quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Código Florestal, o pesadelo mal começou

Como um ativo seguidor e participante dos debates sobre a reforma do Código Florestal, que se arrastam há mais de 12 anos, me vejo no papel de confessar que tenho tido dificuldade de entender cada nova maldade que as “Carminhas” da bancada ruralista inventam para destruir nossas florestas.
A impressão que tenho é que a cada momento são feitas novas propostas - como o fim da proteção da vegetação das margens dos rios localizados na região Nordeste, os chamados rios intermitentes - para assustar o governo, barganhar e arrancar novas concessões. Até porque se tem uma coisa que essa bancada sabe fazer muito bem é jogar verde para colher maduro.

E, do lado da presidenta, de onde seria possível esperar orientações para uma atuação coordenada para fazer valer a sua folgada maioria parlamentar, uma vez que praticamente não existe oposição ao seu governo no Congresso Nacional, o que se vê é um bate cabeça sem fim. Na verdade, é preciso dizer que nesse assunto, Dilma nunca quis aplicar o guia governamental de convencimento parlamentar, que fica reservado para momentos mais intensos da conveniência presidencial.
Foi assim que a bancada ruralista venceu mais uma disputa durante a votação do texto da Medida Provisória (MP) n#571/12, aprovado na Câmara dos Deputados na semana passada e ontem, no Senado. Esta MP foi feita justamente para preencher as lacunas que haviam sido criadas pelos vetos da presidenta ao texto de reforma do Código, aprovado em abril. Em troca da retirada da incômoda proposta sobre os rios intermitentes, as lideranças do governo aceitaram reduzir ainda mais a largura das faixas de terras a serem replantadas nas beiras dos rios nas já famosas áreas de preservação permanentes (APPs). Pelo visto, de nada adiantou o bilhetinho de Dilma puxando as orelhas dos seus ministros quando soube que eles haviam feito um acordo para aprovar esse texto. E agora, o que fará a presidenta?

Foto 1 de 24 - 30.08.2012 - Presidente Dilma Rousseff escreve bilhete (parte de cima) para as ministras Ideli Salvati e Izabella Teixeira cobrando a aprovação do Código Florestal na Comissão Especial do Congresso. O bilhete diz: "Porque (sic) os jornais estão anunciando um acordo no Congresso Nacional sobre o Codigo Florestal e eu não sei de nada?". A ministra Izabella Teixeira respondeu (parte de baixo do bilhete) Andre Borges/FolhaPress
 
A essa altura do campeonato é o caso de nos perguntarmos o que realmente está em jogo em um assunto que se arrasta há tanto tempo no Congresso Nacional. A primeira coisa que precisa ser dita é que o debate sobre o Código Florestal vai muito além do que se deve proteger nas margens dos rios. Na verdade, reside no enfrentamento de uma espécie de cruzada do setor liderado pelas grandes empresas que dominam a agricultura brasileira para eliminar os limites fixados para o pleno uso da terra.

Nos últimos anos, a emergência da questão ambiental fez com que, no Brasil, as leis de proteção da natureza ganhassem mecanismos eficazes para que fossem aplicadas, como a vinculação do financiamento da produção à adoção das boas práticas agrícolas prescritas pelo Código Florestal. Com as mudanças do Código, porém, essas tais boas práticas simplesmente perderam boa parte do seu conteúdo ambiental.

Produzir mais e melhor, como de fato é possível, demolirá o discurso ruralista que desde o início vem pautando a desconstrução do Código Florestal. O argumento de que vai faltar terra para produção de alimento ou de que uma boa lei encarece o preço da comida esconde a verdadeira razão das disputas, revelando que o que as grandes empresas do agronegócio querem é não diminuir seus lucros astronômicos para adotar padrões de produção a que, diga-se de passagem, já estão obrigadas em outros países europeus e nos Estados Unidos - o que as levou a transferir suas atividades para cá. Até porque existem mais de 60 milhões de hectares de terras subutilizadas no país, que podem ser destinadas para que dobremos nossa produção agrícola sem que seja necessário desmatar uma única árvore.

Para o ex-Ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, é preciso que o Brasil debata um “programa amplo de avanço do agronegócio”, o que passa pelo estabelecimento de políticas que evitem a “amputação de áreas agrícolas”. Isto, na visão de muitos, é justamente o que o Código Florestal faz quando exige, por exemplo, que não se plante em toda a extensão de uma fazenda, respeitando as árvores existentes naquilo que a lei chama de reserva legal do imóvel rural (o tamanho desta reserva varia de região para região do país).

Assim, o que se viu até agora foi apenas a primeira parte da estratégia de desmonte da legislação de proteção das florestas brasileiras, que se concentrou inicialmente em anistiar e reduzir os níveis de exigências que o Código fazia para a recuperação das áreas que haviam sido ilegalmente desmatadas. Trata-se de uma reforma feita para resolver prioritariamente o passivo ruralista junto aos órgãos ambientais que bloqueia o seu acesso às fontes de financiamento nos bancos oficiais de crédito.
Em segundo lugar, a nova etapa do debate sobre o Código Florestal vai girar exatamente em torno da preocupação manifestada pelo ex-Ministro Roberto Rodrigues, uma das vozes mais influentes entre os ruralistas, que é a de garantir que não faltarão terras para a expansão do agronegócio.
João Sampaio Filho, produtor rural e ex-Secretário de Agricultura do Estado de São Paulo, fez a seguinte análise sobre o texto aprovado pelo Congresso em abril: “Claramente não é o código dos sonhos do setor produtivo, mas foi o possível e necessário para o agronegócio assumir o desafio de produzir mais alimentos... Os próximos anos serão vitais para colocar a legislação em prática e trabalhar para a revisão dos excessos.” Não é à toa que o novo texto foi apelidado de “Código Ruralista”.

Ou seja, mesmo que para consolo dos ambientalistas, o agronegócio confessa que pode muito, mas não pode tudo, ao menos não em uma única tacada. Mas ele deixa o aviso de que a agenda de reforma do Código realmente não acabou. Assim, embora pareça ainda não ser o nirvana para os ruralistas, é o prenúncio de que o pesadelo para as florestas mal começou.

Sergio Leitão, 48 anos, advogado, especializado em temas ambientais e sociais.
Diretor de Políticas Públicas do Greenpeace no Brasil.