Marina Silva
Por esses dias, andei revisitando o passado. Primeiro, ao ver o filme
"Matando por Terras", num evento em memória do saudoso e corajoso
documentarista Adrian Cowell.
Revivi momentos difíceis da sofrida história dos trabalhadores rurais e povos da floresta amazônica. Depois acompanhei a cerimônia de despedida de dom Eugenio Sales, com tocantes testemunhos sobre a importância das comunidades de base e da Campanha da Fraternidade, duas contribuições originadas com ele.
Voltei ao tempo em que todo o PT e suas lideranças lutavam ao lado dos trabalhadores rurais, índios e ambientalistas, na defesa da vida e de um desenvolvimento econômico e social que respeitasse a floresta e seus habitantes.
Ontem, vi mais uma cena dessa longa história, mas de um capítulo atual e com muitas mudanças no enredo. O senador Luiz Henrique (PMDB-SC) apresentou seu relatório da MP do ex-Código Florestal, enviada ao Congresso pela presidente Dilma.
A ninguém surpreendeu a manutenção dos retrocessos e até a ampliação da anistia aos desmatadores e a nova diminuição das áreas de proteção. Os ruralistas, hoje, com o apoio do governo do PT, têm tudo o que querem.
Não faltará quem atribua o "passeio" ruralista à posição do movimento socioambiental, que continuou defendendo as florestas e recusou-se a participar da encenação de um falso consenso.
Já estava combinado. Passada a exposição da Rio+20, as últimas salvaguardas ambientais seriam retiradas pelos tratores. Interrompe-se o processo de construção da governança socioambiental democrática e baseada em princípios, que havia avançado desde a Constituição de 88.
Arquiva-se a ideia de que os líderes políticos pudessem mediar os interesses entre a mentalidade produtivista predatória e as urgências das mudanças climáticas. Acaba também uma fase em que a ciência podia influenciar o debate e as decisões políticas. Tudo agora se reduz ao pragmatismo e às conveniências eleitorais.
Revisitar o passado é algo necessário. Adrian Cowell e dom Eugenio, agora em nossa memória, assim como Chico Mendes, nos ajudam a pensar uma nova fase da luta do povo com as experiências de quem já enfrentou batalhas semelhantes. Os que aparecem nas cenas antigas com índios, seringueiros e agricultores, hoje posam ao lado de seus novos amigos.
Dizem que cada um retém do passado o que lhe serve ao presente. Que aprendamos logo, em lugar de retê-lo, a ressignificá-lo. Jean-Paul Sartre disse que "não somos o resultado e o produto do que o passado fez conosco, mas o resultado e o produto daquilo que fazemos com o nosso passado".
Pelo andar da carruagem dos retrocessos, esse passado de tantas injustiças e dores ainda está nos dirigindo.
MARINA SILVA escreve às sextas-feiras nesta coluna.
Folha de S. Paulo
Revivi momentos difíceis da sofrida história dos trabalhadores rurais e povos da floresta amazônica. Depois acompanhei a cerimônia de despedida de dom Eugenio Sales, com tocantes testemunhos sobre a importância das comunidades de base e da Campanha da Fraternidade, duas contribuições originadas com ele.
Voltei ao tempo em que todo o PT e suas lideranças lutavam ao lado dos trabalhadores rurais, índios e ambientalistas, na defesa da vida e de um desenvolvimento econômico e social que respeitasse a floresta e seus habitantes.
Ontem, vi mais uma cena dessa longa história, mas de um capítulo atual e com muitas mudanças no enredo. O senador Luiz Henrique (PMDB-SC) apresentou seu relatório da MP do ex-Código Florestal, enviada ao Congresso pela presidente Dilma.
A ninguém surpreendeu a manutenção dos retrocessos e até a ampliação da anistia aos desmatadores e a nova diminuição das áreas de proteção. Os ruralistas, hoje, com o apoio do governo do PT, têm tudo o que querem.
Não faltará quem atribua o "passeio" ruralista à posição do movimento socioambiental, que continuou defendendo as florestas e recusou-se a participar da encenação de um falso consenso.
Já estava combinado. Passada a exposição da Rio+20, as últimas salvaguardas ambientais seriam retiradas pelos tratores. Interrompe-se o processo de construção da governança socioambiental democrática e baseada em princípios, que havia avançado desde a Constituição de 88.
Arquiva-se a ideia de que os líderes políticos pudessem mediar os interesses entre a mentalidade produtivista predatória e as urgências das mudanças climáticas. Acaba também uma fase em que a ciência podia influenciar o debate e as decisões políticas. Tudo agora se reduz ao pragmatismo e às conveniências eleitorais.
Revisitar o passado é algo necessário. Adrian Cowell e dom Eugenio, agora em nossa memória, assim como Chico Mendes, nos ajudam a pensar uma nova fase da luta do povo com as experiências de quem já enfrentou batalhas semelhantes. Os que aparecem nas cenas antigas com índios, seringueiros e agricultores, hoje posam ao lado de seus novos amigos.
Dizem que cada um retém do passado o que lhe serve ao presente. Que aprendamos logo, em lugar de retê-lo, a ressignificá-lo. Jean-Paul Sartre disse que "não somos o resultado e o produto do que o passado fez conosco, mas o resultado e o produto daquilo que fazemos com o nosso passado".
Pelo andar da carruagem dos retrocessos, esse passado de tantas injustiças e dores ainda está nos dirigindo.
MARINA SILVA escreve às sextas-feiras nesta coluna.