutenção do investimento, mas introduz o aumento da produtividade. Isto é, o mesmo real passa a gerar mais ligações de água e esgoto mediante melhores projetos e técnicas. Estudos recentes sugerem que um aumento de 30% na produtividade é ambicioso, porém factível. Mas só o aumento da produtividade ainda não permite obter prazo aceitável para a universalização. Neste cenário, a universalização de água se daria em 2028 e a de esgoto em 2042.
E uma última hipótese serve de referência para a formulação de metas de saneamento. Para universalizar em um intervalo de tempo aceitável (até 2024) será preciso ambos: mais investimento (duplicar os valores atuais) e maior produtividade (30% a mais).
A universalização não ocorrerá simultaneamente em todas as regiões do Brasil. A cobertura de saneamento varia muito conforme nas unidades da federação. As únicas com mais da metade dos domicílios atendidos em coleta de esgotos são Distrito Federal (86,3%), São Paulo (82,1%), e Minas Gerais (68,9%); as menores coberturas são Amapá (3,5%), Pará (1,7%) e Rondônia (1,6%).
O último cenário citado só será possível com mudanças macro e microeconômicas.
Do ponto de vista macro, destaquem-se três aspectos. Em primeiro lugar, é preciso reduzir a tributação. Os prestadores de serviços de água e esgoto pagam cerca de R$ 2 bilhões em PIS/PASEP-COFINS por ano, quase um terço do investimento do setor! Essa situação foi agravada a partir de 2003 com a elevação do PIS/PASEP-COFINS. O projeto original da Lei do Saneamento previa a isenção deste tributo para investimentos, mas o artigo foi vetado pelo Executivo.
Em segundo lugar, é preciso resgatar o planejamento do setor. A Lei do Saneamento obriga o Governo Federal a editar um Plano Nacional de Saneamento Básico. Passados quase quatro anos da aprovação da norma, tal plano ainda não existe.
Em terceiro lugar, é preciso estimular as parcerias, tanto as Parcerias Público-Privadas (PPP), como as Parcerias Público-Público e outras modalidades, como a locação de ativos.
O modelo de Parcerias Público-Público vem sendo aplicado, por exemplo, em transferência de tecnologia e conhecimento na formatação de editais e modelagens contratuais entre empresas estaduais de saneamento.
Do ponto de vista microeconômico, também três aspectos podem ser destacados. Em primeiro lugar, as empresas devem ter um planejamento voltado para a geração de valor.
Em segundo lugar, é indispensável reduzir as perdas de água. De acordo com o Ministério das Cidades, a perda média brasileira é próxima a 40%. O combate às perdas de água posterga a necessidade de investimentos em novos sistemas e aumenta a receita das companhias. Além disso, reduz custos operacionais, uma vez que é possível atender a mesma quantidade de pessoas, sem ampliar a produção de água.
Em terceiro lugar, é importante melhorar a gestão de projetos de forma a reduzir o tempo e o custo dos empreendimentos.
Por fim, a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação devem ser incorporados tanto como estratégia empresarial, quanto como política pública no saneamento.
A universalização do saneamento constitui grande desafio. O binômio investimento e inovação pode torná-la realidade para a atual geração. Um sonho possível.
Gesner Oliveira, presidente da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), economista e professor da FGV-SP Fernando S. Marcato, secretário-executivo de Novos Negócios da Sabesp, advogado Pedro Scazufca, assistente executivo da Presidência da Sabesp, economista