segunda-feira, 25 de outubro de 2010

NEM SEIS NEM MEIA DÚZIA

FOLHA DE S. PAULO, segunda-feira, 25 de outubro de 2010
Tendências/Debates

José Eli da Veiga

Mesmo antes da repugnante regressão cultural assumida pelos dois candidatos, só havia uma saída honrosa: a objeção de consciência

É sutil a diferença programática entre as duas coligações que disputam o segundo turno. Ambas se dizem estatizantes, embora tenham feito governos igualmente pragmáticos. Uma defende o Programa de Aceleração do Crescimento; a outra, um programa Acelera Brasil. Só pensam em acelerar, por pior que seja a visibilidade, impondo uma escolha entre seis e meia dúzia.

Claro, existem diferenças cruciais entre os partidos líderes, mas hoje elas são apenas sociológicas.

O PT emana muito mais do povão, de barnabés e de camadas emergentes, enquanto o PSDB vem mais da classe média ilustrada e do patronato modernoso.

Por isso, se a oposição ganhar, haverá radical renovação da "nomenklatura". Mas para fazer mais do mesmo, substituindo toscos sindicalistas e suas Erenices por brilhantes "punhos de renda" e seus Paulos Pretos.

Ao contrário dos partidos líderes, as duas coligações são essencialmente oligárquicas. Uma esconde que é Sarney, Renan, Barbalho e Jucá, enquanto a outra faz de tudo para não mostrar que é Kátia Abreu, ACM Neto, Bornhausen e Agripino.

O pilar da propaganda da situação não é contestado pela oposição. O que Dilma mais repete, e Serra consente, é que só continua pobre menos de um terço da população. Todavia, a metade não tem acesso a esgoto. Em 2009, eram 41% os domicílios, nos quais ocorrem as mais altas densidades de habitantes.

Isso reduz a inteligência das pessoas, por causa de infecções parasitárias na infância. Evidência consolidada por estudo da equipe conduzida por Cristopher Epping, publicado no periódico "Proceedings of the Royal Society" e relatado pelo médico Drauzio Varella em sua coluna de 11/9 ("Inteligência e pobreza") nesta Folha.

Diarreias infantis roubam do cérebro as calorias necessárias ao seu desenvolvimento. Se, em 16 anos de governos FHC e Lula, o andar de baixo tivesse obtido acesso a algo tão essencial quanto o saneamento básico, teriam aumentado as médias de QI, quociente de inteligência, e o consequente rendimento dos jovens nas escolas.

Então, não se trata de escolher entre dois dos mais valorosos resistentes da luta contra a ditadura, como tentam fazer crer as campanhas. Manobra que vai funcionar, porque não são os fatos que mais influenciam o voto. Ele é mais determinado pelo sistema límbico do que pelo córtex pré-frontal.

Mas isso não deve enganar quem está preocupado com as próximas gerações. Estes precisam comparar projetos de nação e de sua inserção mundial, ilustres ausentes do segundo turno, pois a candidatura que apresentou programa de governo com mudança de rumo ficou em terceiro lugar.

As duas coligações se recusam a acabar com os leilões de energia para novas termelétricas movidas a óleo diesel ou a carvão mineral, como lhes foi proposto na "Agenda por um Brasil Justo e Sustentável" de Marina. Prática caracterizada como "crime de lesa-humanidade" pelo físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite em 31/3/2009 neste mesmo espaço ("O crime perfeito").

Em suma, propensões e simpatias por Dilma ou por Serra nada têm a ver com a sustentabilidade do processo de desenvolvimento.

Mesmo antes da repugnante regressão cultural assumida pelos dois ao bajularem caciques religiosos, só havia uma saída honrosa: a objeção de consciência.

No dia 31, será melhor visitar alguma área de proteção ambiental do que ser constrangido a votar em branco ou nulo. E voltar de mangas arregaçadas para preparar a virada de 2014.
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JOSÉ ELI DA VEIGA, 62, é professor titular de economia da USP.
Site: www.zeeli.pro.br.