Antonio Donato Nobre
A nova ciência do sistema terrestre vem revelando e
demonstrando que os sistemas vivos de regulação climática tem enorme capacidade
de responder e compensar por abusos e perturbações, semelhante ao resiliente
pneumático cuja borracha flexível absorve os impactos dos buracos na estrada. À
mente reducionista e pragmática, incapaz de considerar além do bem-estar
imediato para formar julgamento, essa resiliência natural é usual e ignorantemente
tomada por “imunidade” a abusos. Apesar
desta capacidade de absorver abusos, o sistema natural não é imune; como na
metáfora do pneumático o desgaste e a fadiga cumulativa dos materiais
decorrente do mau uso, comprometem sua capacidade e longevidade, ou um impacto
poderoso simplesmente o estoura.
Um paralelo ilustrativo para compreender a relação
irresponsável da humanidade atual com a complexa nave Terra é a relação do
alcoólatra com seu corpo. Os episódios de bebedeira seguem mais ou menos a
mesma rotina de dependência: desejo irrefreado de prazer leva a ingestão de
substancia tóxica; a substancia atua no corpo e produz uma avalanche de
sensações – suprindo o circuito de recompensa no cérebro do viciado - e também
promove uma serie de danos; alguns dos danos são perceptíveis no dia seguinte,
quando o prazer e o torpor já evaporaram e a ressaca indica estragos no
sistema; os órgãos trabalham freneticamente para processar/expulsar o tóxico
até que o sistema volte ao normal. Porém, cada episodio de intoxicação deixa
atrás de si uma esteira de milhões de células mortas e defeitos bioquímicos
cumulativos. Mas o sistema de “conforto” orgânico é tão eficiente que o
alcoólatra, passada a ressaca, tem a viva ilusão de que não foi nada, que
afinal buscar o prazer ao ingerir o tóxico não é tão mal assim, já que o
sistema sempre se recupera e fica bom de novo. Até um dia no qual os invisíveis
defeitos e danos cumulativos superam a capacidade de auto-reparo do organismo e
este entra em colapso súbito (por cirrose hepática).
[1] Conhecida anedota sobre a reação de um sapo em uma panela com água,
à velocidade com que se aquece. Um aquecimento rápido o fará saltar, mas um
aquecimento bem lento e gradual terá o animal completamente imóvel, até morrer
na fervura sem reação. Uma revisita ao experimento
porém,
publicado na revista Nature no século
19, -e outros experimentos modernos- mostra que o único sapo que não salta no
experimento de aquecimento lento é aquele de quem fora removido o cérebro. Sapos normais saltam em qualquer velocidade
de aquecimento.